Você está na página 1de 7

Imagens para pensar o Outro

Módulo II – A imagem, instrumento de conhecimento do outro ou de


interiorização de preconceitos?

O Brasil de Debret
As gravuras aqui mostradas têm textos do próprio Jean-Baptiste Debret,
extraídos de “Voyage Pittoresque et Historique au Brésil”.

Charruas Civilizados – Jean-Baptiste Debret – Da obra “Voyage Pittoresque et


Historique au Brésil”.

“Em uma das províncias meridionais do


Brasil... existe uma nação de indígenas
completamente selvagens
denominados Charruas, que ocupam
uma vasta área de pântanos e bosques.
Vivem em meio a manadas de cavalos
selvagens, de que comem a carne,
preferindo-a a qualquer alimento.

É somente na província de São


Pedro e de Espírito Santo que se
encontra grande número de Charruas
civilizados, a maior parte originários do Paraguai. Andam quase sempre a cavalo,
envolvidos pelo poncho... e trazem sempre uma grande faca à cintura, ou
simplesmente colocada em uma das botas. O comércio de animais é a sua principal
ocupação; e frequentemente, sob o nome de peões, servem de guias aos viajantes
que percorrem estas províncias. Não menos intrépidos a pé que a cavalo, eles não
temem atacar a onça, o braço esquerdo envolvido pelo poncho com toda precaução,
e coberto por um pedaço de couro. Assim preparado ao combate, e tendo na mão
direita a sua faca, ele vai ao encontro do animal e o desafia. O caçador avança o
braço esquerdo, e quando a onça arremete, ele lhe mergulha a faca no peito e a
mata de um só golpe. Este gênero de combate lhes é tão familiar que estão sempre
dispostos a proporcionar soberbas peles de onça pela quantia de cinco francos (um
patacão); é uma especulação que eles reservam para fazer frente às despesas com
suas diversões, pouco variadas na verdade, pois consistem em passar grande parte
de seu tempo nas tavernas fumando, bebendo aguardente e jogando cartas, prazer
que termina quase sempre em golpes de faca. Embora naturalmente inclinados ao
roubo e ao assassinato, eles são de uma fidelidade a toda prova, caso tenham sido
contratados para a escolta de um viajante”.
Retour à la Ville de Nègres Chasseurs – Jean-Baptiste Debret – Da obra
“Voyage Pittoresque et Historique au Brésil”.

“É sobretudo na roça que são


criados os negros que se tornam
caçadores de profissão. É lá que,
devendo desde jovens acompanhar
os comboios, ou em companhia
somente de seu senhor, em longas
e penosas viagens, eles vão
sempre armados de um fuzil, tanto
para sua segurança pessoal quanto
para obter alimento... Este gênero
de vida torna-se uma paixão a tal
ponto dominante entre os negros da
roça, que ele não aspira à liberdade
senão para penetrar nas florestas como caçador profissional, e se dar sem reservas
às atrações de uma inclinação que serve ao mesmo tempo a seus interesses. Então,
livre, longe da opressão do chicote, o direito de pensar faz dele um fornecedor tão
hábil quanto o homem branco, de quem conhece os gestos; e, perfeitamente a par
do valor de uma peça fina que se encontra misturada à caça grossa que ele traz à
cidade, ele vai oferecê-la de preferência ao cozinheiro de uma grande casa, que o
paga de modo satisfatório; assim, aliando a inteligência ao esforço, frequentemente
ele torna sua profissão muito lucrativa”.

Selvagens Civilizados Soldados Índios da Província de Curitiba Conduzindo


Prisioneiros Indígenas – Jean-Baptiste Debret – Da obra “Voyage Pittoresque
et Historique au Brésil”.–

“Observa-se na província de
São Paulo, Comarca de
Curitiba, as aldeias de Itapeva
e Curros, cuja população
inteira se compõe de
caçadores indígenas,
empregados pelo governo
brasileiro para lutar contra os
selvagens e os expulsar pouco
a pouco dos locais próximos às
terras por onde os cultivos
começam a avançar...

Estes soldados aguerridos... dormem sem acender fogo na floresta, para que sua
presença não seja percebida pelos selvagens que eles procuram surpreender...
Cada ano, numa certa época, o governo lhes dá munições para a campanha; uma
vez em marcha, eles não retornam antes de haver esgotado suas provisões de
Módulo II – A imagem, instrumento de conhecimento do outro ou de interiorização de preconceitos?
Imagens para pensar o Outro
guerra; então, repousam até a campanha seguinte. Durante este intervalo eles
cultivam suas terras e servem de guia aos viajantes estrangeiros... Sua tática é
atacar os ranchos dos selvagens, matar os homens e trazer prisioneiras as mulheres
e crianças. Selvagens até época recente, eles mostram-se mais aptos que os
europeus a empregar as artimanhas necessárias a este gênero de expedições”.

Múmia de um Chefe Coroado – Jean-Baptiste Debret – Da obra “Voyage


Pittoresque et Historique au Brésil”.

“Segundo a opinião de um escritor muito


respeitado, os selvagens do Brasil chamados
Coroados seriam os antigos Goitacazes. Este nome
de Coroados lhes foi primitivamente dado pelos
portugueses por causa do penteado de seus chefes,
que efetivamente cortam o cabelo de modo a deixar
uma espécie de coroa isolada no alto da cabeça; no
entanto, muito deles trazem os cabelos caídos sob
as espáduas...

Os Coroados tinham antigamente o costume de


enterrar seus chefes de uma maneira particular: os
restos mortais deste chefe reverenciado eram
encerrados em um grande vaso denominado
camucis, enterrado em seguida profundamente junto
a uma grande árvore...

Estas múmias, revestidas de suas insígnias, estão perfeitamente intactas, e são


sempre colocadas, em sua urna funerária, de modo a conservar a atitude de um
homem sentado sob seus calcanhares, posição habitual do selvagem quando em
repouso. Pretendiam, por este meio, fazer uma alusão à morte, este eterno
repouso?”

Rugendas, Vindo com a Expedição do Barão de Langsdorff

O desenhista Johann Moritz Rugendas (1802-1858), nascido em Augsburg,


chegou bem jovem ao Brasil, em 1821, vindo como membro da expedição do Barão
de Langsdorff, cientista e diplomata russo.

No Brasil, Rugendas logo deixou a expedição e passou a viajar por sua própria
conta, percorrendo de 1822 a 1825 várias partes do país, dedicando-se a retratar os
mais variados aspectos da vida da nação que se formava depois da independência
em relação a Portugal. Rugendas registra justamente o momento de transição entre
o Brasil colônia e o Brasil nação independente.

Os registros de Rugendas do cotidiano brasileiro, formaram uma coletânea de cem


trabalhos publicada em Paris, em 1835, sob o título de “Voyage Pittoresque au
Brésil” (Viagem Pitoresca ao Brasil).

Módulo II – A imagem, instrumento de conhecimento do outro ou de interiorização de preconceitos?


Imagens para pensar o Outro
O Brasil de Rugendas

É da obra “Voyage Pittoresque au Brésil”, que se extraiu os textos que ilustram as


imagens aqui apresentadas, escritos por Koster, citados por Rugendas.

Nègres a Fond de Calle (Negros no Porão de Navio) – Johann Moritz Rugendas


– Da obra “Voyage Pittoresque au Brésil”.

“Embarcam-se, anualmente,
cerca de 120 000 negros na
costa da África, unicamente
para o Brasil, e é raro
chegarem ao destino mais de
80 a 90 mil. Perde-se,
portanto, cerca de um terço
durante a travessia de dois
meses e meio a três meses...
Ao chegarem à fazenda,
confia-se o escravo aos
cuidados de um ou outro mais
velho e já batizado. Este o
recebe na sua cabana e procura fazê-lo, pouco a pouco, participar de suas
ocupações domésticas; ensina-lhe também algumas palavras em português. E
somente quando o novo escravo se acha completamente refeito das consequências
da travessia que se começa a fazê-lo tomar parte nos trabalhos agrícolas...”

Habitações de Negros – Johann Moritz Rugendas – Da obra “Voyage


Pittoresque au Brésil”.

“Enviam-se os escravos
logo ao nascer do sol... Às oito
horas concede-se-lhes meia
hora para almoçar e descansar.
Em algumas fazendas fazem os
escravos almoçarem antes de
partirem para o trabalho, isto é,
imediatamente depois do nascer
do sol. Ao meio dia eles têm
duas horas para o jantar e o
repouso e, em seguida,
trabalham até as seis horas.

As mulheres casam-se com


catorze anos, os homens, com
dezessete e dezoito; em geral incentivam-se esses casamentos. As jovens mulheres
participam do trabalho do campo e aos recém-casados se dá um pedaço de terra
para construir sua cabana e plantar, por conta própria, em certos dias... Nos
Módulo II – A imagem, instrumento de conhecimento do outro ou de interiorização de preconceitos?
Imagens para pensar o Outro
domingos, ou dias de festa, tão numerosos que absorvem mais de cem dias por
anos, os escravos são dispensados do trabalho por seus senhores e podem
descansar ou trabalhar para si próprios... Assim, um dos mandamentos da Igreja
Católica, tão amiúde censurado como abusivo e pernicioso, tornou-se um verdadeiro
benefício para os escravos, e quando o Governo português achou que devia atender
às necessidades do progresso, tomando medidas para diminuir o número de festas,
a inovação não alcançou a aprovação dos homens mais esclarecidos do Brasil.
Diziam estes, com razão, que o que podia ser benefício para Portugal não passava
de crueldade para com os escravos. Que responder a isso, senão que essa
contradição já constitui uma prova do absurdo de todo o sistema? Como quer que
seja, as cabanas dos escravos contêm mais ou menos tudo que neste clima pode
ser considerado necessário. Por outro lado, eles possuem galinhas, porcos, às
vezes mesmo um cavalo ou uma besta, que alugam com vantagem porque a
alimentação nada lhes custa”.

Guerrilhas – Johann Moritz Rugendas – Da obra “Voyage Pittoresque au


Brésil”.

“Os relatórios dos mais antigos visitantes, como Jean Léry, Hans Staden,
etc., demonstraram que, na época da conquista, os habitantes primitivos do Brasil
estavam num estágio de civilização mais elevada que aquele em que os vemos hoje.
A razão principal dessa decadência está, sem dúvida, nas relações com os
portugueses... os índios não são homens em estado natural e não são selvagens,
mas sim homens que retrocederam ao estado de selvageria, porque foram
rechaçados violentamente do ponto a que haviam chegado...
...limita-se o governo a instalar, nos lugares mais expostos do país, ou naqueles em
que a estrada atravessa a floresta, quartéis ou presídios; são geralmente simples
postos, com alguns soldados, sob o comando de um suboficial...

Quando os índios praticam algum


ato de hostilidade em determinado lugar,
ou quando, como acontece, atacam de
surpresa um desses postos, para puni-los
e amedrontá-los faz-se uma entrada.
Reúnem-se alguns postos, sob o
comando do capitão do distrito e dá-se
caça aos índios, atacando-os em toda
parte onde se encontrem. Procura-se de
preferência surpreendê-los nos
acampamentos e, quando descobertos,
são cercados durante a noite, e ao
clarear do dia faz-se fogo, de todos os lados, contra os índios ainda adormecidos.
Assim surpreendidos, os selvagens tentam escapar pela fuga. Em regra geral, os
soldados massacram tudo que lhes cai nas mãos e só poupam as mulheres e
crianças muito raramente, e assim mesmo quando cessa toda a resistência, a qual
é, não raro, obstinada”.
Módulo II – A imagem, instrumento de conhecimento do outro ou de interiorização de preconceitos?
Imagens para pensar o Outro
Fête de Ste. Rosalie, Patrone dês Nègres” (Festa de Nossa Senhora do
Rosário, Padroeira dos Negros) – Johann Moritz Rugendas – Da obra “Voyage
Pittoresque au Brésil”.

“No mês de
maio, os negros
celebram a festa
de Nossa Senhora
do Rosário. É
nesta ocasião que
têm por costume
eleger o Rei do
Congo, o que
acontece quando
aquele que estava
revestido dessa
dignidade morreu
durante o ano,
quando um motivo
qualquer o obrigou
a demitir-se, ou
ainda, o que ocorre às vezes, quando foi destronado pelos seus súditos. Permitem
aos negros do Congo eleger um rei e uma rainha de sua nação, e essa escolha
tanto pode recair num escravo como num negro livre. Este príncipe tem, sobre seus
súditos, uma espécie de poder que os brancos ridicularizam e que se manifesta
principalmente nas festas religiosas dos negros como, por exemplo, na de sua
padroeira Nossa Senhora do Rosário”...

... Às onze horas fui à igreja com o capelão e, não demorou muito, vimos chegar
uma multidão de negros, ao som dos tambores. Homens e mulheres usavam
vestimentas das mais vivas cores que haviam encontrado. Quando se aproximaram,
distinguimos o Rei, a Rainha, o Ministro de Estado. Os primeiros usavam coroas de
papelão, recobertas de papel dourado... As despesas da cerimônia deviam ser
pagas pelos negros, por isso haviam colocado na igreja uma pequena mesa à qual
estavam sentados o tesoureiro e outros membros da irmandade negra do Rosário,
os quais recebiam os donativos dos assistentes dentro de uma espécie de cofre.”

Módulo II – A imagem, instrumento de conhecimento do outro ou de interiorização de preconceitos?


Imagens para pensar o Outro
Chasse au Tigre (Caça à Onça) – Johann Moritz Rugendas – Da obra “Voyage
Pittoresque au Brésil”. –

“O arco e a flecha são as


armas principais dos índios.
São muito mais compridos do
que as de outros selvagens,
embora a maior parte dos
índios da América Meridional
use também arcos e flechas
muito compridos. A lança e o
laço se encontram apenas
em algumas tribos que,
depois do descobrimento,
adotaram o cavalo para
combater. E somente nessas
tribos foram os arcos e as
flechas encurtados. O arco dos brasileiros tem muitas vezes cinco, seis e mesmo
sete pés de cumprimento...

Há três espécies de flecha. Uma de ponta larga, feita em geral de bambu tangaraçu;
é dura e muito aguçada. Para aumentar ainda a força da penetração, a ponta é
encerada e a taquara, também encerada ao fogo, torna-se tão dura quanto o chifre.
Como na taquara a ponta é oca, os ferimentos que ela produz sangram fortemente.
Por isso é empregada, principalmente, na guerra e na caça de grandes animais.

Módulo II – A imagem, instrumento de conhecimento do outro ou de interiorização de preconceitos?


Imagens para pensar o Outro

Você também pode gostar