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A psiquiatria forense é uma área de atuação da psiquiatria que tem como

peculiaridade a associação do conhecimento psiquiátrico aos aspectos legais. Para ser


médico psiquiatra forense é necessária a formação médica com especializações em
psiquiatria e posteriormente em psiquiatria forense. Esse profissional deve ter a
aptidão técnica exigida e acumular conhecimento jurídico para aplicabilidade de seu
saber. Dentre as atribuições que lhe cabem são descritas a elaboração de laudos
médico-legais nos diversos domínios do Direito, o exercício da assistência na
psiquiatria prisional e consultoria ética, onde existam dilemas éticos presentes.

Antes da descrição dos aspectos históricos da psiquiatria forense é importante um


resgate sobre a evolução da sociedade, o surgimento das leis e da psiquiatria como
ciência e posteriormente como base de uma medicina legal.
Nas eras primitivas o homem tinha em seu entendimento uma interpretação
mágico-mística da “loucura”, visto que no momento em que um indivíduo entrava
em surto psicótico ou tinha uma crise epiléptica se justificava tal fenômeno como
uma “possessão demoníaca”. No Egito antigo e na Grécia clássica alguns médicos
faziam referência a alterações orgânicas que ocasionavam manifestações
psicopatológicas. Hipócrates narra em seus escritos que haveria uma biotipologia
relacionada com os humores, os quais eram bile amarela, bile negra, sangue e
fleuma, e que do desequilíbrio desses humores surgiriam alterações no
temperamento e comportamento. Contudo, o pensamento de que a “loucura” era de
caráter divino se perpetuou até a era moderna.
A era moderna se caracteriza por um período de transição entre as manifestações
psiquiátricas como sintomas divinos e o estabelecimento da psiquiatria como ciência.
Nesse momento surge em Valência, na Espanha, o primeiro hospital que cuidaria das
pessoas acometidas pelas doenças da alma, administrado pelo Frei Juan Gilbert Jofré.
Também surgem diversos médicos que iniciaram os estudos do sistema nervoso
central, dentre os quais podem ser citados William Harvey, Thomas Sydeham,
Hermann Boerhaave, Thomas Willis e William Cullen. A partir dessa visão
organicista da doença mental iniciou-se o entendimento de que as doenças da alma
estariam relacionadas com alterações orgânicas ou metabólicas e não com entidades
divinas.
Paralelamente ao desenvolvimento do conhecimento médico há uma estruturação
de um modelo de leis, desde o código legal mais antigo, o UR-NAMMU, passando
pelo Código de Hamurabi, que expressava exemplos cíveis e criminais e como
deveria ser aplicada a penalidade de acordo com cada situação. No ano de 450 a.C.
foi aprovada e fixada no fórum romano “A Lei das XII Tábuas”, um conjunto de leis
codificadas em 12 tábuas de bronze ou carvalho, com base na cultura e nos valores
morais greco-romanos, e que é a base de todo o sistema legal da sociedade ocidental.
Ainda no período clássico o Imperador Justiniano sistematizou um conjunto de leis e
elaborou um código que chamou de Corpus Juris Civilis, o que seria o embrião para o
código civil vigente em nosso país.
Em 1789 tem início a Revolução Francesa, modificando todo o sistema de leis e
modelos médicos vigentes. Em 1794, Philippe Pinel apresentou sua monografia
Memórias da loucura, considerado o primeiro texto científico da especialidade
psiquiatria. Uma das contribuições de Pinel para a psiquiatria, especificamente para a
área forense, foi a de que em uma situação onde houvesse agitação psicomotora
dever-se-ia “dominar o louco agitado, respeitando os direitos humanos” (Weiner,
1992). Em 1838, o psiquiatra francês Jean-Étienne Esquirol, discípulo de Pinel,
lutou pela assistência aos doentes mentais e conseguiu que fosse aprovada pelo
governo francês uma lei de proteção a esses enfermos.
A psiquiatria forense se estabelece a partir de uma interface entre a medicina
legal e a psiquiatria. A medicina legal surge como ciência graças ao médico Paulo
Zacchia, então médico do papa Inocêncio X, quando se torna um legumperitu dos
tribunais eclesiásticos e elabora a primeira obra de medicina legal, chamada
Quaestionum medico-legalium. Nessa obra, Zacchia elabora doutrinas específicas para
cada área da medicina. No Brasil, a medicina legal pode ser dividida em três
períodos: o estrangeiro, em que se compilavam publicações da medicina legal
francesa, o de transição e o terceiro, que é denominado nacionalista. No último
período se destaca o médico Raimundo Nina Rodrigues, que sistematizou a medicina
legal brasileira.
A psiquiatria, dentre as especialidades médicas, sempre se mostrou a mais
próxima da medicina legal, inclusive do ponto de vista acadêmico, visto que ambas
as disciplinas faziam parte do mesmo departamento em algumas universidades do
Brasil. Essa proximidade se deu por intermédio de Raimundo Nina Rodrigues,
Afrânio Peixoto e Franco da Rocha, que publicaram artigos sobre esse tema
específico, surgindo assim o tema psiquiatria forense. A partir de 1921 começam a
surgir os Hospitais de Custódia e Tratamento, sendo o primeiro no Rio de Janeiro,
administrado por Heitor Carrilho, responsável por sistematizar a psicopatologia
forense. Em seguida surgiu o Instituto Psiquiátrico Forense Dr. Maurício Cardoso
(IPFMC), no Rio Grande do Sul, em 1925.
A psiquiatria forense surge como área de atuação médica somente em 1995 com a
criação do Departamento de Ética e Psiquiatria Legal (DEPL) na Associação
Brasileira de Psiquiatria (ABP), em assembleia geral durante o XIV Congresso
Brasileiro de Psiquiatria. O DEPL foi responsável pela criação do Título de
Especialista em Psiquiatria: Área de Atuação Psiquiatria Forense, concedido pela
Associação Médica Brasileira (AMB), pela ABP e pela Associação Brasileira de
Medicina Legal (ABML). Em 2006, o Professor Dr. José Geraldo Vernet Taborda foi
responsável pela criação da primeira residência médica em psiquiatria forense pela
Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA/IPFMC).

O exame pericial é semelhante ao clínico psiquiátrico, divergindo apenas em sua


finalidade. Quando se realiza um exame psiquiátrico normal, o objetivo que se
deseja alcançar é a definição de um diagnóstico para a elaboração de um tratamento e
para alcançar a estabilização ou melhora de um transtorno. No exame psiquiátrico
pericial, por outro lado, a proposta final é definir um diagnóstico que irá nortear,
por meio de comentários médico-legais, conclusões a respeito da relação de uma
patologia mental e suas consequências no entendimento jurídico.
Ao se avaliar a estrutura de um exame pericial, deve-se dividi-la em duas linhas
de investigação. A primeira será a linha horizontal, na qual se lança mão de uma
anamnese completa, coletando dados da história social (dados no nascimento,
condições do parto, histórico escolar, histórico ambiental, uso de substâncias,
relações afetivas prévias, relações interpessoais, histórico laboral e história da
moléstia atual), os antecedentes pessoais e familiares mórbidos (doenças infecciosas,
metabólicas e mentais prévias) e criminais. A segunda linha será a vertical, na qual é
feita a avaliação do exame físico, seguida da avaliação do exame de estado mental,
caracterizado pela observação psicopatológica. Será importante avaliar todas as
funções psíquicas detalhadamente (consciência, atenção, orientação, memória,
pensamento, juízo crítico, afeto, aparência, atitude, linguagem,
personalidade/conduta, sensopercepção, inteligência/cognição).
A entrevista com terceiros (vizinhos, familiares, empregadores, agentes
penitenciários) é uma estratégia importante. Por meio desse artificio não se
restringem as informações coletadas à visão do periciando, podendo ser ampliadas e
comparadas aos dados registrados.
A avaliação de documentos é um método eficaz, no qual se tem acesso aos autos
dos processos (cíveis, criminais, previdenciários, trabalhistas e administrativos), aos
atestados médicos, à história laboral por meio da carteira de trabalho, aos resumos
de altas e aos dados da internação, assim como a exames complementares realizados
previamente. Essa investigação tem um caráter peculiar, pois nela não encontramos
parcialidade, mas informações objetivas que contribuem muito para a conclusão da
perícia. Nos autos do processo temos a denúncia, documento essencial que motivará
a abertura de processo judicial.
Os exames complementares só deverão ser solicitados se forem realmente
essenciais para a conclusão da perícia. Requisitar exames sem indicação adequada
onera os cofres da Justiça e promove um atraso no tempo necessário para finalizar o
produto da perícia, que é o laudo. Dentre os exames complementares que podem
ser consultados estão os exames laboratoriais, de imagem (tomografia
computadorizada, ressonância magnética) e o eletroencefalograma.
Os testes neuropsicológicos são realizados pelos psicólogos e solicitados quando
há dúvidas para complementação da hipótese diagnóstica ou para graduação da
intensidade do transtorno, sendo sua aplicabilidade fundamentada em evidências que
sensibilizam o diagnóstico. Os testes podem ser cognitivos (WAIS, WISC,
Wisconsin) ou de personalidade (HTP, H1, Rochasch).
Em relação ao modelo de laudo, deve ficar claro que não há um único modelo, ou
um molde universal; contudo, alguns tópicos são essenciais na descrição de um laudo
pericial: (1) identificação do perito; (2) individualização da perícia; (3) motivo do
exame pericial; (4) identificação do examinando; (5) síntese processual; (6)
quesitos; (7) história social; (8) antecedentes psiquiátricos pessoais e familiares; (9)
exame físico e psicopatológico; (10) exames complementares; (11) documentos
referidos nos autos; (12) história do delito segundo periciando; (13) história do
delito segundo os autos; (14) diagnóstico e discussão; (15) comentários médico-
legais; (16) conclusão.

A perícia se define como o conjunto de procedimentos técnicos que tenha por


finalidade o esclarecimento de um fato de interesse da Justiça. Já o perito é o
profissional incumbido pela autoridade de esclarecer o fato da causa, auxiliando,
desse modo, a formação de convencimento do juiz. Portanto, a perícia e o perito
têm papeis distintos, com um exercendo um papel de “meio de prova” e o outro de
“auxiliar do juízo”. Para ser mais didático, o perito tem a função de esclarecer
aspectos técnicos que são restritos à expertise que domina, enquanto a perícia é a
atividade exercida por esse profissional que por fim produzirá um documento
médico-legal, esclarecendo as dúvidas ali encontradas.
De acordo com o CAPUT do artigo 145 do Código do Processo Civil (CPC),
“Quando a prova do fato depender do conhecimento técnico ou científico, o juiz será
assistido por um perito”; portanto, segundo normativa jurídica, quando há dúvidas
técnicas a respeito de uma temática, o juiz nomeia um profissional experiente em
determinada área com o intuito de elaborar comentários acerca de seu entendimento
sobre o tópico e emitir uma conclusão que será expressa no laudo. O juiz pode ser
provocado pelo Ministério Público ou pelo defensor, quando essas partes acharem
necessário para elucidação da querela legal.
Ao ser nomeado perito, o psiquiatra tem um prazo legal de 7 dias corridos para
aceitar ou recusar a nomeação. Caso o profissional aceite a atividade de perícia, ele
tem 45 dias para concluir seu laudo, podendo ter esse prazo estendido por mais 45
dias, se necessitar de mais informações que não puderam ser captadas nesse período.
O assistente técnico tem 10 dias a partir da emissão do documento médico-legal
para elaborar um parecer, que poderá acompanhar a conclusão do laudo, ou
questioná-lo.
Existem condições que inabilitam alguns profissionais de exercerem a atividade de
perito, como a ausência de qualificação profissional, os impedimentos, as suspeições,
os motivos de foro íntimo e os motivos de foro legítimo.
A qualificação profissional é determinada pela formação e expertise específica
(por exemplo, no caso das perícias psiquiátricas é orientado que o perito tenha
formação em psiquiatria forense e/ou título de especialista em psiquiatria forense
[PF]; entretanto, se não for possível obter em uma determinada realidade essa
condição, o profissional que estiver mais próximo do ideal poderá ser nomeado).
Os critérios de impedimento estão relacionados no artigo 134, quando envolve
juízes, e no Inciso III do artigo 138, quando se citam os peritos. Nesses casos, o
perito estará impedido de realizar perícias: (1) se for parte; (2) se houver prestado
depoimento como testemunha; (3) se for cônjuge, parente em linha reta em
qualquer grau ou parente em linha colateral em até terceiro grau da parte; (4) se for
cônjuge, parente em linha reta em qualquer grau ou parente em linha colateral em
até segundo grau do advogado da parte; (5) se for membro de administração de
pessoa jurídica que seja parte.
O artigo 135 do CPC prevê os critérios de suspeição e, de acordo com estes, o
psiquiatra será suspeito se atuar nas causas em que for: (1) amigo íntimo ou inimigo
capital de qualquer uma das partes; (2) credor ou devedor de qualquer das partes ou
mesmo ocorrer a seu cônjuge bem como a parentes; (3) herdeiro, donatário ou
empregador de qualquer das partes; (4) houver recebido presentes de qualquer uma
das partes, aconselhado em relação à causa ou auxiliado financeiramente com as
despesas do processo; (5) tiver qualquer interesse no julgamento do feito em favor
das partes.
Visto que o artigo 135 é referente aos magistrados e nele não está expressa a
suspeição da parcialidade pela condição de empregado de qualquer uma das partes,
nessa situação específica poderá ser lançado mão da suspeição por motivo de foro
íntimo, quando o perito não puder exercer sua neutralidade.
O motivo legítimo não está expresso em lei, logo só será levado em consideração
e acatado após avaliação do juiz e nele está expresso o desejo do perito de escusar-se
do cargo. Dentre os principais motivos que o jurista considera estão a ocorrência de
uma força maior impeditiva de que aceite o cargo, versar perícia a que possa
responder a grave dano a si próprio ou à sua família, versar a perícia sobre fato que
deva guardar sigilo profissional e estar ocupado com outras perícias.
Outra condição em que o psiquiatra pode atuar é a assistência técnica. Nesta,
especificamente, ele representa uma das partes e está incumbido de fiscalizar a
produção da prova pericial. O assistente técnico, ao contrário do perito designado
pelo juiz, não tem que seguir o princípio da imparcialidade, contudo deve ter uma
conduta ilibada e sempre buscar o princípio da veracidade. Isso significa que, mesmo
que o assistente técnico defenda alguém, este não pode se sujeitar a ir contra a
verdade e a justiça. O perito deve por obrigação facilitar o trabalho do assistente
técnico.

Para o estudo de perícias de responsabilidade penal é importante primeiro


entender alguns conceitos básicos, como crime, responsabilidade penal,
imputabilidade, inimputabilidade e semi-imputabilidade.
O conceito de crime é descrito como uma ação ou omissão que seja tipificada,
antijurídica e culpável. Entende-se por tipificada toda ação que tenha um artigo no
Código Penal que descreva tal situação. Uma condição antijurídica deve ser
considerada quando há ilegalidade jurídica. Um ato culpável é aquele que deve ser
incriminado, sendo ele intencional (doloso) ou não intencional (culposo).
Responsabilidade penal é atribuída ao indivíduo sobre um ato criminoso ou uma
contravenção, diferentemente da imputabilidade penal, que é uma condição
facultada na qual um crime pode ser imputado a um cidadão; no primeiro há uma
consequência, já no segundo uma causa, ou seja, a imputabilidade é uma
precondição para que ocorra a culpabilidade do agente. Por outro lado, existem os
conceitos de inimputabilidade, definida como aquele a quem não pode ser imputada
uma ação, e de semi-imputabilidade, uma condição em que não se pode imputar
completamente a ação.
De acordo com o Código Penal Brasileiro (CPB) há duas condições descritas nos
artigos 27 e 26, respectivamente, sendo a primeira cronológica, quando se refere a
menor de 18 anos, e a segunda biopsicológica, ao se referir a uma condição
patológica. Especificamente no artigo 26 do CPB temos o CAPUT, que descreve o
artigo e vai definir o que é inimputável e, no seu parágrafo único, a semi-
imputabilidade. Nesse artigo do CPB não há a exclusão do ato delituoso, contudo o
autor é isento de pena.
A doutrina do direito no Brasil prevê que um indivíduo para ser considerado
inimputável ou semi-imputável tem de preencher um critério biopsicológico,
definido como a presença de uma condição patológica associada a uma psicológica.
Isso é expresso no CAPUT da lei da seguinte maneira: “se ao tempo da ação ou
omissão e por doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado era
o indivíduo inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato e se
determinar de acordo com esse entendimento”, ou no parágrafo da mesma: “se ao
tempo da ação ou omissão e por desenvolvimento mental incompleto ou retardado
ou perturbação de saúde mental não era o indivíduo plenamente capaz de entender o
caráter ilícito do fato e se determinar de acordo com esse entendimento.” Já na
França, por exemplo, o simples fato de ter um transtorno mental (biológico) já é
critério suficiente para receber o benefício da inimputabilidade.
O critério biológico (transtorno mental) pode ser elencado em quatro situações:
a doença mental é uma condição em que há a completa abolição do juízo crítico ou
de realidade, o desenvolvimento mental retardado é representado pelo retardo
mental, o desenvolvimento mental incompleto pelos silvícolas aculturados ou
surdos-mudos que não tiveram possibilidade de conhecer formas de comunicação, e
a perturbação de saúde mental é expressa pelos quadros fronteiriços.
O critério psicológico é entendido como capacidade de entendimento (cognição)
e capacidade de determinação (volitude).
O elemento cronológico é inerente em uma perícia de responsabilidade penal, ou
seja, o critério biopsicológico tem de ser considerado no momento do delito. É
imperioso que haja nexo causal entre o delito e a sintomatologia positiva encontrada.

As perícias de responsabilidade civil são referentes aos atos de vida civil, descritos
no Código Civil Brasileiro (CCB). Esse Código regula os direitos e as obrigações de
ordem privada concernentes às pessoas e bens, ou seja, é a intervenção do Estado no
campo das relações particulares, onde os melhores interesses para o cidadão devem
ser preservados. Dentre os atos que são elencados como de vida civil pode-se
relacionar o direito a casamento, a testamento, família e sucessão, propriedade e
posse, contratos e obrigações.
A função do perito psiquiatra no processo civil é estabelecer uma ligação entre a
presença ou não de transtorno mental e sua aptidão para gerir de maneira autônoma
seus interesses, de acordo com seus valores e sua história de vida. Considerando o
aspecto cronológico, é imperativo avaliar o periciando em duas condições, sendo
uma delas o momento atual, o qual visa autorizá-lo ou não ao exercício dos atos de
vida civil, e o outro é analisar algum momento no seu passado em que tenha
praticado algum ato de vida civil com o objetivo de estabelecer sua validade jurídica.
Com o intuito pedagógico, as perícias cíveis foram categorizadas em dois grupos:
as gerais, no caso da interdição, e as específicas, no caso de nulidade de casamento,
validade de testamento, entre outros.
As perícias cíveis de interdição estão relacionadas com a incapacidade judicial do
exercício de atos de vida civil. Elas indispõem do ponto de vista legal os direitos
garantidos pelo primeiro artigo do CCB, o qual cita que “toda pessoa é capaz de
direitos e deveres de ordem civil”.
Para a doutrina jurídica, o conceito de incapacidade civil é divergente de um tipo
especifico das três capacidades citadas na norma jurídica, que são a capacidade
civil, a capacidade de direito e a capacidade de exercício e de fato. A
capacidade civil é aquela na qual o cidadão tenha os requisitos mínimos necessários
para agir por si, como indivíduo ativo ou passivo de uma relação jurídica. A
capacidade de direito é a aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações, sendo
uma das atribuições da personalidade jurídica. A capacidade de exercício e de fato é
a possibilidade de praticar por si os atos de vida civil. Logo, quando se vai interditar
um indivíduo, o que se interdita é a capacidade de exercício e de fato, visto que o
exercício de um direito e a capacidade de exercê-lo são, como regra, eventos
indissociáveis e, ambos, expressão da autonomia da pessoa.
Historicamente a interdição é tipificada no CCB de 1916, de maneira ampla,
quando em sua definição, no artigo 5o, inciso II, se reporta aos cidadãos “loucos de
todo gênero” e tem como única alternativa a interdição absoluta. Com a evolução do
Código Civil e por fim com a aprovação da Lei 10.406/02, que promulga o CCB de
2002, a interdição muda de perspectiva e adota novos critérios para sua concessão.
De acordo com o CCB, a interdição absoluta é tipificada no artigo 3o, inciso II,
que se refere aos que são absolutamente incapazes de exercer os atos de vida civil
por enfermidade mental ou deficiência mental e que não tiveram o discernimento
para a prática de tais atos. No caso específico do inciso III, pode-se determinar essa
interdição de maneira “transitória”, quando o cidadão não puder exprimir sua
vontade.
Em relação à interdição relativa, o artigo 4o versa que são incapazes relativamente
a certos atos, ou à maneira de exercê-los, aqueles que, pelo inciso II, são
considerados ébrios habituais, viciados em tóxicos, e os que por deficiência mental
tenham o discernimento reduzido, ou os que, pelo inciso III, são excepcionais
(surdos, cegos, motores) sem desenvolvimento mental completo ou, de acordo com
o inciso IV, os pródigos.1
O conceito de prodigalidade não é clínico, e sim jurídico, e vem de prodigus, que
é aquele que dissipa, desperdiça e malbarata, ou seja, aquele que exerce gastos
excessivos de seu patrimônio.
O discernimento é o critério psicológico atrelado à condição patológica que vai
definir a capacidade de exercer as atividades de vida civil. Entende-se que o prejuízo
pleno ou parcial do juízo crítico decorrente de uma enfermidade mental, ou seja, a
inabilidade de compreender qual a melhor decisão para os interesses de si próprio,
em detrimento de uma doença, é o que vai definir a interdição.

A simulação deve ser sempre considerada no contexto forense por ser muito
frequente nessa área da psiquiatria, desde sua primeira referência em literatura
científica, em 1843, por Gavin, em seu livro On feigned a facticious diseases chiefly of
soldiers and seamen. Segundo Rogers e cols., a prevalência de simuladores em
ambientes forenses é de 15,7%, em detrimento dos não forenses, que é de 7,4%. A
simulação tende a acontecer quando o examinado percebe que há um contexto
adverso ao exame ou quando o ganho pessoal é muito alto.
A definição de simulação pode advir do dicionário, onde se expressa como fazer
algo parecer real; por outro lado, o DSM institui que simulação é a produção
intencional de sintomas físicos ou psicológicos falsos ou amplamente exagerados. É
importante ressaltar que simulação não é transtorno mental, mas uma condição que
pode interferir no foco clínico ou influenciar o estado de saúde e o contato com seus
serviços. É categorizada na CID-10 sob o código Z76.5.
A simulação pode ser classificada de várias maneiras; contudo, a principal
classificação é a de Resnick. Segundo Resnick, a simulação pode ser dividida em:
pura, na qual o transtorno não existe; parcial, que se dá através do exagero grosseiro
e consciente dos sintomas; e falsa imputação, sendo um tipo específico ao qual se
atribuem sintomas que não são dessa etiologia. Outra classificação é aquela que
decompõe a simulação em quatro subtipos, sendo estes: a supersimulação, quando
há exagero ou criação de sinais e sintomas; a metassimulação, que é a persistência de
modo intencional após cessação dos sintomas; a pré-simulação, também chamada de
simulação antecipada, no caso de premeditação ou ação planejada; e a dissimulação
ou simulação negativa, descrita pela ocultação ou minimização dos sinais e sintomas.
Dentre os transtornos mais simulados podem ser citados os transtornos
dissociativos de identidade, as psicoses, a suicidabilidade, o transtorno do estresse
pós-traumático, os déficits cognitivos e as amnésias. Dentre os sintomas são descritos
ideação suicida, choro durante a entrevista, alucinações visuais, sintomas sem
coerência clínica, comportamentos exagerados e atitudes dramáticas. Todavia, é
importante diferenciar a simulação de outros transtornos que mimetizam condições
clínicas, como os transtornos factícios e os transtornos dissociativos. No caso da
simulação, a produção de sintomas é consciente e intencional, diferentemente dos
transtornos factícios, nos quais a produção de sintomas se dá de maneira
inconsciente e intencional. Os transtornos dissociativos têm seus sintomas ligados ao
inconsciente e sua produção se dá de modo não intencional. A frequência de
simuladores é maior nos portadores de transtornos de personalidade do grupamento
B (antissocial, borderline, histriônico e narcisista).
Existem estratégias para se evitar passar despercebido pelo contexto da
simulação, dentre as quais podem ser citadas o uso de testes psicológicos, entrevistas
com terceiros, avaliação de histórico escolar, laboral, infantil, militar, coletar
arquivos pessoais e comparar com as informações ditas, repetir questionamentos,
certificar-se da informação coletada com o periciando e comparar com o que a
família estiver relatando, além de não usar uma postura de enfrentamento.

1 Quando este capítulo foi escrito, a lei estava para ser atualizada, de modo que o leitor deve manter-se atento a
eventuais alterações.

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