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20 Penso nisto, não como quem pensa, mas como quem não pensa,
E olho para as flores e sorrio...
Não sei se elas me compreendem
Nem se eu as compreendo a elas,
Mas sei que a verdade está nelas e em mim
25 E na nossa comum divindade
De nos deixarmos ir e viver pela Terra
E levar ao colo pelas Estações contentes
E deixar que o vento cante para adormecermos,
E não termos sonhos no nosso sono.
30
Fernando Pessoa, Poesia de Alberto Caeiro
1. Nas três primeiras estrofes, são abordados dois processos de criação poética. Explicite esses dois
35 processos, tendo em conta, por um lado, as comparações presentes nos versos 3 e 5 e, por outro lado, o
sentido do verso 4 e o conteúdo da terceira estrofe.
Tópicos de resposta
Exemplo de resposta
50 No poema, são apresentados dois processos distintos de criação poética. De acordo com o primeiro
processo – o dos «poetas que são artistas» (v. 1) –, a poesia corresponde a um trabalho minucioso,
rigoroso e artesanal. Neste contexto, as comparações com o carpinteiro (v. 3) e com o pedreiro – «como
quem construi um muro» (v. 5) – enfatizam o trabalho formal e, por conseguinte, consciente do poeta.
55 O segundo processo – defendido pelo sujeito poético – é o que se deduz do verso 4, em que o «eu»
manifesta a sua tristeza e estranheza por haver poetas que não são capazes de «florir», ou seja, de fazer
da criação poética um ato involuntário, espontâneo e tão natural quanto o ato de «florir».
Deste modo, o primeiro processo, o de uma poesia pensada, opõe-se à ideia de uma poesia espontânea e
simples, dado que está em contradição com a própria natureza que, na sua diversidade e harmonia,
constitui o modelo da verdadeira arte.
Refere-se, de forma vaga, aos processos de criação poética abordados nas três primeiras
estrofes
1 2
Utiliza mecanismos de coesão textual com falhas que comprometem de modo global a
progressão e o encadeamento das ideias.
Pontuaçã
Níveis Descritores de desempenho
o
3 Produz um discurso sem quaisquer erros ou com a ocorrência de, no máximo, um do tipo A. 3
Produz um discurso com a ocorrência de:
2 2
dois erros do tipo A; OU um erro do tipo B.
Produz um discurso com a ocorrência de:
1 1
três erros do tipo A; OU um erro do tipo A e um erro do tipo B.
Este quadro é igual para todas as respostas, pelo que não se repete
15
5
2. Interprete o verso «Penso nisto, não como quem pensa, mas como quem não pensa» (v. 9), atendendo à
especificidade da poesia de Alberto Caeiro.
10 Tópicos de resposta
Exemplo de resposta
No verso «Penso nisto, não como quem pensa, mas como quem não pensa» (v. 9), o sujeito poético
20 exprime a ideia de que o pensamento é algo natural e espontâneo, recusando, por isso, o pensamento
puro, na medida em que se afasta das sensações. Ao pensar, incorre, porém, naquilo que combate: a
intelectualização.
Assim, verifica-se a existência de uma contradição entre o que o «eu» poético afirma (pensar como se não
25 pensasse) e o que faz (pensar).
3. Explique o modo como as sensações e a comunhão com a natureza são valorizadas na quarta estrofe do
30 poema. Fundamente a sua resposta com elementos textuais pertinentes.
Tópicos de resposta
Na resposta, devem ser abordados os aspetos seguintes, ou outros igualmente relevantes, devidamente
35 fundamentados com elementos textuais.
– Valorização das sensações:
• privilégio da realidade captada pelos sentidos (vv. 10 e 17);
• negação/recusa do pensamento (vv. 11-12).
– Valorização da comunhão com a natureza:
• o «eu» é um elemento da natureza tal como as flores, partilhando com elas uma «comum divindade»
(v. 14);
• a «Terra» é a mãe natureza, acolhedora e protetora (vv. 15-17)
5
10 Exemplo de resposta
Na quarta estrofe do poema, a valorização das sensações é evidenciada pelo facto de o sujeito poético
privilegiar a realidade captada pelos sentidos, concretamente a visão e a audição, como se comprova nos
versos «E olho para as flores e sorrio...» (v. 10) e «E deixar que o vento cante para adormecermos» (v. 17).
15 Nega-se, assim, a necessidade de compreender algo mais além daquilo a que se acede através das
sensações, atitude evidenciada nos versos «Não sei se elas me compreendem / Nem se eu as compreendo
a elas» (vv. 11-12).
A comunhão com a natureza decorre, por um lado, do facto de o «eu» considerar que é um elemento da
20 natureza tal como as flores, partilhando com elas uma «comum divindade» (v. 14) que permite aceder à
«verdade» (v. 13) e, por outro lado, do facto de «a Terra» ser caracterizada como a mãe natureza,
acolhedora e protetora. Por esta razão, o homem entrega-se à natureza, numa atitude de desprendimento
e de aceitação, sem qualquer mediação reflexiva (vv. 15-17).
Utiliza mecanismos de coesão textual com falhas que comprometem de modo global a
progressão e o encadeamento das ideias.
Explica, com base em elementos textuais pertinentes, o modo como as sensações e/ou a
comunhão com a natureza são valorizadas na quarta estrofe, desenvolvendo, com
pequenas imprecisões e/ou omissões, o conteúdo de dois dos tópicos de resposta
2 4
Utiliza mecanismos de coesão textual que, apesar da eventual ocorrência de falhas,
asseguram de modo global a progressão e o encadeamento das ideias.
Refere-se, de forma vaga, ao modo como as sensações e/ou a comunhão com a natureza
são valorizadas na quarta estrofe.
1 2
Utiliza mecanismos de coesão textual com falhas que comprometem de modo global a
progressão e o encadeamento das ideias.
25
5
Alberto Caeiro
45 4. Explicite a evolução do estado de espírito do sujeito poético, tendo em conta o sentido dos versos 4, 12-13
e 19-20.
Para explicitar a evolução do estado de espírito do sujeito poético, devem ser abordados os tópicos
seguintes, ou outros igualmente relevantes:
50 ‒ (primeiro,) aceitação com naturalidade (nem «alegre nem «triste») da divulgação dos seus versos, pois
esse é o «destino» da sua poesia (vv. 4-5);
‒ (de seguida,) sofrimento involuntário («sem querer») ao tomar consciência de que os seus versos
deixarão de ser apenas seus, partindo ao encontro dos seus leitores (vv. 11-15);
‒ (finalmente,) resignação perante a inevitabilidade da divulgação dos seus versos (vv. 19-20).
55
Níveis Descritores de desempenho Pontuação
5. Refira duas características formais da poesia de Alberto Caeiro presentes no poema transcrito.
Exemplifique essas características com a referência a elementos textuais.
5
Na resposta, devem ser referidas duas das características seguintes, ou outras igualmente relevantes:
‒ irregularidade estrófica, pois o poema é constituído por sete estrofes com um número variável de versos
(um monóstico, um dístico, dois tercetos, uma quadra, uma quintilha e uma sétima);
‒ irregularidade métrica, dado que os versos apresentam um número variável de sílabas métricas
10 (por exemplo, o primeiro verso tem 11 e o décimo quarto tem 7 sílabas métricas);
‒ ausência de rima ao longo do poema, na medida em que todos os versos são brancos.
Refere duas características formais da poesia de Alberto Caeiro, exemplificando cada uma
delas com uma referência textual pertinente.
5 10
Utiliza mecanismos de coesão textual que, apesar da eventual ocorrência de falhas,
asseguram de modo global a progressão e o encadeamento das ideias.
Refere, com pequenas imprecisões, duas características formais da poesia de Alberto
Caeiro, exemplificando cada uma delas com uma referência textual pertinente.
4 8
Utiliza mecanismos de coesão textual com falhas que comprometem de modo global a
progressão e o encadeamento das ideias.
Refere, de forma vaga, uma ou duas características formais da poesia de Alberto Caeiro,
sem exemplificar.
1 2
Utiliza mecanismos de coesão textual com falhas que comprometem de modo global a
progressão e o encadeamento das ideias.
Grupo II
Lê o seguinte texto.
5 Talvez precisemos voltar a essa arte tão humana que é a lentidão. Os nossos estilos de vida parecem
irremediavelmente contaminados por uma pressão que não dominamos; não há tempo a perder; queremos
alcançar as metas o mais rapidamente que formos capazes; os processos desgastam-nos, as perguntas
atrasam-nos, os sentimentos são um puro desperdício: dizem-nos que temos de valorizar resultados, apenas
resultados.
10 À conta disso, os ritmos de atividade tornam-se impiedosamente inaturais. Cada projeto que nos propõem é
sempre mais absorvente e tem a ambição de sobrepor-se a tudo. Os horários avançam impondo um recuo
da esfera privada. E mesmo estando aí é necessário permanecer contactável e disponível a qualquer
momento. Passamos a viver num «open space» sem paredes nem margens, sem dias diferentes dos outros,
sem rituais reconfiguradores, num contínuo obsidiante, controlado ao minuto. Damos por nós ofegantes,
15 fazendo por fazer, atropelados por agendas e jornadas sucessivas em que nos fazem sentir que já
amanhecemos atrasados.
Deveríamos, contudo, refletir sobre o que perdemos, sobre o que vai ficando para trás, submerso ou em
surdina, sobre o que deixamos de saber quando permitimos que a aceleração nos condicione deste modo.
Com razão, num magnífico texto intitulado “A lentidão”, Milan Kundera escreve: «Quando as coisas
20 acontecem depressa demais, ninguém pode ter certeza de nada, de coisa nenhuma, nem de si mesmo.» E
explica, em seguida, que o grau de lentidão é diretamente proporcional à intensidade da memória, enquanto
o grau de velocidade é diretamente proporcional à do esquecimento. Quer dizer: até a impressão de
domínio das várias frentes, até esta empolgante sensação de omnipotência que a pressa nos dá é fictícia. A
pressa condena-nos ao esquecimento.
25 Passamos pelas coisas sem as habitar, falamos com os outros sem os ouvir, juntamos informação que nunca
chegamos a aprofundar. Tudo transita num galope ruidoso, veemente e efémero. Na verdade, a velocidade
com que vivemos impede-nos de viver. Uma alternativa será resgatar a nossa relação com o tempo. Por
tentativas, por pequenos passos. Ora isso não acontece sem um abrandamento interno. Precisamente
porque a pressão de decidir é enorme, necessitamos de uma lentidão que nos proteja das precipitações
30 mecânicas, dos gestos cegamente compulsivos, das palavras repetidas e banais. Precisamente porque nos
temos de desdobrar e multiplicar, necessitamos de reaprender o aqui e o agora da presença, de reaprender
o inteiro, o intacto, o concentrado, o atento e o uno.
Lembro-me de uma história engraçada que ouvi contar à pintora Lourdes de Castro. Quando em certos dias
o telefone tocava repetidamente, e os prazos apertavam e tudo, de repente, pedia uma velocidade maior do
35 que aquela que é sensato dar, ela e o Manuel Zimbro, seu marido, começavam a andar teatralmente em
câmara lenta pelo espaço da casa. E divergindo dessa forma com a aceleração, riam-se, ganhavam tempo e
distanciamento crítico, buscavam outros modos, voltavam a sentir-se próximos, refaziam-se.
Mesmo se a lentidão perdeu o estatuto nas nossas sociedades modernas e ocidentais, ela continua a ser um
antídoto contra a rasura normalizadora. A lentidão ensaia uma fuga ao quadriculado; ousa transcender o
40 meramente funcional e utilitário; escolhe mais vezes conviver com a vida silenciosa; anota os pequenos
tráficos de sentido, as trocas de sabor e as suas fascinantes minúcias, o manuseamento diversificado e tão
íntimo que pode ter luz.
José Tolentino Mendonça, In Expresso, 25.5.2013
1. Para responderes a cada um dos itens de 1.1. a 1.5., seleciona a única opção que permite
obter uma afirmação correta.
2.1. Identifica a palavra que retoma a expressão «esfera privada» (l. 8). «aí»
9
10