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Arq bras odontol 2007; 3(2):120-128 ISSN 1808-2998

COMPLICAÇÕES FUNCIONAIS DECORRENTES DE MANDIBULOTOMIA


MANDIBULOTOMY’S FUNCTIONAL COMPLICATIONS

Patrícia Vieira Salles1, Vânia Duarte de Alvarenga2, Patrícia Marques de Oliveira1

Resumo - A mandibulotomia é uma abordagem cirúrgica de acesso para ressecção de tumores primários
de cavidade oral e orofaringe que não seriam acessíveis através da boca aberta ou pelo acesso de retalho inferior
da face. Esta cirurgia pode ser realizada em três locais diferentes: de forma lateral, pela linha mediana ou
paramediana. Conforme o local a ser realizado o ato cirúrgico, existem vantagens e desvantagens que deverão
ser levadas em consideração na hora da escolha da técnica cirúrgica. Entre as desvantagens apresentadas por
qualquer uma das técnicas descritas interessam ao fonoaudiólogo o comprometimento de estruturas e funções
do sistema estomatognático. O objetivo desta revisão foi levantar as alterações fonoaudiológicas decorrentes
da mandibulotomia. Para isso, foi realizado um levantamento bibliográfico nos arquivos de literatura científica
nos bancos de dados da Medline e PubMed, entre os anos de 1999 e 2006. A atenção foi direcionada para as
principais complicações fonoaudiológicas advindas desta abordagem cirúrgica que interferem no funcionamento
do sistema estomatognático e no desempenho de suas funções. Por meio desta revisão de literatura concluiu-se
que, mesmo na mais aceita das abordagens cirúrgicas de mandibulotomia - a mandibulotomia paramediana,
alterações no sistema estomatognático ocorrerão, justificando-se a intervenção fonoaudiológica junto aos pacientes
submetidos a esta modalidade de tratamento cirúrgico, como forma de minimizar as complicações e seqüelas,
promovendo qualidade de vida.

Descritores - mandíbula; neoplasia; cirurgia; fonoterapia; reabilitação

celulares primários na cavidade oral no mundo


Introdução ocidental. O trígono retromolar e a mucosa oral
O câncer é caracterizado pelo crescimento são, contudo, os locais primários mais freqüen-
anormal das células, sendo o câncer de cabeça e temente acometidos.2 Embora os carcinomas
pescoço aquele que engloba lesões de boca (lá- espinocelulares sejam tumores primários bastante
bios, mucosa oral, gengivas, palato duro, língua e encontrados na orofaringe, os linfomas costumam
assoalho de boca), orofaringe (amígdalas, palato ser vistos devido a abundância de tecido linfóide
mole e base de língua), nasofaringe, hipofaringe, na orofaringe, componentes significativo do anel
fossas nasais, seios paranasais, laringe, glândulas de Waldeyer.3 A maioria dos pacientes com câncer
1
salivares e glândula tireóide. de cavidade oral é do sexo masculino, embora
A língua e o assoalho da boca são os locais tenha sido observada uma elevação da incidência
mais comuns de origem para carcinomas espino- do sexo feminino nos últimos 50 anos.3 Segundo

1
Professora do Curso de Fonoaudiologia da PUC Minas
2
Aluna do Curso de Graduação em Fonoaudiologia da PUC Minas

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dados do Instituto Nacional do Câncer a estimativa podendo ser isolada ou associada à radioterapia,
da incidência de novos casos de câncer para 2006 pois apresenta bons resultados de curabilidade.8
é de 10.060 casos entre homens e 3.410 entre as Em tumores avançados os pacientes são tratados
4
mulheres. com cirurgia e radioterapia pós-operatória devido
Dentre os fatores etiológicos para o desen- ao alto índice de recidiva local.9
volvimento do câncer de boca citamos o tabagismo, A abordagem cirúrgica a ser utilizada deverá
que tem aumentado significativamente o índice de ser aquela que possibilite a adequada ressecção do
tumores nesta região, o etilismo, a má higiene oral tumor com ampla margem de segurança, sendo os
e o uso de próteses dentárias mal adaptadas.5,6 acessos cirúrgicos mais freqüentemente utilizados
Existe uma grande diversidade de sintomas asso- em cavidade oral a perioral, a elevação de retalhos
ciados ao câncer em região de cabeça e pescoço, jugais, o retalho em viseira, a operação pull trou-
como rouquidão, estridor, falta de ar, dor, disfagia ght, como as mandibulectomias e a mandibuloto-
e odinofagia, assim como, tosse, hemoptise, perda mia, foco da presente revisão.10
de peso e halitose.1 Atenção especial deve ser dada
para a presença de úlceras ou massas nos lábios ou
cavidade oral que não sejam comuns, assim como,
Revisão de Literatura
Mandibulotomia ou osteotomia mandibular
para manchas brancas ou vermelhas nas gengivas,
é uma excelente abordagem cirúrgica através da
língua ou mucosa, sangramentos incomuns, dor ou
mandíbula, destinada a acessar a cavidade oral,
entorpecimento da boca e dificuldades ou dores
orofaringe, espaço parafaríngeal e base do crâ-
ao mastigar.7
nio para a ressecção de tumores primários, que
Influenciam na escolha do tratamento inicial de outra forma não seriam acessíveis através da
os fatores tumorais, relacionados às características boca aberta ou pelo acesso de retalho inferior
do tumor primário; fatores do paciente, relaciona- da face. 11,12,13,14 Nos casos onde o tumor não
dos ao paciente como idade, sexo, raça e fatores tem aproximação ou não invade diretamente a
médicos, relacionados à equipe de tratamento. mandíbula, a mandibulotomia permite manter a
Os objetivos finais do tratamento de câncer de forma e função mandibular, concomitantemente
cavidade oral são a cura da doença; a preserva- ao acesso aumentado à cavidade oral. Em tais
ção ou restauração da forma e função do sistema casos, a mandibulotomia é mais recomendada
estomatognático; a minimização das seqüelas do que a mandibulectomia.15
tratamento e a prevenção de segundos tumores pri- A mandibulotomia pode ser realizada em
mários. Atualmente, as modalidades terapêuticas três localizações diferentes: lateralmente, em linha
empregadas incluem as cirurgias, a radioterapia, mediana e em linha paramediana. Para realização
a quimioterapia, os tratamentos com modalidades deste procedimento operatório, faz-se necessária
combinadas, estratégias de prevenção primária e a avaliação radiográfica da mandíbula, para evitar
secundária com alterações do estilo de vida e ainda, que o acesso seja realizado em área de dentes sép-
3
a quimioprevenção. ticos, permitindo a seleção do local apropriado ao
A cirurgia é o método, por excelência, uti- ato cirúrgico.3 A mandibulotomia lateral é realiza-
lizado no tratamento do câncer de cavidade oral da através do corpo ou ângulo da mandíbula, apre-

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sentando desvantagens. Há uma tração muscular É importante relatar que modificações na
desigual sobre os dois seguimentos da mandíbula, técnica original da mandibulotomia mediana têm
que coloca o local da mandibulotomia sob tensão diminuído os altos índices de complicações. A
significativa, causando atraso na cicatrização. fixação com amarraduras tem sido largamente
Devido a isso, o paciente pode requerer fixação substituída por mini placas de titânio que se tornou
intermaxilar. Após a cirurgia, o acesso a linha de padrão no uso de fraturas, ortognatia e procedi-
sutura para manter a limpeza da cavidade oral é mentos de reconstrução cirúrgica. Ao se evitar a
prejudicada pela fixação intermaxilar, levando a fixação intermaxilar, espera-se melhores resultados
uma higiene oral insatisfatória e potencial risco de recuperação dos pacientes.21
de sepse da linha de sutura.2 Por fim, temos a mandibulotomia paramedia-
na que abole as desvantagens da mandibulotomia
Essa abordagem cirúrgica traz também
lateral e evita as seqüelas da mandibulotomia de
desvantagens anatômicas como desnervação dos
linha média. Além da ampla exposição, há a pre-
dentes distais no ponto da mandibulotomia e à pele
servação dos músculos geniohióide e genioglosso,
do mento, devido a transecção do nervo alveolar
levando à preservação do complexo hiomandibu-
inferior e ainda desvascularização dos dentes dis-
lar.22,23,24,25 Pesquisas destacam que mesmo com
tais. Outro problema relaciona-se à radioterapia,
todas as vantagens apresentadas, esta cirurgia
pois o ponto da mandibulotomia fica dentro do
requer a ressecção do músculo milohióide, o que
campo lateral de radioterapia, levando ao atraso
também traz dificuldades na deglutição mesmo
da cicatrização e complicações locais. Por todos
que estas sejam mínimas. Por esses motivos a
estes fatores, a mandibulotomia lateral tem sido
mandibulotomia paramediana é a abordagem mais
abandonada.15,16 utilizada quanto ao acesso a lesões maiores locali-
A mandibulotomia mediana caracteriza-se zadas posteriormente na cavidade oral e tumores da
pelo acesso entre os dois dentes incisivos centrais, orofaringe.3,13 Cirurgiões da Filadélfia acrescentam
onde um deles requer extração para evitar o risco que não se sabe a extensão do comprometimento
de extrusão. Com esta abordagem evitam-se to- do músculo milohióide, mas que preferem esta
das as desvantagens da mandibulotomia lateral, técnica à mandibulotomia mediana, uma vez que
mas este requer a ressecção de músculos que se as duas podem trazer complicações, mas que a
originam no tubérculo genial, o geniohióide e o paramediana é melhor por preservar uma maior
genioglosso, levando a um retardo da recuperação quantificação anatômica e funcional.24
da função de mastigação e deglutição.17 Israelenses Enfim, a técnica ideal de mandibulotomia é
e americanos acrescentam que o músculo digás- aquela que não requeira fixação intermaxilar, mas
trico também fica comprometido neste tipo de que preserve a oclusão, permita um bom funcio-
18,19
cirurgia. Este músculo é responsável por elevar namento das funções estomatognáticas, que não
o osso hióide como também a laringe durante a requeira procedimentos secundários, sendo assim,
deglutição, assim como durante a mastigação e livre de complicações.22 Mas não é isso que grande
a fala, ou abaixar a mandíbula.20 Devido a estas parte da literatura acredita quando afirmam que
razões, a mandibulotomia de linha média também a fixação rígida diminui os índices de complica-
não é a abordagem preferida. ções.23 Esse achado não é universal.

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Atualmente, fixações internas com placas cimento das funções de respiração, mastigação,
e parafusos de titânio são um meio comumente deglutição e fala, visando o equilíbrio miofuncio-
usado para estabilizar a mandibulotomia até que nal, não importando se estes desequilíbrios estão
se complete o procedimento. Depois da ressecção ocorrendo em pacientes com ou sem alterações
do tumor, muitos pacientes requerem terapia por anatômicas. O trabalho visa prevenir, reabilitar ou
radiação, que se torna prejudicado, uma vez que, o habilitar funções.27
uso de implantes metálicos é um grande potencial O fonoaudiólogo tendo conhecimento dessa
de interferência deste procedimento.25 unidade dinâmica que é a boca, possui melhor
No pós-operatório imediato, o paciente é compreensão das modificações neuromusculares
mantido com alimentação através de sonda naso- e funcionais encontradas, o que o faz contribuir
gástrica por aproximadamente uma semana e nesse significativamente para a obtenção de melhores
momento faz-se uma tentativa de dar alimento em prognósticos, quer sejam estes no período pré-
consistência pastosa para ver se a deglutição é bem operatório ou no pós-operatório.28
sucedida. Caso o paciente seja capaz de tolerar
A partir das considerações anteriores é possí-
esta alimentação, é gradualmente reintroduzida
vel afirmar que a atuação fonoaudiológica na área
dieta branda nos dias seguintes. Aproximadamente
de câncer de cabeça e pescoço é vasta, englobando
num tempo de três meses pós-cirurgia, o paciente
a multiplicidade de seqüelas impostas por trata-
apresentará excelente mobilidade de língua, com
mentos que envolvem o combate ao câncer que
bom padrão de fala, mastigação e deglutição.2
acomete o complexo anatomofuncional da cabeça
As estruturas que constituem a cavidade oral e e pescoço, com destaque para os procedimentos
a orofaringe apresentam, enquanto funções básicas, de cirurgias e radioterapia.29
a mastigação, a deglutição e a produção da fala. Um
Existe um programa básico de atuação fono-
câncer, por si só, presente em uma destas estruturas
audiológica aos pacientes submetidos a cirurgias
pode causar alterações nestas funções. A cirurgia de
ablativas de câncer de cabeça e pescoço que aborda
acesso ao tumor, muitas vezes necessária, também
quatro itens principais como a avaliação e orienta-
traz conseqüências funcionais consideráveis, justi-
ção pré-operatória, visando o estabelecimento do
ficando o trabalho fonoaudiológico com pacientes
contato entre o terapeuta, o paciente e sua família,
submetidos a este tipo de cirurgia.1
além dos esclarecimentos quanto ao tipo de cirurgia
Nos traumas de mandíbula, ocorre a ne- e quanto às etapas da reabilitação; o atendimento
cessidade de se trabalhar a musculatura oral, em no pós-operatório imediato, cujo objetivo principal
especial, as que estão envolvidas no movimento
é a retirada da sonda nasogástrica e a retomada
da mandíbula. Tendo em vista a contribuição da
da deglutição por via oral; a fonoterapia, dirigida
mandíbula à fala, à mastigação eficiente, à de-
especificamente às dificuldades do paciente, dife-
glutição e à formação da parte inferior da face,
renciando os objetivos da reabilitação de acordo
fraturas nesta estrutura devem receber cuidadosa
com cada tipo de cirurgia e por fim, um programa
consideração.26
de refinamento das habilidades conseguidas, que
Na área de Motricidade Orofacial, a Fono- se traduz por acompanhamento da evolução do
audiologia tem como objetivo maior, o restabele- processo de reabilitação, visando a alta.30

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Destaca-se ainda, que ocorrem mudanças, aproximadas adequadamente. O que precisa estar
em graus variados, na posição dos tecidos moles claro, é que o fonoaudiólogo é o profissional com
dos pacientes que são submetidos às cirurgias na formação para atuar nas alterações miofuncionais
região maxilomandibular. Quando é feito um diag- de forma a prevenir, reabilitar ou habilitar órgãos
nóstico interdisciplinar pré-cirúrgico, avaliam-se e funções do sistema estomatognático.
criteriosamente as funções musculares associando-
as à morfologia, para que haja e obtenção de um
bom prognóstico.31
Discussão
Há consenso na literatura em relação aos fa-
É importante retomar que na realização
tores etiológicos para o desenvolvimento do câncer
da mandibulotomia, músculos importantes para
de boca, destacando-se o tabagismo, o etilismo, a
a mastigação e deglutição como o geniohióide, má higiene oral e o uso de próteses dentárias mal
genioglosso e/ou miloióide são seccionados, acres- adaptadas como os principais fatores de risco.5,6,7
centando-se também que na mandibulotomia late- Já os sintomas apresentados pelos pacientes,
ral o processo de cicatrização pode estar atrasado destacam-se a disfagia e a odinofagia para os cân-
devido à própria abordagem cirúrgica.3 ceres de boca.1,7 Também houve concordância na
A cicatrização também é um campo de atu- literatura no que se refere às formas de tratamento
ação fonoaudiológica dentro da mandibulotomia. para os tumores de cabeça e pescoço, onde a cirur-
Após a fase cicatricial inicial de procedimentos gia, associada à radioterapia, são as modalidades
cirúrgicos são utilizados fatores como medicamen- terapêuticas com melhores resultados de curabi-
to de uso tópico, malhas compressivas, hidratação lidade.3,8,9 Estas modalidades terapêuticas geram
da pele e uso de fitas contensoras. Há ainda o uso complicações tratadas pelo fonoaudiólogo.2,15,16
de massagens por meio de toques, pressões, ali- A mandibulotomia ou osteotomia man-
samentos e trações que facilitam um padrão fun- dibular é uma abordagem cirúrgica através da
cional objetivando uma postura ativa e adequação mandíbula, destinada ao acesso à cavidade oral,
da tensão muscular. Esses exercícios promovem orofaringe, espaço parafaringeal e base do crâ-
aquecimento, soltura, vascularização muscular e nio para a ressecção de tumores primários, que
tecidual, contribuindo, de forma gradativa, para de outra forma não seriam acessíveis através da
uma boa cicatrização. Essas massagens são indi- boca aberta ou pelo acesso de retalho inferior da
cadas para todos os tipos de cicatrização e devem face.3,11,12,13,14
ser realizadas durante os três primeiros meses, Diferentes autores destacaram que a man-
permitindo ativar a maturação cicatricial.31,32 dibulotomia lateral põe sob tração desigual e
Não se pode descrever um tratamento metódi- significativa os dois segmentos da mandíbula,
co para ser usado nos casos de mandibulotomias. aumentando a tensão local, causando atraso na ci-
É preciso contar com a tendência individual de catrização. Este acesso também leva a desnervação
cada organismo, o fechamento do plano cirúrgico e desvascularização dos dentes distais ipsi-late-
de forma anatômica e a manutenção desse fecha- ralmente, em função da secção do nervo alveolar
mento até que ocorra a formação de uma cicatriz inferior, o que alteraria o modo mastigatório no
capaz de resistir a tensão local, mantendo as bordas pós-operatório.3,13,15,16

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A literatura pesquisada concorda que a Assim, mesmo na abordagem paramediana,
técnica por mandibulotomia mediana evita as que traz menos seqüelas para o sistema estoma-
desvantagens da mandibulotomia lateral, mas tognático, não deixa de traumatizar a mandíbula,
trás a ressecção de músculos como o genioglos- gerando necessidade de se trabalhar a musculatura
so e gênio-hióide, o que leva a um retardo da oral, em especial, as que estão envolvidas no mo-
recuperação das funções de mastigação e de- vimento do osso mandibular e no desempenho da
glutição.2,3,10,12,17,18,19,20 Por outro lado, não houve função de mastigação.26
consenso na literatura com relação ao comprome- Por ser o fonoaudiólogo o profissional
timento do músculo digástrico.18,19 Contudo, os responsável pela orientação e reabilitação das
autores concordaram que modificações realizadas modificações neuromusculares e funcionais oro-
a partir da técnica original têm diminuído os ín- faciais, houve consenso na literatura consultada
dices de complicações.14,21 sobre a importância e necessidade da atuação
fonoaudiológica junto a pacientes submetidos a
A mandibulotomia paramediana é a técnica
mandibulotomia, trazendo benefícios quanto à
de maior sucesso, pois abole as desvantagens da
adaptação e recuperação das funções estomatog-
mandibulotomia lateral e evita as seqüelas da
náticas.29,30,31
mandibulotomia de linha média, apresentando
A atuação fonoaudiológica junto aos pacien-
assim melhores resultados.2,3,10,11,12,17,19,20,22,23,24,25
tes submetidos a cirurgias ablativas de câncer de
Além da ampla exposição local, há a preservação
cabeça e pescoço visa a recuperação das funções
dos músculos geniohióide e genioglosso, levando
perdidas em decorrência da cirurgia ablativa, da
à preservação do complexo hiomandibular.2,22,23,25
cirurgia de acesso ou do tratamento radioterápi-
Esta abordagem operatória requer a ressecção do
co. O contato entre terapeuta, paciente e família
músculo milohióideo, mas com comprometimen-
realizado no período pré-operatório objetiva
tos mínimos à deglutição.24
dar esclarecimentos quanto ao tipo de cirurgia
Não se pode descrever um tratamento metó- e quanto às etapas da reabilitação.30 O trabalho
dico de modo geral, pois a extrema variedade e fonoaudiológico proporciona a retirada da sonda
circunstâncias das diferentes abordagens cirúrgicas nasogástrica e a retomada da alimentação por via
fazem com que o tratamento seja orientado pelas oral, restabelecendo as funções de mastigação e
particularidades de cada caso. deglutição. A reabilitação fonoaudiológica visa
também adequar a fala e a voz de acordo com as
Porém, nas três abordagens da mandibulo-
estruturas remanescentes, por meio de exercícios
tomia, percebeu-se o comprometimento gerado
específicos à dificuldades do paciente.10,31
pela mudança anatômica ou funcional do sis-
tema estomatognático. Conforme descrito pela Também houve consenso sobre a importância
literatura, estes comprometimentos vão desde do trabalho fonoaudiológico no campo cicatricial.
a desnervação dos dentes distais e da pele do O uso de massagens por meio de toques, pressões,
mento ao atraso de cicatrização. A ressecção de alisamentos e trações, objetivam uma postura ati-
músculos como o geniohióide, genioglosso e va e adequação da tensão muscular, promovendo
miloióide alteram as funções de mastigação e aquecimento, soltura, vascularização muscular e
deglutição.2,3,10,11,12,13,22,23,24,25 tecidual levando a uma boa cicatrização.31,32

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Conclusão Referências
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Recebido em: 17/08/2007


Aceito em: 21/10/2007

Correspondência:
Patrícia Vieira Salles
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31.030-360 – Belo Horizonte – MG
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Arquivo Brasileiro de Odontologia 128

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