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Construção do respeito

Olha o PALAVRÃO! “Nada do que é trazido pelas crianças passa


batido. Palavrão também não. Se é força de
Heloisa Fernandes
expressão, tudo bem. Mas, se gera
Decida como lidar com esta realidade: que curiosidade ou é agressão, discutimos nas
as crianças soltam um palavrãozinho aqui e rodas se não haveria outro modo de resolver
outro ali, você já sabe. Mas será que sabe o conflito. Tudo na linha de construção da
como reagir quando elas dizem alto e bom moral e do respeito. O combinado em grupo
som um palavrão na sua aula? Aproveite a é mantido pela professora. Quando é o caso,
tratamos de significados.”
experiência de algumas escolas e escolha
Maria Elena Latalisa Sá, diretora pedagógica de
uma estratégia. Seja ela conservadora ou Educação Infantil e Pré-Escolar da Balão
liberal, você nunca mais se xingará por não Vermelho, escola particular de Belo Horizonte.
ter conseguido lidar com a situação.
Um saboroso doce de jambo entregue com Adequação da linguagem
um bilhete de desculpas pôs fim a um “Explico que há uma linguagem para cada
problema causado por palavrões numa situação. Assim como terno não é traje de
escola carioca. A história começou quando praia, palavrão não é próprio para qualquer
alunos do 4º ano da Oga Mitá soltaram hora. Tem funções específicas, como
impropérios ao colher o tal fruto no pátio. expressar raiva ou alegria. Quando é dito
Um vizinho bateu lá para reclamar. A saída entre os alunos num contexto em que cabe,
para fazer as pazes foi encontrada pelas é melhor não dar bola, para não
crianças e pela professora Ângela Santos hipervalorizar. Mas isso deve ser
num debate, uma das formas dos consciente.”
Maria Lilia Oliveira, professora do Colégio Pedro II,
educadores de lidar com palavrões. do Rio de Janeiro.
E você, como reage quando um aluno diz um Contra a agressividade
palavrão na sua classe? Finge que não “Importante é o respeito. Às vezes, é pior
ouve? Dá aquela bronca? Propõe o uso de chamar de burro do que dizer um palavrão.
outra palavra? Encara com naturalidade? Não temos caso de palavrão em sala, mas
Busca-se a opção certa, e saiba que não há corre solto no pátio. Só não pode usar para
consenso entre educadores. O denominador agredir. Senão, ignoramos. A sociedade
comum é que o palavrão, problema para uns aceita cada vez mais e evitamos o
e tema para outros, faz parte da vida das moralismo, mas não dá para ‘liberar geral’.
crianças. Elas o ouvem em casa, na rua, na Aos menores, explicamos o significado e
televisão e na própria escola. E falam. Não indagamos se é o que queriam dizer.”
dá para ignorar. Luci Serricchio, coordenadora da Anjo da Guarda,
“Quando dizem um palavrão na presença do escola particular de Curitiba.
professor, os alunos têm certeza de que ele Solução de conflitos
está ouvindo”, afirma Maria Lilia Simões de “O palavrão está na vida dos alunos, mas
Oliveira, professora de Português há 22 explicamos que é agressão. Como toda
anos, que leciona para o 6º ano na Escola agressão, não é aceito na escola.
Municipal Mascarenhas de Moraes e para o Valorizamos o respeito e mostramos que
7º ano no Colégio Pedro II, federal, ambos na conflito se resolve com conversa.
cidade do Rio de Janeiro. “Como não sabem Perguntamos: ‘Gostaria que eu falasse com
lidar com a situação e temem passar por você assim?’. Se às vezes usam como
antiquados, muitos fingem que não ouvem; exclamação, não fazemos drama. No pátio,
mas isso não é bom”, observa ela. “Deve-se alertamos: ‘Olhe a boca!’.”
agir com consciência.” Por isso, você e sua Sonia Furtado, diretora do Ciep Margaret Mee, da
escola precisam decidir como atuar. rede pública carioca.
Espaço de aprendizagem
Professor não fala “Não permitimos que as crianças falem
Em geral, a prática do educador varia de palavrão na escola, um espaço formal de
acordo com a linha pedagógica. O que não aprendizagem. Incentivamos a ampliação do
muda é a convicção quanto à postura do vocabulário. Também trabalhamos o respeito
corpo docente: professor não pode dizer pelo outro. Se argumentam que em casa o
palavrão. Sua missão é enriquecer o pai fala, dizemos que lá tudo bem, aqui não.”
vocabulário das crianças e ensinar-lhes a Stella Mercadante, diretora do Primeiro Grau da
língua culta. Quanto aos estudantes, Vera Cruz, escola particular paulistana.
qualquer decisão exige uma base sólida. “Pedimos que mudem o modo de se
Afinal, sua atitude será alvo de um milhão de expressar. Xingamentos como idiota também
porquês de alunos, pais, colegas e até de são reprimidos. O problema é a agressão.
vizinhos da escola. Queremos que saibam se relacionar,
respeitando as diferenças.”
Você pode sair dessa sinuca Nádia Dimitrov, orientadora educacional do 8º ano
da Vera Cruz.
Veja como escolas de diferentes linhas
Formas de expressão
pedagógicas trabalham com o palavrão.
“É fundamental a criança se expressar, pôr a
raiva para fora, e, às vezes, sai um palavrão.
Só interferimos quando é agressão. Agimos Em qualquer situação, quando a criança
como se fosse agressão física. Paramos para pergunta, Sonia Furtado defende que a
discutir. Estamos preocupados com os resposta seja dada naturalmente. “Isso tira a
conteúdos éticos. Mostramos que não temos graça de xingar, mas, se o professor se
o direito de incomodar o outro.” constrange, a criança fala para provocar.”
Angela Santos, coordenadora pedagógica da O interesse pelo significado em geral só
Oga Mitá, escola particular carioca. aparece com força na pré-adolescência, com
o despertar da sexualidade, por volta dos 10
Vocabulário mais rico anos. “Esperamos que a criança tenha
“Estimulamos o enriquecimento da curiosidade e, quando pergunta, explicamos
linguagem, mas os palavrões não são ou mostramos no dicionário. Com frequência
reprimidos. No entanto, eles são sentem que a definição não tem nada a ver
desvalorizados como forma de expressão. com o que queriam dizer, que a palavra não
Trabalhos com palavrão são feitos quando faz sentido naquele contexto.”
eles aparecem com frequência numa classe No entanto, se a criança cresce num
ou individualmente. O assunto é discutido, e ambiente em que o palavrão é muito
as crianças refletem sobre ele. Se a criança presente, as fases podem ser menos nítidas.
pergunta o significado, ele é explicado.” “Fazia um trabalho com leitura no Centro
Eda Canepa, coordenadora de Educação Infantil Comunitário de São Cristóvão com alunos
da Lourenço Castanho, escola particular do 2º ano que não sabiam falar sem
paulistana. palavrão. Tive de aceitar. Pelo menos
estavam se expressando”, conta Maria Lilia
Quem fala, quando fala e por que fala Oliveira.
Em cada faixa etária, o palavrão aparece de Às vezes, quem se incomoda com palavrões
uma maneira. se queixa à professora quando ouve um. Na
Meninos e meninas, cada vez mais, falam Oga Mitá, Angela Santos diz que isso motiva
mais palavrões. Mas existe uma época em uma discussão que envolve a ideia de
que os “descobrem”. Segundo Eda Canepa, respeito pelo outro. Na Anjo da Guarda,
isso acontece por volta dos 4 ou 5 anos. De essas queixas não são bem-vindas. “Mais
início, dizem pelo prazer de empregar grave do que falar é dedar o colega”,
palavras novas, não para xingar. “Mas, defende Luci Serricchio.
embora desconheçam o significado, mesmo
pequenas, sabem que estão dizendo algo Regras de convivência
que não deveriam”, observa. O estabelecimento pelos alunos de regras
Na pré-escola, por volta dos 6 anos, já falam para o convívio em sala e nas áreas comuns
menos. “Começam a entender que o da escola é uma prática da Escola Oga Mitá,
palavrão é uma forma de expressão que faz que tem turmas do maternal ao 5º ano. O que
sentido em certos momentos”, explica Eda. fica decidido é exposto em cartazes. “Ao
“O comum é que passem a falar só entre si.” longo dos anos, a proibição de falar
Nessa fase, a curiosidade pelo que aquelas palavrões aparece cada vez menos nas
palavras “proibidas” querem dizer ainda é regras”, diz Angela Santos. Além disso, à
pequena, mas às vezes aparece. Por isso, medida que crescem, as crianças vão se
esteja preparado. tornando mais flexíveis. O “É proibido” dá
lugar a um realista “Vamos evitar”.
Atividades para várias idades
Enfrente o inimigo unindo-se a ele. Trabalhe Substituições em redação
com palavrões em textos e discussões. Outra alternativa com textos é propor
substituições quando palavrões aparecem
Traduções em texto nas redações. Mas é preciso ter claro que
Quando os palavrões são muito usados, é nem sempre isso é possível. “Assim como
possível criar atividades com textos que os incentivo a ampliação do vocabulário,
contenham e propor traduzi-los. Porém, proponho que não escrevam palavrão. Certa
Maria Lilia Oliveira ressalta que o professor vez uma aluna do 6º ano do Colégio Pedro II
deve estar à vontade, e os alunos precisam definiu uma atitude do namorado como
ter maturidade para a tarefa. Senão, há risco sacanagem e, conversando, chegamos à
de ser constrangedor ou de as crianças conclusão de que aquela era mesmo a
acharem que o vocabulário está liberado. palavra adequada”, recorda Maria Lilia
Nos últimos anos do primeiro grau, ela já Oliveira.
experimentou explorar trechos do livro Mas
será o Benedito?, de Mario Prata (Editora Consultas ao dicionário
Globo, 175 páginas). Luci Serricchio alerta Procurar o palavrão no dicionário pode
que textos com palavrão só devem ser ajudar a diminuir sua importância para as
trabalhados em sala a partir do 7º ano. crianças e a desfazer o mistério que cerca
Uma saída é formular definições. Maria Elena essas “palavras proibidas”. Elas ficam
Sá dá uma sugestão para explicar puta: surpresas ao ver palavrões escritos num
“Mulher que namora por dinheiro”. baluarte da língua culta. “Crianças do 3º ano
costumam gostar de procurar palavrão no Revista Nova Escola. Ano XII, n. 101. São
dicionário”, conta Angela Santos. Paulo: Abril, 1997

O que faz uma palavra ser “feia”?


• “Ah, tia, isso não é mais palavrão!”,
repetem as crianças quando repreendidas,
por exemplo, ao definir algo como
sacanagem. Segundo o Dicionário Aurélio,
palavrão é um termo obsceno ou grosseiro.
Mas nem tudo o que é grosseiro ou obsceno
tem esse peso. E a classificação muda
mesmo com o tempo. Quem tem mais de 40
anos lembra que chato não entrava no
vocabulário de mocinhas de família. Tornou-
se gíria. Como? Pelo uso. A redução da
formalidade social e a nova forma de encarar
o sexo deram mais liberdade à linguagem.
• Em geral, o significado literal está ligado ao
sexo, às partes íntimas do corpo e aos
excrementos. Porém, quem escolhe um
palavrão para qualificar algo ou agredir uma
pessoa muitas vezes não pensa na definição
do dicionário. Xingar de filho da puta é
criticar o caráter, não a mãe. Além disso,
alguns palavrões servem também para
indicar surpresa ou enfatizar um elogio.
• E o que faz uma palavra ser palavrão e seu
sinônimo não? O uso e, por vezes, a
etimologia. Bunda deve o estigma à sua
origem africana. Dita pelos escravos, não
cabia na casa-grande.

Dez mandamentos
Procedimentos básicos mais comuns nas
escolas:
1. Quando um aluno disser um palavrão, não
finja que não ouviu só para não enfrentar o
assunto. Aja planejadamente.
2. Procure colegas ou orientadores se não se
sentir à vontade para agir. Naturalidade e
firmeza são fundamentais.
3. Avalie se o palavrão é uma
experimentação da criança, um xingamento
consciente ou vontade de chamar a atenção.
Cada caso requer uma atuação.
4. Se o palavrão está num contexto de
agressão, avalie o caso como tal, não como
uma inadequação vocabular.
5. Analise o meio ambiente do aluno. Se sua
linha for oposta à da família, aja com cautela
ou ele ficará confuso.
6. Mesmo que a opção seja reprimir, use o
bom-senso. Não vale a pena fazer
tempestade por um palavrãozinho no recreio.
7. Se o aluno perguntar o significado, diga
ou mostre no dicionário. Nunca o deixe sem
resposta.
8. Explique que o palavrão tem uma carga
simbólica que condiciona seu uso.
9. Enfatize que relacionamentos exigem
respeito.
10. Se o palavrão for muito presente numa
turma, monte uma estratégia específica.
 

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