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LINGUAGEM E FENÔMENO

RELIGIOSO
AULA 2

Prof. Alex Villas Boas


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CONVERSA INICIAL

Fenomenologia da religião

O objetivo desta aula é analisar o que é fenomenologia da religião,


considerando-a como um dos métodos para se investigar o fato ou o fenômeno
religioso, adotando fenomenologia de Edmund Husserl como referência teórica.

TEMA 1 – INTRODUÇÃO À FENOMENOLOGIA DA RELIGIÃO

Fenomenologia da Religião é um método de investigação que visa


compreender o fenômeno religioso por meio de suas manifestações históricas,
individuais e coletivas.
Para o método fenomenológico, as manifestações do fenômeno
correspondem a uma vivência ou experiência profunda.
A aplicação da Fenomenologia ao fato religioso visa à descrição do
fenômeno religioso, identificando suas formas de manifestação que
correspondem a uma vivência ou experiência.

1.1 Crises culturais, crises metodológicas e novas epistemologias

No contexto em que surgia uma nova forma de análise racional da religião,


também houve, como reação, condenações à modernidade por parte das
teologias normativas, considerados os questionamentos das interpretações
dogmáticas, tanto as católicas quanto as protestantes.
Do lado protestante, ocorria a crítica do idealismo alemão, especialmente
da teologia de Friedrich Schleiermacher (1768-1834), que enfatizava que o
sentimento era unidade originária do pensamento e, assim, propunha a
libertação da pessoa do dogmatismo religioso.
Em virtude desse aspecto, tal corrente ficou conhecida como teologia
liberal e teve forte reação com o que se chamou neo-ortodoxia protestante.
No caso católico, foi estabelecido o questionamento da infalibilidade
papal, que reage com o Syllabus de Pio IX, um apêndice na Encíclica Quanta
cura, condenando um total de 80 erros modernos, incluindo o racionalismo ou
qualquer forma de razão que não se dirija a Deus (Quanta cura, n. 3).

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O contexto de condenação e não enfrentamento às críticas
epistemológicas acaba por promover um estado psicológico de uma moderna
“caça às bruxas” aplicada aos pensadores.
A partir desse momento, surgem também os fundamentalismos católicos,
com base em uma distorcida compreensão de infalibilidade papal, e também os
protestantes, que absolutizam a inerrância bíblica.
Apesar de um crescente acúmulo do conhecimento empírico das Ciências
da Religião, após a Primeira Guerra Mundial, houve também uma crise cultural
europeia que se refletiria como uma crise da cristandade, com os respectivos
sistemas de crença em um crescente processo de racionalização, seja pela
disputa interna à própria cristandade, seja pela crítica do racionalismo
investigativo, ambos insuficientes para lidar com os sentimentos confusos,
oriundos do conflito bélico e da crise de unidade na Europa.
Uma alternativa à epistemologia da nascente Ciência da Religião nesse
momento era a Fenomenologia da Religião, que se baseava no pensamento
filosófico de Edmund Husserl (1859-1938) e reunia as críticas feitas às teologias
normativas tanto por parte de católicos, como é o caso de Franz Brentano (1838-
1917) e do idealismo alemão, quanto por parte da teologia liberal protestante.
O que Husserl realiza no interior do sistema cultural alemão em crise é
ajudar a compreender que o conhecimento é inseparável da interioridade
compreensiva do espírito.
A pesquisa fenomenológica fundamenta-se no modo próprio de viver e
não se define como algo abstrato e distante da vida, razão pela qual visa justificar
como somos feitos sem prescindir do rigor filosófico ou da filosofia como “ciência
do rigor”.
A Ideia de fenomenologia de Husserl faz uma observação direta da
experiência subjetiva, que interage com a consciência como padrão estrutural
cognitivo-emocional-sensorial de nosso próprio comportamento e do mundo
exterior tal qual se vê.
Desse modo, a fenomenologia descreve as “essências” do fenômeno,
como objeto que é dado à consciência desde aquilo que aparece e se manifesta
nas vivências, sendo estas imanentes à consciência.
A tentativa de correlacionar o conjunto de todas as notas que marcam
essas vivências constitui sua intencionalidade, ou a origem do itinerário entre a

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“intuição” provocada e o sentido percebido, ou o caminho contrário de como o
sentido das coisas pode ser encontrado no ser humano por meio das vivências.
Rudolf Otto (1869-1937) pretendeu seguir a mesma perspectiva com a
religião. Teólogo alemão e erudito das religiões, trabalhou com a ideia do
sagrado (Das Heilige) ou do numen (essência divina), que constitui o ser em sua
totalidade e está presente em todas as religiões como uma “força misteriosa”
que vem a ser conhecida nas vivências que estão implicadas na existência, nos
eventos ou nas ações.
Por meio da redução eidética – método da fenomenologia de Husserl que
visa encontrar as questões essenciais nas vivências da alma ou da interioridade
humana –, o cientista da religião deve desenvolver um sensus numinis que
permita encontrar a experiência do sagrado no seu mais íntimo.
Soma-se a isso o interesse de Otto pela chamada teoria do monoteísmo
primordial, uma novidade em meio às ideias evolucionistas que tendiam a ver o
monoteísmo como evolução do politeísmo.
Aplicando o método da fenomenologia, percorre-se o caminho do
fenômeno – o que aparece das religiões – até a essência destas, a experiência
religiosa ou a experiência do numen.
Tal método entendia que os objetos da Ciência da Religião era a religião
a ser analisada e o fenômeno, sendo este mais amplo e convergente em sua
estrutura com as demais religiões.

1.2 Revisão crítica da fenomenologia da religião

A Fenomenologia da Religião teve grande aceitação, sobretudo, no


período após a Segunda Guerra Mundial, com a necessidade de esperança que
surgiu diante de um racionalismo teológico estéril.
Além de Otto, há outros nomes importantes que se inseriram nessa
corrente: Gerardus van der Leeuw (1890-1950) e Joachim Wach (1898-1955).
Contudo, é com Mircea Eliade (1907-1986) que a fenomenologia se
expandiria, dando maior atenção ao “mito” como “estrutura fundamental da vida
primitiva” e alargando o horizonte do sagrado entendido como “horizonte geral
do sentido”.
Após a revisão crítica da Fenomenologia da Religião, iniciou-se um
debate metateórico da Ciência da Religião, com base no qual se privilegia uma
abordagem mais empírica, mais igualitária, dando maior atenção à história.
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Greschat entende que a fenomenologia se desenvolveu como método de
investigação das religiões que procurava as “concordâncias fenomenológicas”,
dando atenção ao elemento essencial em detrimento dos elementos históricos,
contextuais e regionais, ao passo que o cientista da religião mais empírico
procurava “como algo religioso funciona”, enfatizando exatamente o seu dado
contextual, geográfico, histórico, linguístico e cultural. Para o cientista da religião
alemão, “fenomenólogos são cientistas ‘não exatos’”, pois procuram os “traços
elementares” gerais dentro de cada particular, ao passo que os cientistas da
religião exatos se atêm a esse particular.
A abordagem geral ficou conhecida como Ciência Sistemática da Religião;
já a abordagem do particular como Ciência Empírica da Religião (Greschat,
2005, p. 107-152).

TEMA 2 – ETAPAS HISTÓRICAS DA FENOMENOLOGIA DA RELIGIÃO

Há, no século XIX, ao menos cinco tendências de categorização do


fenômeno religioso.

 Iluminismo: nesse período, o estudo da religião tem um caráter mais


etnológico e etnográfico. Há uma tendência em considerar as diversas
religiões como diferentes expressões de uma única religião universal.
 Romantismo: movimento de reação ao racionalismo iluminista,
procurando gerar uma nova síntese cultural, tendo como referência a
unidade de arte do período medieval. Nomes de destaque: Hegel,
Schleiermacher, entre outros.
 Filologia: desenvolvido por Max Müller (1823-1900), considerado como o
criador da Ciência da Religião. A proposta era abordar o fato religioso pelo
estudo das línguas antigas de textos religiosos, a fim de captar o
desenvolvimento histórico, social e seus universos simbólicos,
desenvolvendo estudos de mitologia comparada.
 Filosofia: visa compreender os fenômenos na forma de expressar ao
observador em conformidade com as leis do método fenomenológico –
redução constitutiva eidética, fenomenológica e transcendental. Nomes
de destaque: M. Scheler, J. Wach, N. Sóderblom, G. van der Leeuw, M.
Heidegger, H. Duméry.

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 Positivismo: ocorre um desenvolvimento sistemático da Fenomenologia
que se baseia em manifestações históricas dos fatos religiosos. Nomes
de destaque: Chantepie de la Saussaye, Hermann Usener, A. Dieterich,
W. Wund, Lévy-Bruhl, F. Heiler e R. Otto e M. Eliade.

A origem da Fenomenologia da Religião é atribuída à Daniel Chantepie


de la Saussaye (1848-1920), da Universidade de Amsterdã.

TEMA 3 – FENÔMENO RELIGIOSO COMO SISTEMA DE CRENÇA

A tentativa de identificar estruturas do fenômeno religioso resulta no


elenco de elementos constitutivos do fenômeno religioso.

1. Crenças religiosas
2. Afiliação religiosa ou identificação religiosa
3. Religião organizacional (espaços institucionais)
4. Religião não organizacional (religiosidade pessoal)
5. Religião subjetiva (como o sujeito religioso se percebe)
6. Compromisso religioso (envolvimento com uma religião)
7. Religiosidade como busca (auxílio na compreensão de situações limites
da vida)
8. Experiência religiosa (místicas e transcendência)
9. Bem-estar religioso (nível de satisfação com a vida)
10. Coping religioso como utilização de recursos cognitivos e
comportamentais da religião como caminho de resiliência.
11. Conhecimento religioso (conhecimento doutrinal de uma religião)
12. Consequências religiosas que incidem sobre comportamentos
decorrentes da religiosidade da pessoa

TEMA 4 – CRÍTICA À FENOMENOLOGIA DA RELIGIÃO

Rudolf Otto procurou aplicar o método fenomenológico ao fato religioso a


fim de encontrar sua essência, como estrutura universal das diversas religiões.
Otto trabalha com a ideia do Sagrado (Das Heilige) ou do numen
(essência divina), que constitui o ser em sua totalidade e está presente em todas

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as religiões como uma “força misteriosa” que se dá a conhecer nas vivências
implicadas na existência, nos eventos ou nas ações.
Tal abordagem, contudo, ia desencadear uma “briga de métodos”, por ser
a fenomenologia clássica acusada de “criptoteologia” e o pressuposto de que o
cristianismo teria algo de superior (surplus).
Após a revisão crítica da Fenomenologia da Religião, inicia-se um debate
metateórico da Ciência da Religião, na qual se privilegia uma abordagem mais
empírica, mais igualitária, dando maior atenção à história.
Hans-Jürgen Greschat entende que a Fenomenologia desenvolveu-se
como método de investigação das religiões que procura as “concordâncias
fenomenológicas”, dando atenção ao elemento essencial em detrimento dos
elementos históricos, contextuais e regionais, ao passo que
o cientista da religião, mais empírico, procurou “como algo religioso funciona”,
enfatizando exatamente o seu dado contextual, geográfico, histórico,
linguístico e cultural.

TEMA 5 – LINGUAGEM E FENÔMENO RELIGIOSO

Martin Heidegger (1889-1976) (2010), que escreveu Fenomenologia da


Vida Religiosa (1920-1921), propõe uma interpretação fenomenológica da
“experiência cristã”. Não se trata de uma “doutrina especificamente teórica”, mas
de seu “caráter realizador” de uma “experiência fática” por meio do “fato” da
proclamação. Esse fato “afeta o ser humano em um momento e continua
acompanhando-o constantemente na realização da vida”, vendo nessa
experiência uma “autêntica dinâmica de sentido”. Vai aflorando como
consciência de um “princípio existencial totalmente novo”, mas que vai
“amadurecendo na linguagem” do mundo em que está situado, exercendo uma
“função significativa” dada sua experiência significante.
Para Heidegger (2010), a questão da verdade deixa de ser um debate
teórico sobre sua objetividade para ser uma experiência doadora de sentido e
diz respeito “às coisas em si mesmas” (zu den Sachen selbst), ou seja, parte da
experiência religiosa.
No caso do logos, resgata seu substrato semântico mais profundo,
apofainesthai, sinônimo de “aquilo que deixa e faz ver” (läßt etwas sehen) sobre
o que discorre, em que se dá o discurso autêntico quando se retira “o que” diz
(dichtung) daquilo “sobre o que” (aus dem) discorre.
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A linguagem, por excelência, para a Fenomenologia da vida religiosa (leia-
se “experiência religiosa”), é a poética e a simbólica, pois “poeticamente/habita
o ser humano sobre esta terra”.

NA PRÁTICA

Estudamos a Fenomenologia religiosa como aplicação da metodologia de


investigação fenomenológica de Edmund Husserl, procurando compreender o
significado das religiões em uma cultura. Uma das questões fundamentais para
compreensão do significado religioso é a linguagem.

FINALIZANDO

O que é Fenomenologia da Religião?

1. Aplicação do método fenomenológico ao fato religioso.


2. Relação entre sujeito religioso e o âmbito que se relaciona.
3. Elucidação da relação sujeito religioso-objeto intencional
(sagrado/numen/divindade).

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REFERÊNCIAS

GRESCHAT, H.-J. O que é Ciência da Religião? São Paulo: Paulinas, 2006.


(Col. Repensando a Religião).

HEIDEGGER, M. Fenomenologia da vida religiosa. Petrópolis: Vozes/Bragança


Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2010. (Col. Pensamento Humano).

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