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WONCA (2002) – A definição europeia de medicina geral e familiar

Os cuidados de saúde prestados devem ter uma boa relação custo-efetividade. Os cuidados
primários devem ser efetivos e são exercícios pelos médicos generalistas, sinónimo para médicos
de família. Na Europa, é necessário um maior investimento na Medicina Geral e Familiar para que
os sistemas de saúde cumpram beneficamente o seu serviço para com os pacientes.
A educação médica rege-se pela Diretiva EU 93/16 que promove a circulação livre de médicos
em qualquer Estado membro, sem formação adicional. Existem 30 estados membro:
 ALEMANHA
 ANDORRA
 ÁUSTRIA
 BÉLGICA
 CHIPRE
 CROÁCIA
 DINAMARCA
 ESLOVÉNIA
 ESPANHA
 ESTÓNIA
 FINLÂNDIA
 FRANÇA
 GRÉCIA
 IRLANDA
 ISLÂNDIA
 ISRAEL
 ITÁLIA
 LITUÂNIA
 MALTA
 NORUEGA
 PAÍSES BAIXOS
 POLÓNIA
 PORTUGAL
 REINO UNIDO
 REPÚBLICA CHECA
 REPÚBLICA ESLOVACA
 ROMÉNIA
 SUÉCIA
 SUÍÇA
 UCRÂNIA

A diretiva 93/16 define um período mínimo de formação de 2 anos e um mínimo de 6 meses de


contacto com o contexto de clinica geral. No entanto em alguns países, o período pode ser
alargado para mais de 3 anos. O documento de Consenso da UEMO de 1994, sobre a formação da
Clínica Geral, defendeu a necessidade de aumentar o período de formação para uma duração
mínima de 3 anos, na qual um mínimo de 50% da formação clinica deve ser realizada no contexto
de Clínica Geral. O Comité Consultivo de Formação Médica (ACMT) aceitou o documento de
UEMO, porém esta recomendação ainda não foi aceite pela Comissão Europeia.
Esta declaração foi realizada em nome da WONCA (Sociedade Europeia de Clínica Geral/Medicina
Familiar), a organização regional europeia da organização mundial de médicos de família. Tem
como objetivo manter elevados padrões de formação/educação.
Definições europeias 2002
A Disciplina de medicina Geral e Familiar caracteriza-se por 12 características centrais definidas
pela WONCA:
 Ser o primeiro ponto de contacto médico1, acesso aberto e ilimitado, lidando com todos os
problemas, independentemente das características das pessoas.
 Utilizar de forma eficiente os recursos, coordenando a prestação de cuidados e gerindo e
contactando com outras especialidades, assume papel de advocacia do paciente.
Corresponde a uma unidade coordenadora. Protege os pacientes do prejuízo que lhes
poderá ser infligido como resultado de rastreios, exames e tratamentos desnecessários.
 Abordagem centrada no paciente. O denominador comum é a pessoa com as suas crenças,
medos, expectativas e necessidades.
 Possuir consultas singulares, onde se estabelece uma relação através da comunicação
médico-paciente e se partilham experiências.
 Presta cuidados continuados longitudinalmente2 (ainda antes da conceção), constantes
desde o nascimento até à morte. Garantem cuidados de saúde 24/24 horas.
 Envolve-se nas tomadas de decisão de acordo com a prevalência e incidência. As doenças
graves apresentam-se menos frequentemente que no hospital por não haver seleção prévia.
O valor preditivo positivo ou negativo de um sinal clínico ou de um teste de diagnóstico em
MGF tem um peso diferente do que em contexto hospitalar. Aliviam a ansiedade de uma
possível doença que é inexistente.
 Gere simultaneamente problemas crónicos e agudos de forma hierarquizada.
 Gere a doença de forma indiferenciada, tendo que tomar decisões importantes com base
em informação limitada e numa altura em que o valor preditivo é incerto. Uma vez excluída
uma evolução grave imediata, a decisão poderá ser de esperar pela evolução dos
acontecimentos e rever o paciente mais tarde. É raro um diagnóstico definitivo imediato.
 Intervém de forma apropriada, promovendo a saúde.
 Responsabiliza-se pela saúde da comunidade.
 Lida com problemas de saúde com vários contextos, e negocia vários planos de ação.
Estas características são importantes para que se conheçam os fundamentos académicos,
orientando o ensino.
Competências nucleares – versão de definição da WONCA de MGF em 2011
As competências nucleares são competências essenciais e podem ser agrupadas em três
parágrafos: relacionadas com a Disciplina, relacionadas com a prática da especialidade e
relacionadas com aspetos básicos de fundo. São 11 características que definem a Disciplina e se
podem agrupar em 6 competências nucleares:

Gestão de cuidados de saúde primários Advocacia do doente


Cuidados de saúde centrados na pessoa Cuidados longitudinais
Aptidões específicas de resolução de Decisão de acordo com a prevalência e
problemas incidência da doença, usar o tempo e
tolerar a incerteza
Abordagem abrangente Aplicação adequada de estratégias de
promoção de saúde e de prevenção da
doença
Orientação comunitária Conjugação das necessidades de saúde
dos pacientes individuais com as
necessidades de saúde da comunidade
Modelação holística Modelo biopsicossocial

1
À exceção do traumatismo major, onde os cuidados primários não são o primeiro contacto.
2
Os cuidados longitudinais são praticados apenas pelo generalista, já a continuidade de cuidados é praticado por
múltiplas especialidades. (Retirado do cap.1 – Médico Generalista).
(Retirado do cap. 1 – Médico generalista)

(Retirado do Seminário UP1)

O clínico implementa estas competências em três áreas de implementação:

Tarefas clínicas Gerir as queixas


Comunicação com os pacientes Capacidade para estruturar a Consulta
Gestão da prática clínica Acessibilidade e disponibilidade
Para além disso, como é uma Disciplina centrada na pessoa devem ser considerados três aspetos
de fundo, também definidos pela WONCA:

Aspetos de contexto Características e cultura da sua


comunidade e do sistema de saúde
Aspetos de atitude Valores do médico, estar consciente da
interação reciproca entre trabalho e vida
privada, esforçando-se para atingir um
equilíbrio.
Aspetos científicos Noções de estatística
Conhecimento exaustivo sobre os
fundamentos científicos
Capacidade de aceder, ler e avaliar a
literatura médica de forma critica
(Completado com o Cap.1 – Médico Generalista)
Esta complexa inter-relação entre as competências nucleares orienta as prioridades do ensino e da
melhoria da qualidade.
Este conjunto de características do generalista descritas pelas definições da WONCA foram
organizadas pelo Colégio Suíço de Cuidados Primários, ao que ficou conhecido pela “árvore da
WONCA”. (Retirado do cap. 1 – Médico Generalista)

Definição de Médico de Família


A definição de médico de família é importante para que se traduza a realidade do generalista, que
trabalha com os seus pacientes em vários sistemas de saúde.
Novas definições

 O grupo de Leeuwenhorst produziu o documento “O Clínico Geral na Europa” em 1974.


 A MGF foi estabelecida em todos os sistemas de saúde da Europa, graças a um documento
de 1998 da OMS Europa e tem vindo a ser introduzida pela maioria dos países do antigo
Bloco Soviético.
 Nos últimos 30 anos, o paciente tem adquirido um papel cada vez mais determinante nos
cuidados de saúde.
 Van Weel destacou a necessidade do desenvolvimento académico para satisfazer os
requisitos da MGF.

 Gay, em 1995, sugeriu uma relação entre os princípios e as tarefas e algumas influências
sobre a tarefa que necessita ser realizada pelos pacientes e pelo sistema de saúde. Os
princípios da Disciplina sugeridos por Gay foram:
1. Abordagem centrada no paciente
2. Orientação para o contexto familiar e comunitário
3. Leque de atividades determinado pelos pedidos e necessidades dos pacientes
4. Problemas de saúde complexos e não pré-selecionados
5. Baixa incidência de doenças graves
6. Doenças em estadio precoce
7. Gestão simultânea de múltiplas queixas e patologias
8. Gestão contínua
9. Cuidados coordenados
10. Eficiência

 Estes princípios são semelhantes às características da MGF descritas pela OMS:


1. Generalista
2. Continuada
3. Abrangente  Promoção da saúde, prevenção da doença, cuidados curativos, de
reabilitação e de suporte; Aspetos clínicos, humanísticos e éticos da relação médico-
paciente.
4. Coordenada
5. Colaborativa  Exercício da liderança.
6. Orientada para a família
7. Orientada para a comunidade

 A declaração sobre o Papel do Clínico Geral de 1991 da WONCA inclui os aspetos


seguintes:
1. Cuidados abrangentes
2. Orientação para o paciente
3. Enfoque familiar
4. Relação médico-paciente
5. Coordenação com outros serviços
6. Advocacia pelo paciente
7. Gestão e acessibilidade e de recursos

É importante diferenciar contínua e continuada. Contínua significa que um determinado processo


será mantido, embora não incessamente. Continuada significa sem interrupção.
A OMS não explora em profundidade a pedra basilar da MGF – a consulta individual entre o
paciente e o médico de família. A consulta é incluída na declaração de WONCA e descreve a
necessidade de exprimir os problemas para os pacientes tanto em termos biomédicos como
humanísticos – físicos, psicológicos e sociais. Este conceito teve origem no grupo de trabalho de
Royal College of General Practitioners (RCGP).
Gay propôs um modelo teórico da clínica geral – um modelo global que encara a doença como o
resultado de fatores orgânicos, humanos e ambientais. Semelhante a este, o modelo holístico ou
biopsicossocial de Engel que também perspetiva a saúde como uma estrutura complexa.
A eficiência é uma afirmação de Gay e não é especificamente mencionada nas características da
OMS. A WONCA aprofunda mais este conceito ao sugerir que o médico de família tem um papel na
gestão de recursos dos sistemas de saúde.
A MGF era habitualmente encarada como um ramo de profissão medica a que se acabava por ir
parar quando não se tinha outras aptidões. A definição desta Disciplina pela OMS não é
abrangente, visto que os cuidados curativos, de reabilitação e de suporte não são especificamente
mencionados.
Olesen et al afirma que a definição de Leewenhorst original está desatualizada, visto que os
médicos de família trabalham em contextos diferentes e não é possível seguirem todas as
características, como é o exemplo de médicos de família que trabalham nas urgências e que não
seguem os cuidados longitudinais.
No entanto, as duas definições, da WONCA 1991 e de Olesen 2000 parecem ter muitas raízes na
definição de Leeuwenhorst. A definição da Disciplina por WONCA descreve a apresentação
precoce de problemas clínicos indiferenciados, o grande número de problemas que não se
encaixam nos diagnósticos biomédicos padrão e a diferente prevalência de afeções e doenças no
contexto da MGF por comparação aos cuidados secundários.
Os contextos que os médicos de família trabalham são diferentes, porém, os princípios subjacentes
à Disciplina dever-se-ão aplicar em qualquer caso. Este foi o impulso do documento estrutural da
OMS.
Os médicos de família deve influenciar os auto-cuidados através das suas atividades de medicina
preventiva e de educação para a saúde. Em alguns sistemas de saúde, os médicos de família
podem prestar cuidados secundários e terciários. Noutros, especialistas não generalistas podem
trabalhar em cuidados primários. E ainda noutros, os médicos de família podem desempenhar
papel limitado em cuidados secundários.

Nenhuma destas definições abrange todos os aspetos da Disciplina e portante surge a


necessidade da síntese das várias declarações.
A interação entre o médico de família e o paciente é descrita como “covenant” por McWhinney e
possui efeito terapêutico. Esta relação, levou Balint a criar a expressão “médico-medicamento”.
Pereira-Gray explorou as consultas individuais como um continuum temporal.
Cada vez mais tem sido utilizado o conceito de autonomia do paciente, sendo este a contribuir em
primeiro lugar para a sua saúde através de mudanças comportamentais.
A advocacia pelo paciente descreve-se como a colaboração conjunta com os governos e outras
autoridades para a optimização da distribuição equitativa de serviços a todos os membros da
sociedade.
A epidemiologia da MGF é diferente dos cuidados secundários, pois as afeções major apresentam-
se de forma precoce e indiferenciada. A MGF também gere cuidados longitudinais prestados nas
doenças crónicas. Algumas consultas de cuidados primários também são orientadas para a
normalidade. É frequente não haver causa biomédica para a queixa do paciente, sendo importante
saber quando parar de investigar para não comprometer a continuidade dos cuidados e também
para proteger os pacientes dos perigos da hipermedicalização.
McWhinney criou o modelo orgânico dos processos biológicos, onde refere que a forma como o
organismo se comporta depende da sua historia, contexto e ambiente. A Disciplina funciona ao
mais alto nível de complexidade e de incerteza. McWhinney também sublinhou as relações, a
orientação para a pessoa individual e o dualismo entre o corpo físico, psicológico e social, e a
mente.
Existem sistemas de saúde, que obrigam a reacreditação dos médicos de família de forma a
manterem as suas aptidões.
As viagens e a imigração levou a uma alteração da epidemiologia e portanto, o generalista deve
compreender a variação cultural, étnica, religiosa, e o seu impacto na saúde e na doença e as
correspondentes implicações terapêuticas. Para além disso, devem determinar prioridades para
uma melhor alocação de recursos.
Existem dois tipos de aptidões:

 Aptidões de grande utilização – observação de crianças, colheita de historia sob limitações


de tempo, exame dos ouvidos, nariz e orofaringe
 Aptidões de alto risco – usadas com menor frequência, como a ressuscitação cardio-
respiratória, o paciente com convulsões ou o paciente agressivo/perigoso.
É necessário um documento que defina a Disciplina, bem como as tarefas, e que atenda às
diferenças de contexto.
Existem também elementos não essenciais que estão associados a variações no sistema de
saúde. Existem diferenças culturais, como as religiosas e as políticas. O médico de família é o
mediador entre a sociedade e a Medicina. Na pirâmide de Miller, os níveis “sabe” (factos básicos),
“sabe como fazer” (capacidade de aplicar o conhecimento) e “mostra como fazer” (capacidade de
demonstrar aptidões).
A performance está associada ao nível “faz” de Miller e está dependente das condições e requisitos
do sistema de saúde.
Existem vários modelos para a inter-relação entre as competências nucleares – triangulo de Miller,
cubo de Fabb e os resultados de Donabedian.

Definição de Definição de WONCA Definição de Olesen


Leeuwenhorst (1974) (1991) (2000)
O clinico geral atende os O generalista aceita todas O generalista é o ponto de
seus pacientes no as pessoas que o partido com o contacto
consultório, no domicílio e procuram. Exerce o seu médico.
por vezes em clinicas e papel profissional de
hospitais. Faz acordo com os recursos
diagnósticos precoces. disponíveis.
Atua em colaboração com
colegas médicos e não-
médicos.

Processo de Preparação e Consulta a Peritos


Olesen define o papel do médico de família sugerindo que este seja universal e não específico de
cada país.
Declaração de Astana (25 a 26 Outubro de 2018)
Promove:

 Governos e sociedades que promovam e protejam a saúde da população através de


sistemas de saúde fortes.
 Elevada qualidade dos cuidados primários e dos serviços de saúde e que são acessíveis
para todos.
 Ambientes que promovam a saúde
 Colegas que suportam as leis, estratégias e planos da saúde nacional.
A saúde tem um papel importante para a paz, segurança e desenvolvimento socioeconómico.
Acredita que ao fortalecer os cuidados de saúde primários (PHC) é a forma mas eficiente para a
saúde mental e o bem-estar. Refere que a saúde deve ser distribuída de forma equitativa.
Comprometem-se a:

 Fazer escolha de leis para a saúde, gerindo os conflitos de interesse.


 Construir um cuidados de saúde primários sustentáveis, priorizando a prevenção de
doenças e promoção de saúde.
O sucesso dos cuidades de saúde primários vão ser guiados por:

 Conhecimento e capacidade de construção, de forma a respeitar a sua dignidade e os seus


direitos.
 Recursos humanos, através da compensação apropriada dos profissionais de saúde, de
forma, a que os serviços de saúde dos países em desenvolvimento não sejam diferenciados
dos países desenvolvidos.
 Tecnologia, através de diagnósticos, medicamentos e vacinas e também da sua utilização
de forma racional. Os sistemas de informação permitem a partilha de informação e de
conhecimento.

 Financiamento, através da promoção dos países aplicarem a sua economia para investirem
em melhores cuidados de saúde.

 Engradecendo os indivíduos e as comunidades, através da promoção do seu envolvimento


nas políticas de saúde. Irão promover literacia em saúde, e a aquisição de conhecimento e
capacidades de forma a manterem a sua saúde.
 Alinhando os interesses de todos através de estratégias, planos e políticas nacionais .
Esta declaração será revista periodicamente pelos vários países, em cooperação com todos e será
coordenada com a ajuda da WHO e com a UNCH (United Nations Children’s Fund).
Perfil de competências do especialista de MGF
A MGF foi a primeira especialidade médica a ter uma definição explícita do perfil profissional
(1995) e a dispor de um programa de formação por objetivos. Estes objetivos estão presentes nas
Cadernetas de Estágio.
Esta especialidade nasceu em 1981. Distinguem-se alguns protagonistas importantes para
a área de formação de MGF.
 José Jordão – Especialista em Clínica Geral (antigamente assim denominada),
contribui para a organização do primeiro internato complementar de MGF.
 Isabel Andrade – Médica de família e contribui para a formação de médicos internos.
 José Miranda – Contribuiu para a formação de médicos internos de MGF
 Vasco Queiroz – Médico de família e reconheceu a importância da teatralização
como bom método de ensino.
Ser médico é se um aprendiz vitalício pois a aprendizagem é continuada. As competências
que o médico devem adquirir e os objetivos de formação são duas peças do mesmo
puzzle.

O perfil profissional do especialista em MGF caracteriza-se:


a) Proximidade, acessibilidade, disponibilidade e abrangência.
b) Eficiência, racionalidade, trabalho em equipa e coordenação de cuidados.
c) Atenção e respeito pela singularidade de cada pessoa, nas suas circunstâncias.
d) Relação e comunicação médico-doente e seu impacto no raciocínio e decisão clinica.
e) Respeito pela soberania e autonomia de cada pessoa no que respeita à sua saúde.
f) Continuidade de cuidados.
g) Decisão clinica contextualizada, modulada pelo saber disponível da epidemiologia.
h) Abordagem abrangente e integrada da constelação de saúde-doença de cada pessoa.
i) Abordagem das doenças em todas as fases da sua história natural.
j) Promoção da saúde e saúde da comunidade.
k) Modulação holística integradora.

As competências do especialista em MGF são aquisições pessoais que o médico em formação


deve atingir para manter e desenvolver continuamente. Existem três categorias de
competências:

Competências gerais Treino técnico


Competências Aplicação das competências gerais
operativas gerais –
Árvore da WONCA
Competências clínicas Aplicação á pessoa singular que apresenta quadros de
específicas multimorbidade com variados graus de complexidade e de
gravidade.

1. Competências gerais

As competências gerais integram várias dimensões como: biomédica, psicossocial e humanidades,


informacionais, gestionárias, relacionais, raciocínio e decisão clinica e ética médica. Podem ser,
inicialmente, objeto de formação teórica e teórico-prática.
2. Competências operativas gerais
Capítulo 1 – O médico generalista

O médico generalista era considerado inferior aos outros especialistas. Só na década de 50,
reconheceu-se a importância do médico generalista graças à criação do National Health
Service britânico em 1948. O ensino da medicina generalista realiza-se a partir:
 National Health Service, na Europa (Reino Unido)
 Grupo de Leeuwenhorst, entre a década de 70 e 80

Pereira-Gray agrega os conteúdos da Clínica Geral em 6 capítulos:


a) Cuidados primários
b) Cuidados familiares
c) Cuidados domiciliários
d) Continuidade de cuidados
e) Cuidados preventivos
f) Cuidados pessoais (holísticos)

A definição mais aceite relativamente aos médicos generalistas é a da WONCA (Organização


Mundial dos Médicos de Família), realçando 3 pressupostos:

 Ter capacidade para prestar cuidados médicos.


 Ter competências de comunicação interpessoal – relação médico-doente.
 Ter competências de gestão da prática clínica.

1. O médico generalista no futuro

Em 2011, o Royal College of General Practitioners (RCGP) e a Health Foundation britânica


reviram o conceito de generalismo médico.
A prestação de cuidados de saúde primários deve ser feita de forma rotineira e está depende
de treino e do uso diário de aptidões. Implica:

a) Ver a pessoa como um todo e no seu contexto familiar e social.


b) Usar esta perspetiva como método clínico e em terapia.
c) Saber lidar com doenças indiferenciadas e com vários doentes.
d) Assumir a continuidade da responsabilidade.
e) Coordenar os cuidados aos pacientes conforme a sua necessidade.

Foi publicado, em 2012 por Howe, um documento de reflexão, onde acrescenta:


f) Esta definição é dependente do contexto.
g) O generalismo é válido em alguns pontos de todas as vias de cuidados de saúde.
h) Há um alargamento desta perspetiva à população em geral.
i) Deve informar a prática das equipas multiprofissionais.
j) Alguns especialistas podem também atuar como generalista para benefício dos seus
pacientes.
Assim, o médico de família é o único médico que em nenhum momento pode considerar que
algo referente ao paciente não lhe diz respeito profissionalmente.
Capítulo 2 – Evolução e Desenvolvimento da especialidade
1. A MGF na vida dos Portugueses

A OCDE (European Observatory on Health Systems and Policies, em 2017, afirma que o país
tem uma das mais baixas taxas de hospitalização evitável (podem ser tratadas pelos cuidados de
saúde primários). A Revista Lancet também identifica Portugal com um dos 5 países, onde a
esperança média de vida observada foi maior do que a esperada em 5 ou mais anos, reforçando a
necessidade de explorar as políticas de saúde destes países.

Em 1971, são dados os primeiros passos para a construção de CSP modernos, graças ao
“Movimento dos Centros de Saúde”, bem como as orientações da Declaração de Alma-Ata. Neste
ano, a saúde é reconhecida como um direito. Instituem-se os CSP públicos com um planeamento
central e são implementados os centros de saúde de primeira geração, muito orientados para os
cuidados de saúde materno-infantis. Apenas em 1983, se reorientou o sistema de saúde português
para os CSP, pois antes disso enfrentaram a oposição. Com o 25 de Abril em 1974, iniciou-se uma
remodelação completa do sistema, apostando-se em cuidados de saúde públicos implementados
através do SNS financiado pelos impostos. Em 1983, integrou-se a promoção da saúde e a
prevenção da doença através de serviços curativos, do aumento da acessibilidade e garantindo
uma cobertura nacional dos CSP.

A APMCG (Associação Portuguesa dos Médicos de Clínica Geral foi a grande responsável
pela teorização e implementação da MGF. No entanto, após se concretizar tudo aquilo que se tinha
preconizado, as prioridades do CSP perderam o protagonismo. Em 1995, um movmento de
reforme propõe mudanças para reorientar os serviços para CSP, no entanto, não encontra
estabilidade política para esta implementação, entrando numa oposição denominada “status quo”.
O seu grande objetivo era melhorar a gestão dos CSP e aumentando a sua autonomia e
responsabilidade.

Em 2002-2004 houve uma privatização ds CSP, tendo como reação uma das maiores
greves de médicos de família de sempre. Em 2005, ocorre uma nova reforma, renovando os CSP
em Portugal para mais efetivos, surgindo assim as USF e os ACeS (Agrupamentos de Centros de
Saúde). Em 2008, houve a criação da Associação Nacional de Unidades de Saúde Familiar (USF-
AN). Em 2015, deixa de se investir nas USF e nas ACeS, relançou-se uma reforma, de forma a
modernizar os cuidados através de sistemas de informação ao serviço de todos. Em 2019,
reinventa-se as ACeS que vai experimentar a autonomia de gestão.
2. A criação das especialidades
A especialização médica teve início em 1830 e foi notória em Paris com a unificação da cirurgia
e na disseminação de uma racionalidade administrativa do sistema hospitalar. Na Alemanha, surgiu
posteriormente, e introduziu-se a certificação dos especialistas. A American Medical Association
receava a descentralização do seu poder devido à criação das especialidades. Por outro lado, a
medicina britânica resistiu à introdução das especialidades, mantendo a unidade da medicina.
No século XX, Ian McWhinney chamou de “grandes especialidades” – medicina interna,
cirurgia, pediatria, obstetrícia e psiquiatria, onde o ingresso era feito através de formação pós-
graduada. Nesta época, acreditava-se que qualquer graduado em medicina pudesse exercer
clínica geral. As duas grandes guerras mundiais incentivaram a especialização médica, onde a
proporção de especialistas/clínicos gerais era 8 para 2. Praticava-se assim uma abordagem
fragmentada do doente, que implicava o aumento do custo dos cuidados de saúde.
3. A necessidade de um generalista especializado
Em 1950, a medicina geral e familiar é reconhecida como uma disciplina com o seu próprio
corpo de conhecimentos.

 1952: Criação do Royal College of General Practitioners


 1966: Propostas para a criação da especialidade de MGF nos EUA.
 1969: Reconhecimento de MGF como uma especialidade nos EUA.
 1970: Criação da primeira cátedra de clínica geral em Inglaterra.
 1972: Fundação da WONCA.
 1974: Definição de MGF e funções do clínico geral pelo grupo de Leeuwenhorst.
 1978: Surge a Declaração Alma-Ata pela WHO e UNICEF.
 1985: Obrigatoriedade da formação pós-graduada para o exercício da Clínica Geral.
Em Portugal, o SNS surgiu em 1979, a carreira de generalista em 1980 e depois em 1981, o
internato de generalista. Paralelamente, foi criado o Conselho Coordenador do Internato no Norte,
Sul e Centro. Em 1982, surgiu a Ordem dos Médicos e em 1983, a Associação Portuguesa dos
Médicos de Clínica Geral. O internato médico, nesta altura, centrava-se no hospital e os
orientadores eram médicos de outras especialidades. Em 1987, o Internato Complementar de
Clínica Geral passou a ser a única forma de ingresso para a carreira em MGF e em 1990 passou a
ser designada por especialidade de MGF,
Em 2009, a formação em MGF passou a ser de quatro anos. Em 2019, o internato passou a estar
organizado em MGF 1, 2 e 3, onde reconhece a aprendizagem interpares. Também foi publicado o
Perfil de Competências do Especialista em MGF. O atual programa valoriza que o interno adapte a
sua formação às suas necessidades específicas.
4. Formação pré-graduada em MGF
Começaram a ser incluídas disciplinas de MGF no curso de Medicina. Em 1984, surge o primeiro
Departamento de Clínica Geral na FMUP. Em 2000, já todas as universidades tinham esta
disciplina incluída.
O sucesso desta disciplina deveu-se ao aumento progressivo de docentes e o contacto precoce
com a especialidade. A MGF ocupa um lugar determinante na fase de pré-profissionalização. O
desenvolvimento da MGF a nível universitário obriga a que os agentes operativos sejam os
próprios médicos de família.
5. Os CSP: de Alma-Ata a Astana
1978: Conferência Internacional sobre CSP, em Alma-Ata, pela WHO e UNICEF, com a
participação de 134 países e 67 organismos internacionais – declaração fundadora dos CSP

2018: Declaração de DELI, na 15ª Conferência Mundial sobre a Saúde Rural da WONCA realizada
em Nova Deli, India, sobre o lema “Healing the Heart of Healthcare – Leaving No One Behind”,
onde se aprovou esta Declaração: Alma-Ata revisitada. Esta Declaração apela aos países que se
esforcem até alcançarem as metas estabelecidas há 40 anos. Neste contexto, as necessidades
das pessoas que vivem em áreas rurais e isoladas do mundo devem merecer que as nações
alcancem uma cobertura universal em saúde, “não deixando ninguém para trás”. (Retirado do
seminário UP1)
2018: Declaração de Astana, no Cazaquistão, pela WHO e UNICEF – reflexão sobre a evolução
dos CSP. Foi usada para informar a reunião de alto nível da Assembleia Geral da ONU sobre a
Cobertura Universal de Saúde em 2019.
A Declaração de Astana sublinha as desigualdades, destaca as ameaças da saúde global
apelando à responsabilidade dos governos e à participação e empowerment dos indivíduos. Para
além disso, reafirma a definição de saúde defendida pela OMS.
6. O médico de família do presente e do futuro
1971: Centros de saúde de primeira geração
1979: Implementação do SNS
1982: Estabelecimento de carreiras médicas públicas
1983: Aparecimento de Centros de Saúde de segunda geração. O trabalho médico era muito
isolado, raro trabalho em equipa multiprofissional. Com o estabelecimento de carreiras médicas
públicas, a totalidade dos médicos de CSP passou a trabalhar para o Estado.
1990: Publicação da primeira Lei de Bases de Saúde (Revisão em 2002).
2005: Introdução das USF
2008: Introdução das ACeS, Implementação da governação clínica e de saúde para melhorar a
qualidade dos serviços de saúde, Trabalho em equipa do médico de família com o enfermeiro.
2016: O processo de contratualização integrou áreas como a formação, a investigação e a
qualidade organizacional.
Em 2020, os CSP estão organizados em ACeS sob uma direção executiva própria, suportada por
um conselho executivo e clínico.

 USF – baseia-se em equipas multiprofissionais, agrupadas voluntariamente e com plena


autonomia.
 UCSP – estrutura semelhante à USF, mas em regime pré-USF, não havendo autogestão,
mas utilizam metas que são ajustadas às circunstâncias de cada UCSP.
 UCC – prestam cuidados de saúde e apoio psicológico no âmbito domiciliário e comunitário,
atuam na educação para a saúde.
 USP – elabora informação e planos, procede à vigilância epidemiológica.
 URAP – assistentes sociais, psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas que trabalham em
conjunto para complementar as restantes unidades.
O aumento da esperança média de vida cria desafios para as equipas de saúde. O aumento da
longevidade levou à criação de equipas comunitárias de suporte em cuidados paliativos. O
investimento em Saúde passa por relações com abordagens mais inclusivas, sustentadas em
sociedades mais responsáveis e populações mais participativas e capacitadas, como em Alma-Ata
e Astana.
Capítulo 6: De relação médico-doente para o trabalho em equipa
A evolução científica e tecnológica tem posto em risco a relação médico-doente. O século
XX foi a era tecnológica, o século XXI constitui a era da comunicação. A comunicação é o elo que
une a tecnologia à humanidade.
No século IV a.C., Hipócrates propõe um código de comportamento, vestuário e atitudes
que considerava adequado ao médico, que se deveria de comportar de forma moderada, sóbria,
acessível, cuidadosa, com delicadeza, humildade e seriedade.
William Osler traz humanismo, onde refere que é mais importante conhecer o doente do que
a doença que o doente tem. Szasz e Hollender (1956) descreveram três modelos:

 Modelo da Atividade-Passividade: médico ativo faz alguma coisa por um doente


passivo, semelhante na relação médico-criança.
 Modelo do Guia-Cooperante: doente obedece discretamente à sabedoria do médico.
 Modelo de Participação Mútua: processo de partilha
A relação terapêutica tem como base fundamental a escuta ativa, que inclui comunicação
verbal e não-verbal. A comunicação não-verbal é bidirecional, o médico deve colher as emoções do
doente e perceber as suas próprias. É importante salientar que não existe um modelo único de
comunicação que sirva para todos os médicos. Esta perspetiva resulta da fusão do modelo
biomédico e biopsicossocial – Modelo de decisão partilhada.
Uma boa relação médico-doente tem um impacto positivo na saúde, estando associada a
melhor controlo de doenças como a hipertensão ou a diabetes, melhor qualidade de vida e
diminuição da mortalidade. O modelo clínico integrado combina abordagens: biomédica,
psicossocial, centrada na pessoa, atenta ao médico e atenta à relação médico-doente.
A empatia deriva da capacidade do médico se colocar na pele do doente e de o tentar
conhecer melhor, recorrendo ao conhecimento que tem de si próprio. Se esta interação for
insatisfatória pode resultar em burnout médico.
A continuidade de cuidados implica a continuidade de objetivos e soluções numa estratégia
do tipo PDCA (plan-do-check-act). A relação médico-doente procura um equilíbrio entre a ciência
da medicina e a arte da medicina.
1. Aliança terapêutica
A aliança terapêutica refere-se ao entendimento para alcançar objetivos comuns na melhoria do
estado de saúde, sendo significativo para a adesão terapêutica.
A adesão terapêutica integra três componentes:

 Iniciação ou Adesão primária  depende da compliance (cooperação entre o prescritor e


doente), o papel do doente é entendido como sendo passivo e de obediência cega à
prescrição.
 Implementação
 Descontinuação
Fatores que influenciam a adesão terapêutica:

 Capacidade de compreensão ou execução


 Complexidade posológica
 Doenças mentais ou crónicas assintomáticas
 Alocação de profissionais
 Fatores socioeconómicos
Cerca de 20-50% dos doentes não tomam medicação, mas estes valores melhoram quando há
uma boa relação. As principais causas para a não medicação são: esquecimento, achar que não
precisam, aparecimento de efeitos adversos. A má adesão está associada a uma maior
mortalidade por diabetes e hipertensão. A saúde é um recurso e os profissionais de saúde são os
guardiões.
2. Integração de cuidados de saúde
A integração de cuidados permite uma resposta assistencial mais eficiente, melhorando a
acessibilidade aos serviços, a qualidade da prestação dos cuidados e com uma boa relação custo-
benefício. Shortell (1993) identifica o funcionmaneto das equipas multidisciplinares como a chave
para o sucesso da integração ao nível clinico. Grõne e Garcia (2001) alargam a definição ao
conceito de diagnóstico, tratamento e promoção de saúde.
A reforma dos CSP de 2006 levou à organização de equipas de saúde multidisciplinares. Os
centros de saúde não convertidos em USF são as UCSP. As UCC e URAP complementam a
resposta.
Alter e Hage (1993) defendiam que a coordenação entre os diferentes profissionais devia
garantir: a disponibilidade de todos os meios, a garantia do acesso a todos os serviços e a
interação harmoniosa. Envolve a definição de objetivos comuns e a criação de planos
organizacionais. O modelo americano do patient-centered medical home (PCMH) favorece
cuidados mais acessíveis, seguros e de maior qualidade.
As equipas de saúde devem apresentar sete processos interrelacionais: partilha de filosofia,
liderança efetiva e respeito pelas capacidades de cada um, partilha de espaços comuns, superação
e resolução de conflitos e encorajamento à mudança. No trabalho em equipa deve existir uma
liderança clara, monitorização mútua do desempenho, solidariedade, adaptabilidade e objetivos
comuns bem definidos.
Lobo Antunes refere que a interação do doente com o médico é acompanhada por gestores,
políticos, legisladores e outros profissionais.
3. Processo de referenciação
O médico de família tem a responsabilidade de gerir eficientemente os recursos de saúde.
No Estudo Europeu sobre a Referenciação em Cuidados Primários (1994), Portugal apresentou
resultados insatisfatórios em termos de comunicação entre níveis de cuidados de saúde. Os
melhores desempenhos apareceram em países onde a multidisciplinaridade na prestação de
cuidados está institucionalizada.
O tempo de espera entre a referenciação e a efetivação da consulta hospitalar e a
qualidade da informação vinculada na referenciação têm sido apontados como fatores de influência
da qualidade de comunicação entre cuidados primários e hospitalares. O motivo da referenciação
deve ser clarificado com o doente para que ele não sinta que a referenciação é uma rejeitção por
parte do médico de família. A referenciação desadequada leva à repetição desnecessária de
exames e tratamentos, perigosa poliprescrição medicamentosa, com impacto num aumento dos
custos.
Harrold et al (1999) definiu:

 Sub-referenciação: quando o doente não é referenciado mas é necessário devido à


complexidade da situação, levando a tratamentos custo-ineficazes.
 Sobre-referenciação: quando o doente é referenciado sem critério clínico justificativo,
levando à exaustão dos serviços e tempos de espera desadequados.
Kings Fund identifica três elementos chave para a referenciação de alta qualidade: Necessidade,
Destino e Processo. A função de “gatekeeper” dos CSP é cumprida através de protocolos, reuniões
e com o estabelecimento de critérios de referenciação.

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