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Fundamentos de Filosofia e
Sociologia das Organizações 1
Claudio Gurgel, DSc
1.1 Introdução
1
Capítulo 1, do livro de GURGEL, Claudio e RODRIGUES, Martius. Administração – elementos
essenciais para a gestão das organizações. São Paulo: Atlas, 2ª edição, 2014.
1
Seu marco inicial data dos últimos anos do século XIX. Não é possível dizer
qual o primeiro estudo rigorosamente destinado à administração de empresas. As
Notas sobre correias, apresentadas, em 1895, por Frederick Taylor (1856-1915),
na Sociedade Americana dos Engenheiros Mecânicos, talvez seja uma das primei-
ras obras das teorias da administração.
Para uma ligeira ilustração da juventude dessas teorias, basta lembrarmos
que Lilian Gilbreth, companheira de Frank Gilbreth e parceira dos estudos de Tay-
lor, faleceu nos anos 1970. Foi, portanto, contemporânea de muitos de nós que
falamos e escrevemos sobre o seu pensamento e seus trabalhos teóricos.
O que terá retardado o estudo do trabalho humano e o seu tratamento como
objeto relevante da ciência social?
Há um histórico de desvalorização do trabalho que remonta desde os povos
primitivos. Na Antiguidade, Aristóteles dizia, na Política, que nenhum artesão será
cidadão, e, na Idade Média, o nobre se orgulhava de não trabalhar.
De certo modo relacionados com esse estigma, que chegou aos tempos mo-
dernos, com a versão do trabalho manual versus trabalho intelectual, podemos
alinhar especificamente os seguintes motivos:
2 SMITH, Adam. Investigação sobre a natureza da riqueza das nações. México: Fondo de Cultura
Econômica, 1958, p. 250.
2
O alcance do poder e sua manutenção, a distribuição da justiça, a liber-
dade e a relação entre os homens, assuntos que, no máximo, tocam a ges-
tão pública, foram objetos da atenção de estudiosos como Nicolo Maqui-
avel, Montesquieu, Hobbes, Locke, Rousseau, Montaigne, Mill, Bentham,
Fourier, Saint-Simon e outros pensadores. Eles tinham olhos para a
grande organização social e apenas subsidiariamente para o papel que a
organização empreendedora de fins específicos – a empresa – poderia
representar no conjunto da sociedade. Pela mesma razão, a guerra tam-
bém ocupa grande espaço na literatura da Antiguidade e do Medievo. A
constância com que se recorria à guerra para a tomada e/ou manutenção
do poder fizeram das armadas e da organização militar objetos de estu-
do. Afinal, como diria Karl Clausewitz, influente general prussiano, em
sua obra Princípios da guerra, “a guerra é a continuação da política, pelas
armas”.3
A ideia da gestão, da liderança, do comando e da dominação dos homens
sobre os homens como arte ou dom inato foi durante muitos anos uma
concepção corrente, que tornou o estudo e o ensino dessas qualidades
algo secundário e até mesmo impertinente.
3
A divisão de trabalho ganha créditos como grande descoberta do sistema de
produção de riqueza e a especialização do trabalhador, em dada função, a acom-
panha nessa valorização.
No Capítulo I do seu livro já citado, Adam Smith se dedicou a estudar este no-
vo processo, dizendo que “o maior aprimoramento das forças produtivas do tra-
balho e a maior parte da habilidade, destreza e bom senso com os quais o trabalho
é em toda parte dirigido ou executado, parecem ter sido resultados da divisão do
trabalho”.4
Ele citou um exemplo que se tornou célebre: o caso da produção de um fábri-
ca de alfinetes em que se aplicava a divisão do trabalho. Segundo Smith,
“as pessoas conseguiam produzir entre elas mais do que 48 mil alfinetes
por dia [...] cada uma produzia 4.800 alfinetes por dia. Se, porém, tivessem
trabalhado independentemente um do outro, e sem que nenhum
deles tivesse sido treinado para esse ramo de atividade, certamente cada
um deles não teria conseguido fabricar 20 alfinetes por dia”.5
Como se percebe pelo que diz Smith, a divisão horizontal do trabalho criou a
necessidade da prática regular do treinamento para a execução da tarefa. Os tra-
balhadores, agora voltados exclusivamente para uma parte do produto, passaram
a se adestrar ao máximo, imprimindo um ritmo cada vez mais acelerado ao seu
trabalho. Para isso, também contribuíram a criação e a utilização crescente de
novas máquinas e utensílios de trabalho, adequados a cada tarefa, facilitando as
operações e auxiliando a intensificar a atividade produtiva.
Observem que, ao lado dessa transformação metodológica e tecnológica,
uma nova relação social de trabalho se instituiu entre os homens. Surge o traba-
lho assalariado. Agora não se trata mais do artesão vendendo o trabalho concre-
to, cristalizado, final, pelo qual recebia um valor em dinheiro correspondente ao
valor de troca do produto. Este artesão já não possuía suas ferramentas de traba-
lho e se transformava em operário de uma oficina. Tratava-se agora de um tra-
balhador vendendo sua força de trabalho, em troca de um pagamento, o salário,
5 Ibidem, p. 42.
4
correspondente ao que se supunha necessário para sua sobrevivência.
5
ções, sob pena de prestar um serviço de má qualidade, apressado, a título de
eficiência e produtividade. Mas o Estado e as empresas foram cada vez mais
estreitando suas relações, seja pela legislação cada vez mais incidente (direito
do consumidor, legislação trabalhista, direito ambiental, licitações, leis de pa-
tente, etc), seja pela ampla área das concessões públicas ao setor privado e ou-
tros elos. Este é o motivo pelo qual os gestores privados nos dias de hoje têm
que conhecer muitas coisas relacionadas com a gestão pública, e vice-versa.
6 WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. Rio de Janeiro: Zahar, 1966.
6
Como toda e qualquer ciência, o surgimento das teorias administrativas está
associado predominantemente às necessidades. Necessidades e possibilidades
são inspiradoras de idéias e iniciativas. Mas a história registra uma presença
mais freqüente de necessidades imediatas como motivação das formulações
teóricas. Algumas dessas necessidades são econômicas, outras políticas ou so-
ciais. A compreensão desta característica da produção do pensamento, também
no campo da administração, nos faz dar maior atenção ao contexto e à evolução
históricos da sociedade.
Dúvida: nada aceitar como verdadeiro, uma vez ainda não evidenciado.
Análise: dividir e examinar o problema em seus detalhes.
Síntese: ordenar o pensamento-análise.
Enumeração: verificar se tudo é respondido e evidenciado.8
7 GRANGER, Gilles-Gaston. Introdução. In: Descartes. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 5.
8 DESCARTES, René. Discurso do método. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 15.
8
É o racionalismo de Descartes e o empirismo de Francis Bacon, principalmen-
te, que dão as bases da ciência moderna e, como tal, das teorias da administração.
No século XVIII, o Iluminismo consolida e expande estas ideias, elevando a
confiança na ciência e estendendo essa confiança a todos os planos científicos. É
quando pontifica o Positivismo, corrente filosófica que julgava possível obter a
mesma precisão das ciências naturais nas pesquisas e afirmações das ciências
sociais. Não é apenas coincidência que o século XVIII seja também o século das
invenções e da Revolução Industrial.
9
ais ideias sobre liberdade, representatividade e participação.
10
enorme enriquecimento admiraram o mundo. Novamente a disciplina, a ordem, a
hierarquia e a descentralização são ressaltadas com o exemplo da Igreja católica.
Mas as igrejas protestantes e outras correntes religiosas tiveram seus exem-
plos considerados. Não só em seus aspectos funcionais, mas também ideológicos,
o poder de influência das igrejas sobre os negócios e o trabalho pode ser observa-
do. Segundo Max Weber (1864-1920), como já foi dito anteriormente, os protes-
tantes, particularmente os calvinistas, tiveram relevante papel no desenvolvimen-
to do capitalismo. Eles levaram para as organizações empresariais a sua ética de
poupança, disciplina e dedicação ao trabalho – virtudes religiosas, segundo suas
doutrinas. Em seu referido livro A ética protestante e o espírito do capitalismo,
Weber faz uma análise de como, ao se expandir nos EUA, a igreja protestante aju-
dou a consolidar a economia de mercado naquele país, convertendo-o na maior
nação industrial do mundo.
Elevar a produtividade e
Obter cooperação dos trabalhadores.
Elevar a produtividade
11 CLARK, V. S. History of manufactures in the United States. Washington, DC: Carnegie Institution
of Washington, 1916. p. 104.
12 SCHULTZ, Theodore. Agriculture in an unstable economy. New York: McGraw-Hill, 1945, p. 115.
15
destes migrantes era, como frequentemente ocorre aos migrantes, pobre. Torna-
va-se, portanto, necessário elevar mais ainda a produtividade e obter custos uni-
tários bem mais baixos.
Isso só a linha de montagem e as formas de moldar peças e componentes, de-
senvolvidas por Ford, a partir de 1913, poderiam fazer.
Portanto, os primeiros teóricos e formuladores da administração, como Tay-
lor, Gilbreth, Gantt, Ford e Fayol, este na França, voltaram seus estudos para ele-
var a produtividade. Grande parte das suas pesquisas se concentrava no estudo
dos tempos e dos movimentos da produção. É possível dizer que os primeiros
estudos da administração se realizaram com balança, fita métrica e cronômetro.
Depois, principalmente com Ford, esses estudos se deram através de um esforço
criativo de organização e sistemas. A organização da produção e a introdução de
novos sistemas, em que a linha de montagem pontificava, intensificaram a produ-
ção, garantiram economicidade nas operações e muita produtividade, principal-
mente na relação produto/homem/hora.
Um mercado muito comprador garantia a realização da mercadoria. O que se
produzia se vendia. A Lei de Say, segundo a qual a oferta cria a sua própria procu-
ra, parecia estar mais uma vez se comprovando. Além daquele fenômeno de cres-
cimento acelerado de suas grandes cidades, os EUA foram beneficiados pela de-
manda de produtos, armas, roupas e alimentos, de uma Europa em guerra. Era o
sucesso do Fordismo e o sucesso do Fordismo foi a afirmação da importância da
produção em massa. A grande escala da produção em massa permitia diluir os
custos totais nas milhares de unidades produzidas. O custo unitário baixo fazia a
alegria dos consumidores.
A elevação da produtividade, sempre vista como um dos grandes objetivos da
gerência, ganhava a condição de um dos dois principais objetos de estudo da ad-
ministração. Praticamente, todas as teorias da administração, do já referido Tay-
lorismo, até o Toyotismo dos tempos presentes, todas concentram grande parte
de suas atenções na busca de métodos, sistemas e formas de organização que se-
jam capazes de elevar a produtividade.
Vale, ainda, considerar que é no trabalho que se realiza a criação de valor.
Assim ocorre quando, pela habilidade ou esforço físico, uma peça de madeira,
por exemplo, é transformada, pelo trabalho, em um mesa ou uma janela. Ou
quando um novo hardware é criado, a partir de peças e componentes básicos,
com a integração sistêmica produzida pela habilidade mental do trabalhador.
Em ambas as situações, dá-se uma agregação de valor sobre a base material da
produção, seja na peça de madeira que é transformada em mesa, seja nos com-
ponentes e peças que são transformados em novo hardware. Essas agregações
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se refletem no preço – expressão monetária do valor. Não se compra uma mesa
pelo preço de uma peça de madeira com que ela será fabricada. Essas agrega-
ções de valor são realizadas pelo trabalho.
Nesse sentido, elevar a produtividade significa produzir uma alta massa de
valor ao menor custo financeiro possível. Do ponto de vista do capital, é certamen-
te um objetivo primordial.
Obter cooperação
18
Sua disposição para cooperar se tornou mínima, apenas o necessário para manter
o emprego que garantia sua sobrevivência, enquanto não encontrasse outra saída.
Ainda que nos dias de hoje não se tenha o choque da mudança que marcou os
artesãos na Revolução Industrial, alguns aspectos acompanharam no tempo esta
grande transformação de produtor livre em operário. Vender trabalho e vender
força de trabalho são reconhecidamente duas coisas muito diferentes. Os que
vendem sua força de trabalho, física e/ou mental, sabem que não são remunera-
dos plenamente pelo seu esforço e que melhor seria vender o próprio trabalho.
Não é à toa que milhões de trabalhadores sonham em montar o seu próprio negó-
cio. Ainda que não se deva comparar o que pretendem os trabalhadores de hoje,
sonhando com seu próprio negócio, e aquilo que faziam os artesãos, há muitos
pontos em comum entre eles. De modo geral, eles querem se livrar de grande par-
te destes seis itens negativos da passagem do artesão à condição de operário.
Considerando esses aspectos relatados, não é difícil compreender por que a
obtenção da cooperação dos trabalhadores tornou-se um dos objetivos primordi-
ais da teoria administrativa.
Trata-se de criar incentivos e despertar motivações que possam compensar a
auto-motivação que possuía o artesão e possui o trabalhador que produz para si
mesmo, o livre produtor.
De modo geral, não existe uma opinião definitiva de como obter cooperação.
Os teóricos e gerentes se dividem entre os pontos de vista mais tradicionais, em
que se destaca a ideia do incentivo material, e os incentivos ditos subjetivos, em
que se incluem o referido empowerment e outras formas de atrair o trabalhador
para um comportamento mais cooperativo.
Comum a todos é a consciência da necessidade de obter cooperação.
Veremos mais detalhes sobre motivação no Capítulo 2 deste livro.
16 Ibidem, p. 4.
20
‘cera’ em todas as suas formas e encaminhando as relações entre empregados e
patrões, a fim de que o operário trabalhe do melhor modo e mais rapidamente
possível em íntima cooperação com a gerência e por ela ajudado, advirá, em mé-
dia, aumento de cerca do dobro da produção de cada homem e de cada máqui-
na”.17 Observem que nessa formulação sintetizam-se os dois objetivos centrais das
teorias organizacionais: elevar a produtividade e obter cooperação.
No clima da época, fortemente influenciado pelo pensamento positivista a que
já fizemos referência, Taylor acreditava que o caminho para o sucesso seria a subs-
tituição dos métodos empíricos por métodos científicos. Tomando o exemplo para
si mesmo, Taylor segue o caminho cartesiano e baconiano, do racionalismo e do
empirismo. Seu método é observar o procedimento dos operários na execução de
uma tarefa. Analisá-los em seus detalhes, medindo, contando e calculando, com fita
métrica, balança e cronômetro. Seu objeto de estudo é a tarefa, unidade menor de
um trabalho. Significa dizer que, novamente, a base do desenvolvimento dos pro-
cessos de produção é a divisão do trabalho e a especialização do operário.
Escrevendo sobre a Direção científica das empresas, Taylor diz que a primeira
das obrigações de uma direção científica
E continua:
Este método ficou conhecido como estudo de tempo e movimentos. Para mui-
tos historiadores, como Harold Kootz e Cyril O’Donnell, o estudo de tempo e mo-
17 TAYLOR, Frederick. Princípios da administração científica. São Paulo: Atlas, 1980, p. 33.
18 Ibidem, p. 49.
19 Ibidem, p. 80.
21
vimentos é a “pedra angular da administração científica”.20
Através deste método, Taylor conseguiu revelar o modo de fazer as tarefas,
antes sob domínio dos operários qualificados, aperfeiçoá-lo e precisar o tempo
necessário para a execução de cada tarefa. Pode igualmente fixar a produção es-
perada de cada trabalhador e, por extensão, a produção total.
Tratando da aplicação da administração científica à construção civil, Taylor
enumera o que seriam os quatro elementos que constituem a essência da adminis-
tração científica:
22
entífica não deve ser confundido com sua filosofia fundamental”.22
Propunha uma filosofia, um modo completo de ver, um posicionamento dian-
te da administração. Nessa filosofia, o marcante é a abordagem científica total, em
todos os sentidos e aspectos da organização e execução das tarefas. A essa marca
ele acrescia a aspiração de quase todos os teóricos da administração: o ideal de
cooperação entre dirigentes e trabalhadores.
Os verdadeiros e profundos pontos, a filosofia, ele expõe nas páginas finais
de seu livro, em forma de “quatro princípios fundamentais de administração ci-
entífica”:
22 Ibidem, p. 117.
23 Ibidem, p. 118-119.
23
pregados sejam necessariamente antagônicos. A administração científica
tem, por seu fundamento, a certeza de que os verdadeiros interesses são
um único, qual seja: de que a prosperidade do empregador não pode existir
[...] se não for acompanhada da prosperidade do empregado”.24
Seu método, como já se observou, não pretende ser apenas um mecanismo, is-
to é, um sistema mecânico. Ele concebeu uma filosofia cujo objetivo é enfrentar o
discurso da luta de classes com outro discurso, o da colaboração de classes.
Mas sua ideia, tão prática como tudo que lhe diz respeito, não é desprovida de
objetividade. Não é apenas um discurso. Tal qual o seu mecanismo tem uma filo-
sofia, sua filosofia tem um mecanismo.
Esse mecanismo é exatamente o incentivo material que se verifica a cada uni-
dade de bem produzida, a remuneração por peça. E mais: o adicional por peça, um
percentual a mais sobre o valor da peça, uma vez ultrapassada a produção espe-
rada no tempo padrão.
Com isso, ele procurava desarmar a denúncia, absolutamente verdadeira, de
que o sistema de remuneração por peça era burlado pelos empregadores, quando
a produtividade aumentava. Os empregadores alteravam a regra e diminuíam o
valor da peça produzida, na medida em que os trabalhadores elevavam a produ-
ção/hora.
Taylor queria enfrentar o “problema dos salários” no seu ponto de discórdia
fundamental, a negação de que a elevação da produtividade pudesse ser compatí-
vel com a cooperação de classes.
Por isso, é possível reafirmar, sem receio, que Taylor construiu o paradigma
moderno da relação trabalho/capital. Sem dúvida, ele procurou contemplar, com
rara precisão, as dimensões da produtividade e da cooperação.
Como ele disse ao Presidente da Comissão Parlamentar do Congresso Ameri-
cano, em 1913, que o inquiriu sobre o seu método, “infelizmente, aplicaram o me-
canismo e não minha filosofia”.25
Resta responder por que não foi aplicada a filosofia “de que a prosperidade do
empregador não pode existir se não for acompanhada da prosperidade do empre-
gado”.
24 Ibidem, p. 30.
24
1.11 A questão da qualidade
26 OCDE. The Welfare State in crisis. Paris: Organização de Cooperação para o Desenvolvimento
Econômico, 1981.
27 ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: SADER, Emir; GENTILI, Pablo (Org.). Pós-
neoliberalismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. p.15.
28 ARRIGHI, Giovanni. O longo século XX. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996, p. 300.
25
os estoques de capital em poder privado e emitindo moeda, o que relançou a eco-
nomia. Sem falar da Guerra que se seguiu (1939-1945), potencializando este Es-
tado como grande produtor bélico, grande contratador e empregador. Isso ficou
conhecido como modelo keynesiano-fordista. Uma combinação da monitoração
do mercado, pelo Estado, para garantir bom nível de emprego e de consumo agre-
gado – a tese de J. M. Keynes – e a produção padronizada, de massa, a baixo custo,
praticada por Ford e toda a indústria fordista, dos mais diversos ramos econômi-
cos.
Mas agora, nos anos 1980, este modelo e seu auxiliar, o Estado de Bem-Estar
Social, amplo programa estatal de atendimento das necessidades básicas da popu-
lação, também estavam em crise. Pareceu não ser capaz de garantir o crescimento
sustentado do sistema e isso o levou ao desgaste político e ideológico.
A opção para enfrentar o mercado restrito não foi mais o modelo keyseniano-
fordista e o Estado de Bem-Estar Social, a transferência de renda de cima para
baixo, a operação Robin Hood, que dera certo nos anos 1930-40. Ao contrário, em
manobra estratégica típica, reverteu-se a ameaça em oportunidade. Se o mercado
está restrito em face da concentração de renda, por que então não voltar-se para o
mercado que concentra essa renda? Para essa estratégia, não cabe o sistema Ford,
assentado na linha de montagem para a produção em série, com a lógica da redu-
ção de custos para operar com preços baixos, em sociedade/mercado populista,
como disse David Harvey.30
Agora, como diria Toffler, em seu A empresa flexível, cabe “uma forma nova e
superior de artesanato”. Se, “durante toda a Era Industrial, a tecnologia exerceu
uma forte pressão para a padronização, não apenas da produção, mas também do
trabalho e das pessoas [...] agora emerge uma nova espécie de tecnologia que tem
justamente o efeito oposto”.31
Citando Franklin Jarman, presidente do Conselho de Administração da Genes-
co, indústria de prêt-à-porter convertida à empresa flexível, ele explica a forma
nova e superior de artesanato: “essa ferramenta superindustrial acaba assim
completamente com o corte em massa podendo ser programada para atender,
economicamente, ao pedido de um só traje”.32
32 Ibidem, p. 79.
26
Toffler estende sua descoberta a “muitas outras indústrias, ao ponto em que
pode se tornar possível a produção de artigos individualizados, por menos dinhei-
ro do que custava a fabricação de múltiplos”.33
Sua explicação para o que chama de nova “lei” social é que ocorre “o encontro
de duas forças inter-relacionadas: primeiro, uma rápida despadronização dos
anseios do consumidor; e segundo, uma nova tecnologia que torna possível o má-
ximo em despadronização”.
Esta empresa despadronizada, ou, na fórmula de Toffler, empresa flexível, vai
ofertar o que ele mesmo cunharia como produção “customizada.”
Uma produção customizada é assim destinada a aqueles cuja a massificação
do produto passou a ser considerada inadequada aos seus padrões de vida.
A teoria do marketing, combinada com uma generosa renda pessoal disponí-
vel, faz a rápida despadronização dos anseios do consumidor, como diz Toffler,
romper as restrições do mercado.
Indústrias de vários setores, inclusive o setor automobilístico, personalizaram
seus produtos, alcançando o 1% da riqueza mundial, mercado que concentra em
seu patrimônio algo em torno de 15% da produção do planeta. Se desejasse, dis-
poria também de um mercado mais ampliado, porém, igualmente concentrado,
que, à época, reunia nas mãos dos 20% mais ricos nada menos que 86% da rique-
za mundial.34
A customização da produção foi um paliativo para a crise. Mas a questão do
mercado restrito encontrou sua resposta mais ampla na teoria da qualidade, que
de fato, conseguiu recuperar as taxas de lucratividade das empresas, ainda que as
taxas de crescimento do produto nacional tenham permanecido baixas, na maior
parte do mundo, e o desemprego alto.
Que é a teoria da qualidade?
Conceituada como o encantamento do cliente, pela via da melhoria contínua
baseada na agregação de valor, a teoria da qualidade se encontra com a “customi-
zação”, mas a supera.
Encontra-se porque caminha na direção do cliente e de sua satisfação de ne-
cessidades acessórias (controles remotos, automatismos operacionais, programa-
33 Ibidem, p. 80.
34 PNUD. Relatório sobre o desenvolvimento humano. Washington: Organização das Nações Hu-
manas, 1999.
27
ções cibernéticas etc.) e, algumas vezes, subjetivas (garantias, segurança, estética,
presteza e cordialidade etc.). Mas a supera, na medida em que opera com lotes de
produção. Situa-se, portanto, entre a “customização” e o Fordismo.
Seu mérito maior, porém, se verifica na obsolescência planejada ultrarrápida,
que permite mexer com o mercado restrito frequentemente. Não apenas os pro-
dutos de consumo final, mas os bens de capital, as tecnologias de produção, inclu-
sive, são aperfeiçoados constantemente, com agregações de valor sucessivas. Do
ponto de vista do consumidor final, com capacidade aquisitiva, a função dos pro-
dutos oferecidos não é mais atrativa. De modo geral, quanto à função, ele está sa-
tisfeito com seu estoque doméstico de equipamentos elétricos, eletroeletrônicos,
informáticos ou fonográficos, para citar áreas mais sensíveis e de maior valor cris-
talizado. Agora é o agregado de valor, acessório ou subjetivo, o principal atrativo e
meio eficaz de estimulá-lo a trocar aqueles estoques domésticos de bens duráveis,
adquirindo novos lançamentos.
Isso é seguir a lição de Juran, um dos magos “japoneses” e autor do clássico
Planejando para a qualidade: “quando se planeja para a qualidade é necessário
analisar as necessidades secundárias e terciárias dos clientes e, em casos comple-
xos, ir mais adiante”.35
É o mesmo Juran que, definindo as políticas de qualidade como “um guia para
as ações gerenciais” no campo da qualidade, aponta cinco políticas, das quais qua-
tro delas – excluída apenas a política dos clientes internos (trabalhadores) – cha-
mam a atenção para a substituição/inovação/aperfeiçoamento constantes, refe-
rindo-se a: “atender a percepção de boa qualidade dos clientes”, “igualar ou exce-
der a qualidade do concorrente”, “estabelecer um processo formal de melhoramen-
to da qualidade”, “conduzir melhoramentos contínuos (também chamados melho-
ramentos sem fim)”, “novos modelos tão confiáveis quanto os modelos substituí-
dos”.36
No Brasil, um dos mais bem-sucedidos consultores de qualidade, Falconi, au-
tor de Gerência da Qualidade Total, conceitua qualidade como “satisfação total do
consumidor”. Ele diz que a “satisfação total do consumidor é buscada tanto de
forma defensiva (eliminando os fatores que desagradam o consumidor), como de
forma ofensiva (buscando antecipar as necessidades do consumidor e incorpo-
35 JURAN, Joseph. Planejando para a qualidade. São Paulo: Pioneira, 1990, p. 46.
36 Ibidem, p. 291-293.
28
rando fatores no produto ou serviço)”.37
37 FALCONI CAMPOS, Vicente. Gerência da qualidade total. Belo Horizonte: Fundação Christiano
Ottoni, 1990, p. 30.
40 Ibidem, p. 85.
41 Ibidem, p. 87.
42 Ibidem, p. 88.
29
É fato. Do ponto de vista do produtor (consumidor de bens de produção), as
inovações ou melhorias contínuas exigem a aquisição de novos equipamentos,
novas ferramentas, novas tecnologias, em todas as acepções da palavra. Instaura-
se, assim, um espiral ascendente de renovação tecnológica/renovação do produ-
to/renovação tecnológica.
O mercado restrito cede ao envolvimento do consumidor final e, por conse-
quência, cede às demandas tecnológicas dos produtores. E, no entanto, continua
mercado restrito.
A teoria da qualidade é, portanto, a grande arma da tecnologia de gestão con-
temporânea disposta com sucesso frente ao desafio de romper este mercado limi-
tado pela concentração de renda/superacumulação.
Mas, seja o taylorismo, com seu apego à dimensão econômica do trabalho, se-
jam as teorias humanistas ou participativas contemporâneas, todos estão voltados
para estas três questões maiores das associações humanas para a produção: a
produtividade, a cooperação e a qualidade, esta última definida como “a melhoria
sem fim”, para usar a expressão de Juran.
30
Cooperação do trabalhador, que havia perdido sua automotivação, se
tornaram os objetivos principais e constantes do estudo do processo
produtivo.
A qualidade aparece no cenário dos estudos do trabalho e da organização
produtiva reconceituada como melhoria contínua e voltada para o mer-
cado saturado, constituindo com a Produtividade e a Cooperação os três
principais objetivos das teorias organizacionais.
31