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Instalação de linhas de transmissão de energia elétrica em imóveis rurais e a

justa indenização, por Frederico Buss e Roberto B.  Fagundes Ghigino, 4 de


junho de 2021. Disponível em: https://direitoagrario.com/instalacao-de-linhas-
de-transmissao-de-energia-eletrica-em-imoveis-rurais-e-a-justa-indenizacao/.
Acesso em: 07 ago. 2022. 
 
A instalação de linhas de transmissão de energia elétrica em imóveis rurais
vem aumentando consideravelmente nos últimos tempos e assumindo papel
importante para o desenvolvimento do setor energético, fomentando, por
consequência, o progresso social e econômico.
A instalação das mencionadas linhas pelas concessionárias de energia está
diretamente relacionada ao direito de servidão administrativa, previsto
constitucionalmente, que segundo o magistério de Maria Sylvia Zanella di
Pietro[1], assim está conceituado:
“(…)
Servidão administrativa é o direito real de gozo, de natureza pública, instituído
sobre imóvel de propriedade alheia, com base em lei, por entidade pública ou
por seus delgados, em favor de um serviço público ou de um bem afetado a fim
de utilidade pública.
(…)”.
 Ainda, o aludido instituto, segundo lição de Juarez Freitas[2], assim está
definido:
 
“(…)
No intuito de bem compreender a servidão administrativa no rol das quase-
desapropriações, força é recordar que a regência e a caracterização do
instituto são marcadas teleologicamente pela superioridade do interesse
público, razão pela qual também exorbita do direito comum o seu regime
jurídico, uma vez que se trata de manifestação interventiva própria, unilateral e
privativa do Poder Público, que se traduz por uma instituição de ônus real de
uso sobre propriedade particular, móvel ou imóvel, à medida que tal se
apresentar preferível em lugar do despojamento compulsório, da requisição, da
ocupação temporária ou, quiçá, do mero exercício do poder de polícia
administrativa, institutos afins, mas rigorosamente inconfundíveis.
(…)”.
Deste modo, é visto que a concessão de servidão administrativa, além de estar
constitucionalmente prevista, é de extrema relevância para o desenvolvimento,
prescindindo a vontade do proprietário do imóvel, uma vez que o interesse
público é predominante.
No entanto, a instalação de linhas de transmissão acaba por impor restrições à
utilização do imóvel rural, ocasionando a perda de parte da autonomia do
proprietário. Acarreta, ainda, sérias consequências de ordem econômica não
só no valor do imóvel, mas igualmente na produtividade e nos rendimentos
originados das atividades desenvolvidas no local.
Em face de tais circunstâncias, o proprietário que tiver seu imóvel rural atingido
pela passagem de linhas de transmissão deve ser indenizado adequadamente
com base não somente nos impactos patrimoniais sobre o valor do bem, como
também nos demais prejuízos causados pela implantação, decorrentes da
diminuição do efetivo aproveitamento do imóvel, tendo em vista que, em
decorrência da implantação das linhas, há a restrição de diversas práticas na
propriedade com a consequente perda de rendimentos.
Nessa linha, importar registrar a lição do saudoso administrativista Hely Lopes
Meirelles[3], no tocante à indenização de servidão administrativa:
A indenização da servidão faz-se em correspondência com o prejuízo causado
ao imóvel. Não há fundamento algum para o estabelecimento de um percentual
fixo sobre o valor do bem serviente, como pretendem alguns julgados. A
indenização há que corresponder ao efetivo prejuízo causado ao imóvel,
segundo sua normal destinação. Se a servidão não prejudica a utilização do
bem, nada há que indenizar; se a prejudica, o pagamento deverá corresponder
ao efetivo prejuízo, chegando, mesmo, a transformar-se em desapropriação
indireta com a indenização total da propriedade, se a inutilizou para sua
exploração econômica normal.
A fim de mitigar estas perdas, o Decreto-Lei n.º 3.365/41 assegura o direito à
justa indenização, sendo ainda recorrente a majoração do valor a ser
indenizado pelo Poder Judiciário, após a realização de perícia técnica.
Nesse sentido é o entendimento do Tribunal de Justiça do RS, vejamos:
 APELAÇÃO CÍVEL. SERVIDÃO ADMINISTRATIVA. IMPLANTAÇÃO DE
LINHA DE TRANSMISSÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. LT 230KV ITAÚBA –
SANTA CRUZ 1. JUSTA INDENIZAÇÃO. 1. Servidão administrativa é direito
real de uso, estabelecido em favor da Administração Pública ou de seus
delegados, incidente sobre a propriedade particular. 2. Laudo pericial
realizado judicialmente que não apresenta irregularidades, devendo ser
utilizado para fins de arbitramento da indenização pelos prejuízos
sofridos pelo proprietário do imóvel serviente. 3. Avaliação do prejuízo
sofrido na área remanescente: a desvalorização do imóvel não decorre
apenas da diminuição do aproveitamento da área em que instalada a linha
de transmissão, mas afeta em certo grau toda a propriedade, o que deve
ser considerado para fins de justa indenização. 4. Honorários advocatícios
fixados em 5% sobre o valor da diferença entre o valor da condenação e o
ofertado, patamar máximo observado com base no art. 27, parágrafo 1º, do
Decreto-Lei nº 3.365/41. NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO[4]. – Grifou-
se.
 Diante do exposto, para que o proprietário do imóvel consiga exercer
adequadamente o seu direito, percebendo a justa e adequada indenização em
decorrência das perdas sofridas na propriedade, ocasionadas pela própria
desvalorização do imóvel, bem como pelos rendimentos que deixaram de
serem auferidos, em razão da impossibilidade de exercício pleno das
atividades desenvolvidas no imóvel a priori da instalação das linhas, se faz
indispensável a realização de adequada perícia técnica, que deverá ser
realizada por profissional com experiência e devidamente habilitado.
Assim, apenas após a realização da devida perícia técnica é que será
possibilitada a perfectibilização da correspondente e devida indenização ao
proprietário pela instituição de servidão para passagem de linhas de
transmissão, sendo para tanto considerada a fração atingida e todas as demais
restrições impostas ao imóvel, além de outros fatores, tais como fator de risco e
incômodo (depreciação causada pelos riscos e transtornos ocasionados pela
instalação das linhas de transmissão); e o fator posição da linha de
transmissão em relação ao imóvel (danos causados pelo “corte” que a linha de
transmissão ocasionar ao imóvel), os quais devem ser levados em conta na
aferição do quantum indenizatório.
Outro fator que deve ser levado em consideração é a desvalorização da área
remanescente do imóvel, isto é, o impacto da instituição da servidão na área
remanescente da propriedade, pois a área ao redor da servidão também sofre
desvalorização, e esta desvalorização deve ser aferida e adicionada ao valor
indenizatório.
As restrições impostas às áreas utilizadas para pecuária, e agricultura, por
exemplo, a limitação para estrutura de irrigação e a impossibilidade de
utilização de aviões agrícolas, bem como quaisquer outras atividades
econômicas que possam ser desenvolvidas no local igualmente devem ser
quantificadas, assim como o valor pela ocupação temporária do imóvel.
Nessa linha, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul vem decidindo:
 APELAÇÃO CÍVEL. SERVIDÃO ADMINISTRATIVA. LINHA DE
TRANSMISSÃO DE INTERLIGAÇÃO DE SUBESTAÇÃO. LIMITAÇÃO
ADMINISTRATIVA INCONTROVERSA. JUSTA INDENIZAÇÃO – ART. 40, DO
DECRETO LEI N° 3.365/41. LAUDO PERICIAL JUDICIAL. HONORÁRIOS DE
SUCUMBÊNCIA – ART. 27, §1°, DO DECRETO LEI N° 3.365/41. I – A par da
relevância do interesse público na melhoria das condições técnicas da
transmissão e fornecimento de energia elétrica, e ampliação de novas
cargas, com vistas ao fomento do desenvolvimento regional e social, bem
como os benefícios em favor da coletividade, tal não dispensa a justa
indenização, com base em avaliação atual, correspondente com a
realidade do mercado. II – Sobre o valor da indenização, não obstante a
não adstrição do Juiz ao laudo pericial, evidenciada a adoção de
procedimento técnico para quantificação da depreciação da área
remanescente, observadas as peculiaridades da região; preço médio de
mercado, bem como; e, especialmente a imposição de restrição da
prática de aviação agrícola, indispensável para cultura de arroz irrigado, a
justificar o coeficiente de 63%. Nesse sentido, a segurança do método
comparativo de dados, tendo em vista a diferença de valorização
imobiliária do metro quadrado, conforme o tamanho total do imóvel e a
aptidão comercial respectiva, notadamente com vistas à indenização da
restrição parcial havida, nos termos do art. 15-A, §§ 1º e 3º, do Dec.-Lei nº
3.365/41. Precedentes deste TJRS. III – De outra banda, o ônus de
sucumbência por parte da empresa concessionária apelante, tendo em vista o
decaimento situado na fixação da indenização superior ao preço ofertado, na
forma do art. 27, §1°, do Decreto Lei n° 3.365/41 Apelação desprovida[5]. –
Grifou-se.
 Outrossim, além da indenização pelas perdas na valorização da propriedade e
pelos rendimentos inviabilizados, todos os prejuízos e danos causados no
imóvel durante a execução dos trabalhos para a instalação das linhas de
transmissão, como, por exemplo, estragos no solo pela movimentação e
trânsito inadequado de maquinário, avarias em cercas, porteiras e demais
benfeitorias, devem ser apurados e indenizados ao proprietário.
Deste modo, não restam dúvidas acerca do direito do proprietário do imóvel
que tenha sua propriedade parcialmente inviabilizada pela instalação de linhas
de transmissão, ser indenizado de forma justa e adequada, incluindo para tanto
todas as perdas sofridas, desde a desvalorização do bem, os rendimentos
perdidos em virtude da parcial inviabilidade de exercício pleno de atividades
agropecuárias, bem como pelos prejuízos ocasionados no período de
instalação das linhas, desde que devidamente fundamentado em laudo pericial,
conforme entendimento jurisprudencial.

Notas:
[1] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23. ed, São Paulo:
Atlas, 2010, p. 152.
[2] FREITAS, Juarez. Estudos de Direito Administrativo. 2. ed. rev. e atual., São
Paulo: Malheiros, 1997, p. 110.
[3] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, Editora
Malheiros, 30ª Ed., 2005, p. 609.
[4] Apelação Cível, Nº 70080574585, Terceira Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Matilde Chabar Maia, Julgado em: 28-03-2019.
[5] Apelação Cível, Nº 70081387011, Terceira Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Eduardo Delgado, Julgado em: 31-05-2019.

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