Você está na página 1de 20

113

3. A crise do sistema e a
emergência das rivalidades
(1890-1914)

Durante o século XIX, a Inglaterra havia baseado sua liderança internacional num sis-
tema baseado no equilíbrio de poderes na Europa e no imperialismo livre-cambista no plano
mundial. O objetivo britânico era evitar a hegemonia de uma única potência sobre a Europa.
Esta estratégia consistia em manter equilibrada a balança de poder entre as potências eu-
ropeias, para que consumissem suas energias e potencialidades em disputas territoriais e
dinásticas. Paralelamente, a Grã-Bretanha afirmava o livre comércio como princípio supremo
do sistema internacional. Na posição de senhora dos mares e de oficina do mundo, assegurava
sua supremacia sobre um império informal. Assim, o sistema europeu, que domina a litera-
tura histórica, constituía um elemento regional secundário, dentro se um sistema realmente
mundial (e dominante em longo prazo), assentado nos oceanos e nos circuitos da economia
anglo-saxônica.
Entretanto, durante a década de 1870 desencadeou-se uma nova revolução industrial,
baseada na siderurgia, na química, na eletricidade, nos motores a combustão e no uso do
petróleo como combustível, e a Grã-Bretanha começou a perder o controle da balança de po-
der na Europa, sobretudo como decorrência da unificação alemã. Logo a seguir, isto também
ocorria no plano mundial, com a crescente influência dos Estados Unidos sobre a economia
internacional anglo-saxônica.
O século XX iniciou-se, então, no Ocidente em clima de otimismo, com a belle époque.
A Europa dominava imensos impérios coloniais e ostentava a posição de centro do mundo.
Sob o impacto da Segunda Revolução Industrial, o progresso material e científico expandia-se
rapidamente, fundamentando a crença de que a humanidade avançava linearmente rumo
a um futuro promissor. As grandes potências, ainda que mantendo certo nível de rivalidade,
conviviam em relativa paz recíproca há décadas, enquanto a democracia liberal emergia como
forma política dominante.
O planeta parecia integrar-se econômica e culturalmente, sob o impulso do desenvol-
vimento das comunicações (telégrafo, cinema), dos transportes de longa distância (ferrovias e
navios a vapor), dos fluxos comerciais e financeiros, da urbanização e da adoção quase univer-
História mundial
contemporânea (1776-1991) 114

sal de padrões culturais ocidentais. Um quadro, diga-se de derrota e a punição parcial da Alemanha. Enfraquecendo-
passagem, muito semelhante ao do fim do mesmo século, -se a Europa, abriu-se, em consequência, espaço para a
com a revolução científico-tecnológica, a Internet, a onda revolução socialista triunfar na Rússia e para a ascensão
democratizante e a globalização econômico-financeira e dos Estados Unidos. Com a Alemanha marginalizada, mas
cultural. Só que este ciclo de globalização era ainda mais não destruída, o desafio soviético, a instabilidade social e,
intenso que o atual, na medida em que havia grande cir- finalmente, com os Estados Unidos negando-se em assu-
culação de mão de obra, com milhões de imigrantes se es- mir um papel político de liderança mundial surgiam con-
tabelecendo nas Américas e nas colônias. Contudo, sob tal dições para a eclosão de uma nova crise, de dimensões
aparência acumulavam-se contradições que logo explo- ainda maiores. Daí a eclosão de uma nova guerra mundial,
diriam numa grande guerra, seguida por outros conflitos potencializada pela Grande Depressão dos anos 1930.
violentos. Apenas então os Estados Unidos estabeleceriam uma nova
A liderança da ordem mundial anglo-saxônica es- ordem mundial.
tava, na passagem do século, gradativamente passando
das mãos da Grã-Bretanha para as dos Estados Unidos.
Comparando-se esta ordem com a da Antiguidade
Ocidental, os ingleses desempenhavam papel semelhante
ao exercido pelos antigos gregos, enquanto os norte-ame-
ricanos, que herdavam e desenvolviam o sistema, asseme-
lhavam-se aos romanos. Contudo, este fenômeno somen-
te seria visível após algumas décadas, na medida em que
emergisse um desafio interno na disputa pela liderança do
sistema.
A Alemanha, recém-unificada, buscava ocupar um
lugar de destaque dentro da ordem vigente, sem ter que
ligar-se ao sistema mundial através da Inglaterra, que en-
tão conectava a Europa ao mundo e, com isto, a controla-
va. Tal situação conduziu à Primeira Guerra Mundial, com a
115 A crise do sistema e a emergência das
rivalidades (1890-1914)

3.1 O imperialismo e a partilha afro-asiática (1890- um papel preponderante, conseguiu preservar as relações
-1904) entre as grandes potências.
Nos anos 80 o Sistema Bismarckiano sofreu con-
Os novos impérios e suas rivalidades siderável evolução. Como reação à invasão da Tunísia
pela França (que iniciara seu rearmamento desde 1875),
A consolidação do II Reich, no plano diplomático, a Alemanha organiza em 1882 a Tríplice Aliança com a
passava por uma política de isolamento da França, impe- Áustria e a Itália, tendo a Romênia aderido no ano seguin-
dindo o revanchismo e estimulando este país a desenvol- te. A situação balcânica, porém, mantinha-se instável, de-
ver uma política de grandeza fora da Europa, em direção ao vido ao choque do pangermanismo e do pan-eslavismo.
mundo colonial (como forma de sublimar seu nacionalis- Estes movimentos representavam, fundamentalmente, a
mo humilhado). Este conjunto de práticas ficou conhecido forma ideológica da expansão austríaca (e posteriormen-
como Sistema Bismarckiano, e foi implementado através te também alemã) e russa em direção ao Império Turco
de uma hábil política de alianças que perdurou até 1890, Otomano em desagregação. Em 1887, devido à crise búl-
com a queda do Chanceler. Iniciava-se um período de pre- gara, Bismarck tenta um novo acordo, assinando secreta-
ponderância alemã na Europa, conduzindo ao progressivo mente o Tratado de Resseguro com a Rússia e renovando
declínio da política de equilíbrio de poderes estabelecida ao mesmo tempo a Tríplice Aliança.
pela Grã-Bretanha. Durante a década de 1870 a Grã-Bretanha come-
Em 1872 Berlim articulou a Liga dos Três çou a perder o controle da balança de poder na Europa,
Imperadores, como uma aliança entre as potências conti- e logo também no plano mundial. Bismarck tivera sucesso
nentais, Alemanha, Rússia e Império Austro-Húngaro, com em isolar a França, e elevou a Alemanha a uma posição de
o objetivo de isolar a França. Paralelamente, Bismarck pro- predominância no velho continente, em relação ao qual a
curava manter boas relações com Londres, mostrando-se diplomacia inglesa mantinha-se em postura de isolamen-
como defensor do status quo no continente. Contudo, não to. Mas sobre o sistema europeu existia uma política mun-
era fácil manter dois Estados rivais sob uma mesma alian- dial protagonizada pela Grã-Bretanha e pela Rússia, onde
ça. A eclosão da crise balcânica de 1875-78, antagonizando logo a França ingressaria como o terceiro membro, e na
Rússia e Áustria, deixava a Alemanha numa posição delica- qual a Alemanha desempenhava um papel insignificante.
da. O Congresso de Berlim (1878), no qual Bismarck teve O Novo Rumo adotado pela política externa alemã dos su-
História mundial
contemporânea (1776-1991) 116

cessores de Bismarck a partir de 1890 constitui, justamente, de uma dimensão continental, com grandes recursos na-
uma tentativa de participar desta política mundial, atitude turais, e uma posição insular, devido à inexistência de vi-
também tomada pelos Estados Unidos e pelo Japão neste zinhos que pudessem ameaçá-lo e a projeção para dois
mesmo período. oceanos, que além de proteger o país, colocavam-no face
Que razões estavam levando as potências indus- ao cenário europeu e asiático, simultaneamente. Além dis-
triais a orientar-se rumo à expansão colonial mundial? so, Washington adotou uma eficaz política comercial pro-
A Grã-Bretanha, potência dominante do sistema anterior, tecionista, fechando seu mercado interno às mercadorias
começava perder sua capacidade de manter-se como cen- estrangeiras, mas não aos capitais, imigrantes e empreen-
tro da economia mundial e, devido ao crescente déficit dimentos de outros países. Este conjunto de fatores obvia-
comercial com os EUA e a Alemanha, adotara desde 1880 mente operava no sentido de uma erosão do liberalismo,
uma política de expansão na África, Ásia e Oceania, que prejudicando a Inglaterra, cuja reação era a de buscar a ex-
ficou conhecida como imperialismo. A questão fundamen- pansão colonial.
tal em relação ao sistema internacional é que a Segunda Já o caso da Alemanha configurava-se mais pro-
Revolução Industrial estava criando novas realidades eco- blemático ainda. Potência emergente com grande dina-
nômicas internacionais, as quais começavam a subverter mismo econômico, o II Reich não possuía as vantagens
a relação existente entre as várias potências, que até ago- internas dos EUA, e teria que vencer uma larga distância
ra havia sido controlada pela diplomacia inglesa. A partir para alcançar a Grã-Bretanha na expansão colonial que se
de então a existência de um mercado interno de porte e iniciava. Só restou-lhe a alternativa de criar um complexo
com uma capacidade potencial de crescimento, passou a industrial-militar, como forma de compensar suas debilida-
ser uma condição fundamental para o desenvolvimento des (Arrighi, 1995, p. 61). Isto, entretanto, não resolveu seus
econômico, num mundo onde crescia a concorrência e o problemas, pois o país passou de tributário da Inglaterra
protecionismo. a tributário dos Estados Unidos, a quem exportava capi-
Neste contexto, os Estados Unidos apareciam como tais, mão de obra e recursos empresariais. Esta situação
forte candidato à supremacia mundial, apesar das exce- explica a obsessão alemã com a política expansionista do
lentes relações diplomáticas que o país possuía com a Lebensraum (busca do espaço vital), uma vez que o país
Inglaterra. Os EUA se haviam expandido pela América do não lograva converter sua capacidade industrial em cacife
Norte, criando um império doméstico compacto, detentor para liderar a economia mundial. O resultado foi o desen-
117 A crise do sistema e a emergência das
rivalidades (1890-1914)

volvimento de uma geopolítica particular pela Alemanha, por Lênin no livro Imperialismo, etapa superior do capitalis-
com será visto adiante. mo. Para este revolucionário marxista russo, o imperialis-
Em relação à política continental, os sucessores de mo caracterizava-se por uma concentração da produção
Bismarck optaram por estreitar seus vínculos com a Áustria, e dos capitais, que conduziam aos oligopólios, à fusão do
deixando espaço para uma aproximação entre a França e capital bancário e industrial, gerando o capital financeiro, à
a Rússia. Os investimentos franceses na economia russa exportação de capitais, à associação dos grandes monopó-
criaram as condições para a assinatura de um acordo mi- lios econômicos, que repartiram o mundo e, finalmente, à
litar secreto, de caráter defensivo, contra a Tríplice Aliança. conquista e divisão dos territórios periféricos pelas grandes
É importante lembrar que a aliança franco-russa criava uma potências, criando imensos impérios coloniais.
ameaça para a Alemanha em suas fronteiras oeste e leste, As sociedades metropolitanas justificavam ideolo-
simultaneamente. Outro aspecto fundamental a destacar gicamente a conquista e dominação dos povos coloniais
é que este acordo terminava com o isolamento da França através de teorias como o darwinismo social, que conce-
e restabelecia uma forma de equilíbrio europeu. A partir bia a existência como uma luta pela sobrevivência (onde
deste momento, as potências europeias passaram a buscar os fortes predominam), pela consciência de uma missão
a expansão colonial através do imperialismo, e a política civilizadora da raça branca e pelas teorias da superiorida-
de alianças passou a resultar principalmente de eventos de racial. Além disso, o nacionalismo teve um papel fun-
extraeuropeus. damental na expansão imperialista, encontrando suporte
em autores como Nietzsche e sua tese da “vontade de
O imperialismo e a expansão colonial potência” das nações. A política colonialista foi defendida
por políticos e intelectuais como Jules Ferry na França,
O termo imperialismo foi definido pelo economis- Disraeli e Joseph Chamberlain na Inglaterra, Leopoldo II na
ta inglês Hobson, num livro lançado em 1902. Seu estudo Bélgica, Guilherme II na Alemanha e Theodore Roosevelt
teve o mérito de demonstrar o caráter econômico do fe- nos Estados Unidos.
nômeno imperialista, bem como que a existência de ex- Além de invocar os argumentos acima esboçados,
cedentes de capitais para exportação nas metrópoles, era estes e outros defensores da expansão imperialista justifica-
uma decorrência da falta de distribuição de renda. O traba- vam que esta era necessária à elevação do nível de vida das
lho pioneiro de Hobson foi desenvolvido posteriormente classes trabalhadoras metropolitanas. Esta tese, inclusive,
História mundial
contemporânea (1776-1991) 118

acabou convencendo muitas lideranças operárias a apoiar o belecer algumas regras comuns, o que foi conseguido na
expansionismo de seu país, criando assim interesses comuns Conferência de Berlim em 1885.
com as burguesias nacionais. Era o fenômeno do social-pa- No norte do continente africano, a realidade domi-
triotismo, que viria a implodir a II Internacional em 1914. nante era o gradual recuo do Império Turco Otomano ao
No início deste processo a principal rivalidade inter- longo do século XIX e início do século XX. No restante do
nacional opunha a Grã-Bretanha e a Rússia, na região que continente o fim do tráfico de escravos para o Ocidente
ia desde os estreitos turcos até a Ásia central. O império (mas não para o Oriente) gerou forte marginalização em
russo expandia-se para esta área por terra, incorporando relação aos circuitos comerciais internacionais durante o
partes dos decadentes impérios turco, persa e outros, en- século XIX, mantendo-se no interior impérios tribais de ca-
quanto a expansão britânica dava-se a partir do oceano e ráter despótico e tributário. Havia Estados islâmicos como
da Índia. A crescente gravidade dos problemas europeus o Sudão e Zanzibar, o qual sobrevivia com o tráfico de es-
levou ambos os países a chegar a um acordo, dividindo a cravos para o Oriente e o comercio no Oceano Índico.
região em áreas de influência. Enquanto isto, a corrida co- O Reino cristão da Abissínia (atual Etiópia) conser-
lonial acelerava-se. A Europa possuía bases e enclaves lito- vou sua independência em relação aos árabes e italianos,
râneos, de onde foi desencadeada a conquista do interior que fracassaram em sua conquista, e a Libéria representava
dos continentes. um curioso fenômeno de país criado por ex-escravos nor-
Desde a segunda metade do século XIX, missioná- te-americanos. O canal de Suez, por sua vez, foi construído
rios religiosos e expedições de exploração científica pe- entre 1859 e 1869 por um consórcio, num Egito dominado
netravam para o interior dos continentes, particularmen- pela França e Inglaterra, interligando o Ocidente e o Oriente
te a África. Exploradores como Livingstone, Speke, Brazza, através de uma nova rota mais lucrativa de navegação. No
Burton e Stanley, geralmente financiados por sociedades sul do continente, onde foi encontrado ouro e diamantes,
geográficas, por mais idealistas que fossem, objetivamen- os colonos Boers (de origem holandesa) migravam para o
te abriam caminho para as potências colonialistas, na interior, fundando repúblicas independentes. A persegui-
medida em que elaboravam um inventário dos povos e ção britânica levou à guerra anglo-boer de 1899-1902, que
dos recursos naturais das regiões a serem conquistadas. consolidou o poder de Londres na rica e estratégica região.
A partilha da África resultou numa disputa particularmente A conquista dos imensos territórios coloniais foi pos-
acirrada entre os Estados europeus, obrigando-os a esta- sível graças à superioridade militar, econômica e tecnológi-
119 A crise do sistema e a emergência das
rivalidades (1890-1914)

ca dos europeus, e foi obtida pela guerra e pela exploração ocupar uma região por ser relativamente pobre, era deixar
das rivalidades existentes entre os povos destas regiões. espaço para outra potência, que posteriormente poderia aí
Civilizações inteiras foram destruídas, com suas popula- descobrir recursos importantes.
ções sendo reduzidas à apatia, e alguns grupos foram pra- Assim, a motivação econômica era um elemento de-
ticamente exterminados. Em muitos lugares houve intensa cisivo em última instância, decorrente estruturalmente das
resistência, raramente bem-sucedida em longo prazo. Do necessidades da Segunda Revolução Industrial, e não um
ponto de vista macro-histórico é importante considerar objetivo imediatista. Por isso um país como a Alemanha,
que este fenômeno produzia uma espécie de ocidentaliza- apesar das poucas colônias, constituía uma potência mun-
ção do mundo, às vezes superficial, outras vezes profunda. dial, na medida em que possuía uma indústria expressiva,
Também convém salientar que a dinâmica do desenvolvi- um comércio de âmbito mundial, capacidade de exportar
mento social e nacional destas regiões ficava abafada, pelo capitais e um exército forte. Mas como o desenvolvimen-
menos momentaneamente. Contudo, as administrações to histórico posterior viria a demonstrar, com o crescente
coloniais criaram redes de infraestrutura, saneamento e protecionismo mundial, a Alemanha acabaria tendo que
introduziram modernas estruturas econômico-sociais em conquistar um império colonial expressivo ou lograr outra
algumas áreas conquistadas, obviamente na tentativa de forma de expansão territorial.
maximizar a exploração econômica destas. A expansão da Grã-Bretanha gerou rivalidades que a
Há também outro problema importante a desta- forçaram a abandonar seu isolamento e a buscar alianças
car. A dinâmica imperialista poucas vezes obedecia a um na Europa. No Pacífico, Londres se inquietava com a cres-
cálculo de custo-benefício de curto prazo. A maioria das cente presença norte-americana através da diplomacia do
colônias era deficitária inicialmente, o que levou grupos dólar e de sua política de portas abertas na China; na África,
conservadores metropolitanos a opor-se ao imperialismo, a França conquistara a Tunísia, e procurava controlar o Alto
com a finalidade de equilibrar o orçamento doméstico. Nilo, o que produziu o incidente de Fachoda, sendo que
Contudo, isto não significa que a expansão das potências Londres teve também que travar uma dura guerra contra
da época tenha constituído um fenômeno irracional ou os Boers sul-africanos de 1899 a 1902; no continente asiá-
apenas motivado por uma política de prestígio. A con- tico, a rivalidade com a Rússia foi sempre um motivo de
corrência entre os polos desenvolvidos havia adquirido preocupação. Assim, a Inglaterra procurou aproximar-se da
tal intensidade, que era necessário preparar o futuro. Não Alemanha (com a qual ainda não possuía litígios) visando
História mundial
contemporânea (1776-1991) 120

compensar a aliança franco-russa. Mas a crescente rivalida- O cenário internacional da época passou a caracteri-
de comercial e a decisão alemã de ampliar seu poderio na- zar-se pela existência dos: a) antigos impérios coloniais de
val inviabilizaram este acercamento. O Kaiser Guilherme II épocas anteriores, como os da Espanha (Filipinas e Cuba),
definira como princípio “a política mundial como missão, Portugal (Angola, Moçambique e enclaves asiáticos) e
a potência mundial como meta e o poderio naval como Holanda (Indonésia e Guiana Holandesa), que sobrevive-
instrumento”. Londres então se voltou para a França, com ram e ampliaram-se (geralmente sua exploração era com-
a qual negociou e solucionou as rivalidades coloniais no partilhada por outras potências ou empresas estrangeiras,
Marrocos e no Egito. especialmente inglesas); b) grandes impérios coloniais da
Este acercamento, entretanto, apresentava pro- Inglaterra (o maior de todos, com o Canadá, Caribe, gran-
blemas, pois a Inglaterra era contrária à política russa nos de parte da África, Índia, Austrália, Nova Zelândia, ilhas do
Balcãs. Mas quando a Alemanha passou a colocar-se como Pacífico, Malásia) e da França (África Ocidental, Madagascar,
protetora da integridade turca, Londres e São Petersburgo Caribe, Indochina e ilhas do Pacífico); c) novos impérios
(então capital do império russo) encontraram um terreno da Bélgica (Congo), Alemanha (partes da África e ilhas da
comum de cooperação, ao menos em relação à Questão Oceania), Itália (trechos da África muçulmana), e do Japão
do Oriente. As crescentes disputas nesta região evidencia- (Formosa, Coreia e ilhas da Oceania), país que passou de
vam a tentativa de expansão geoeconômica em direção a uma condição “continental” (voltado para dentro), para
uma área que ganhava importância com a exploração do uma posição “oceânica” (voltado para fora); impérios con-
petróleo. Já no tocante à Questão do Extremo Oriente, a Grã- tinentais, de expansão em territórios contíguos como a
-Bretanha se opunha à presença russa na região, e apoia- Rússia e os Estados Unidos.
va o Japão, que despontava como potência imperialista Este país, que já havia conquistado posições impor-
regional, após derrotar a China em 1895 e arrebatar-lhe tantes no Pacífico e estava presente na Bacia do Caribe, fez
Formosa e a Coreia. A China, aliás, era um dos pontos sen- sua entrada triunfal na política mundial em 1898. Neste
síveis da política mundial da época, pois com a decadên- ano, os EUA entraram em guerra com a Espanha, arre-
cia da Dinastia Manchu, o país sofreu desmembramentos batando-lhe Cuba, Porto Rico e Filipinas. Os dois últimos
com os Tratados Desiguais e ainda enfrentou a Revolta dos tornaram-se territórios coloniais norte-americanos e Cuba
Boxers, que só foi derrotada graças à intervenção conjunta uma espécie de semicolônia, frustrando as aspirações dos
das potências imperialistas. grupos que lutavam pela independência nestas posses-
121 A crise do sistema e a emergência das
rivalidades (1890-1914)

sões espanholas, quando ocorreu a invasão americana. Em A emergência dos EUA e a América Latina
1903 Washington promoveu a independência do Panamá
em relação à Colômbia, onde anexaram a área em que se Os Estados Unidos, que já haviam conquistado po-
encontravam interrompidas as obras do canal transoceâ- sições importantes no Pacífico e estavam presentes na
nico, que os EUA concluíram e inauguraram em 1914. As Bacia do Caribe, fizeram sua entrada triunfal na política
Filipinas eram estratégicas para a presença norte-america- mundial em 1898. Neste ano, entraram em guerra com a
na na Ásia, dando maior consistência à política de portas Espanha, transferindo para seu controle Cuba, Porto Rico
abertas em relação à China. e Filipinas. Os dois últimos tornaram-se territórios coloniais
A diplomacia europeia, no início deste período, não norte-americanos, e Cuba, uma espécie de semicolônia,
estava subordinada a um sistema político global, pois as frustrando as aspirações dos grupos que lutavam pela inde-
regras do livre comércio haviam perdido sua eficácia como pendência nestas possessões espanholas quando ocorreu
elemento regulador das relações internacionais. Contudo, a invasão americana. Em 1903 Washington, agindo através
da interação das políticas europeias e extraeuropeias surgirá de dissidentes panamenhos emigrados, promoveu a inde-
um conjunto de práticas características da era imperialista. pendência do Panamá em relação à Colômbia, anexando
A maioria dos antagonismos surgidos nesta época geral- a área em que se encontravam interrompidas as obras do
mente foi solucionada de forma pacífica entre as potências canal transoceânico, concluindo-o e inaugurando-o em
imperialistas, mas através de uma política preventiva de de- 1914. As Filipinas eram estratégicas para a presença norte-
monstração de força. Seria apenas uma questão de tempo -americana na Ásia, dando maior consistência à política de
para que as boas maneiras diplomáticas cedessem lugar a portas abertas em relação à China.
um confronto aberto, quando as possibilidades de resolver Quanto ao Caribe, por sua vez, transformava-se no
os problemas através da expansão colonial terminassem. mare nostrum estadunidense, controlando a passagem
Neste contexto, em 1904 o acordo entre a Grã-Bretanha marítima do Atlântico para o Pacífico, e abrindo caminho
e a França para resolução das disputas sobre o Egito e o para a expansão econômica que se iniciava em direção
Marrocos lançaram as bases da Entente Cordiale. Contudo, à América do Sul. No subcontinente sul-americano os
no âmbito diplomático e do Direito Internacional, Londres Estados Unidos apoiavam-se numa “aliança não escrita”
ainda não assumira compromissos formais, o que só se daria (expressão de Bradford Burns) com a recém-proclamada
com a eclosão da Primeira Guerra Mundial. república brasileira, como forma de penetração comercial
História mundial
contemporânea (1776-1991) 122

e financeira, com a qual esperavam contrabalançar a pre- Porto Rico, Nicarágua, Haiti e Panamá) e a “aliança não es-
sença econômica inglesa, principalmente na Argentina. crita” com o Brasil (mútuo apoio não declarado entre os
Em relação à América Central e aos países mais fra- dois países na política continental, articulada pelo Barão
cos do continente, valia o Corolário Roosevelt à Doutrina do Rio Branco) eram os instrumentos de tal política. Dela
Monroe, ou big stick, o “grande porrete” com o qual o presi- resultou a sujeição de Cuba, o controle sobre o canal do
dente Ted Roosevelt impunha os interesses yankees. A rapi- Panamá, o estabelecimento de bases militares e a instala-
dez com que emergiu a nova política exterior norte-ameri- ção de regimes ditatoriais que garantiam os interesses das
cana deveu-se tanto às dimensões alcançadas pela econo- companhias dos Estados Unidos no mare nostrum norte-
mia deste país, que precisava projetar-se para fora, como -americano.
também à preocupação dos Estados Unidos em relação Na América do Sul, o Brasil encontrava-se no auge
à presença de enclaves europeus no Caribe, na América da monoexportação agrícola e de um sistema federativo
Central e nas Guianas. Estes poderiam vir a servir de cabe- liberal-oligárquico que procurava disputar a supremacia
ça de ponte para o estabelecimento de impérios coloniais regional com a Argentina. A região andina, por sua vez,
europeus na região, tendo em vista a debilidade da maio- vivia uma situação de agitação social e instabilidade po-
ria dos Estados latino-americanos de então. A Amazônia foi lítica, alternada com regimes ditatoriais, e uma limitada
uma das regiões que, com o ciclo da borracha, correram presença na economia mundial, fenômeno agravado pela
este risco. constituição dos impérios coloniais europeus. A área de
A América Latina, no início do século, possuía uma maior importância era o Cone Sul, onde o Chile, o Uruguai
economia primário-exportadora, com Estados Nacionais e, principalmente, a Argentina encontravam-se fortemente
recém-consolidados. Apesar da existência de enclaves vinculados à economia europeia, especialmente a inglesa.
coloniais na América Central e no Caribe e da ascendên- Esses países eram receptores de capitais e imigran-
cia da economia europeia sobre a região, esta constituía tes europeus, principalmente italianos, e atravessavam
uma área de países independentes e ocidentalizados. uma etapa de forte expansão das exportações de trigo e
Gradativamente, contudo, a penetração norte-americana carnes frigorificadas, além da modernização das cidades,
estava subordinando a região e desalojando os interes- dos transportes e das instituições políticas (sufrágio univer-
ses europeus, do norte para o sul. As Conferências Pan- sal). A eleição de Battle y Ordoñez em 1903 no Uruguai, de
-Americanas, as intervenções na Bacia do Caribe (Cuba, Irigoyen em 1911 na Argentina e de Alessandri em 1920 no
123 A crise do sistema e a emergência das
rivalidades (1890-1914)

Chile representava a afirmação da burguesia moderniza- 3.2 A Paz Armada e a formação dos blocos (1904-
dora. Na primeira década do século Buenos Aires já possuía -1914)
metrô subterrâneo e a Argentina era a oitava economia do
mundo. As massas na política: nacionalismo e socialismo
Contudo, o fenômeno latino-americano de maior
impacto foi a Revolução Mexicana. Em 1911 foi derrubado As transformações geradas pela Segunda Revolução
Porfírio Diaz, que em quase quatro décadas à frente do go- Industrial, analisadas adiante, fomentaram um forte in-
verno mexicano promoveu uma modernização econômi- cremento demográfico e o crescimento e uma con-
ca bastante excludente no plano social. Desde então o país centração urbana acelerada. Esta expansão das cidades
viveu uma intensa mobilização popular e agitação socio- resultava da lógica do capital e constituía um modelo
política, além de intervenções militares norte-americanas. ocidental triunfante, que se generalizava pelo planeta.
O componente camponês, indígena e anticlerical levou a O crescimento populacional, combinado com a moder-
uma guerra civil, com as campanhas de Zapata no sul e nização econômica que afetava a Europa, ensejou a for-
as de Pancho Villa no norte ameaçando o perfil burguês mação de um expressivo fluxo migratório em direção às
da revolução. O presidente Carranza conseguiu derrotar colônias de povoamento, à região platina e, principalmen-
Villa em 1915, adotando uma constituição progressista em te, aos Estados Unidos. Contudo, se a emigração europeia
1917, e o presidente Calles institucionalizou posteriormen- servia para aliviar determinadas tensões sociais, nem por
te o domínio do Partido Revolucionário Institucional (PRI). isto diminuía o impacto da formação de uma sociedade de
massas, pois o aumento da população e sua concentração
nas cidades produziam novos fenômenos sociais.
Como foi visto, a Segunda Revolução Industrial acele-
rou tecnicamente as comunicações e criou novos meios de
difusão de ideias. Este fenômeno se dava paralelamente ao
ingresso de grandes contingentes humanos na vida políti-
ca. A entrada das massas na política, longe de constituir um
mero problema quantitativo, representou um salto qualita-
tivo na vida social. Dois elementos que acompanharam este
História mundial
contemporânea (1776-1991) 124

processo tiveram impactos particularmente importantes: a um componente popular, identificado como “opinião pú-
expansão do aparelho educacional público e o surgimento blica”, vinculando-se desta maneira diretamente à política
de uma imprensa popular acessível ao homem comum. interna de cada Estado.
A escolarização constituía uma necessidade ineren- Em alguns países, o nacionalismo revestiu-se de
te ao progresso técnico-industrial, mas seus efeitos não se contornos raciais, desenvolvendo-se como correntes po-
restringiam à alfabetização e à obtenção de conhecimen- líticas pan-germanistas, pan-eslavistas e anglo-saxônicas.
tos técnicos, pois a escola mostrava-se também como um Este fenômeno foi particularmente importante no caso
meio eficaz de socialização. Se por um lado, a educação da Alemanha, pois a unificação deixara de fora as mino-
teve um caráter predominantemente secular, estabelecen- rias alemãs da Europa centro-oriental. Na medida em que
do a crítica à religião e estimulando o pensamento mate- a expansão econômica passou a dirigir-se para os Balcãs,
rialista e cientificista, por outro serviu largamente como o pan-germanismo também se tornou um elemento de
meio para a difusão do nacionalismo pelos governos. Sem peso na política austríaca, servindo como elemento de le-
dúvida que o nacionalismo revestiu-se de variados matizes, gitimação da política destes países para esta região. Mas a
mas geralmente foi utilizado como meio de legitimação península balcânica também era o lar dos eslavos do sul
do Estado e dos governos, como fator de unidade social e (a maioria deles de religião ortodoxa), submetidos aos im-
como forma de apoio ao imperialismo e ao colonialismo. périos multinacionais austríaco e turco. Assim, o pan-esla-
Isto permitia a união dos trabalhadores com a burguesia vismo servirá como instrumento ideológico para o império
de seu país, na luta contra as potências rivais. russo alcançar seus interesses nesta região, justificando-se
Nesta mesma linha, os governos conseguiam esti- como defensor da religião ortodoxa e das minorias eslavas
mular uma ideologia mobilizadora para combater a pro- da região. Os anglo-saxões, por sua vez, concebiam como
pagação das ideias socialistas, que ganhavam terreno. missão histórica o desenvolvimento do império colonial e
A convergência dos novos elementos técnicos com os fe- a primazia mundial de sua civilização.
nômenos sociais acima descritos dotou o nacionalismo de O operariado urbano-industrial consolidou-se como
uma sólida base popular (cujo núcleo ativo foi geralmen- classe durante esse período, e suas organizações políticas
te a classe média), o qual serviu também para embasar a e sindicais expandiram-se constantemente. Este fenôme-
formação de um mercado e de uma economia nacional. no terá um impacto decisivo sobre o desenvolvimento
A política internacional passou, desde então, a contar com histórico subsequente, inclusive porque suas organizações
125 A crise do sistema e a emergência das
rivalidades (1890-1914)

articularam-se por meio de estruturas supranacionais. Em sob a influência dos evolucionistas fabianos da Inglaterra,
1864 foi criada em Londres a Associação Internacional dos os adeptos do revisionismo de Bernstein ampliam sua in-
Trabalhadores, ou Primeira Internacional. Protagonizada fluência no meio operário, substituindo a concepção revo-
por Marx e Bakunin, a Internacional deixa de existir em lucionária de destruição do capitalismo pela estratégia de
1872. A Segunda Internacional, fundada em 1889 em uma transformação gradual e pacífica deste sistema.
Bruxelas, já possuía mais força e coesão, baseada que es- Neste contexto, o movimento operário e seus parti-
tava em poderosos partidos operários como o Partido dos cresciam em número e em influência, paralelamente à
Trabalhista britânico, os Partidos Socialistas da França e moderação de suas posições. Seus partidos cresceram elei-
da Itália e, os Partidos Social-Democratas alemão, austría- toralmente, ampliaram seu espaço nos parlamentos e na
co e russo. Esta Internacional foi marcada pela luta entre sociedade, desenvolvendo um luta pela secularização (de
a corrente marxista e a anarquista, que culminou com a contornos anticlericais em alguns países), pelo reforço do
expulsão da última em 1896. Em 1904 a tendência refor- parlamento e da constituição, mas principalmente pelas
mista foi oficialmente condenada e em 1912 a Segunda reformas sociais, tais como a redução da jornada de traba-
Internacional decidiu utilizar a greve geral como meio de lho, descanso semanal remunerado, seguro contra aciden-
evitar o desencadeamento da guerra que se avizinhava. tes de trabalho e acesso à educação e habitação. Esta luta
Apesar destas decisões, o movimento operário es- obteve alguns êxitos, o que foi facilitado em determinados
tava sofrendo uma transformação qualitativa rumo à mo- países, como a Alemanha bismarckiana, que desenvolve-
deração. A Segunda Revolução Industrial, com seu avanço ram uma política social, com o objetivo de reduzir os con-
tecnológico e novas formas de organização do trabalho, flitos internos e dotar o país de maior coesão, enfrentando
logrou um elevado incremento da produtividade, conten- em melhores condições os desafios internacionais.
do o fenômeno de empobrecimento dos trabalhadores Nos anos que antecederam ao desencadeamen-
industriais. Os mais especializados dentre estes passaram a to da Primeira Guerra Mundial, o movimento operário
receber aumentos salariais reais e a gozar de uma situação de viés socialista crescia rapidamente, embora, como foi
de estabilidade, transformando-os no que se convencio- ressaltado, suas posições políticas fossem moderadas.
nou chamar de Aristocracia Operária. Ora, era justamente Justamente por isto, as burguesias de muitos países te-
este grupo que fornecia os quadros dirigentes dos sin- miam que o movimento socialista estivesse em vias de
dicatos e dos partidos da Segunda Internacional. Assim, se tornar uma alternativa de poder. A polarização entre
História mundial
contemporânea (1776-1991) 126

esquerda e direita era cada vez mais forte nesta época, primeira potência mundial. Historicamente, a geopolítica
como demonstra o caso Dreyfus na França. No verão de alemã considerou o Leste Europeu e os Balcãs como sua
1914 as barricadas haviam voltado às ruas de Moscou, o área natural de expansão contígua, visando formar sua
Partido Social-Democrata alemão e o Socialista francês já Mittleuropa.
possuíam mais de uma centena de deputados nos res- O inglês Mackinder, em 1904, partindo dos estudos
pectivos parlamentos, sendo que este último, algumas de Ratzel elaborou o que viria a ser a base da geopolítica
semanas antes do início da guerra, venceu as eleições. inglesa e, depois, norte-americana. Segundo ele, o planeta
Mas o desencadeamento do conflito impediu-os de assu- estaria dividido em duas zonas antagônicas: o centro da
mir o poder, pois Poincaré instituiu um governo de União massa continental eurasiana (ou Heartland), e a ilha mun-
Sagrada, congregando todos os partidos. dial, ou zona oceânica, controlada por uma potência ma-
rítima (naquele momento a Grã-Bretanha, depois os EUA).
A geopolítica e os projetos estratégicos Segundo Mackinder, se uma potência controlasse a tota-
lidade do Heartland, poderia ameaçar a ilha mundial. Já o
Na passagem do século XIX ao XX, desenvolveram-se Almirante norte-americano Mahan, em 1900, desenvolveu
teorias específicas para a compreensão da política inter- uma teoria segundo a qual a hegemonia de uma potência
nacional das grandes potências. A Geopolítica, teoria con- marítima perduraria enquanto ela controlasse uma série
siderada ciência por muitos estrategistas, foi formulada de pontos de apoio ao longo das costas da Eurásia.
especialmente a partir da publicação do livro Politische Ciência ou não, a geopolítica nos revela muito sobre
Geographie pelo geógrafo alemão Friedrich Ratzel em as percepções, os desejos e os fantasmas que atormenta-
1897. Segundo este estudioso, a posição e as característi- vam seus formuladores. É perceptível a importância confe-
cas geográficas de um país determinavam sua política ex- rida aos recursos naturais, no momento em que a Segunda
terna. Particularmente importante foi o conceito de espa- Revolução Industrial aumentava a demanda por matérias
ço (Raum), segundo o qual este elemento seria indispen- primas, e a noção de espaço, quando a Europa estava re-
sável para o desenvolvimento de uma grande potência. partindo o mundo. Também é visível a oposição entre uma
Como vimos, este conceito era perfeitamente adequado estratégia de domínio mundial centrada no controle dos
para a Alemanha desenvolver uma política que superas- oceanos (concepções anglo-saxônicas) e outra que priori-
se os fatores que entravavam sua ascensão à posição de za a posse de grandes extensões terrestres contíguas (pers-
127 A crise do sistema e a emergência das
rivalidades (1890-1914)

pectiva alemã). Cada potência adaptará suas concepções uma diplomacia de prestígio do que um projeto consisten-
conforme suas necessidades (mais históricas que geográ- te. Apenas as pretensões de expulsar os ingleses do Egito
ficas), expressando estratégias particulares de expansão, o e da Índia, bem como o controle sobre a Turquia, parecem
que nos permitirá uma maior compreensão de suas atitu- adequar-se mais à sua realidade.
des durante a Grande Guerra. A seguir, são esboçados es- Já a Grã-Bretanha, que era o maior e mais populoso
quematicamente os objetivos estratégicos de cada um dos império na época, desejava destruir a capacidade comer-
principais protagonistas. cial e naval alemã, apoderar-se do Império Turco e dividir
O imperialismo alemão tinha como prioridade a as colônias alemãs com a França. Esta, por sua vez, além de
expansão para o leste da Europa e para o Oriente Médio, partilhar as colônias alemãs com seu aliado, visava recupe-
onde se encontravam os recursos naturais necessários rar a Alsácia-Lorena e ocupar o Sarre e parte da Renânia,
a seu crescimento industrial. A aliança com a Áustria- destruir a capacidade industrial e militar alemã e partici-
-Hungria, a ideologia pan-germanista, os investimentos no par do desmembramento da Turquia. A Rússia, por sua vez,
petróleo turco e a construção da ferrovia Berlim-Bagdá evi- tinha objetivos geopolíticos que bem demonstravam sua
denciam esta orientação. Uma guerra com a Rússia afigu- defasagem no plano internacional. Além de ampliar suas
rava-se inevitável, para ocupar a Polônia, os países bálticos fronteiras sobre a Alemanha e o Império Austro-Húngaro,
e a Ucrânia, esta última rica em minérios, cereais e espaços desejava, sobretudo ocupar a cidade de Constantinopla, os
infinitos para a colonização alemã. É importante lembrar estreitos e parte do litoral turco, para ter um acesso ao Mar
que havia minorias alemãs até o rio Volga, nos limites da Mediterrâneo.
Rússia europeia. A Itália, por seu turno, realmente estava numa posi-
Ao lado desta tendência “natural”, a Alemanha tinha ção indefinida, oscilando entre priorizar seu irredentismo
que responder ao desafios de seus competidores ociden- e expansionismo balcânico ou lançar-se na aventura colo-
tais em termos econômicos e militares. Considerava ne- nial. A Entente oferecia-lhe os territórios austríacos povoa-
cessário estabelecer uma espécie de confederação eco- dos por italianos, a Dalmácia, a Albânia e alguma parte da
nômica que lhe permitisse controlar a Holanda, Bélgica, Turquia. Já a aliança alemã oferecia a Córsega, Nice, Saboia
Luxemburgo e os departamentos industriais do norte da e parte das colônias francesas do norte da África. De qual-
França. Suas ambições no mundo colonial, representavam quer forma, os Balcãs e o Mediterrâneo Oriental parecerão
muito mais um ressentimento contra Londres e Paris e mais interessantes, já que o desenvolvimento industrial
História mundial
contemporânea (1776-1991) 128

italiano ainda não tinha porte para tirar vantagens de um EUA ocupam a primeira posição, a Alemanha a segunda, a
amplo império colonial africano. Quanto ao Japão deseja- Inglaterra a terceira e a França a quarta.
va ampliar suas possessões na China e no Pacífico. Neste
sentido, a conquista das colônias alemãs na Ásia convinha- Os blocos militares e as crises diplomáticas
-lhe perfeitamente (península de Chantung e arquipélagos
do Pacífico). O caos se aprofundava na China, particular- No mundo afro-asiático, o predomínio europeu
mente após a queda da dinastia Manchu e a proclamação afirmava-se gradativamente, com o esmagamento das
da República em 1911, o que estimulava ainda mais as am- revoltas anticoloniais de tipo tradicional. Apenas algumas
bições japonesas sobre este país. poucas áreas como a Abissínia (Etiópia), Pérsia (Irã), Sião
Finalmente, no que diz respeito aos Estados Unidos, (Tailândia) e China escaparam ao domínio direto das po-
seus objetivos ainda não se encontravam tão claramente tências europeias, sofrendo, entretanto, uma exploração
definidos antes da guerra, esboçando-se gradativamente ao econômica compartilhada por parte destas. Neste último
longo deste processo. De qualquer maneira, o rígido con- país, a dinastia Manchu foi derrubada em 1911, instau-
trole do Mare Nostrum caribenho, a ascendência econômica rando-se uma república liderada por Sun Yat-Sen. Mas o
sobre a América do sul e a política de portas abertas em rela- país mergulhou no caos e numa guerra civil que durariam
ção à China, eram questões em relação às quais Washington quatro décadas, com a disputa do poder pelos senhores da
não fazia concessões. Começa ainda a perceber-se que, gra- guerra (militares que controlavam as províncias) e depois
dativamente, os EUA passam a adotar a política inglesa de entre o Kuomintang (Partido Nacional da China) e os comu-
equilíbrio de poder em relação à Europa, além de manifestar nistas, sempre em meio a intervenções estrangeiras.
uma discreta hostilidade em relação ao colonialismo. Como O ano de 1904 marcou uma inflexão na evolução
se pode ver, os objetivos geopolíticos de todas as potências e diplomática, dando início a uma fase de crises que condu-
a estratégia para alcançá-los, permitem caracterizar a guerra ziria à Primeira Guerra Mundial. Neste ano foi estabelecida
iminente principalmente como um conflito pela redivisão a Entente Cordiale franco-britânica e no Extremo Oriente
do planeta, devido ao ritmo desigual de desenvolvimento eclodiu a Guerra russo-japonesa. As pretensões dos dois
das nações industriais. Em 1870 a Inglaterra possuía a maior países na Manchúria e Coreia eram excludentes e, contan-
produção industrial do mundo, vindo os EUA em segundo, do com o beneplácito inglês, o Japão atacou as forças rus-
a França em terceiro e a Alemanha em quarto. Em 1913 os sas na região, derrotando-as numa ofensiva terrestre e, em
129 A crise do sistema e a emergência das
rivalidades (1890-1914)

1905, batendo completamente a esquadra naval do Báltico No mesmo ano de 1905, ocorreu a primeira crise do
(batalha de Tsushima), que o Czar enviara ao Pacífico em Marrocos. Desde 1904, numa reação à Entente Cordiale, a
reforço à sua armada. Alemanha vinha tentando romper o sistema de alianças
Durante o conflito eclodiu a Revolução de 1905 na da França, e para tanto o Kaiser Guilherme II optara pela
Rússia, comprometendo definitivamente a política interna- Weltpolitik (política mundial), apoiado no nacionalismo
cional do país, que já se encontrava em dificuldades. Esta pan-germanista, na concepção geopolítica e na expansão
revolução popular teve início espontaneamente quando naval. Ao manifestar pretensões em relação ao Marrocos,
a guarda do palácio do Czar abriu fogo contra uma ma- Berlim desejava barrar a expansão francesa na África do
nifestação pacífica que ia entregar uma petição. A revolta Norte, testar a solidez da Entente e obter um ponto de apoio
de operários, soldados (motins e a rebelião dos marinhei- no Mediterrâneo, num momento em que a Rússia encon-
ros do encouraçado Potemkin) e camponeses se espalhou trava-se em dificuldades no Oriente e não poderia honrar
pelo país, sem uma liderança unificada. O czar Alexandre II seus compromissos com Paris. A jogada alemã foi mal re-
procurou ganhar tempo, propondo reformas aos revolto- cebida pela Inglaterra, uma vez que a França já estava pre-
sos, cuja ação expandira-se por todo país, enquanto nego- sente no Marrocos. Assim, a Conferência de Algeciras, em
ciava a paz com o Japão. Com o fim da guerra, e recebendo 1906, teve como resultado o fracasso da Alemanha, que
ajuda internacional, o governo russo iniciou uma feroz re- foi obrigada a reconhecer a supremacia francesa na região.
pressão contra os revolucionários. O que o conflito russo-japonês e a crise franco-ale-
A derrota russa na guerra custou-lhe a perda das mã demonstraram, como manifestação das forças profun-
ilhas Curilas, de metade da ilha de Sacalina e de suas pos- das, foi a crise do imperialismo de tipo colonialista. Em suas
sessões na China, que passaram ao domínio japonês, e linhas gerais, a expansão rumo ao mundo colonial atingira
evidenciou a fragilidade e o arcaísmo do país, bem como seus limites, pois a quase totalidade das regiões “vazias”,
os riscos existentes de uma ampla revolução social. Por isto é, não pertencentes a nenhuma das potências, já havia
outro lado, era a primeira vez que uma nação asiática ven- sido conquistada. Quanto às demais, ou já se encontravam
cia uma europeia, colocando o Japão em posição equiva- destinadas a alguma potência, sendo sua ocupação uma
lente à das demais potências na Ásia, rebaixando a Rússia questão de tempo, ou haviam tido sua exploração coletiva
na escala de grandeza internacional e acabando ainda decidida pelos grandes protagonistas das relações interna-
com sua expansão na região. cionais. Assim, tanto quantitativamente não existiam mais
História mundial
contemporânea (1776-1991) 130

áreas a serem ocupadas, como qualitativamente a inten- na região procurava aproveitar a fraqueza russa e eliminar
sificação do desenvolvimento desigual e combinado do ca- a Sérvia, protegida desta. A Alemanha estimulou e apoiou
pitalismo (a defasagem entre o ritmo e o nível de desen- esta iniciativa, visando debilitar a Tríplice Entente. A Rússia
volvimento econômico entre regiões integradas dentro de não conseguiu impedir a manobra austríaca, mas estreitou
um mesmo sistema) pressionavam por uma redivisão dos então seus vínculos com a França e a Inglaterra, aproxi-
impérios coloniais, premiando os mais dinâmicos. A partir mando-se também da Itália, que começava a preocupar-se
de então a tensão e as rivalidades cresceriam até a eclosão com a voracidade de seus aliados nos Balcãs. Em 1911
da guerra. teve lugar a segunda crise do Marrocos, com nova pressão
Uma das consequências da crise do Marrocos foi a alemã para o estabelecimento de uma esfera de influên-
criação da Tríplice Entente, um processo gradativo de apro- cia econômica. Mas a Inglaterra opôs-se resolutamente às
ximação entre Grã-Bretanha, França e Rússia. Londres, te- pretensões alemãs, obrigando Berlim a recuar e mostrando
mendo a expansão naval alemã, mudou sua atitude com que, em caso de conflito, a França poderia contar com seu
relação à Rússia, uma vez que esta renunciara à sua expan- apoio.
são na Ásia e voltara-se agora para os Balcãs, através do A segunda crise balcânica ocorreu logo em segui-
pan-eslavismo. Enquanto isto, a corrida armamentista in- da, em 1912 e 1913. A Rússia, que já se havia recuperado
tensificava-se, despertando temores generalizados. Assim, da derrota contra o Japão, voltara-se decididamente para
em 1907 reuniu-se uma conferência sobre desarmamento a região balcânica. Tentando tirar proveito das constantes
em Haia, no qual ingleses e franceses procuraram obter revoltas contra a Turquia Otomana (que continuava vul-
o congelamento da corrida armamentista. Ora, como a nerável, apesar das reformas modernizantes logradas pelo
Alemanha considerava-se em condição de inferioridade movimento renovador dos jovens turcos em 1908), o Czar
neste terreno, e estava realizando um esforço maior (que promoveu a formação de uma coalizão antiturca, a Aliança
também correspondia a seu dinamismo econômico), recu- Balcânica, entre Sérvia, Bulgária, Grécia e Montenegro.
sou as propostas da Entente, levando a conferência a um Em 1912 as forças dos quatro pequenos Estados
fracasso. atacaram os turcos e, para surpresa geral, os derrotaram e
Em 1908 eclodiu a primeira crise balcânica, quan- chegaram às portas de Constantinopla, onde se detiveram
do o Império Austro-Húngaro anexou a província turca da por pressão das grandes potências. Para a Tríplice Aliança a
Bósnia-Herzegovina. A nova onda de expansão austríaca questão fundamental era impedir o acesso da Sérvia ao Mar
131 A crise do sistema e a emergência das
rivalidades (1890-1914)

Adriático e evitar o acesso da Rússia aos estreitos turcos, debilidade austríaca em enfrentar os nacionalismos balcâ-
por onde a esquadra russa do Mar Negro poderia alcan- nicos.
çar os mares quentes e abertos, no caso o Mediterrâneo. Contudo, a Itália reagiu com certa frieza, devido à
A Sérvia era o reino mais nacionalista entre os eslavos do política balcânica de seus aliados. Os diversos governos
sul e o maior obstáculo à expansão austríaca na região. europeus intensificaram a preparação militar, incremen-
Assim, foi criado o reino da Albânia, para impedir o acesso tando a produção de novos armamentos (sobretudo ca-
dos sérvios ao mar. nhões de grande calibre, metralhadoras e os encouraçados
A partir deste momento, as grandes potências procu- Dreadnough, de grande porte) e reorganizando os exérci-
ram estabelecer alianças com os pequenos reinos da região, tos, particularmente com a ampliação do serviço militar.
explorando ódios, interesses locais e ressentimentos. Assim, Além disso, multiplicaram-se por todos os países as mani-
mal terminada a Primeira Guerra Balcânica, eclodiu outro festações chauvinistas (nacionalistas extremados) e milita-
conflito pela divisão dos territórios cedidos pela Turquia. ristas. Em Berlim falava-se na necessidade de uma guerra
A Bulgária, com apoio político da Áustria, atacou a Grécia e a preventiva, e o cenário para ela já estava montado.
Sérvia, país que Viena desejava evitar que saísse fortalecido. Em 28 de junho de 1914 o estudante bósnio Príncipe,
A Romênia, o Montenegro e a Turquia uniram-se à Grécia e militante da organização secreta sérvia Unidade ou Morte,
à Sérvia, derrotando a Bulgária, que teve de ceder parte dos assassinou o herdeiro do trono austríaco em Sarajevo, o ar-
territórios conquistados. A região constituía um verdadeiro quiduque Francisco Ferdinando, desencadeando a chama-
barril de pólvora, que explodiria dois anos depois. da Crise de Julho de 1914. Embora o governo sérvio não
Neste momento, tornaram-se intensos os movi- estivesse diretamente envolvido no incidente, a Áustria
mentos pela busca de alianças, bem como se intensificou radicalizou suas demandas sobre Belgrado (capital sérvia),
a corrida armamentista. Apesar da rivalidade naval, existiam buscando uma confrontação para acabar com o que con-
setores políticos na Grã-Bretanha e na Alemanha que eram siderava como “irredentismo eslavo”. Em 23 de julho apre-
favoráveis à cooperação entre os dois países, mas a obsti- sentou um ultimatum ao governo sérvio, com condições
nação alemã em prosseguir seu esforço armamentista con- inaceitáveis para a soberania deste, e, uma vez recusado o
duziu ao bloqueio do processo de negociações em 1912. documento, declarou guerra à Sérvia dia 28.
A consequência imediata foi o reforço da Tríplice Entente e A Alemanha estimulou desde o início a Áustria no
da Tríplice Aliança, pois a Alemanha preocupava-se com a rumo da confrontação, tentando criar um conflito localiza-
História mundial
contemporânea (1776-1991) 132

do, semelhante aos de 1912-1913. A Rússia, para evitar um


novo revés como o de 1908, iniciou a mobilização geral
do exército, inclusive contra a Alemanha, transformando a
crise num affair europeu. Embora os diplomatas de todos
os países fizessem esforços para desativar o mecanismo da
guerra, os generais e os estados-maiores já estavam dando
as cartas e desejavam implementar seus planos e estraté-
gias. Dia 1º de agosto de 1914 a Alemanha declarou guerra
à Rússia e dia 3 à França. O Deus Marte iniciava sua dança
da morte.

Você também pode gostar