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SOCIEDADE DE ENSINO SUPERIOR DE SERRA TALHADA

FACULDADE DE INTEGRAÇÃO DO SERTÃO – FIS

DIRETORIA ACADÊMICA

COORDENAÇÃO DO CURSO DE DIREITO

DEBORAH VIVIANE RODRIGUES

A TEORIA DA DISSONÂNCIA COGNITIVA, JUÍZO DAS GARANTIAS E


AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA

SERRA TALHADA
2022
DEBORAH VIVIANE RODRIGUES

A TEORIA DA DISSONÂNCIA COGNITIVA, JUÍZO DAS GARANTIAS E


AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA

Trabalho elaborado como parte da avaliação da


Disciplina Direito Processual Penal II, ministrada
pelo Prof. Ítalo Wesley Paz de Oliveira Lima do
Curso de Direito da Faculdade de Integração do
Sertão.

SERRA TALHADA

2022
O juiz assume uma nova posição no Estado Democrático de Direito, com
legitimidade consubstanciada na função de proteção dos direitos fundamentais de todos
e de cada um, ainda que para isso tenha que adotar uma posição contrária à opinião da
maioria. Além disso, deve tutelar o indivíduo e reparar as injustiças cometidas e absolver
quando não existirem provas plenas e legais.

Para cumprir tais atribuições, é imprescindível que o juiz detenha de algumas


qualidades mínimas. Dentre elas, encontra-se a imparcialidade, que é exatamente essa
posição de terceiro que o Estado ocupa no processo, por meio do juiz, atuando como
órgão supraordenado às partes ativa e passiva. Ou seja, um estar alheio aos interesses das
partes na causa. Em vista disso, a imparcialidade do juiz se constitui como uma das
maiores garantias de realização de justiça, bem como característica essencialmente
legitimadora da função estatal jurisdicional.

A possibilidade de obtenção dessa imparcialidade se deu pelo sistema acusatório


que tem como principal objetivo a separação entre o órgão julgador e o acusador. Tal
sistema foi implantado no Brasil pelo art. 3 – A do Código de Processo Penal – incluído
pela Lei n. 13.964, de 24 de dezembro de 2019 – que versa:

“Art. 3º-A. O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a


iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da
atuação probatória do órgão de acusação. (Incluído pela Lei nº
13.964, de 2019). (BRASIL, 2019)”.
O dispositivo supracitado veda a atuação de ofício do juiz na fase de investigação
e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação. Logo, a gestão das provas
no processo incumbiria inteiramente às partes, principalmente à acusação. Entretanto, a
concessão de Liminar na Medida Cautelar nas ADIn's n. 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305 pelo
Min. FUX, suspende a eficácia de tal artigo. O que acarreta na permanência da atuação
do juiz na fase pré-processual, pois continua sendo um só juiz atuando durante toda a
persecução criminal. Fator que gera críticas significativas entre a idealização de um
sistema acusatório, o qual prevê a imparcialidade do juiz como um objetivo para se obter
justiça, e a sua mitigação por conta de atos considerados inquisitoriais – acautelatórios e
instrutórios.

Com o crivo de compreender a imparcialidade do juiz, pode-se utilizar a teoria da


dissonância cognitiva, trazida do âmbito da Psicologia por Leon Festinger, o qual mostrou
que existe uma dificuldade das pessoas em enfrentar situações onde suas opiniões ou
crenças são confrontadas de maneira direta com uma informação notadamente contrária.

Segundo esta teoria, esse choque entre os conhecimentos, o antigo e o novo, é a


dissonância cognitiva, o que acaba por gerar um desconforto psicológico. E a partir disso,
a tendência da pessoa nessa situação é evitar o contato com a informação dissonante e
procurar apoio em informações que possam lhe oferecer suporte cognitivo.

No processo penal, a teoria pode ser aplicada diretamente sobre o juiz e sobre a
sua atuação desde a fase de investigação até o julgamento, uma vez que se faz necessário
lidar com opiniões antagônicas que lhes são apresentadas pelas teses de defesa e de
acusação. Ainda, além das teses antagônicas que lhes serão apresentadas, é possível que
o juiz construa a sua própria imagem mental dos fatos a partir da apresentação dos autos
do inquérito, criando assim um pré-julgamento capaz de interferir na sua imparcialidade
durante a instrução, uma vez que, com base na teoria da dissonância cognitiva, pode-se
inferir que ele se apegará à sua construção mental prévia dos fatos e tentará confirmá-la,
desprezando quaisquer informações dissonantes, mesmo que de forma inconsciente.
Portanto, havendo atuação direta na fase de investigação, verifica-se o risco tangível de
contaminação do juiz com a causa a qual decidirá posteriormente.

Assim, a partir do inquérito policial e da denúncia, o juiz começa, inevitavelmente,


a construir uma imagem mental dos fatos, sendo inevitável também, portanto, o pré-
julgamento, principalmente em relação às decisões que eventualmente tomará ao longo
da fase de investigação, como decisões sobre prisão preventiva, medidas cautelares, etc.

Pressupõe-se que tendencialmente o juiz se apegará à imagem já construída a


partir dos autos do inquérito e da denúncia, bem como das decisões já proferidas por ele
durante a investigação, de modo que ele tentará confirmá-la durante a instrução criminal,
ou seja, a partir da dissonância, a tendência é que o juiz superestime as informações
consoantes e menospreze as informações dissonantes.

Dessa forma, quanto maior for o envolvimento do juiz com a investigação


preliminar, e até mesmo pelo fato de ter que decidir pelo recebimento da denúncia, maior
a chance de “contaminação” do processo, pois, como já explicado pela teoria da
dissonância cognitiva, todo indivíduo busca o equilíbrio do seu sistema cognitivo, uma
relação não contraditória. Portanto, ao receber a denúncia ou decretar uma medida
cautelar, por exemplo, o juiz já está exteriorizando a sua convicção inicial de que o
acusado é culpado dos fatos narrados pela acusação.

Ademais, há uma fundada preocupação com a aparência de imparcialidade que o


julgador deve transmitir para os submetidos à Administração da Justiça, pois, ainda que
não se produza o “pré-juízo”, é difícil evitar a impressão de que o juiz (instrutor) não
julga com pleno alheamento. Isso afeta negativamente a confiança que os tribunais de
uma sociedade democrática devem inspirar nos justiçáveis, especialmente na esfera penal.

O juiz das garantias, vislumbrado no denominado Pacote Anticrime - Lei n°


13.964, de 24 de dezembro de 2019 – em seu art. 3 – A, que encontra-se suspenso, e na
medida em que fosse inserida a sua atuação no ordenamento jurídico brasileiro, seria o
responsável por dar providências e acautelamentos a respeito do escopo da perquirição
criminal e, até mesmo, da própria pessoa do investigado, no que diz respeito à
determinação de medidas cautelares durante a fase pré-processual e na realização da
audiência de custódia.

Essa audiência de custódia é o instrumento processual realizada logo após a prisão


em flagrante, de maneira a permitir que haja um contato direto entre o Juiz e o preso,
devendo ser acompanhada por um defensor (advogado constituído, defensor público, etc.)
e pelo MP.

Nela é feita a observância, por parte do Estado, de levar o preso à presença da


autoridade judiciária. Ou seja, é um ato do Direito Processual Penal que exige que o preso
em flagrante seja apresentado, em audiência de custódia em até 24 horas, à autoridade
judicial onde deverá ser apresentado ao a um juiz para que este assegure seus direitos
fundamentais, avaliando a legalidade ou até mesmo necessidade de manutenção da prisão.

Tem-se como finalidade central da audiência de custódia a verificação da


legalidade da prisão e se houve algum eventual ocorrência de excessos (maus-tratos,
tortura, etc.). A audiência de custódia atualmente está regulamentada expressamente na
legislação brasileira (art. 310 do CPP), mas sua necessidade já era extraída do Pacto de
San José da Costa Rica, que prevê, em seu art. 7º, item 5, que “toda pessoa detida ou
retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade
autorizada pela lei a exercer funções judiciais”.
Além disso, é aqui que o juiz irá se inteirar melhor do ocorrido, abstendo-se de
realizar perguntas com a finalidade de produção probatória). Após, o MP e a defesa terão
o direito de formular perguntas. E por fim, o juiz deverá: determinar o relaxamento da
prisão em flagrante, no caso de se tratar de prisão ilegal; Conceder a liberdade provisória
(com ou sem a aplicação de medida cautelar diversa da prisão; Decretação de prisão
preventiva; Determinar a adoção de outras medidas necessárias à preservação de direitos
da pessoa presa (caso estejam sendo violados).

Tais atribuições supracitadas do juiz das garantias romperiam com o vínculo do


juiz da instrução, que irá julgar o caso, com a investigação pré-processual, resolvendo
assim, o problema da parcialidade trazida pela figura de um juiz singular. Além disso,
vale salientar que, tal previsão trata-se de uma verdadeira revolução no que tange o
processo penal rumo a um modelo com maior comprometimento democrático.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BRASILEIRO, Renato de Lima. MANUAL DE PROCESSO PENAL. 8ª ed. Salvador:


Editora JusPodivm, 2020.

JUNIOR, Aury Celso Lima L. DIREITO PROCESSUAL PENAL. 18ª ed. São Paulo:
Editora Saraiva, 2021.

SILVA, Cristian Kiefer da; SANTOS, Mayza Kethone; MAGALHÃES, Priscilla


cândida. O juiz das garantias e a teria da dissonância cognitiva. Revista de estudos
jurídicos UNA, 2020.

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