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Dra. Luciana, sempre que eu a procurei foi por motivos agudos.

Ansiedade ou uma depressão


aparecendo. O que vou relatar abaixo é crônico na minha vida. Muitas dessas coisas me
acompanham desde a infância. Muita coisa, até ler sobre TDHA, eu achava que eram normais
nas pessoas. Outras eu achava que eram questões que seriam resolvidas na terapia (e de fato
as terapias me ajudaram a lidar com elas, ainda que elas continuem atuantes dentro de mim e
gerando ansiedades e gastando uma energia que talvez eu não precisasse gastar.

Faço acompanhamento com algum PSi desde fevereiro de 1998, ou seja, há 24 anos e meio.
Diversas linhas mas nos últimos 10 anos com psicanálise. E o motivo dessas idas ao PSi é
uma eterna insatisfação com tudo, seja com o trabalho, seja na vida afetiva amorosa e familiar,
solidão e impulsividades. Em que pese a minha grande confiança na psicanálise, os últimos
acontecimentos da minha vida (separação com uma filha pequena, acusações da Maria da
Penha, perda do dinheiro, pensamentos pesados sobre suicídio) foram muito graves para eu
arriscar mais anos da minha vida sem tentar os remédios a sério e por longo tempo.

Em algum período entre 1998 (quando me separei da primeira mulher) e 2005 (quando eu me
casei com a segunda) eu estive pela primeira vez em um psiquiatra e tomei antidepressivos e
remédios para dormir. Mas nesses 17 anos, meus acompanhamentos são irregulares com
psiquiatras, você sabe.

Existem uma infinidade de fatos na minha vida que eu classifiquei como um azar, ou como
coisas que acontecem, ou como fruto de uma educação desequilibrada, ou como
algo-a-ser-tratado-na-terapia e que de alguns meses para cá me pareceram serem originárias
de um TDAH não tratado.

São fatos na minha vida que, quando olhados em conjunto, não são comuns nas vidas de
outras pessoas.

● Tive filho com 19 anos (engravidei aos 18), engravidando minha primeira namorada
“deliberadamente”. Deliberadamente significa que eu sabia exatamente que ela estava
em período fértil, mas por algum motivo eu falei, azar, seja o que Deus quiser.
● Apesar de uma relação péssima com minha 1a ex-mulher, após 7 anos de casamento,
“deliberadamente”, tive outro filho.
● Sempre gostei de desafiar as autoridades, sempre entendendo que elas eram “supostas
autoridades”, que elas não se sustentavam se fossem desmascaradas, isso me rendeu
nunca ser chamado para posições importantes no serviço.
● Quando começo a beber, bebo muito. Dirijo embriagado várias vezes e quando tinha 27
anos dormi duas vezes ao volante porque resolvi sair de uma festa em Divinópolis e
dirigir 200 km até BH.
● Quebrei séria e financeiramente 5 vezes na vida. 3 vezes na bolsa e 2 empresas. Sem
contar as vezes que quebrado, arrumava um dinheirinho e voltava para a bolsa e perdia
o pouco que tinha.
● Não consigo trabalhar. Estou sempre tomado de algum projeto que não é o que
esperam de mim, às vezes é um projeto de serviço, mas isso é cada vez mais raro
porque as pessoas não têm coragem de me entregar projetos mais robustos (eu os
abandono). Isso me deixa o tempo todo na corda bamba.
Vergonhosamente verifiquei agora há pouco que no local onde estou trabalhando há
três anos eu não concluí nenhuma investigação, às vezes faço a parte complicada da
coisa, mas a parte de me relacionar com outras pessoas, ou escrever e relatar o serviço
fica de fora. É como disseram certa vez: você se preocupa em atingir o grande quadro e
depois abandona o projeto. Essa característica me acompanha desde meu primeiro
estágio, quando o meu antigo chefe, após ter me dispensado, quando encontrei-me
com ele ao acaso na rua, disse-me: descobri que esse negócio de vir de uma escola
boa não vale nada (uma referência ao fato de que eu era de uma escola boa e era
péssimo profissional e o outro que chegou depois de mim era de uma escola ruim e era
trabalhador).
● Essa característica do trabalho já estava presente na escola. Eu não cumpria os meus
deveres de casa nunca e apanhava fisicamente e verbalmente muito por isso. Eu
sempre chegava atrasado, não prestava nunca atenção na aula. Estudava na última
hora algum caderno de amigo. Tomei bomba na 6a série e minha mãe me disse, vou
voltar você para escola antiga porque lá é uma escola fraca e você vai dar conta - de
fato foi o que aconteceu.
● Nos trabalhos em grupo da escola, ou eu fazia sozinho porque era algo que me
interessava, ou eu não tinha nenhum interesse. No trabalho ainda é assim, mas eu
disfarço.
● Minha última separação foi extremamente traumática, fui expulso com uma ordem
judicial pela lei Maria da Penha. Eu posso me defender disso, mas a minha ex tem
razão quando fala do meu temperamento explosivo e de várias outras acusações.
● Minha mãe costumava dizer que eu começava as coisas e nunca terminava. E é uma
característica que carrego, pois perco o interesse em tudo, apesar de parecer que tudo
no mundo me interessa de alguma forma e em algum momento na vida. Isso vem desde
criança, me lembro de na 8a série me dedicar à eletrônica, a computadores, a ser um
contador de piadas, a estudar física (não a da escola), ler na enciclopédia sobre
assuntos que me atraíam.
● Tendo a fazer várias coisas ao mesmo tempo, desde criança, se precisava ler um livro
(e só lia os que me interessavam), eu o fazia andando, era a forma que eu conseguia
ler por mais tempo até ter a atenção distraída. Até hoje minha leitura é péssima, preciso
fazer um grande esforço para conseguir ler. Leio parágrafos inteiros pensando em outra
coisa que atravessou meu pensamento e tenho que reler várias vezes.
● Video aulas eu transformo em audio e ouço no carro enquanto dirijo, é a única forma
que eu consegui prestar um pouco mais de atenção numa aula.
● Em algumas fases na vida tive um comportamento sexual de risco.
● Minha casa é uma bagunça, fica tudo espalhado, minha ex odiava as gavetas abertas e,
estranhamente, quando comecei a fecha-las, eu deixava 2 centimetros ainda aberto. Na
hora de arrumar a casa, o que faço só quando vai alguém lá, vou fazendo as coisas
pelos pedaços, arrumo uma parte da sala, uma parte do banheiro, para para lavar
algumas roupas, volto para a sala. E faço isso tudo escutando algum áudio de aula.
● Pela quantidade de suplementos que eu tomo, às vezes sinto medo de uma sobrecarga
no fígado, daí eu fico encucado com aquilo: será que vai fazer mal pro meu fígado? mas
acabo num impulso tomando tudo e seguindo.
● Os pensamentos suicidas começaram cedo na minha vida, tomei Neocid e saí correndo
pela casa ali pelos 6 anos de idade. Mas o que tenho referência de data foi aos 10 anos
de idade que eu me pendurei na janela por vários dias com a intenção de pular. Ali
pelos 11 brincava de suicídio com a arma do meu pai.
● Por falar em janela, eu me sentava para fazer os deveres de casa e observava por
horas a fio os pedreiros da construção do lado trabalhando. De certa forma ainda sou
assim, me proponho a fazer algo, mas alguma coisa aparece e eu vou deixando de
lado.
● Vou me deter um pouco agora na procrastinação:
Existe em mim um mecanismo muito presente (uma caixa preta para mim) que eu só
enxergo a entrada (em geral uma demanda explícita ou não) e a saída (uma
ansiedade).

Alguns exemplos:
○ No Serviço: Entrada (ou gatilho): chega um serviço novo -> eu vejo o que é e,
99% das vezes: ou eu acho que é algo desinteressante; ou que é algo que eu
poderia ter pensado uma maneira de fazer melhor, ou mais eficaz (por que no
fundo eu me acho onipotente e super inteligente); ou eu acho que meu chefe
não sabe nada; ou eu acho que meu chefe está me empurrando um serviço que
é dele; ou eu acho que ele está me empurrando um serviço que era para uma
pessoa menos qualificada (enfim, são muitas as desculpas para procrastinar ->
então eu sinto uma vontade enorme de fazer uma outra coisa que está me
atraindo a atenção no momento, normalmente estudar um assunto (Psicanálise,
filosofia, engenharia, comentários sobre um romance, quais as soluções
encontradas para os maiores problemas matemáticos do mundo, como devo
cortar minha a barba) -> o trabalho fica parado e começa uma leve ansiedade ->
eu resolvo a ansiedade pensando numa desculpa caso a chefia me cobre -> a
chefia me cobra -> eu dou a desculpa -> volto para o assunto que está me
atraindo -> passam-se alguns dias e a ansiedade me faz inventar outra desculpa
->. a chefia cobra novamente -> eu dou a nova desculpa -> o ciclo se repete com
a ansiedade sempre aumentando -> acordo à noite pensando no serviço que
não fiz e como eu vou fazer com aquilo -> chega um dia que o chefe me ameaça
de me mudar de setor. Dai:
■ ou contesto o chefe sobre o quanto aquilo que ele me passou é inútil, mal
feito, que não era para eu fazer aquilo (e nas entrelinhas chamo chefe de
incompetente);
■ ou faço (mal feito, faltando partes, esqueço de detalhes, e entrego um
serviço medíocre);
■ num passado recente, havia nessa do processo de procrastinação muita
irritabilidade e agressividade. Isso tem diminuído e sendo substituido por
uma apatia.
○ Juliana: Semelhante a esse mecanismo, existe um para quando a Juliana me
demanda coisas em relação à guarda da Duda (ou quando éramos casados,
sobre qualquer outra coisa). Haverá no trato com a Juliana um mecanismo de
procrastinação gerando ansiedades cada vez maiores.
○ Duda:É difícil colocar as questões ligadas à Duda de uma forma tão mecânica,
mas vou fazê-lo, porque é um esquema que explica muita coisa do que sinto.

Até minha separação, a criação da Duda era um “projeto”, algo sobre o qual eu
depositava muitas idealizações (sempre tive consciência disso e tratava da
situação com PSI). Após a separação, uma das coisas mais difíceis foi aceitar
que eu havia perdido o controle sobre esse projeto chamado Duda. A Duda de
alguma forma perdeu foco. Só que não é possível abandonar a Duda (até é, mas
não o faria). A cada vez que encontro a Duda, que eu a recebo em casa, implica
que aquele monte de outros projetos (na verdade é um monte mas fico com 1 ou
2 de cada vez) que eu quero dar foco fica parado.

○ Autismo: Raramente acontece uma coisa muito estranha comigo: isso


aconteceu em relação à Iael (minha primeira esposa), à Juliana, aos meus
primeiros filhos e recentemente aconteceu com a Duda e com a Flávia (minha
namorada atual): de repente eu olho para o rosto da pessoa e é como se eu não
tivesse visto aquele rosto, claro, eu sei que aquele rosto é daquela pessoa, eu a
reconheceria na rua, mas é como se uma dimensão nova aparecesse - o que
era um objeto aparece como pessoa. Pensando sobre isso, parecia que como
essas pessoas não estavam mais no meu foco de interesse, eu agia com elas e
convivia com elas de uma maneira meio automatizada, sem perceber a
dimensão pessoal e interpessoal naquilo. Por algum motivo às vezes aquilo
retornava e eu estranhava, como se dissesse, “gente, é a fulana aqui do meu
lado, é uma pessoa”.

● A agressões e a irritabilidade sempre fizeram parte da minha vida. Em muitas e muitas


situações. No trânsito, uma vez, após xingar um motorista de táxi ele me apontou uma
arma.
● No início da vida adulta cometi alguns crimes e por duas vezes fui parar na delegacia
especializada em estelionatos. Além desses casos mais graves, a vida toda cometi
pequenos roubos e às vezes, sem necessidade financeira, ainda saio deliberadamente
de um local sem pagar apenas porque vi a oportunidade, uma brecha na segurança ou
algo assim.
● A ausência quase que absoluta de amigos e colegas começo aos 16 anos. Porém antes
disso eu já colecionava casos de rejeições por parte de algumas pessoas. Já na 7a e 8a
série eu percebi que não era mais convidado para as festinhas. As pessoas diziam que
eu era estranho.
● A ansiedade social sempre, sempre esteve presente. Quando criança eu às vezes, após
ir a algum local com primos, saia escondido da festa e corria pelas ruas antes de ir
embora. Depois parei de sair com os primos. Me desenvolvi bem com as terapias e
consigo ir para festas, churrascos e outras coisas eventos sociais, falo em público, mas
não me envolvo com as pessoas, não faço liga. Só consigo conversas rápida,
superficiais, se começar algo um pouco mais profundo e me atrapalho. Quando conto
uma história para alguém, às vezes a pessoas acha que não faz sentido, que faltou
parte ou que eu introduzi elementos desnecessários.
● Em relação ao contato com os familiares, praticamente não tenho contato com os
primos e tias. Com minhas irmãs e pais, às vezes ficamos meses sem conversarmos,
não por estarmos brigados, mas simplesmente porque não nos procuramos. Na infância
o ambiente de casa era sempre tenso, com minha mãe sempre estressada. Nunca tive
relações fraternas, minhas irmãs pareciam que não existiam. Em uma análise que fiz,
certo dia, após 4 anos de análise o psi falou: você nunca falou das suas irmãs.
● Correr era algo que eu fazia muito quando criança, qualquer lugar que eu ia, eu só o
fazia correndo. Meus lápis tinham as pontas comidas, assim como minhas unhas. Eu
ficava fazendo paródia das músicas dos comerciais colocando palavrões. PArecia que
eu precisava gritar mas era proibido.
● Os barulhos me distraem, às vezes tenho a impressão de que sou capaz de escutar
barulhos que ninguém ouve. Se estou lendo e de repente ouço o barulho do elevador do
prédio, tenho dificuldade de me concentrar na leitura.
● Se me forço a me concentrar em algo - principalmente estudar - se digo para mim
mesmo preciso me dedicar a estudar tal coisa, uma música distante, um barulho de
aspirador de pó, um bebê chorando, tudo me distrai. Ler é algo que me exige muito
esforço.
● Assistir a filmes mais complexos (não exatamente cults) mas cuja trama envolve idas e
vindas, passado e futuro, exige que eu pare o filme e converse com outras pessoas
para me explicarem o que está acontecendo, assistir mais de uma vez, ou fazer
anotações.
● Não consigo organizar coisas simples como meu horário de comer. Estou escrevendo
esse texto, e ontem, pela milésima vez eu escrevi meu horário de fazer as coisas. Um
deles era descer para almoçar às 11h50 pq é mais vazio o restaurante. Nesse momento
que escrevo esse texto, são 12h57 e eu resolvi (só hoje) não descer para almoçar.
Também não meditei às 11h30 que eu tinha programado, não peguei minha lista de
afazeres quando cheguei para trabalhar como eu tinha programado…
● Não é só nos horários que tenho essa desorganização. É em tudo o que eu me
programo. Quando tenho coisas importantes que não posso perder o horário eu fico
ansioso e coloco três despertadores e confiro todos eles duas vezes.
● Minha casa, agora que estou separado, virou uma bagunça. Todo dia eu digo para mim
mesmo. Vou colocar as coisas nos lugares. Vou separar 1 hora por dia para cuidar da
casa, lavar as roupas, lavar as vasilhas, adiantar a comida, fazer compras. Nada. Há
meses não faço compras grandes e vou comprando o que falta pela internet ou no
supermercado do lado, pagando mais caro. Tem dois meses que a faxineira pediu para
eu comprar sacos de lixo e até hoje eu não comprei.
● Um exemplo corriqueiro que aconteceu ontem no serviço (dia 24/8) e com
consequências hoje, mas que é constante na minha vida. Trabalho com investigação de
crimes tributários. É comum termos serviços de rua e é fundamental falar pelo rádio uns
com os outros durante a operação de rua. Ontem me chamaram para um serviço de rua
(o que é raro, sempre sou preterido pq sou muito crítico). Tem várias regras de
segurança que devem ser observadas, e eu normalmente não as observo. Na hora de ir
almoçar (cada um almoça sozinho), uma coisa que eu devia fazer era manter meu rádio
ligado com fone de ouvido. Um colega, que me conhece ainda disse, não esquece de
deixar o rádio ligado. Resultado: não deixei ligado, o veículo que estávamos vigiando
saiu e a equipe fez o restante do serviço sem mim. Hoje pela manhã, quando cheguei
para trabalhar, ninguém reclamou, ninguém estava de cara fechada, ninguém me tratou
mal, mas a equipe saiu para a rua e não me chamaram.
● Como já disse antes, sou um crítico de tudo (é como se eu projetasse minha
incompetência em todo mundo, não há autoridade, são todos tão incompetentes como
eu), eu que sei como é a melhor forma de fazer as coisas. Atualmente estou calado,
mas por dentro fico remoendo.
● A qualidade da minha vida sempre foi se degradando. Parei de escutar música ali pelos
25 anos. Sempre parece que tenho que fazer algo, que algo está precisando ser feito e
com isso nunca relaxo. Se estou de férias e vou para a praia, estou com um livro do
assunto do foco do momento para ler.
● Meu sobrinho foi diagnosticado com TDAH. Certamente compartilho os sintomas de
fobia social com meus pais, mãe e irmãs. Também compartilho das irritabilidades e
agressividades do meu pai. (talvez após o lítio, não mais). Somos uma família estranha
aos olhos de muitos, fechada.

Dra. Luciana, tem muito mais coisa. Agora, relendo isso tudo que escrevi, eu me pergunto
porque nunca juntei isso tudo. Mas como tudo não acontece de uma vez, a gente vai achando
que dá para lidar, que vai se resolver, que é assim mesmo, que é coisa da família.

Te agradeço por ter lido até aqui.

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