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ENTREVISTA: REFORMA DO ENSINO MÉDIO NO BRASIL

1) Você conhece a Reforma do Ensino Médio?

Sim, conhecemos. Já foram publicadas e divulgadas pelo Ministério da


Educação (MEC) várias “versões” do texto da Medida Provisória (MP) que
modifica a estrutura do atual Ensino Médio. Na verdade, o fato da proposta vir
através de uma MP é algo que não agradou à comunidade de educadores
brasileiros. O MEC justificou o fato:
A edição da Medida Provisória seguiu rigorosamente as exigências previstas na
Constituição Federal. Em primeiro lugar, em decorrência da urgência do
problema deste nível de ensino no país: dados do IDEB recém divulgados
mostram uma realidade trágica no ensino médio e retratam a urgência da
reforma. Em segundo lugar, em consequência da relevância do tema que se
apresenta na medida em que o fracasso do ensino médio brasileiro é um dado
da realidade, como demonstram os resultados das avaliações nacionais e
internacionais. As propostas da MP são fruto do amplo debate acumulado no
país nas últimas décadas, o que permitiu ao governo acelerar a reforma.
 1998: grande debate e aprovação das diretrizes do EM de acordo com a
nova legislação da LDB de 1996.
 2002: Seminário Nacional sobre reforma do Ensino Médio
 2007: FUNDEB com a promessa de garantir a universalização do EM
 2007: MEC lança o Plano de Ações Articuladas
 2009: Novo ENEM
 2010: Ensino Médio Inovador
 2010: CONSED cria o Grupo de Trabalho da Reforma do Ensino Médio
 2012: Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio aprovadas
pelo CNE.
 2013: Projeto de Lei (PL6840/2013).
 2014: Plano Nacional da Educação (PNE). Meta 3.1 “Institucionalizar
programa nacional de renovação do ensino médio, a fim de incentivar práticas
pedagógicas com abordagens interdisciplinares estruturadas pela relação entre
teoria e prática, por meio de currículos escolares que organizem, de maneira
flexível e diversificada, conteúdos obrigatórios e eletivos articulados...”
Portanto, a Reforma do Ensino Médio está sendo discutida há anos. Em 2013 foi
apresentado o PL 6840 na Câmara dos Deputados que também foi amplamente
debatido. No entanto, a tramitação do PL no Congresso ficou aquém da urgência
da reforma. Vale destacar que diversos projetos e reformas relevantes e
urgentes para o país foram editados por Medida Provisória e se tornaram Lei,
como por exemplo o Brasil Carinhoso, Mais Médicos, o PNAIC, PROUNI e
Royalties do Petróleo para a Educação. (BRASIL, Ministério da Educação -
MEC, Secretaria da educação Básica, Reforma do Ensino Médio, disponível
emhttp://portal.mec.gov.br/component/content/article?id=40361#nem_pergu
nta5 (Acesso em 15 jan 2017)

Assim, as informações mais atualizadas, dão conta de que a proposta de


Reforma do Ensino Médio, está no presente momento, em tramitação no
Congresso, que deve emitir seu parecer em 120 dias, a contar da data de edição
da MP (o prazo vence em 02/03/2017). Já tendo sido debatida e aprovada na
Câmara dos Deputados, o texto da Reforma segue agora para o Senado mas já
recebeu algumas alterações, sendo a mais importante a ampliação de 50% para
60% na composição do currículo da etapa, preenchido pela Base Nacional
Comum (BNCC). Os 40% restantes serão destinados aos chamados itinerários
formativos, em que o estudante poderá escolher entre cinco áreas de estudo:
linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação
técnica e profissional. A mudança mais impactante é justamente essa, a de
propiciar uma escolha, um caminho, uma alternativa que se baseie nas
aspirações do estudante, embora as disciplinas relacionadas às áreas de
Linguagens e suas tecnologias e Matemática e suas tecnologias, além de uma
língua estrangeira permaneçam obrigatórias ao longo dos três anos de duração
dessa etapa. Disciplinas como Educação Física, Artes, Sociologia e Filosofia
também estarão integradas à BNCC, fazendo parte dos 60% de conteúdo
obrigatório.

2) É contra ou a favor? Porque?

Somos a favor, pois o principal objetivo dessa Reforma é flexibilizar o


currículo atual, excessivamente acadêmico e desconectado da realidade
do mercado de trabalho, melhorar a gestão e valorizar a formação de
professores. O novo modelo dará mais liberdade para que o estudante
escolha as áreas de conhecimento de seu interesse, de acordo com sua
vocação ou seu projeto de vida e, assim, tenha a oportunidade de
protagonizar o seu próprio itinerário formativo. Evidentemente uma
intervenção deste porte deve enfrentar diversos e variados obstáculos,
desde a resistência do professorado (reserva de mercado e
corporativismo) até o lobby de grandes editoras de materiais didáticos e
grupos educacionais, só para citar dois grupos de atores que até o
momento têm se mostrado contra a implantação. Mas, em nossa opinião,
deve-se priorizar o estudante, seus anseios, sua formação
contemporânea, conectada com a atual realidade social em que vivemos
e, principalmente, com a atualização curricular. A Química ensinada no
Ensino Médio é a Química do século XVIII e XIX, a Física idem. As
Ciências da Natureza, da qual fazemos parte como pesquisadores, não
atraem a atenção dos jovens porque suas propostas de ensino ainda se
apoiam na visão de mundo dos positivistas do século XIX. O que se pratica
na maioria das escola brasileiras, com raras exceções, é o “adestramento”
do estudante para que tenha um bom desempenho nos exames
vestibulares.

3) A Reforma traz algum aspecto inovador? Qual (is)?

Aparentemente sim, embora esse tipo de escolha, de opção pela área a estudar,
já estivesse presente nos anos 60 e 70 do século XX. Nos exames vestibulares
dessa época, os estudantes do então segundo grau optavam pela área (exatas,
biológicas ou humanas) em que desejavam ingressar, com base em suas
vocações. No aspecto curricular, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC)
deve sim, trazer algumas propostas inovadoras, pelo menos no que diz respeito
ao que se vai estudar. Na Química e na Física, por exemplo, as propostas se
aproximam mais da realidade material do estudante e da ideia de que a
apropriação dos conceitos ocorre principalmente de maneira contextual e
interdisciplinar. A ideia de se investigar grandes temas e debates de questões
sociocientíficas também é muito bem-vinda. Há ainda um consenso na
comunidade de pesquisadores da área de educação em Ciências sobre a
inutilidade do ensino de alguns conteúdos, cuja modelização teórica é de
natureza altamente abstrata e de uso restrito a um determinado segmento
científico. A inserção de metodologias com suporte às TIC (Tecnologias de
Informação e Comunicação) também deve trazer novas encruzilhadas
pedagógicas à maioria do professorado envolvido, que não tem formação para
utilizá-las e sofre muito em sala de aula, quando necessita basear sua pratica
nesse tipo de abordagem.

4) A Reforma traz algum benefício ao aluno? Qual (is)?

A princípio, acreditamos que a possibilidade de estudar e se aprofundar nas


áreas de seu interesse torne o curso mais próximo e desafiador, motivando o
jovem aluno. Mas, o sucesso da empreitada vai depender das abordagens
didáticas e das metodologias escolhidas pelos professores para transformar as
propostas em realidade. Os benefícios serão obtidos a medida em que os
estudantes consigam aumentar seu envolvimento com o processo de
aprendizagem e percebam a necessidade de real engajamento nos projetos de
estudo.

5) Como você analisa o futuro da educação mediante essa Reforma?

De acordo com TODOS os indicadores e avaliações realizadas nos últimos dez


anos, o Ensino Médio brasileiro vai muito mal. Nossos concluintes não conseguem
minimamente resultados que os coloquem sequer próximo do “score” de nações
até mais pobres do que a nossa. Além disso, a atratividade da carreira docente
continua em queda livre, tanto em termos de remuneração, quanto de status
social. As áreas da indústria, de serviços e da pesquisa que necessitam de
recursos humanos mais qualificados têm torcido o nariz para o que está disponível
no mercado e assim, propor modificações nessa etapa do ensino se faz urgente
e absolutamente necessário. Como toda proposta de reforma no âmbito da
educação básica, e o país já assistiu a várias delas, se não houver o envolvimento,
o engajamento e o comprometimento de todos os atores do processo, os projetos
não sairão do papel e assistiremos a mais um par de décadas em que gerações
de brasileiros perderão a chance de construir uma sociedade melhor, menos
desigual e mais justa.

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