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As perícias de responsabilidade civil são referentes aos atos de vida civil, descritos
no Código Civil Brasileiro (CCB). Esse Código regula os direitos e as obrigações de
ordem privada concernentes às pessoas e bens, ou seja, é a intervenção do Estado no
campo das relações particulares, onde os melhores interesses para o cidadão devem
ser preservados. Dentre os atos que são elencados como de vida civil pode-se
relacionar o direito a casamento, a testamento, família e sucessão, propriedade e
posse, contratos e obrigações.
A função do perito psiquiatra no processo civil é estabelecer uma ligação entre a
presença ou não de transtorno mental e sua aptidão para gerir de maneira autônoma
seus interesses, de acordo com seus valores e sua história de vida. Considerando o
aspecto cronológico, é imperativo avaliar o periciando em duas condições, sendo
uma delas o momento atual, o qual visa autorizá-lo ou não ao exercício dos atos de
vida civil, e o outro é analisar algum momento no seu passado em que tenha
praticado algum ato de vida civil com o objetivo de estabelecer sua validade jurídica.
Com o intuito pedagógico, as perícias cíveis foram categorizadas em dois grupos:
as gerais, no caso da interdição, e as específicas, no caso de nulidade de casamento,
validade de testamento, entre outros.
As perícias cíveis de interdição estão relacionadas com a incapacidade judicial do
exercício de atos de vida civil. Elas indispõem do ponto de vista legal os direitos
garantidos pelo primeiro artigo do CCB, o qual cita que “toda pessoa é capaz de
direitos e deveres de ordem civil”.
Para a doutrina jurídica, o conceito de incapacidade civil é divergente de um tipo
especifico das três capacidades citadas na norma jurídica, que são a capacidade
civil, a capacidade de direito e a capacidade de exercício e de fato. A
capacidade civil é aquela na qual o cidadão tenha os requisitos mínimos necessários
para agir por si, como indivíduo ativo ou passivo de uma relação jurídica. A
capacidade de direito é a aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações, sendo
uma das atribuições da personalidade jurídica. A capacidade de exercício e de fato é
a possibilidade de praticar por si os atos de vida civil. Logo, quando se vai interditar
um indivíduo, o que se interdita é a capacidade de exercício e de fato, visto que o
exercício de um direito e a capacidade de exercê-lo são, como regra, eventos
indissociáveis e, ambos, expressão da autonomia da pessoa.
Historicamente a interdição é tipificada no CCB de 1916, de maneira ampla,
quando em sua definição, no artigo 5o, inciso II, se reporta aos cidadãos “loucos de
todo gênero” e tem como única alternativa a interdição absoluta. Com a evolução do
Código Civil e por fim com a aprovação da Lei 10.406/02, que promulga o CCB de
2002, a interdição muda de perspectiva e adota novos critérios para sua concessão.
De acordo com o CCB, a interdição absoluta é tipificada no artigo 3o, inciso II,
que se refere aos que são absolutamente incapazes de exercer os atos de vida civil
por enfermidade mental ou deficiência mental e que não tiveram o discernimento
para a prática de tais atos. No caso específico do inciso III, pode-se determinar essa
interdição de maneira “transitória”, quando o cidadão não puder exprimir sua
vontade.
Em relação à interdição relativa, o artigo 4o versa que são incapazes relativamente
a certos atos, ou à maneira de exercê-los, aqueles que, pelo inciso II, são
considerados ébrios habituais, viciados em tóxicos, e os que por deficiência mental
tenham o discernimento reduzido, ou os que, pelo inciso III, são excepcionais
(surdos, cegos, motores) sem desenvolvimento mental completo ou, de acordo com
o inciso IV, os pródigos.1
O conceito de prodigalidade não é clínico, e sim jurídico, e vem de prodigus, que
é aquele que dissipa, desperdiça e malbarata, ou seja, aquele que exerce gastos
excessivos de seu patrimônio.
O discernimento é o critério psicológico atrelado à condição patológica que vai
definir a capacidade de exercer as atividades de vida civil. Entende-se que o prejuízo
pleno ou parcial do juízo crítico decorrente de uma enfermidade mental, ou seja, a
inabilidade de compreender qual a melhor decisão para os interesses de si próprio,
em detrimento de uma doença, é o que vai definir a interdição.
A simulação deve ser sempre considerada no contexto forense por ser muito
frequente nessa área da psiquiatria, desde sua primeira referência em literatura
científica, em 1843, por Gavin, em seu livro On feigned a facticious diseases chiefly of
soldiers and seamen. Segundo Rogers e cols., a prevalência de simuladores em
ambientes forenses é de 15,7%, em detrimento dos não forenses, que é de 7,4%. A
simulação tende a acontecer quando o examinado percebe que há um contexto
adverso ao exame ou quando o ganho pessoal é muito alto.
A definição de simulação pode advir do dicionário, onde se expressa como fazer
algo parecer real; por outro lado, o DSM institui que simulação é a produção
intencional de sintomas físicos ou psicológicos falsos ou amplamente exagerados. É
importante ressaltar que simulação não é transtorno mental, mas uma condição que
pode interferir no foco clínico ou influenciar o estado de saúde e o contato com seus
serviços. É categorizada na CID-10 sob o código Z76.5.
A simulação pode ser classificada de várias maneiras; contudo, a principal
classificação é a de Resnick. Segundo Resnick, a simulação pode ser dividida em:
pura, na qual o transtorno não existe; parcial, que se dá através do exagero grosseiro
e consciente dos sintomas; e falsa imputação, sendo um tipo específico ao qual se
atribuem sintomas que não são dessa etiologia. Outra classificação é aquela que
decompõe a simulação em quatro subtipos, sendo estes: a supersimulação, quando
há exagero ou criação de sinais e sintomas; a metassimulação, que é a persistência de
modo intencional após cessação dos sintomas; a pré-simulação, também chamada de
simulação antecipada, no caso de premeditação ou ação planejada; e a dissimulação
ou simulação negativa, descrita pela ocultação ou minimização dos sinais e sintomas.
Dentre os transtornos mais simulados podem ser citados os transtornos
dissociativos de identidade, as psicoses, a suicidabilidade, o transtorno do estresse
pós-traumático, os déficits cognitivos e as amnésias. Dentre os sintomas são descritos
ideação suicida, choro durante a entrevista, alucinações visuais, sintomas sem
coerência clínica, comportamentos exagerados e atitudes dramáticas. Todavia, é
importante diferenciar a simulação de outros transtornos que mimetizam condições
clínicas, como os transtornos factícios e os transtornos dissociativos. No caso da
simulação, a produção de sintomas é consciente e intencional, diferentemente dos
transtornos factícios, nos quais a produção de sintomas se dá de maneira
inconsciente e intencional. Os transtornos dissociativos têm seus sintomas ligados ao
inconsciente e sua produção se dá de modo não intencional. A frequência de
simuladores é maior nos portadores de transtornos de personalidade do grupamento
B (antissocial, borderline, histriônico e narcisista).
Existem estratégias para se evitar passar despercebido pelo contexto da
simulação, dentre as quais podem ser citadas o uso de testes psicológicos, entrevistas
com terceiros, avaliação de histórico escolar, laboral, infantil, militar, coletar
arquivos pessoais e comparar com as informações ditas, repetir questionamentos,
certificar-se da informação coletada com o periciando e comparar com o que a
família estiver relatando, além de não usar uma postura de enfrentamento.
1 Quando este capítulo foi escrito, a lei estava para ser atualizada, de modo que o leitor deve manter-se atento a
eventuais alterações.