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INTRODUÇÃO

O câncer de pele é a neoplasia mais frequente no Brasil, representando 30% de todos os tumores
malignos no país. Devido a sua capacidade de metástase, o melanoma é considerado o mais grave
dos cânceres de pele, mesmo sendo responsável por apenas 3% dessas neoplasias.1 Para os anos de
2020 a 2022, o Instituto Nacional do Câncer (INCA) estima que serão diagnosticados em torno de
25.350 novos casos de melanoma no Brasil.1
Ao fazer diagnóstico e tratamento de uma lesão primária, o melanoma possui uma taxa de recidiva
de aproximadamente 33% e capacidade de metástase para praticamente todos os órgãos e tecidos.2
Com o aumento da prevalência de melanoma nos últimos anos, tem se observado maior disseminação
extracutânea e um aumento considerável nos relatos de casos de metástases gastrointestinais em
pacientes vivos.3
Os sintomas de metástases gastrointestinais são incomuns e quando ocorrem geralmente são
inespecíficos, como náuseas e êmeses, dor abdominal, perda ponderal, hemorragia digestiva e
distensão abdominal.4 A anemia é detectada em 70% dos casos e a hemorragia digestiva alta está
presente em 50% dos doentes. O diagnóstico precoce é essencial, já que possibilita uma ressecção
cirúrgica ainda potencialmente curativa.
O objetivo deste artigo é relatar o caso de uma paciente no puerpério que evoluiu com abdome agudo
obstrutivo e durante ato cirúrgico foi descoberto intussuscepção intestinal de delgado com melanoma
metastático em íleo distal, sem conhecimento prévio de malignidade.

CASO CLÍNICO
Paciente de 32 anos, sexo feminino, IG31s+4, ??sem diagnóstico prévio de malignidade??, foi
admitida no Pronto Atendimento de Ginecologia e Obstetrícia (PAGO-HU-UFGD) com queixa de
dor abdominal, êmese e perda de líquido vaginal. Apresentava ao exame físico bom estado geral,
corada e eupneica, altura uterina 28, BCF 140-160, especular: sangue coletado, colo pérvio 1,5cm.
Após avaliação, paciente foi internada por apresentar trabalho de parto e amniorrexe prematuros,
taquicardia materna sustentada e hemograma infeccioso com bastões elevados e PCR 164. Diante
disso, foi submetida a cesariana de emergência sob hipótese de corioamionite com sofrimento fetal,
em um procedimento sem intercorrências. Evoluiu com persistência de náuseas, 7 episódios de
diarreia, êmese refratária ao tratamento, ausência de flatos e distensão abdominal. Na investigação
foram realizadas USG total e TC de abdômen que revelaram espessamento do íleo distal, ceco e colo
ascendente, com imagens sugestivas de invaginação ileocecal e infiltração edematosa dos planos
adiposos circunjacentes, sendo os achados sugestivos de intussuscepção intestinal. Paciente foi
submetida, então, a laparatomia exploratória, na qual foi observada intussuscepção intestinal de
delgado a 40 cm do ceco com sofrimento de alça e perfuração, linfonodomegalia melanocítica em
delgado, lesão provável metastática em íleo distal, linfonodo melanocítico em hilo hepático sem
compressão de via biliar, e múltiplos implantes milimétricos na cavidade peritoneal e delgado. Foi
realizada ileocolectomia e esvaziamento de linfonodos de mesocólon e mesentério. Paciente evoluiu
sem intercorrências e recebeu alta hospitalar no terceiro dia pós-operatório. O exame
anatomopatológico revelou lesão vegetante (2,5x2,0x1,0cm) no intestino delgado de aspectos
compatíveis com melanoma e metástase em 2 de 9 linfonodos mesentéricos.

DISCUSSÃO
O risco de desenvolver melanoma aumenta com a idade, sendo a atual média do diagnóstico por volta
de 65 anos.6 Entretanto, não é rara a ocorrência em pessoas com menos de 30 anos, principalmente
nas mulheres, visto que é um dos cânceres mais incidentes em adultos jovens.6 O melanoma
corresponde a um terço dos tumores metastáticos do trato gastrointestinal,2,7,8 sendo que o intestino
delgado o sítio mais comum de envolvimento.
Embora a metastização para o intestino delgado seja comum, com uma incidência em autópsias que
varia de 58 a 71%,9 casos começaram a ser relatados na literatura recentemente. Isso porque
usualmente as metástases são assintomáticas por períodos prolongados e, quando sintomáticas, a
apresentação clínica é inespecífica durante o curso da doença, com manifestações vagas e incomuns.
Dessa forma, o diagnóstico é feito em apenas 0,9 a 5% dos casos, geralmente quando complicações
significativas se desenvolvem,2,10 e devido a esse fato são diagnosticadas antes do óbito em menos de
5% dos pacientes.11
As metástases gastrointestinais, quando ocorrem no intestino delgado, são mais frequentes no jejuno,
com cerca de 75% dos casos.12 O comprometimento de múltiplos segmentos intestinais ou de
múltiplos órgãos é mais comum, sendo rara a presença de metástases solitárias, que tendem a se
instalar em segmentos mais bem vascularizados do tubo digestivo, como intestino delgado e
estômago. Apesar de ser achado raro em adultos, a intussuscepção é na maioria dos relatos resultado
de uma lesão orgânica maligna, sendo o melanoma responsável por 61,9% dos quadros intestinais
obstrutivos dessa natureza.13
Nos casos em que sintomas estão presentes, além da investigação clínica, é necessária uma
investigação radiológica rigorosa, que desempenha um papel importante para determinar a origem do
problema ao buscar alguma alteração orgânica que explique os sintomas. Os exames mais acurados
para o diagnóstico de intussuscepção intestinal são a tomografia computadorizada (TC) e a
ultrassonografia (USG), com uma sensibilidade de até 98,5% dos casos.13,14 Em alguns casos nos
quais a intussuscepção ocorre a nível ileocecal, a colonoscopia pode ser um exame útil para o
diagnóstico,14 assim como a PET-CT (tomografia computadoriza por emissão de pósitrons), que pode
ser utilizada para a detecção de sítios metastáticos.11
Dentro das opções disponíveis para auxiliar na investigação, a TC abdominal é considerada
atualmente o exame mais adequado para o diagnóstico de intussuscepção, com uma acurácia
diagnóstica entre 58 a 100%.15 No entanto, a TC não é confiável na diferenciação entre neoplasia e
espessamento inespecífico da parede intestinal, ficando o diagnóstico de metástase como causa da
intussuscepção exclusivo para a cirurgia.16
A cirurgia é indicada nos casos de metástases sintomáticas ou se a lesão for o único local identificável
da doença metastática.17 O planejamento de cirurgia para ressecção deve ser considerado, já que o
procedimento pode tratar a intussuscepção e fazer a ressecção da lesão, além de propiciar um
tratamento paliativo com consequente alívio dos sintomas e levar a um prolongamento da sobrevida
média a partir da ressecção da metástase intestinal.18,19

REFERÊNCIAS

1. BRASIL. Instituto Nacional de Câncer. Rio de Janeiro: Câncer de pele Melanoma, estimativas
2020; [acessado em: 1 de fevereiro de 2021]. https://www.inca.gov.br/tipos-de-cancer/cancer-de-
pele-melanoma
2. Kruse J, Heath R. - Melanoma metastatic to the gastrointestinal tract. American Family Physician.
1990, 41(1): 165-168.
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malignant melanoma. The American Journal of Surgery. 2008; 196: e1- e2.
4. Tomasich FDS, et al. Metástases Intestinais de Melanoma. Revista do Colégio Brasileiro de
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5. Eivazi-Ziaei J, Esmaili H. Metastatic malignant melanoma affecting stomach. Journal of Cancer
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6. American Cancer Society. Atlanta: Key Statistics for Melanoma Skin Cancer. [acessado em: 1 de
fevereiro de 2021]. Disponível em: https://www.cancer.org/cancer/melanoma-skin-
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7. Metastatic melanoma of the gastrointestinal tract: a review of the literature. Capizzi PJ, Donohue
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9. Colchon PH et al. Intussuscepção ileocecal secundária a melanoma metastático. Revista Brasileira
de Oncologia Clínica. 2011; vol 7:26.
10. Metastatic melanoma of the gastrointestinal tract. Caputy GG, Donohue JH, Goellner JR, Weaver
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11. Souza FF, el al. Melanoma metastático causando intussuscepção do intestino delgado: diagnóstico
por 18F-FDG PET/TC. Revista Radiologia Brasileira. 2009; 42:333-5.
12. Diagnosis and treatment of metastatic melanoma. In: Balch CM, Houghton NA, Sober AJ, Soong
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13. Adult intussusception. Azar T, Berger D. Ann Surg 1997;226:134-8
14. Torricelli FCM, Lopes RI, Dias AR, et al. Linfoma ileal primário como uma causa de
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