Você está na página 1de 10

BRUBACHER, J. John Dewey. In: CHÂTEAU, J.

Os grandes
pedagogistas. São Paulo: Editora Nacional, 1978, p.284-302. tradicional contra a qual Dewey se erguia. Essa escola ll'ndidllllid
tinha grande número de caracteres dos quais, evidentemente, 111'111
todos se encontravam em cada escola tomada de per si. O filll
essencial da escola tradicional, segundo Dewey, era a preparação
para uma vida adulta que, por sua vez, era a preparação para
XIII uma vida após a morte. A criança e, mais tarde, o adulto, estavam
mais preocupados com preparar-se para qualquer fase futura da
vida que com viver ricamente, e plenamente, o presente. Para
exprimir-se na melhor teoria da época, a de Aristóteles, a educa-
ção era um desenvolvimento; era a atualização das potencialidades
]OHN DEWEY latentes na criança. A educação era um desenvolver-se ou um
desenrolar-se para algum fim derradeiro, para algum estado de
completo desenvolvimento ou perfeição das potências próprias.
(1859-1952) O desenvolvimento ou a atualização das capacidades da
criança residia, sobretudo, no exercício de faculdades como a
memória, a razão, a vontade, a imaginação ou de outras do mesmo
gênero. Supunha-se que a capacidade desenvolvida por essas facul-
Em 1894, J ohn Dewey foi convidado a dirigir a seção de dades podia facilmente ser transferida de uma atividade para
filosofia e de psicologia na então recente Universidade de outra. Mais ainda, se a matéria do programa se tornava mais
Chicago (*). A única razão que o decidiu a aceitar é que a cadeira difícil, o poder desenvolvido se tornava mais considerável. Engen-
incluía, em seu domínio, a pedagogia, ao lado da filosofia e da drar esse poder em oposição ao interesse e à inclinação natural,
psicologia. Nessa época, já havia Dewey chegado à convicção de implicava disciplina mental tanto como certa disciplina moral. Em
que os métodos das escolas elementares não estavam de acordo conseqüência, muitas vezes as matérias do .programa eram esco-
com as melhores concepções psicológicas da hora. Por isso espe- lhidas e ordenadas em função de seu valor disciplinar, mais que
rava impacientemente uma ocasião para realizar uma escola em razão de sua relação com os cuidados práticos da vida,
experimental inspirada em teorias psicológicas melhores, combi- Em tais circunstâncias, o método de instrução era larga-
nadas com os princípios morais básicos das atividades cooperativas mente autoritário, pois que a disciplina era cultivada tornando as
na escola. Em seguida, com auxílio de pais interessados no tarefas difíceis e, por vezes, desagradáveis; o mestre tinha, bem
empreendimento, e sob a égide de sua seção universitária, chegou freqüentemente, de exercer a sujeição de uma maneira ou de
a criar 'Sua célebre escola-laboratório, chamada comumente a outra. Essa prática era claramente justificada pelo fato de que
"escola Dewey". Seu propósito não era fazer dela uma escola os adultos estavam inteiramente de acordo quanto a esse fim último
prática, ou uma escola-modelo, mas dar-lhe, em relação à seção da educação, em vista do qual as crianças se deviam desenvolver.
de filosofia e psicologia, a mesma situação dos laboratórios em O melhor método de ensino da época, o de Herbart, era, de
relação às ciências físicas. maneira evidente, centrado no mestre. Suas cinco fases, para cada
uma das quais o mestre era o iniciador, desenvolviam alguma ver-
dade preconcebida, tirada do depósito do saber.
A escola tradicional O caráter autoritário desse ensino era, também, testemunho
da atmosfera social da escola, O mestre era o monarca da sala
Talvez as características dessa escola-laboratório se destaquem de aula. A submissão e a obediência a seu ditame eram virtudes
mais claramente se dermos, primeiro, breve apanhado da escola escolares mais importantes que a iniciativa e a independência do
aluno. O espírito social que caracterizava a sala de aula tendia
(*) A Universidade de Chicago começou a funcionar em 1892. (Nota também a caracterizar a administração da escola. Se os alunos
doi' trads.) atendiam aos decretos do mestre, o mestre atendia aos do diretor

284 285
da escola, o diretor aos do superintendente do grupo, e o supe- Embora Dewey não haja publicado senão após a saída de
rintendente aos das autoridades municipais e das autoridades do Chicago seu H OrW we think (*), o qual estabelece, mais precisa-
Estado (1). mente, o que ficou conhecido pelo nome de "método do problema"
no ensino, esse método já podia ser entrevisto na maneira pela
qual considerava o programa como meio de realizar os fins da
((A Escola Deuiev" vida corrente. Na última década do século XIX, Dewey pretendia
até que a falha mais séria dos métodos de então residia no divórcio
Em Chicago, ao contrário, a "Escola Dewey" tomou como entre o saber e sua aplicação. Segundo ele, nenhuma instrução
ponto de partida não as futuras atividades do adulto das quais se poderia ter êxito separando o saber e o fazer. Ainda mais: o
pensava que a criança participaria, mas as atividades comuns nas próprio âmago de uma instrução motivada consistia em ter cons-
quais ela estava imediatamente 'envolvida. O fim da educação tanternente no espírito a relação entre os fins e os meios. Se
era, pois, não "extraí-Ia" ou desenvolvê-Ia de acordo com algum víssemos nascer os fins ou os propósitos da educação na matriz
modelo remoto, mas, antes, ajudá-Ia a resolver os problemas da vida corrente da criança, seria muito mais provável que a
suscitados pelos contatos correntes, com o meio físico e com o criança tomasse interesse em aprender o programa, pois o pro-
meio social. Já que, para a criança, a maior parte desses contatos grama apareceria, então, como meio necessário em vista de fins
vinha da casa e da comunidade, Dewey fazia questão, especial- aceitos. O realce dado na escola a atividades manuais tais como
mente, de que a escola fosse prolongamento simplificado e orde- marcenaria, cozinha, costura e tecelagem, era claramente motivado
nado dessas situações sociais. por sua ligação estreita com a preocupação de procurar nutrição,
Para realizar esse fim, a "Escola Dewey", como a escola abrigo e roupa, no meio cotidiano da criança. Mas, aqui ainda,
tradicional, partia das capacidades e das tendências presentes da Dewey logo assinalava que essa ligação estreita era menos um
argumento para fazer estudar, na escola. ocupações praticadas em
criança. Mas, ao invés de usar das diversas disciplinas como uma
pedra de amolar para afinar as faculdades, Dewey concebia o casa, que para assegurar' à criança a mesma base de interesse
programa como instrumento que ajudasse a criança a realizar a respeito das atividades escolares que a apresentada em casa e
todos os projetos que ela, criança, pudesse haver formulado com na vizinhança.
o fim de controlar o resultado de suas atividades presentes. Aí Tudo isso já basta para tornar perfeitamente claro o fato
estava novidade notável, que dava realce à grande porção do dia de ser a atmosfera social da "Escola Dewey" inteiramente dife-
escolar consagrada, pelo fim do século, mais a assuntos formais rente da de uma escola tradicional. Embora mais de doze anos
que a assuntos concretos. Além disso, insistindo na facilidade da devessem passar antes de que Dewey viesse a escrever Democracy
passagem da casa para a escola, Dewey fazia repousar o pro- cnd education, sua escola-laboratório assentava já as bases de novo
grama dos primeiros anos em necessidades da criança, como a espírito social. Não somente seu programa se referia às ocupações
nutrição, o abrigo e o vestuário. Isso não queria dizer que Dewey da comunidade, mas sua própria vida era a de uma comunidade
tivesse a intenção de fazer a criança aprender a cozinhar e a oficiosa. Nessa comunidade, cada criança tinha sua parte, cada
costurar na escola, e a ler e escrever em casa. Mas isso queria uma seu próprio trabalho. Aproveitando ocasiões de dividir o
dizer que Dewey encarava a leitura e a escrita estritamente como trabalho, fazia-se desenvolver, na criança, o sentimento de coope-
instrumentos. Na realidade, pode-se considerar como análoga sua ração mútua e o sentimento de trabalhar de maneira positiva para
atitude em relação a outros estudos, como história, ciência e arte, a comunidade. Por esse meio, a ordem e a disciplina se desen-
que todos tirariam significação do fato de enriquecerem atividades volviam não a partir de um mandado do mestre, mas a partir do
vitais de base, como aprovisionamento, em nutrição, construção de respeito próprio da criança pelo trabalho que efetuava, e da cons-
abrigo ou feitura de roupas.
(*) A primeira edição de How we think é de 1910. DEWEY reviu e,
(1) Lembremos que, nos E.U.A., o superintendente que dirige o ensino praticamente, reescreveu seu livro em 1933. Desta edição revista é que se
numa cidade ou num grupo de comunas, depende das autoridades muni- fez tradução para o português: Como pensamos, trad. e notas de Haydée
cipais tanto quanto das autoridades de um dos Estados. (Nota de Jean Carnargo Campos, vol. 2 destas "Atualidades Pedagógicas", São Paulo,
CHÂTEAU.) 3.a ed., 1959. (Nota dos trads.)

286 287

19 - G.P.
,
l
tomava, dos direitos dos outros indivíduos empenhados
(1(~lIl'ia,que uma teoria dessa ciência, a evolução, da qual Dewey tira muita
outras partes da tarefa comum. Assim como Dewey procurava
('111 vez argumentos por analogia, com vistas a conclusões de impor-
motivar as atividades escolares exatamente da mesma maneira que tância em pedagogia. E ainda uma parte, parte muito importante,
11
as atividades exteriores à escola, assim também sentia que a decorre da análise do método científico, a qual desempenha papel
atmosfera moral da escola dependia de participação nos mesmos í de primeiro plano no pragmatismo de Dewey.
motivos morais que os da vida exterior. Como Dewey o declarava
aos pais de Sua escola: "Quando as condições escolares são tão
rígidas e tão formais que não têm nenhum paralelo fora da escola, Orientação filosófica geral
a ordem exterior e a etiqueta podem ser preservadas ( ... ) hábitos
externos de atenção e de sujeição podem ser formados, mas
nenhum poder de iniciativa, nenhuma autodisciplina moral" (1). Discussão sistemática da filosofia da educação de Dewey
pode' partir de breve exposição de sua posição filosófica em geral.
Se há, nessa orientação, um conceito único e central, cumpre
procurá-lo sob o termo "experiência". Os títulos de três das
Fonte da teoria principais obras de Dewey comportam esse termo: Experience
and nature, Art as experience e Experience and education. Para
,~ I Dewey, a experiência tem duplo aspecto. Consiste, de uma parte,
Tais foram os princípios e as práticas da "Escola Dewey",
A escola não durou uma década. Pouco depois do fim do século, em ensaiar, doutra, em provar. Uma pessoa tenta fazer uma
Dewey ia para a Universidade de Colúmbia e aí, desde então, seu coisa, 'e essa tentativa altera as circunstâncias; tem conseqüências.
pensamento pedagógico se exprimiu largamente por publicações. E são essas conseqüências que essa pessoa sofre, ou prova. A
Antes de 'empreender a exposição sistemática de sua filosofia da experiência, como, simplesmente, ação e prova, é a chave que faz
educação, pode ser útil notar os fatores principais situados em compreender a natureza da realidade. Bem mais: todo malogro
sua fonte. Por alto, há três. Talvez seja preciso mencionar em ~ no penetrar a significação da realidade não pode ser sanado
primeiro lugar a democracia, pois que ele incorporou o termo no considerando a realidade primitiva como alguma coisa que está
título de sua mais importante obra de pedagogia, Democracy and por detrás, para além, ou essencialmente diferente, do que a expe-
education. Quando publicou essa obra, os Estados Unidos da riência comum de cada dia nos faz conhecer.
América tinham mais ou menos um século e um quarto de expe- Bem se pode dizer, sem exagerar, que Dewey formou, da
riência de autonomia. Ninguém, entretanto, havia encontrado a experiência, opinião experimental. A experiência, para ele, com-
ocasião de marcar explicitamente as conseqüências pedagógicas preendia assim a prova como o conhecimento. Ademais, é claro
desse século e um quarto de experiência. Em segundo lugar, que as duas dimensões da experiência - fazer e provar - são.•
pode-se realmente mencionar a revolução industrial. Posto hajam igualmente, os fatores essenciais do método experimental. Nesse
os Estados Unidos acolhido rapidamente a introdução do maqui- método, formula-se uma hipótese para a solução de um problema,
nismo, foi somente durante a segunda metade do século XIX que depois experimenta-se essa hipótese para ver o que acontece.
se desenvolveram para dar nesse gigante industrial em que se Para Dewey, a verdade, ou o valor, de uma experiência depende
tornaram. De novo, observemos: antes de que Dewey se ocupasse da relação observada entre o que se experimenta e o que daí resulta.
disso, ninguém havia empreendido a reforma da filosofia da educa- Se os resultados concordam com as previsões, a hipótese "fica de
ção reclamada por essa revolução. A última menção (não é, pé" e é verdadeira ou válida, nos limites da experiência. Medi-
absolutamente, a menor) deve ser consagrada à influência da ficar os ensaios futuros à luz dos resultados anteriores, eis uma
ciência moderna no pensamento pedagógico de Dewey. Parte dessa atividade significativa e inteligente. Assim, o papel da inteligência
influência vem do papel da ciência como fonte da revolução indus- é instrumental. Pela previsão das conseqüências, a inteligência
trial. Outra parte cabe a uma ciência particular, a biologia, e a torna o homem capaz de ligar as duas fases da experiência, o
" fazer" e o "provar".
(1) Katherine C. MAYHEW e Anna C. EDWARDS, The Dewey school, Entretanto, como viu Dewey, a experiência, em seu duplo
Nova York, D. Appleton-Century Company, 1936, p. 33. aspecto, jamais conduz a verdades e a valores absolutos e defini-

288 289

~- /
e lhes são estranhos. De fato, acontece, muita e muita vez, que
tivos. Experimentar ou empreender uma ação, é, sempre, invasão os mestres imponham às crianças fins educacionais, sem nem
do futuro. Pois que o futuro apresenta traços inelutáveis de 'sequer consultá-Ias. E esse defeito dos fins impostos de fora
conflito e de contingência, as conseqüências do ato estão necessa- não fica nisso. Freqüentemente, como já o indicamos a propósito
riamente envoltas numa bruma de incerteza. E assim é ainda da escola tradicional, os fins que os mestres impõem às crianças
quando a ação é projetada à luz de conseqüências anteriores. Pois lhes são, também para eles, impostos pelos superiores. Segundo
que, portanto, a experiência jamais é definitiva, o homem está Dewey, dois perigos principais envolvem fins impostos de fora.
destinado a reconstruí-Ia continuamente à luz da experiência Em primeiro lugar, impor fins educacionais a outrem é privá-Io
futura. do exercício de previsão, ou de inteligência, guiando o que ele faz
pela noção do que pode pôr à prova mais tarde. É absurdo, por
isso, falar de fins da 'educação que podem ter as crianças numa
Fins da educação situação escolar em que o mestre lhes comanda a atividade. Em
segundo lugar, os fins impostos de fora tendem a ser inflexíveis.
Se tivermos claramente presentes ao espírito essas considera- Como, de fato, poderia ser diferente, já que não têm relação
ções fundamentais, poderemos, de maneira relativamente fácil, alguma com as atividades de que são tidos na conta de guias!
reencontrar o caminho na filosofia da educação de Dewey. No Na medida em que não nascem de atividades atuais, as conse-
tocante, primeiro, aos fins da educação, Dewey os ligava imedia- qüências dessas atividades nem os confirmam, nem os infirmam.
tamente à previsão das conseqüências que podemos esperar ver Por isso, o fato de as crianças não chegarem a atingi-los é, ordi-
decorrer desta ou daquela atividade da criança. Em realidade, nariamente, atribuído à perversidade da natureza humana, mais
segundo Dewey, o primeiro critério de um fim válido da educação, que à má adaptação entre meios e fins.
é que ele deve nascer das atividades atuais. Relação assim estreita Para fazer prevalecer fins impostos de fora, dá-se que seja
apresenta várias vantagens. De uma parte, se a criança aprende necessário ir procurar apoio em poderosas instituições polítícas ou
a antecipar, pela imaginação, os resultados prováveis daquilo que eclesiásticas. Ainda fora de semelhante motivação, muitos educa-
está em vias de fazer, ou daquilo que vai fazer, terá, em certa dores há que ainda pensam deva a escola tomar seus objetivos às
medida, a liberdade de escolher e de controlar o desenrolar futuro diversas funções da sociedade à qual serve. Mas Dewey não
dos acontecimentos. Doutra parte, após haver feito a escolha, terá
queria que a escola tomasse emprestados seus fins a fontes
meio de apreciar se as circunstâncias lhe vão favorecer, ou entra-
estranhas. Ao contrário, a empresa educacional deve ser autônoma,
var, o projeto. Enfim, a escolha do fim lhe sugerirá a ordem na
pois a própria educação é um processo de descobrimento, pelo
qual cumpre proceder para aprender.
Em caso algum, porém, a criança que aprende deve deixar qual se encontram os fins que valem ser tomados como objetivos.
sua escolha do fim transformar-se em projeto rígido. O segundo Se ela tirar seus fins das previsões de outras instituições, ela
critério proposto por Dewey para um fim educacional válido é própria se privará da responsabilidade de exercer a previsão e a
que continue flexível. Já que os fins antecipam o futuro, e o inteligência que, repitamo-lo, 'São a própria essência da constitui-
futuro está cercado de incerteza, convém que aquele que aprende ção dos fins.
proponha seus fins como simples tentativas. Assim que os faz Se os fins educacionais tirarem sua origem das atividades
passar à ação, pode pôr à prova conseqüências que havia negli- reais da vida, serão tão numerosos e variados quanto a própria
genciado, ou não havia podido prever. Seja qual for o resultado, vida. Seria.. entretanto, dirigir mal o esforço o estabelecer listas
deve ser capaz de emendar, ou rever, seu plano de ação original. abreviadas de fins educacionais, como o civismo, a consciência
Para nos exprimirmos em forma de paradoxo, os fins válidos profissional, a moralidade, a realização do eu, a disciplina, etc.,
devem ser meios elásticos, a fim de tratar com circunstâncias como é feito de maneira convencional. Dewey não nega que essas
cambiantes. Devem, eles próprios, ser experimentais. listas representem valores educacionais importantes; mas, como
Dewey acentuou esses pontos de maneira negativa, criticando tais, aquilo que fornecem não é tanto fim como perspectiva segun-
os fins educacionais dos outros pedagogistas, fins esses que, do a qual julgar a harmonia global e a suficiência do programa de
segundo pretende, nascem fora das atividades reais das crianças
291
290
educação, Ao cabo de contas, como lembra Dewey, a educação -'- Proçrama
a educação abstrata - não tem fins; são somente as pessoas -
pais, mestres e alunos - que têm fins. E têm fins porque são
O programa adequado para realizar o gênero de fins que
elas que estão empenhadas nas atividades concretas da vida, e Dewey tinha em mente deve ser, necessariamente, programa de
porque devem assumir o trabalho de guiá-Ias até conclusão. experiência. Tal programa refletirá, naturalmente, o duplo aspecto
Malgrado, entretanto, sua propensão a restringir toda consi- da experiência: implicará ao mesmo tempo um fazer e um pôr
deração válida dos fins aos casos em que nascem da vida coti- à prova. Considera-se, de ordinário, que o programa se compõe,
diana do aluno, como da casa e da comunidade em sua escola de principalmente, dos resultados das atividades anteriores. Mas, um
Chicago, Dewey nem por isso deixou de tratar do fim global da programa de experiência, ou de atividade, se interessa tanto (senão
educação tomada como um todo. Isso lhe pareceu necessário mais) pela maneira por que a informação fornecida pelas conse-
quando, depois de análise da natureza da educação, chegou à con- qüências das atividades anteriores intervém no que a criança faz
clusão de que é processo de desenvolvimento. Se a educação é correntemente, ou tenta fazer. Assim, se deve estar perfeitamente
processo de desenvolvimento, a estrutura, ou o fim, do deseuvol- familiarizado com as produções culturais do passado, deve o
vimento tornam-se de importância crucial. De começo, Dewey mestre concentrar a atenção não em transmitir o passado como
rejeitava a noção segundo a qual a estrutura do desenvolvimento passado, mas em ver como a criança usa o passado como capital
consiste em desenvolver capacidades já latentes na criança. A de trabalho, a fim de explorar o presente e construir o futuro.
idéia de que o adulto já está compreendido na criança, pressupõe Naturalmente, a criança tirará boa parte de seu capital de tra-
que a educação procede de maneira análoga à do crescimento das balho principalmente da experiência dos outros. Todavia, o mestre
plantas. Essa analogia explica porque Froebe1 chamou sua escola deverá velar por não a submergir sob a experiência dos outros
a tal ponto que sejam desprezadas, ou, até, apagadas as expe-
de jardim da infância. Dum ponto de vista filosófico, como já
riências que a criança encontra na vida cotidiana.
foi sugerido, essa concepção remonta a Aristóte1es.
Quando tanta experiência está armazenada em manuais, em
O que Dewey censurava nessa analogia, é que ela implica o enciclopédias, em atlas e em obras do mesmo gênero, é muito fácil
caráter completo e perfeitamente explicitado do fim do desenvolvi- considerar esse material como inerte, e esquecer que sua principal
mento. Tal fim fixa, ao desenvolvimento, limite inflexível. Subor- significação é ser um catálogo para fazer alguma coisa. Dewey
dinar o desenvolvimento, que é dinâmico, a um fim. inflexível e desejava, a um tempo, evitar esse erro e mostrar que os dados
estático - eis aí o que chocava Dewey, como anacronismo. Isso armazenados nesses depósitos não são conhecimento; são apenas
poderia ter parecido satisfatório em relação aos conhecimentos de informação. Encontrava boas razões pedagógicas para fazer dis-
Aristóteles em seu tempo, não, porém, em relação aos de Darwin tinção entre conhecimento e informação. Para começar, não
e de sua teoria atual da evolução (1). Num universo em constante podemos estar seguros de que a previsão que a experiência
evolução, o desenvolvimento deve ter fim dinâmico e, não, está- passada nos fornece é uma previsão sadia antes de, em nossa
tico. Pois que desenvolvimento é crescimento, Dewey não podia ação, nos havermos fundado nela e notado o resultado. O que se
pensar, para crianças em vias de crescimento, noutro fim que não manifesta como resultado, isso, podemos, confiantes, contar como
o crescimento. Igualmente, o único fim apropriado à educação era conhecimento. Não sabemos, contudo, se se manifestará da
mais educação. Assim, o fim e o processo da educação tornavam- mesma maneira na próxima vez. Afirmá-Io, com base, embora,
se uma só e mesma coisa. A experiência educacional é, pois, na experiência passada, não é mais conhecimento. É, simples-
constante reconstrução do que a criança faz, à luz das experiências mente, probabilidade, fundada em dados tirados da experiência
que faz. É essa revisão constante do processo de educação que passada; é,simplesmente, informação. Dewey se queixava de que
torna a educação progressiva; e foi ela que pôs Dewey à .frente uma falha muito freqüente dos programas reside em que os alunos
do movimento de educação progressiva. acumulam, simplesmente, informação; dela não usam de maneira
a transformá-Ia em conhecimento. Aprendem a informação em
(1) J. DEWEY, "The influence of Darwin on philosophy", Popular vista de fins escolares - recitações, exames e promoções; não lhe
Science Monthly, 1909, 7S: 90-98. percebem, todavia, a relação com a vida de cada dia.

292 293
o primeiro sinal de um bom programa, e a primeira marca Se o realce dado acima do valor instrumental do programa
de que fixa fim válido, é que está em relação com as preocupa- parece excluir estudo direto das disciplinas, a omissão não passa
ções da experiência pessoal da criança, da qual tira a fonte. O de aparente. A experiência, em particular sob seu aspecto de
segundo sinal, é que, agindo sob esse programa, a criança chega prova, tem uma dimensão estética. Sofrendo as conseqüências de
a uma visão mais clara no interior de sua experiência, ao mesmo seu ato, a criança delas adquire certo sentimento. Ela as aprecia,
tempo que a um acréscimo de eficácia na execução. Noutras ou as deprecia. Tanto mais presta atenção direta e intensa à apre-
palavras: mestre, aluno e pai avaliam o programa em termos de ciação, ou à depreciação, mais interesse concede aos valores esté-
eficiência pragmática. A escolha dos estudos por incluir no pro- ticos. Para Dewey, esse interesse não se limita, no programa,.
grama depende do valor que apresentam como instrumento para unicamente às belas-artes; estende-se, também, às artes indus-
atingir fins específicos. Não há hierarquia fundamental de estudos triais, domésticas e liberais. Aplica-se, pois, à história, às mate-
dispostos 'em ordem dos menores para os mais elevados, evocável máticas e à ciência, tanto quanto à música, à pintura e à poesia.
em qualquer ocasião. Cada experiência educativa nova é uma Dewey chegava a pretender que, a menos que cada assunto não-
ocasião de reavaliar os estudos à luz dos fins específicos formu- fosse, em qualquer momento, apreciado por sua própria conta, esse
lados nessa ocasião. assunto seria, por isso mesmo, muito prejudicado, quando viesse-
Já que o programa válido se refere à experiência cotidiana o tempo de fazer-lhe avaliação da pertinência ou da utilidade em
da criança, em casa e na comunidade, é de esperar que Dewey qualquer situação concreta.
atribua grande importância às ocupações da casa e da comunidade.
Isso é verdade, em particular, quanto ao trabalho manual. O tra- Método de ensino
balho manual fornece, através das fases variadas das diversas
ocupações, excelentes oportunidades para ensinar as matérias do o lugar central da experiência na filosofia da educação de
programa, não 'somente como informação para fins escolares, mas Dewey não está, em parte alguma, melhor evidenciado que em sua
como conhecimento brotado das situações da vida real. Por análise dos princípios básicos dos métodos de ensino. É nessa
exemplo, quando a jardinagem, a marcenaria, a costura e a cozinha análise que Dewey revela a extraordinária influência, em seu
estavam compreendidas no programa da "Escola Dewey", em pensamento, dos métodos modernos de pesquisa científica. Segundo
Chicago, não era com o fim de fazer, das crianças, jardineiros, ele, tanto o método de ensino do mestre, quanto o método de
marceneiros, costureiras ou cozinheiras. Atribuir a Dewey seme- aprendizagem do aluno, se tornam capítulos do método geral de
lhante objetivo profissional estreito é erro. Seu propósito era pesquisa. Pois que a mudança e a contingência são traços gené-
que essas ocupações fornecessem ocasiões vitais de ensinar botâ- ticos da realidade, a vida apresenta, constantemente, problemas
nica, matemáticas, química, ciências econômicas e outras, necessá- que necessitam de investigação. Em conseqüência, que método
rias para exercer essas profissões. Com tal concepção do pro- poderia ser mais apropriado ao ensino que o célebre método do
grama, Dewey se opunha, naturalmente, ao dualismo clássico entre problema de Dewey? Com efeito, sua análise, em cinco pontos,
a educação liberal e a profissional. Nesse dualismo via uma do ato de pensamento, tornou-se tão clássica que rivaliza com os
sobrevivência da concepção racional de Aristóteles a respeito da famosos cinco pontos de Herbart (.).
dicotomia estrutural das classes sociais da antiga Grécia. Mas A primeira fase do método do problema começa com alguma
segui-Ia, depois das revoluções políticas e industriais do século experiência atual da criança. O mestre, entretanto, já encontrará
XVIII, que fizeram cada homem livre e tornaram o trabalho
respeitável para todos, era anacronismo que ele se recusava a (*) Aqui, cinco pontos de Herbart; páginas atrás, cinco fases de
perpetuar (*). H erbart, A denominação clássica é passos ou, mais explicitamente, passos
formais. V. exposição abreviada de tais passos em compêndio já antigo,
mas ainda prestável em mais de um ponto: A. M. AGUAYO, Pedagogia
(*) V., a respeito da Escola Deue» em Chicago: El1wood P. CUB-
científica; psicologia e direção da aprendizagem, trad. porto e notas de
BERLEY,The history o] educaiion, "Riverside Textbooks in Education ",
Boston, Houghton Miff1in, 1920, pp. 780-783; e, do mesmo CUBBERLEY,a
J. B. Damasco Penna, vol. 18 destas "Atualidades Pedagógicas", São
antologia que acompanha esse excelente tratado, e que é Readinqs in ihe Paulo, 11.3 ed., 1967, 1JP. 244-246. E V., outrossim, o livro, já mais de
history of education, na mesma série, do mesmo editor, na mesma data, uma vez referido nestas notas dos tradutores, de HERNÁNDEZRUIZ, Psico-
leituras 364 e 366. (Nota dos trads.) pedagogia do interesse, pp. 286-289. (Nota dos trads.)

294 295
dificuldade, desde o começo, se pensar que a experiência, da parte ência, a última fase no método do problema reclama que se sul>-
da criança, pode ser presumida. O ponto de partida, Dewey meta a hipótese à prova da experiência. Observemos, aqui, que, ao
insiste nisso fortemente, deve ser alguma situação empírica contrário de Herbart, Dewey não concebe a prática como repetição
específica e atual. Para assegurar-lhe essa qualidade, é melhor com o fim de fixar algum princípio no espírito. Ao contrário,
que a situação seja tão distanciada quão possível da situação da considera a prática como a prova da verdade, ou do valor da
escola formal. Sem dúvida alguma, é a razão pela qual Dewey reflexão feita pelo aluno para resolver o problema. Da mesma
pensava que as primeiras atividades escolares da criança deviam maneira, quando se identifica a doutrina de Dewey com o movi-
ter fonte nas atividades da casa e da comunidade. mento das escolas ativas, não basta pensar que ele defende um
Na segunda fase do método do problema, há interrupção na programa de atividade porque concorda com a natureza psicobio-
continuidade da atividade atual. Em lugar de ir direto à conclusão lógica da criança. Além disso, Dewey considerava que a justifica-
da atividade empreendida, obstáculos se apresentam agora, os ção principal do programa de atividade era ética e epistemológica.
quais põem essa conclusão em perigo. Enquanto que, um momento É uma prova de verdade e de valor. Bem mais: será insuficiente
antes, essa conclusão parecia claramente à vista, agora essa se a atividade for puramente intelectual. Para Dewey, o pensa-
perspectiva se tornou confusa. O fato de as conseqüências do mento consiste em bem mais do que se passa simplesmente dentro
que se havia tentado fazer na experiência serem incompletas, e da cabeça; implica também uma ação sobre as coisas, uma alteração
não realizadas, propõe problema, o qual pede pesquisa. Investi- elas condições físicas do meio com o fim de ver se as conseqüências
gação do melhor meio de restaurar a continuidade da experiência, sofridas suportam, ou corroboram, previsões hipotéticas. Alguns
será mais eficaz se o aluno e o mestre dedicarem desde logo o pedagogistas se supreenderam com 'esta última conclusão, mas isso
tempo necessário a definir, do melhor modo, nesse ponto preciso, não devia acontecer pois é o ponto de vista crítico no método
o que é a dificuldade, ou o problema. científico de laboratório. Nada por admirar, pois, em que Dewey
Depois de haver-se decidido nesse ponto, será tempo de haj~ insistido no fato de que cumpria incorporá-Ia 110 método de
atacar a terceira fase do método do problema. É uma inspeção eI1S1110.
dos dados à mão e que podem fornecer solução. Aqui, criança É notável que o método do problema forneça uma solução
e mestre precisarão apelar para o capital da experiência passada. para a eterna questão da motivação do 'estudo. Em um de seus
O material escolhido, no fim de contas, tornar-se-á natural- bem primeiros ensaios pedagógicos, Dewey descreve o interesse
mente parte do programa. Aí também, o mestre pode topar com como o produto dos impulsos e das tendências primitivas da
dificuldade se considerar o programa como algo de pronto e criança. Mestre sábio, por conseqüência, é aquele que pode aplicar
acabado e, pois, separado do método de ensino. :Para Dewey, o ao programa essas reservas de energia. O método do problema,
método não é a antítese das matérias do programa, mas, antes, a em suas duas primeiras fases, assegura praticamente esse resul-
orientação efetiva destas no rumo dos resultados desejados. tado. O método parte de alguma atividade decorrente da criança,
Armados de dados escolhidos vindos da experiência passada, pela qual, justamente porque a criança nela está empenhada, pode-
mestre e aluno estão, desde agora, prontos para a quarta fase mos admitir que manifeste, de sua. parte, interesse espontâneo. Já
desse método, a formação de uma hipótese, com o fim de restaurar que é de presumir que a criança deseje continuá-Ia, todo aconteci-
a continuidade interrompida da experiência. Para formular hipó- mento que compromete uma realização ulterior pedirá, de sua
tese cumpre pensar. O processo é muito análogo ao da elaboração parte, vigorosos esforços para vencer os obstáculos intervenientes.
de um fim. Encarando vários caminhos possíveis para continuar a O interesse nasce nesse momento, do fato de que a criança vê
marcha, o aluno desenvolve, na imaginação, as conseqüências que certos intermediários - o programa - devem ser dominados
prováveis de cada um. Naturalmente, em nenhum o resultado é como meios, para restaurar a continuidade da atividade original.
certo. Há risco inevitável em qualquer inferência. Mas aí está Evidentemente, jamais voltará a essa atividade original, pois que
uma qualidade da experiência que dela faz verdadeiro desafio e esta, no curso da reflexão, sofre um desvio com o fim de resolver
dá, ao estudo, caráter aventuroso. o problema de manter a continuidade. Seu interesse inicial pode
Depois de haver escolhido o fim ou a hipótese mais apta, também sofrer alguma modificação. Pode, assim, tornar-se mais
segundo parece, a restaurar a continuidade quebrada da experi- forte, ou mais fraco, ou ser inteiramente desviado.

296 297
Convém notar de maneira muito particular que Dewey viu,
no esforço, um produto do interesse e, não, a energia que o estu-
dante gasta na ausência de interesse. Em conseqüência, não há
Teoria social da educação
oposição entre interesse e esforço (*). Ao contrário, quanto maior
interesse, maior esforço. Não há, igualmente, oposição entre A alusão precedente à qualidade das relações entre o mestre e
interesse e disciplina. Segundo Dewey, a experiência educativa é o aluno nos leva a uma derradeira dimensão da filosofia da educa-
disciplinada quando suas duas fases de fazere de provar são ção de Dewey, a dimensão social. Para ele, a educação é, essen-
empreendidas face a face às dificuldades e distrações que a cialmente, processo social, processo de partilha da experiência. É,
acompanham. É muito preferível seja o assentimento interior da entretanto, muito diferente, para essa partilha da experiência, que
criança ao fim por ela escolhido que forneça a força que a man- provenha da educação ou do simples adestramento dos jovens.
tém no mesmo curso de ação, à 'Substituição desse assentimento Quando aprende a conduzir-se de certa maneira, uma criança
pelo poder coercitivo exterior do mestre ou dos pais. O interesse pode modificar a conduta de modo a agir como adulto; mas, 'Se
é, assim, a melhor garantia de um crescimento em autonomia ao fazê-lo, não participa das mesmas idéias e disposições emocio-
moral. nais que movem os adultos, trata-se mais de adestramento que de
O êxito do método do problema, a um tempo, em suas fases educação. Dado que Dewey acentuou a compreensão inteligente
ética e lógica, depende, em grande parte, do fato de que se con- daquilo que a gente está em vias de fazer, quase escusa dizer
ceda, à criança, vivo sentimento de seu empenho pessoal no que ele tinha por bom tratar a criança mais como companheiro
processo. Nesse ponto, a chave do êxito consiste na seleção do igual que como meio companheiro no processo da partilha, como
problema. Se possível, o problema deve ser tal que o próprio aluno pessoa por educar mais que como pessoa por amestrar.
o reconheça e aceite como problema. Se for, na realidade, problema N a opinião de Dewey, não basta chamar a atenção para o
do mestre ou, simplesmente, do manual, pode-se perder grande fato de que a educação é, essencialmente, processo social. T \..Iue
á

parte da vantagem' que dá o aproche do problema descrito por há muita espécie de organização social, cumpre estabelecer um
Dewey. Significará isso, pois, que as crianças não devem apren- critério segundo o qual julgar de suas diversas capacidades educa-
der senão o que desejem aprender? Não há dúvida de que alguns tivas. Essa medida comum, ele a encontrava no próprio processo
educadores progressistas subscrevem esse sistema; mas esse não de partilha. Boa sociedade é aquela na qual há um máximo de
é o caso de Dewey! A idéia de que o mestre não deveria sugerir, experiência repartida não somente entre seus membros, mas,
às crianças, o que devem fazer, porque isso seria usurpação também, entre seus membros e os de outras sociedades. A forma
ilegítima, no recinto sagrado de suas individualidades, Dewey a de sociedade que, segundo Dewey, melhor realiza esses caracteres
considerava como estúpida (1). Impedir a pessoa que, na classe, é a democracia. Se a democracia tem falhas, devem ser sanadas
tem mais experiência, de fazer sugestões sobre a maneira de guiar não por menos, mas por mais democracia. A democracia assim
a experiência, é uma perda de entendimento e, pois, ipso facto, concebida não é, simplesmente, forma de regime político, mas,
algo de estúpido. Em verdade, é mais que provável que as antes, um modo geral de vida em associação. Sua noção se aplica
crianças não 'Somente acolherão, mas procurarão as sugestões do à família, à igreja, aos negócios, tanto quanto à política e à
mestre, se forem dadas como conselhos vindos de um camarada educação.
de estudos e, não, como o fiat de um ditador. As vantagens educacionais da sociedade democrática 'São
evidentes. Poder-se-ia dar-lhe uma razão superficial: quando é o
(*) V., a respeito dessa não-oposição entre interesse e esforço, as povo que comanda, um governo esclarecido depende da educação
páginas clássicas de DEWEY, em seu estudo precisamente intitulado "Inte- dos eleitores. Mas Dewey atribuía razão mais profunda ao papel
rest and effort in education" (1913), há muito posto em português e que i' da democracia em educação. Sua vantagem vinha, para ele, de
é um dos ensaios reunidos na obra de John DEWEY, Vida e educação,
que a democracia concedia primado à aprendizagem da atividade
tradução e estudo preliminar de Anísio TEIXEIRA, vol. 76 destas "Atuali-
dades Pedagógicas", 5.a ed., São Paulo, 1959, pp. 83-165. (Nota dos realizada à luz da mais larga partilha possível da experiência pelo
trads.) maior número possível de pessoas. Isso não pede apenas ampla
(1) DEWEY, Art and education, pp. 180-181, Merion, Pa; Barnes liberdade a fim de repartir a experiência, mas, também, a sub-
Foundation Press, 1929. versão das antigas barreiras de raças, classes ou seitas que pertur-
bam a livre comunicação. Agindo segundo tais princípios, o
298
299

~ .õ;ií
mestre pode abandonar toda idéia de que é ditador, ou autocrata, encorajamento não deveria levar a concluir que a filosofia da
na classe. A escola democrática repudia toda efetivação, pelas educação de Dewey fosse irreligiosa. Ele via alguma incompatibi-
crianças, de atividades cuja significação não é partilhada senão lidade entre a educação e a religião no caso em que a segunda
pelo mestre que as comanda. Em lugar de tal autoridade, enco- não pudesse encontrar lugar no mesmo curso de experiência que
raja as disposições e os interesses voluntários de parte das as outras matérias do programa. Mas, por outro lado, estava
próprias crianças. E os princípios democráticos que se aplicam seguro de que a escola pública realizava trabalho religioso de
na classe, aplicam-se, igualmente, a todo o sistema de administração infinita significação tentando assimilar crianças de diversas classes-
do ensino. sociais, de diversas tradições nacionais, e de diversos credos reli-
giosos. Aí, ao menos, havia o começo de uma unidade social da
Escola democrática que ensina as crianças a agir, em suas qual, no futuro, devia nascer toda unidade religiosa autêntica.
comunidades, à luz da mais larga partilha possível da experiência,
está destinada a ter papel na reconstrução da ordem social. John S. BRuBAcHER
Dewey não era, entretanto, homem que se deixasse prender no
dilema de saber se a escola é a criadora, ou a criatura, da
mudança social. De seu ponto de vista, a educação e a política (Traduzido do inglês por J. CHÂTEAU.)
são uma e mesma coisa, na medida em que cada uma tem pre-
tensões a uma gestão inteligente dos negócios sociais. Seja qual
for, entretanto, a urgência de uma mudança social - ainda BIBLIOGRAFIA
quando movimentos revolucionários estejam no ponto de transferir
o poder de uma classe social para outra - Dewey não estava Obras de Deuie»
disposto a abandonar os esforços da educação para reconstruir a
ordem social por meio de tentativas violentas. Segundo ele, se The child and the c1lrric1llt~m, Chicago, Universitg of Chicago Press,
uma revolução resultar unicamente de mudança externa do poder, 1902 (*).
está votada a correr o risco de uma contra-revolução. Para ter Dcmocracy anâ educaiion, New York, Macmillan Co., 1916 (**).
êxito, uma revolução deve ser acompanhada de mudança interna Experience and educaiion, New York, Macmillan Co., 1938 (traduzido para
das disposições mentais e morais. Só a educação pode efetuar o francês) (***).
tais modificações. Mas a educação pede tempo. Por isso, o mestre HMIJ we think,Boston, D. C. Heath & Co., 1910 (traduzido para o
que se inclina para os resultados rápidos de uma revolução, de francês) (****).
preferência à longa sucessão dos resultados da educação, mostra School and society, Chicago, University of Chicago Press, 1899 (*****).
falta de fé na disciplina da educação à qual ele próprio se
consagrou. (*) Está em português, com o título de "A criança e o programa
Em última análise, o senso da democracia, em educação, é escolar", pp. 49-81 do livro de DEWEY agora mesmo citado, Vida e edu-
um senso moral. Para Dewey, social e moral não são senão um. cação. (Nota dos trads.)
A marca moral de uma sociedade democrática está em que trata (**) Foi posto em português, há já muitos anos, o livro clássico de
DEWEY: Democracia e educação, trad. de Godofredo Rangel e Anísio Tei-
a experiência de maneira a partilhar, com os jovens, as oportu- xeira, vol. 21 destas "Atualidades Pedagógicas", 3." ed., São Paulo, 1959.
nidades de gestão inteligente dos negócios sociais. A pedagogia
(Nota dos trads.)
apropriada consiste, aqui, em partilhar, com o aluno, não somente (***) Também está em português: Experiência e educação, trad. de
o capital baseado na experiência da raça, mas, também, a expe- Anísio Teixeira, vol. 131 destas "Atualidades Pedagógicas", 2.' ed., São
riência de fazer e agir segundo as próprias decisões. Na base Paulo, 1976. (Nota dos trads.)
de sua doutrina, Dewey punha a confiança na inteligência humana (****) Já referimos, numa destas nossas notas, a edição brasileira
e na mestria dessa inteligência no dirigir a experimentação num de How we think. (Nota dos trads.)
universo precário. A busca de alguma certeza absoluta, acima, e (*****) Este livro está em espanhol: La escuela Y Ia sociedad, trad.
para além, das atividades e das provas ordinárias da experiência, de Domingo Barnés, col. "Actualidades Pedagógicas", Madri, Beltran,
não recebia, dele, nenhum encorajamento. Mas a ausência desse 3." ed., 1929. (Nota dos trads.)

300 301
TIl!! Philosophy of lohn D~'ey (ed. Paul A. Schilpp), Evanston e Chica-
go, Northwestern University, 1939

Traduções francesas (******)


Comment nous pensons, Flammarion.
Les écoles de demain, Flammarion.
L'école et l'enjont, Delachaux & Niestlé.
Expérience et éducation, Bourrelier.
Liberté et culture, Aubier. (*******)

(******) Às traduções francesas convém acrescentar as publicadas de-


pois da primeira edição do original desta obra (1956) e que, quanto sai-
bamos, são as seguintes: Logique, théorie de l'enquêie, trad. de Gerard
Deledalle, Presses Universitaires de France, Paris, 1967; Démocratie et
éducation, trad. de Gerard Deledalle, Collection "U ", Paris, Colin, 1975.
A Gerard DELEDALLE,professor de filosofia na Faculdade Pluridis-
-ciplinar de Ciências Humanas de Perpignan, estudioso do pensamento
norte-americano, já se deviam, aliás, valiosas contribuições, as quais, sem-
pre quanto saibamos, são estas: Histoire de Ia philosophie américaine, Pres-
ses Universitaires de France, Paris, 1954; La pédagogie de John Dewey,
Êditions du Scarabée, Paris, 1965; e L'idée d'expérience dons Ia philoso-
phie de Iohsi Dewey, Paris, Presses Universitaires de France, 1967. Há
-mais tempo (1951), o Prof. DELEDALLEhavia também colaborado com
Paul FOULQUIÉ numa obra sobre a psicologia de nossos dias: A psicologia
contemporânea, trad, e notas de Haydée Camargo Campos, vol. 74 destas
"Atualidades Pedagógicas", 4.& ed., São Paulo, 1977; a colaboração de
DELEDALLEé o estudo da "psicologia experimental americana", pp. 43-85.
(Nota dos trads, )
(*******) Freedom and culture foi também posto em português, em
tradução de Anísio Teixeira, e está no livro de DEWEY, Liberalismo, liber-
dade e cultura, vol. 11 da coleção "Cultura, Sociedade, Educação", São
'Paulo, Companhia Editora Nacional e Editora da Universidade de São
Paulo, 1970, pp. 97-261. (Nota dos trads.)

Nota complementar dos tradutores a bibliog'rafia


sobre DEWEY
Lembremos, para estudo de DEWEY, dois trabalhos, com muitos anos
-de permeio. O primeiro, assaz antigo, mas ainda extremamente valioso, é o
de Fr. DE HoVRE, datante, na edição original, de muitos decênios, o Ensaio
âe filosofia pedagógica, trad. porto e notas de Luiz Damasco Penna e J. B.
Damasco Penna, vol, 95 destas "Atualidades Pedagógicas ", São Paulo, c
1969, pp. 93-105; à página 94 desse livro há nota dos tradutores com
.abundantes referências bibliográficas. O segundo, também extremamente
valioso, é o ensaio de Maria Isabel Moraes PlTOMBO, Conhecimento, valor ::
.e educação em Iohn Dewey, col. "Manuais de estudo", São Paulo, Pio-
neira, 1974.
Cabe, outrossim, lembrar os numerosos estudos de Anísio TEIXEIRA
(1900-1971), porventura o maior conhecedor de DEWEY no Brasil, estudos
ainda por arrolar.

302

Você também pode gostar