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Antropologia e Hamartiologia

Welerson Alves Duarte

AULA 5: A NATUREZA CONSTITUCIONAL DO HOMEM

PARTE 2

2. O HOMEM É ALMA (Adão foi criado um ser imaterial ou espiritual)

2.1. O HOMEM É ALMA

Não podemos deixar de fazer referência a esse aspecto tão importante da

composição da natureza humana. Este é o outro lado da mesma moeda. Ambos os

elementos, o material e o imaterial, aparecem na narrativa da criação: Adão foi formado

do pó da terra, mas somente quando o espírito foi soprado é que Adão foi tornado

“alma vivente”.

O fato de Adão ser “alma vivente” não foi único. Em Gn 1.21, 24 e 30 o mesmo é

dito de outras criaturas vivas não humanas. O único ponto digno de nota na criação do

homem é a maneira pela qual Deus fez isso: Ele soprou em Adão o espírito da vida.

Este ato da parte de Deus foi pessoal, direto, singular, que distinguiu a criação humana

(e a vida humana) das outras vidas animadas (Gn 2.7).

O homem pertence aos dois mundos, ao espiritual e ao físico. O sopro da vida

animada mostra que o homem é mais do que corpo. O próprio Deus deu vida ao corpo

por soprar o espírito nele. Este ato específico aponta para um caso especial. Este

soprar do espírito é a fonte da vida animada, e sem ela o homem propriamente pode

ser chamado de morto (Tg 2.26). Há uma referência óbvia a Gn 2.7 em Ec 12.7 onde
se lê: “e o pó volte a terra como o era, e o espírito volte a Deus, que o deu.” - Está claro

que o uso que o autor de Eclesiastes fez do Gênesis refere-se à natureza dupla do

homem.

Diferentemente dos animais, Adão foi formado de um elemento tomado da terra

(pó) e um elemento que veio diretamente de Deus, que Ele “deu”. Na morte, estes dois

elementos novamente se tornam distintos, e retornam às suas fontes distintas. Está

claro também que o autor de Eclesiastes entendeu que a vida humana diferiu da vida

animal em sua fonte e composição. Eclesiastes 3.20-21 diz: “Todos vão para o mesmo

lugar; todos procedem do pó, e ao pó tornarão. Quem sabe que o fôlego de vida dos

filhos dos homens se dirige para cima, e o dos animais para baixo, para a terra?” Aqui,

o princípio que anima é mencionado e usado para ambos os casos, mas há uma clara

distinção entre os dois, o homem e os animais: o espírito do homem vai para cima,

para Deus que o deu (Ec 12.7), enquanto que a alma do animal desce para a terra, de

onde veio (Gn 1.24 — “produza a terra seres viventes conforme a sua espécie...”). O

espírito humano, então, é separado do corpo humano na morte por causa dos aspectos

singulares que ele recebeu na criação (ele veio diretamente de Deus, de cima),

enquanto que o poder animador das outras criaturas é preso aos seus corpos, e ambos

deixam de existir como constituintes daquele animal, sendo sepultados na terra.

Este assunto, o da natureza dual do homem, tem conduzido os estudiosos àquilo

que tem sido chamado de dicotomia e tricotomia. A questão do número dos elementos

distintos que compõe a natureza humana é muito importante, mas o foco tem sido o da

separação, como os termos dicotomia e tricotomia claramente indicam.


A ênfase das Escrituras, contudo, é sobre a unidade desses elementos. O

homem não é o que é sem o corpo, e nem pode ser o que é sem a alma.

Corpo e alma existem somente em e um para o outro; o corpo não é um corpo,

mas o corpo da alma; a alma não é uma alma, mas a alma do corpo; na nossa

consciência do 'eu' os dois são um...O homem é uma unidade, não uma junção

de duas partes separadas ou mesmo faculdades separadas, e a Bíblia trata com

ele como tal. (DENNY, 1967, p. 76).

É por isso que neste estudo preferiremos o termo duplo ou dúplex, ao nos

referirmos à natureza humana, ao invés da ideia tradicional da dicotomia. Os termos

duplo ou dúplex enfatizam a unidade dos elementos, antes que sua separação. O

número desses elementos que compõe a natureza humana é importante, por causa

das diferenças práticas que resultam em problemas sérios, dependendo da posição

que se toma. O psicólogo cristão Clyde Narramore, por exemplo, mostra que sua

tricotomia o levou a um ponto biblicamente insustentável. No aconselhamento ele diz

que o corpo deve ser tratado pelo médico, o espírito pelo pastor, e a alma pelo

psicólogo. É estranha tal separação na Escritura. A Escritura não permite a visão tríplex

(tríplice) do homem. Quando há separação é só por causa da morte, mas a ênfase é

sobre a unidade. Além disso, na separação da morte, só há dois elementos. Em adição

a Gênesis 2.7, examine Mateus 10.28. Nesse verso de Mateus, é ensinado que o todo

(a totalidade) do homem sofre no inferno. A verdadeira ênfase é sobre a totalidade

(unidade) do homem sofrendo e não apenas o corpo ou a alma. A afirmação "alma" e

"corpo" mostra que a natureza humana é dúplex (veja outro exemplo em 1 Co 7.34b).

Vejamos este ensino de maneira sistemática:


2.2. A ESCRITURA FREQUENTEMENTE FAZ DISTINÇÃO ENTRE CORPO -

ALMA E/OU CORPO-ESPÍRITO.

2.2.1. O ANTIGO TESTAMENTO SUGERE UMA DISTINÇÃO ENTRE CORPO-

ALMA (ESPÍRITO), Contudo, esta distinção só entrou em uso mais tarde, sob a ótica

da filosofia grega. A ideia é de que as duas partes formam uma unidade, um conjunto

harmonioso — o homem, um ser que vive. Após a queda com respeito à maldição,

lemos o seguinte: “...tu és pó e ao pó tornarás” (Gn 3.19). A ênfase neste verso cai na

parte física, mas o intento de Deus é tratar o ser humano como uma unidade. O

particular é tomado como sendo a totalidade. Ec 12.7 — “e o pó volte à terra, com o

era, e o espírito volte a Deus, que o deu.” Este verso já mostra o homem com uma

composição dúplex, mostrando a sua origem. Ambas as partes, material e imaterial,

vieram de Deus. Jó 32.8 diz: “Na verdade há um espírito no homem (corpo), e o sopro

do Todo-Poderoso o faz entendido.” Neste verso de Jó a ênfase cai sobre a parte

material (corpo), que é chamada de “homem”. Contudo, a parte imaterial, o espírito, foi

colocado no homem por Deus. Portanto, este verso trata da composição dúplex da

natureza humana, embora dê mais força ao aspecto material. A mesma ênfase vem

neste outro verso: “O Espírito de Deus me fez: e o sopro do Todo-Poderoso me dá

vida” (Jó 33.4).

2.2.2. O NOVO TESTAMENTO TAMBÉM SUGERE A DISTINÇÃO CORPO-

ALMA (ESPÍRITO):

Em 1 Coríntios 2.11 está escrito: “Porque qual dos homens sabe as cousas do

homem, senão o seu próprio espírito que nele (em seu corpo) está?” A mesma ênfase

dada no AT está agora no NT. A parte enfatizada aqui é o corpo porque ela é chamada
de “homem” e afirma que “nele” está o espírito. Contudo, o intento de Paulo é falar da

unidade, embora os dois elementos apareçam claramente nesse verso. Certamente o

propósito do apóstolo é tratar da capacidade perscrutadora do espírito humano, mas

ele deixa evidente a composição dual da natureza humana.

Mateus 10.28 diz: “Não temais os que matam o corpo e não podem matar a

alma; temei, antes, aquele que pode fazer perecer no inferno tanto a alma como o

corpo.” Jesus Cristo está ensinando neste verso sobre o poder de Deus em contraste

com o poder dos homens. Obviamente, ele usa a linguagem comum das pessoas

quando fala da morte do corpo, pois o corpo fica inerte sem a presença da alma.

Contudo, quando Deus exerce o seu poder ele pode fazer perecer tanto o aspecto

físico como o aspecto espiritual do homem. A ideia de morte aí é de separação, não de

extinção. O mesmo acontece quando se fala da morte do corpo: é a separação dele da

alma — por isso o homem fica sem vida. Sem entrar mais no mérito desta questão, o

texto mostra essa distinção entre as duas partes constituintes da natureza humana. É

exatamente essa mesma ideia que Tiago mostra no verso a seguir: “Porque, assim

como o corpo sem espírito é morto, assim também a fé sem as obras é morta” (Tg

2.26). Mesmo embora ele esteja falando da morte do corpo (que é a separação do

homem de si mesmo), o texto nos ensina sobre a composição dual da natureza

humana.

Outro texto que já mencionamos é 1 Co 7.34b: “...também a mulher, tanto a

viúva quanto a virgem, cuida das cousas do Senhor, para ser santa, assim no corpo

como no espírito.” A pureza de uma mulher, segundo Paulo, em qualquer estado civil

que possa estar, deve produzir uma vida que evidencie a santidade cristã na totalidade
do seu ser: no material e no espiritual. Podemos ler em 2 Coríntios 7.1: “Tendo, pois, ó

amados, tais promessas, purifiquemo-nos de toda impureza, tanto da carne como do

espírito, aperfeiçoando a nossa santidade no amor de Deus.” Este verso de Paulo aos

Coríntios é muitíssimo claro quanto à obra santificadora do Senhor que é feita na

totalidade do homem, isto é, tanto na sua parte material como na imaterial, Deus

realiza a obra da redenção. Assim como a santificação é uma obra de Deus, também

ela é um dever do homem, que deve ser puro tanto na sua natureza física quanto na

sua natureza espiritual: “…o espírito, na verdade, está pronto, mas a carne é fraca” (Mt

26.41b).

Jesus ensina sobre o dever de orar e vigiar e, ao fazê-lo, ensina sobre a

fraqueza da natureza humana. É provável que espírito esteja ligado com uma nova

natureza e que carne signifique as fraquezas de nosso ser. Seja como for, a ideia da

composição dúplex não deve ser deixada de lado, mesmo neste texto que pode ter

dupla interpretação.

Leitura Obrigatória:

Corpo e Alma – ou Corpo e Espírito?, de Ronald Hanko

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