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Letras em dia, Português, 10.

° ano Educação Literária

Cantiga de escárnio e maldizer

Lê com atenção a cantiga seguinte.

Suer’Fernándiz, si veja plazer


Suer’Fernándiz, si veja plazer,
veste-se bem, a todo seu poder;
e outra cousa lhe vejo fazer,
que fazem outros poucos no reinado:
5 sempr’em Verãao lhe vejo trager
e no Inverno sapato dourado.

El se veste e se calça mui bem;


en’esto mete el o mais do que tem,
pero1 nunca lhe vejo menguar2 rem3;
10 e come se todo4 houvesse endoado5,
u6 outros nom tragem, a el convém
que traga sempre sapato dourado.

El se veste sempre bem como quer,


e des i7 custe o que custar puder,
15 e nom creades quem vos al8 disser;
e desto mi faço maravilhado9:
ca10 em Inverno e per qual tempo quer,
sempre lhe vejo sapato dourado.
Rodrigo Anes Redondo ou Fernão Rodrigues Redondo, in LOPES, Graça Videira (ed. Coord.),
2016. Cantigas medievais galego-portuguesas. Corpus integral profano – Vol. 2.
Lisboa: Biblioteca Nacional, Instituto de Estudos Medievais e Centro de Estudos
de Sociologia e Estética Musical (p. 436)

1. pero: embora, ainda que;


2. menguar: faltar;
3. rem (em frases negativas): nada;
4. todo: tudo;
5. endoado: de graça;
6. u: quando;
7. des i: e também, e em seguida;
8. al: outra coisa;
9. maravilhado: surpreendido, espantado;
10. ca: pois, porque.

Apresenta as tuas respostas aos itens que se seguem de forma bem estruturada.

1. Explicita a crítica desenvolvida ao longo da cantiga.

2. Identifica o recurso expressivo que estrutura todo o poema e explica o seu valor expressivo.

3. Fundamenta a inclusão da cantiga no género das cantigas de escárnio e maldizer.

LDIA10 © Porto Editora


Letras em dia, Português, 10.° ano Sugestões de resolução

Educação Literária

Cantiga de escárnio e maldizer

1. Ao longo da cantiga, o sujeito poético caracteriza Suer’Fernándiz como vaidoso e exibicionista («veste-se bem, a todo
seu poder», v. 2; «El se veste e se calça mui bem», v. 7; «El se veste sempre bem como quer», v. 13), referindo que
tanto de verão como de inverno calça os seus sapatos dourados («sempr’em Verãao lhe vejo trager/e no Inverno sapato
dourado», vv. 5-6; «a el convém/que traga sempre sapato dourado», vv. 11-12; «ca em Inverno e per qual tempo
quer,/sempre lhe vejo sapato dourado», vv. 17-18). Apesar da elegância que ostenta, sugere-se que este sujeito não é
tão rico como pretende parecer, pois usa os mesmos sapatos em todas as estações. A crítica centra-se, assim, na
ostentação de riqueza, que parece sobrepor-se a qualquer outra necessidade («en’esto mete el o mais do que tem», v.
8).

2. É a ironia que estrutura todo o poema e que torna a crítica menos direta. Aparentemente maravilhado com o requinte
do guarda-roupa de Suer’Fernándiz e espantado pelo facto de este ser o único a usar os mesmos sapatos todo o ano,
na verdade o sujeito lírico denuncia um traço de carácter, o exibicionismo, que privilegia as aparências e o estatuto
social.

3. O poema configura uma cantiga de maldizer, pela sua temática crítica e satírica e porque o indivíduo satirizado surge
claramente identificado.

LDIA10 © Porto Editora

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