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TDE 1
CONCÓRDIA
2022
A CIDADE ANTIGA
Fustel de Coulanges
LIVRO II
CAPÍTULO I, II, III e IV
A religião foi o principal elemento constitutivo da família antiga, era para ela e por ela que as
pessoas dedicavam suas vidas, nada existia se não tivesse como base a religião, e isso era comum
não apenas em um povo, mas sim, na maioria deles, principalmente para os gregos e romanos.
Para essas pessoas, a primeira ação do dia se dava através de orações, seja ele feito no altar de suas
casas, ou ao redor do túmulo de seus antepassados, tinham uma forte ligação com aqueles que já
partiram e, era imprescindível o cuidado com aqueles, quase mais necessário do que os parentes que
se faziam presente.
A família era formada pela religião, e em povos diferentes, os costumes eram semelhantes, o
casamento, que é a primeira instituição formada pela religião doméstica, não era um ato de afeto, de
amor, era uma ligação de orações, de contemplações, e a mulher, em todos os casos, devia
desprender-se de sua religião familiar, que antes tinha como responsável seu pai, para se entregar a
seu marido e também a religião dele.
O ato do casamento era firmado através de celebrações religiosas, sempre com vestuário branco
e outras normas que seguiam à risca, a mulher quebrava seus laços com o lado paterno, para se
entregar a nova família, e também aos antepassados desta, o casamento era considerado como o
segundo nascimento. A única coisa que poderia cessa-lo era a infertilidade da mulher, e para
anulação, também deveriam passar por um ato religioso, pois só a religião poderia desligar aquilo
que ela teria unido.
Em casamento estéril por causa do marido, um irmão ou parente do marido deveria substituí-lo
e a mulher era obrigada a entregar-se para esse homem, ou ainda, havia a ele a possibilidade de
adoção, e essa possuía apenas uma única razão, que era a necessidade de prevenir a extinção de um
culto. Por conta disso, a adoção só era permitida para aqueles que não tinham filhos.
As crenças relativas aos mortos, juntamente com o culto devido a esses mortos, constituíram a
família antiga e criaram a maior parte de suas regras. Para que o morto mantivesse sua reputação
como um ser feliz e divino, era necessário que sua família fizesse cultos ao redor de seu túmulo e
fossem ofertadas fartas refeições, e caso essas oferendas cessassem, o morto caia em infelicidade,
pois o mais importante para essas pessoas, era o cuidado de seus descentes para com este, depois da
sua morte.
Por este motivo, todos tinham interesse de deixar um filho homem, pois só assim, teria alguém
para continuar essa regra, e manter feliz sua imortalidade, e se tivessem uma filha mulher, esta teria
que se entregar ao marido, e não mais poderia cuidar de seus antepassados.
Assim era a formação da família antigamente na maioria dos povos, e, esses fatos que ocorriam
eram regras, o direito estava exposto através dessas vivências do passado, mas claro, mesmo se não
existisse essas normas do direito, eles mantinham o costume.
CAPÍTULO V
Diz Platão ser o parceiro da comunidade dos mesmos deuses domésticos. Dois irmãos,
acrescenta Plutarco, são dois homens que têm o dever de fazer os mesmos sacrifícios, de ter os
mesmos deuses paternais e de partilhar do mesmo túmulo. Quando Demóstenes procura provar-nos
o parentesco de dois homens, afirma sempre praticarem estes o mesmo culto e oferecerem as
refeições fúnebres no mesmo túmulo. Dois homens podiam dizer-se parentes quando tinham os
mesmos deuses, o mesmo lar e refeição fúnebre. Ora, já observamos precedentemente só se
transmitir, de varão em varão, o direito de fazer os sacrifícios ao lar, e como o culto dos mortos
também se dirigia unicamente aos ascendentes em linha masculina.
Na inteligência destas antigas gerações, a mulher não transmitia nem a vida nem o culto. O
filho pertencia inteiramente ao pai. Esta mulher quebrou por completo todo o vínculo, religioso ou
de direito, que tivera na família em que nasceu. Com maior razão, seu filho nada terá de comum
com esta família. O princípio do parentesco não estava no ato material do nascimento, mas no culto.
Depois, remontando mais acima, mas sempre na mesma linha, faz oferenda ao quarto, ao quinto, ao
sexto ascendente.
Quando dois homens, embora realizando separadamente as suas refeições fúnebres, podem,
subindo cada um deles a linha dos seus seis antepassados, encontrar nesta um antepassado comum,
dizem-se parentes entre si. Contando-se segundo os nossos usos, o parentesco dos sapindas iria até
o décimo quarto. O mesmo se dava no Ocidente. Mas o problema torna-se de fácil solução quando
se aproxima a agnação da religião doméstica.
Em conformidade com isto, compreende-se a razão por que, em face da lei romana, dois irmãos
consangüíneos eram agnados e dois irmãos uterinos já não o eram. Não se diga mesmo ser a
descendência por varões princípio imutável em que se baseia o parentesco. Não era pelo
nascimento, mas pelo culto, que verdadeiramente se reconheciam os agnados.
À medida que esta antiga religião enfraquece, a voz do sangue fala mais alto e o parentesco
pelo nascimento surge reconhecido em direito.
CAPÍTULO VI
O Direito de Propriedade
CAPÍTULO VII
O direito de sucessão
1º NATUREZA E ORIGEM DO DIREITO DE SUCESSÃO ENTRE OS ANTIGOS
Nos tempos antigos o DIREITO DE SUCESSÃO estava totalmente interligado a religiosidade, ou
melhor, a religião era quem balizava o direito sucessório.
O princípio de que “o homem morre, o culto fica” era o pilar estrutural. As primeiras normas/
regras do direito de sucessão estão em que, sendo a religião doméstica hereditária, a propriedade
igualmente era. O filho é o natural e necessário continuador do culto, por esse motivo ele também herdava
os bens.
A linguagem jurídica de Roma chamava o filho de heres sui ipsius. Efetivamente o filho herda de
si próprio, não existe doação, nem legado, nem mudança de propriedade, há simplesmente continuação, já
enquanto o pai vivo, o filho era coproprietário do campo e da casa.
Podemos observar que a base da justiça deriva não apenas da lógica e da razão, ou do sentimento
de equidade, mas das crenças da religião da época.
3º A SUCESSÃO COLATERAL
A sucessão colateral continua seguindo a mesma corrente, onde os bens e propriedades são
herdados de varão a varão, em hipótese alguma as mulheres das famílias eram incluídas na sucessão, em
Atenas a letra da lei era: “Se um homem morre sem filhos, o seu herdeiro será o irmão do falecido, sendo
irmão consanguíneo, na falta dele, o filho do irmão, por que a sucessão passa sempre aos varões e aos
descendentes dos varões.
Ao tempo de Justiano, podemos perceber uma evolução, pois o legislador já não compreendia
estas velhas leis, pareciam-lhe iníquias, pois sempre davam preferência a posteridade masculina e excluía
da herança aqueles que só estavam ligados ao defunto por mulheres.
CAPÍTULO VIII
A autoridade na família
1º ORIGEM E NATUREZA DO PODER PATERNAL ENTRE OS ANTIGOS
A família de maneira espontânea foi quem estabeleceu o Direito Privado, através das crenças
religiosas. Em todas as casas a religião é superior a tudo, no entanto, é o pai quem desempenha nos
atos religiosos uma função maior.
Já a mulher não é posta em uma posição tão elevada, pois sua religião não advém junto do seu
nascimento, mas sim somente após o casamento, por conta de seu marido. Por isso, sempre será
vista como parte integrante de seu esposo. Sendo que ela, nunca será dona de si, não podendo ser a
chefe de lar, dependendo sempre de um homem, seja ele o seu pai, irmão, filho, do marido, ou até
mesmo na morte do marido, ele pode designar outro homem para ser seu tutor.
Os direitos muito numerosos e muito diversos que as leis lhe conferiram podem ordenar-se em
três categorias, conforme considerarmos o pai de família, chefe religioso, proprietário ou juiz.
I. O pai é o chefe supremo da religião doméstica, o responsável pela perpetuidade do culto e, por
consequência, da família;
Assim, possuindo diversos direitos, como por exemplo: Direito de reconhecer o filho ao nascer,
ou rejeitar; repudiar a mulher, em caso de esterilidade; o direito de emancipar, quer dizer, o de
excluir um filho da família e do culto; entre outros…
II. Na família não podia haver mais do que um proprietário, a própria família, e um
usufrutuário, o pai. Isso implicava em fatores como: o dote da mulher pertencia sem reservas ao
marido, que exercia sobre os bens dotais não só os direitos do administrador, mas os de proprietário;
o filho tinha as mesmas condições que a mulher; o pai poderia vender o filho, entre outros…
III. As mulheres não podiam aparecer na justiça, nem mesmo como testemunhas, inclusive, a
família é quem tinha o poder de julgá-las. De toda a família, somente o pai podia comparecer no
tribunal, a justiça pública só existia para o pai. O Senado respeitou este velho princípio e deixou
aos maridos e aos pais o encargo de pronunciarem contra as mulheres a sentença de morte.
CAPÍTULO IX
A antiga moral da família
Na religião do lar, somente se reza para si e para os seus. Além disso, os primeiros juízos sobre
o que era culpa, castigo ou expiação parece terem vindo daí. O homem, ao sentir-se culpado, já não
pode aproximar-se do seu próprio lar por seu deus repeli-lo.
Começa a surgir aqui, as primeiras leis da moral doméstica. Que tem muita influência a mostrar
ao homem e à mulher que estão unidos para sempre e que desta união derivam deveres rigorosos
cujo esquecimento terá sido causa das mais graves consequências, tanto nesta vida como na outra. E
assim diz à esposa que tem o dever de obedecer, e ao marido o de mandar. Ensinou a ambos o dever
de se respeitarem mutuamente.
CAPÍTULO X
1º O QUE OS ESCRITORES ANTIGOS NOS DÃO A CONHECER SOBRE A “GENS”
A “Gens” era uma instituição religiosa, cada uma delas possuía um chefe, tinham suas
assembleias e promulgava decretos aos quais os seus membros deviam obediência, sendo respeitados
até mesmo pela própria cidade.
Cada uma delas tinha seu culto especial, que devia perpetuar-se, de geração em geração e
considerava-se um dever deixar filhos que o continuassem. Os deuses da “Gens”, protegiam só à
“Gens”, e só por ela queriam ser invocados. Da mesma forma que cada “Gens” tinha seu culto e
suas festas religiosas, de igual modo tinha em comum o seu túmulo.
Os membros da mesma “Gens” eram muito interligados, unidos na celebração das mesmas
cerimonias sagradas, ajudam-se em todas as necessidades da vida.
Segundo outros, a gens não é mais que expressão de certa relação entre uma família exercendo
o patronado e outras famílias suas clientes. Qualquer destas duas opiniões tem sua parte de verdade,
mas nenhuma corresponde inteiramente a toda a série de fatos, de leis e de usos que acabamos de
enumerar.
As regras de hereditariedade e da estreita e necessária analogia fundada pela religião entre o
direito de suceder o parentesco masculino. O caráter mais saliente e mais bem comprovado da gens
acha-se justamente em esta gens, tal como a família, ter um culto próprio. Se a gens adorava em
comum um antepassado, é porque na gens todos acreditavam sinceramente descendem desse
antepassado. Simular um túmulo, simular aniversários e refeições fúnebres teria sido mentir no que
havia de mais sagrado e zombaria da religião. Semelhante ficção era possível na época de César,
quando a velha religião das famílias já não comovia ninguém. Nos problemas difíceis que a história
oferece, muitas vezes aconselha-se pedir aos termos da língua todos os ensinamentos que nos
possam elucidar. Uma instituição explica-se muitas vezes pela palavra por que se designa.
É indubitável que os gregos e os romanos ligavam às palavras gens e génos o sentido de uma
origem comum. Esta idéia pode ter desaparecido quando a gens se alterou, mas a palavra
permaneceu como testemunho da sua existência. Outro defeito do sistema está em supor que
sociedades humanas como estas possam ter começado por alguma convenção e por um artifício, o
que a ciência histórica não pode admitir como verdade incontestada.
3º A “GENS” É A FAMÍLIA TENDO AINDA SUA ORGANIZAÇÃO PRIMITIVA E SUA
UNIDADE
Podemos constatar que o que foi a autoridade da família antiga, vimos os filhos não se separarem
do pai e, ao observarmos as normas reguladoras da transmissão do patrimônio, verificamos como, graças
ao princípio da comunhão de propriedade, os irmãos mais novos não se separavam dos mais velhos. Lar,
túmulo, patrimônio, tudo isso era indivisível.
Podemos assim entender tudo o que nos é mostrado sobre as GENS na antiguidade. Se torna
normal membros da mesma GENS utilizarem o mesmo nome, e isso justamente aconteceu.
A religião doméstica não admitia um estranho na família. Mas houve uma necessidade de se ter
servos. Concebe-se, com efeito, que o princípio da prestação de serviço livre, voluntário, podendo
cessar pelo capricho do servo, não possa conciliar-se com o estado social em que a família viva
isolada. Era preciso, portanto, por qualquer meio, tornar o servo membro e parte integrante da
família. Era o que sucedia, por espécie de iniciação do recém-chegado no culto doméstico. Dessa
maneira, estava preso pelo culto, não podia, sem impiedade, separar-se da família.
A clientela é instituição de direito doméstico e existia já nas famílias antes do aparecimento das
cidades. O patrono deve proteger o cliente por todos os meios e por todas as forças de que disponha;
usando da oração, como sacerdote; da lança, como guerreiro; da lei, como juiz. A clientela dos
tempos primitivos não aparece como relação voluntária e passageira entre dois homens; é
hereditária: é-se cliente, por dever, de pai ao filho.