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Tiago (análise)

A Epístola de Tiago é conhecida como uma das Epístolas Gerais do Novo Testamento. Esses
livros receberam esse nome porque foram escritos como cartas circulares para serem lidas em
várias igrejas. Esse aspecto está em contraste com a maioria das Epístolas Paulinas, que eram
endereçadas a igrejas específicas ou a indivíduos.

Pano de fundo

A Epístola de Tiago é o livro mais judaico do NT. Exceto por duas ou três referências a Cristo,
ele se encaixaria melhor no AT. A vida à qual as epístolas exortam é a de um judeu
profundamente piedoso, que cumpre a lei em cada um de seus pormenores. Evangelho,
redenção, encarnação e ressurreição não são mencionados nele. O interesse está nos frutos,
não nas raízes. O autor é de fato cristão, escreve a crentes, mas o foco não é como se tornar
um crente. O foco se concentra no segundo estágio, em como seguir no caminho da santidade
e traduzir as implicações éticas da nova fé em realizações práticas (Tasker, James, pág. 11). O
Evangelho cumpriu a lei.

Embora existam ali apenas cinco citações diretas ao AT (Tg 1.11; 2.8; 2.11; 2.23; 4.6), a
atmosfera do AT permeia o livro. Nele são feitas alusões a passagens das três divisões do
cânon. Entre as palavras e expressões especificamente judaicas usadas, encontram-se “Senhor
dos exércitos” (5.4) (geena, “inferno”; 3.6). Oesterley (EGT, IV, 393ss.) ressalta que um fator
judaico ainda mais convincente é o acúmulo de pequenos pontos que indicam os métodos de
pensamento, expressão e fraseologia hebraicos. Esse colorido hebraico é, ele acredita, uma
das características mais marcantes da epístola. Embora o grego dessa Epístola seja muitas
vezes tido como dos melhores do NT, a expressão dos pensamentos parece, ocasionalmente
pelo menos, ser moldada a partir de um padrão hebraico. A estranha tendência de se utilizar
assonâncias e pleonasmos, bem como uma maneira sintética e vigorosa de colocar as coisas,
são características hebraicas.

Um fato ainda mais marcante é o número de paralelos entre as epístolas e as palavras de


Jesus. Como Ross afirma, "‘essa Epístola contém mais reminiscências verbais dos ensinos de
Jesus do que qualquer outro escrito apostólico” (The Epistles of James and John, pág. 16). Em
vez de citar especificamente dos evangelhos, parece que o autor simplesmente reproduz as
palavras que ele ouviu da boca do próprio Jesus, talvez por causa da época em que
trabalharam juntos em Nazaré. Ele certamente tinha conhecimento e compartilhava das
opiniões e atitudes refletidas no Sermão da Montanha, nas parábolas e em outros ensinos
sobre a vida, a pobreza e os valores (cp. e.g., Tg 1.22 com Mt 7.20,24; Tg 3.12 com Mt 7.16; Tg
2.5 com Mt 5.3; Tg 4.11,12 com Mt 7.1; Tg 5.2 com Mt 6.19; e Tg 5.12 com Mt 5.34-37).

Quem foi Tiago?

"Tiago, servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo" (Tg 1:1a). É assim que ele se apresenta. Tiago
era um nome bastante comum, uma variação da designação Jacó do Antigo Testamento.
Encontramos vários homens com esse nome na história do Novo Testamento.

Tiago, filho de Zebedeu e irmão de João. Foi um dos indivíduos mais conhecidos com esse
nome. Era um pescador que foi chamado por Cristo para segui-lo e tornar- se um discípulo (Mt
4:1 7-22). Jesus apelidou Tiago e seu irmão João de "filhos do trovão" por causa de sua
impulsividade (Mc 3:17; Lc 9:51-56). Tiago foi o primeiro dos discípulos a dar a vida por Cristo,
sendo executado por Herodes no ano 44 d.C. (At 12:1,2).
Tiago, filho de Alfeu. Foi outro discípulo (Mt 10:3; At 1:13), mas sabemos pouca coisa sobre
ele. Mateus (Levi) também é identificado como "filho de Alfeu" (Mc 2:14), e alguns estudiosos
conjeturam que os dois talvez fossem irmãos. Não há indicação alguma de que tenha sido esse
Tiago que escreveu a epístola que vamos estudar.

Tiago, pai de Judas o discípulo. Eis um homem ainda mais desconhecido (Lc 6:16). Esse Judas é
chamado de "filho de Tiago", distinguindo-o, portanto, de Judas Iscariotes.

Tiago, irmão de nosso Senhor. Parece o candidato mais provável à autoria desta carta. Não se
identifica como irmão de Jesus, antes se refere a si mesmo humildemente como "servo de
Deus e do Senhor Jesus Cristo". Mateus 13:55,56 e Marcos 6:3 afirmam que Jesus tinha irmãos
e irmãs, e um dos seus irmãos se chamava Tiago. (Ao falar de "irmão", quero dizer,
obviamente, meio- irmão. José não era pai de Jesus, pois o menino foi concebido pelo Espírito
Santo de Deus.)

Tiago e os outros irmãos não creram em Jesus durante seu ministério aqui na Terra (Mc 3:31-
35; Jo 7:1-5). No entanto, encontramos os irmãos do Senhor no cenáculo orando com os
discípulos (At 1:14). O que os fez mudar da incredulidade para a fé? Em 1 Coríntios 15:7 há
indicações de que, depois de ressuscitar, Jesus apareceu a Tiago! Com isso, Tiago convenceu-
se de que Jesus era, verdadeiramente, o Salvador e compartilhou seu conhecimento a respeito
dele com os demais irmãos.

Tiago tornou-se o líder da igreja em Jerusalém. Em Gálatas 2:29, Paulo o chama de "coluna".
Foi ele quem serviu como moderador na assembléia descrita em Atos 15. Quando Pedro foi
liberto da prisão, enviou uma mensagem especial a Tiago (At 12:17); e quando Pauio visitou
Jerusalém, levou a Tiago saudações especiais e a "oferta de amor" dos gentios (At 21:18, 19).

Não há registro algum na Bíblia, mas, segundo a tradição, Tiago foi martirizado no ano 62 d.C.
Diz-se que os fariseus de Jerusalém odiavam de tal modo o testemunho de Tiago que o
jogaram do alto do templo e o espancaram até a morte com porretes. Essa história também
relata que, como seu Salvador, Tiago morreu orando por seus assassinos: "Pai, perdoa-lhes,
porque não sabem o que fazem".

Que tipo de homem era Tiago? Devia ser um homem profundamente espiritual, pois, de outro
modo, não teria assumido a liderança da igreja de Jerusalém em tão pouco tempo. Seu
excelente caráter fica evidente em Atos 15: o texto diz que ele permite que todas as partes se
expressem e, em seguida, chega a uma conclusão pacífica valendo-se da Palavra de Deus. Em 1
Coríntios 9:5, Paulo dá a entender que Tiago era casado. A tradição afirma que ele era um
homem de oração, o que explica sua ênfase sobre esse tema em sua epístola. Diz-se que ele
orava tanto que tinha joelhos grossos como os de um camelo!

Tiago era judeu, criado na tradição da lei de Moisés, e seu legalismo judeu destaca-se em sua
carta (ver também At 21:18ss, em que Tiago pede a Paulo que o ajude a tranqüilizar os
legalistas na igreja de Jerusalém). A Epístola de Tiago apresenta mais de cinqüenta
imperativos. Tiago não sugere - ele ordena! Cita o Antigo Testamento diretamente apenas
cinco vezes, mas, ao longo da carta, faz várias alusões a passagens do Antigo Testamento.

É bem possível que, quando ainda era um incrédulo, Tiago tenha prestado atenção nos
ensinamentos de Jesus; encontramos em seu texto uma série de alusões a palavras de Cristo,
especialmente do Sermão do Monte. As seguintes passagens podem ser comparadas:
Tiago 1:2- Mateus 5:10-12 Tiago 1:4 - Mateus 5:48 Tiago 1:5 - Mateus 7:7-12 Tiago 1:22 -
Mateus 7:21-27 Tiago 4:11, 12 - Mateus 7:1-5 Tiago 5:1-3 - Mateus 6:19-21.

É importante ter em mente que Tiago liderou a igreja de Jerusalém durante uma época
extremamente difícil. Foi um período de transição, e tempos assim são repletos de
inquietações e exigências. Muitos cristãos judeus em Jerusalém ainda se apegavam à Lei do
Antigo Testamento (At 21:20). O templo e seus cultos continuavam em funcionamento, e a luz
plena do evangelho da graça de Deus ainda não havia resplandecido. Quem leu as epístolas
aos Gálatas, aos Romanos e aos Hebreus pode ter a tendência de julgar esses primeiros
cristãos, mas não se deve fazer isso. Eram pessoas salvas, mas ainda viviam à sombra da Lei,
entrando aos poucos na luz fulgurante da graça de Deus. Apesar da existência de diferentes
graus de conhecimento e experiência espiritual, não havia competição alguma entre Paulo e os
líderes da igreja de Jerusalém (Gl 2:1-10).

Para quem Tiago escreveu?

Para as "doze tribos que se encontram na Dispersão" (Tg 1:1 b). Tiago escreveu a judeus que
viviam fora da Palestina. O termo "doze tribos" pode significar apenas o povo de Israel, a
nação judaica (At 26:7). O fato de muitos judeus viverem fora da Terra Prometida mostra o
declínio espiritual de sua nação naquele tempo. Deus os havia dispersado (Dt 4:25ss). Quando
Pedro dirigiu-se àquela grande congregação de judeus em Pentecostes, falou a homens de
diversas nações (At 2:9-11).

Tiago enviou sua carta a judeus cristãos. Em pelo menos dezenove ocasiões, dirige-se a eles
como "irmãos", indicando não apenas que eram "irmãos na carne" (compatriotas judeus), mas
também "irmãos no Senhor". Tiago expõe de modo extremamente claro a doutrina do novo
nascimento (Tg 1:18). Em certas ocasiões, se dirige também a homens perversos que não eram
parte da congregação (como é o caso dos ricos em Tg 5:1-6); mas o faz com o propósito de
ensinar e de encorajar os judeus salvos para os quais enviou a epístola.

O termo "dispersão", em Tiago 1:1, é interessante. Essa designação era usada para identificar
os judeus que moravam fora da Palestina. Mas o termo grego dá a idéia de "espalhar
sementes". Quando os cristãos judeus foram dispersos na primeira onda de perseguição (At
8:1, 4), na verdade o que ocorreu foi uma semeadura em diversos lugares, e muitas dessas
sementes deram frutos (At 11:19ss).

Os cristãos judeus espalhados por todo o império romano tinham necessidades e problemas
específicos. Pelo fato de serem judeus, sofriam a rejeição dos gentios, e, pelo fato de serem
judeus cristãos, eram rejeitados pelos próprios compatriotas. Essa carta indica que a maioria
desses cristãos era pobre e que alguns deles eram oprimidos pelos ricos.

Por que Tiago lhes escreveu?

Cada epístola do Novo Testamento tem o próprio tema, um propósito e destinatários


específicos. Paulo escreveu a Epístola aos Romanos a fim de preparar os cristãos de Roma para
a visita que pretendia lhes fazer. Primeira aos Coríntios foi uma carta enviada à igreja de
Corinto com o objetivo de sanar certos problemas. Gálatas foi escrita para um grupo de igrejas,
a fim de advertir sobre o legalismo e sobre falsos ensinamentos.

Ao ler a Epístola de Tiago, observamos que esses cristãos judeus tinham alguns problemas em
sua vida pessoal e na congregação. Dentre outras coisas, passavam por grandes provações e
enfrentavam tentações. Alguns cristãos davam toda a atenção aos ricos, enquanto outros
eram roubados pelos ricos. Os membros da igreja competiam por cargos de liderança,
especialmente na área do ensino.

Uma das principais dificuldades da igreja era que muitos de seus membros não viviam de
acordo com sua profissão de fé. Além disso, a língua também causava problemas sérios, a
ponto de gerar conflitos e divisões na congregação. Outro problema dizia respeito à
mentalidade mundana. Alguns cristãos estavam desobedecendo à Palavra de Deus e, por
causa disso, ficaram fisicamente enfermos; alguns estavam se afastando do Senhor e da igreja.

Recapitulando essa lista de problemas, será que parecem muito diferentes das dificuldades
que enfrentamos na maioria das igrejas locais hoje? Acaso não temos em nossas igrejas
pessoas que sofrem por algum motivo? Não temos membros que vivem de modo que não
condiz com seu discurso? O mundanismo não continua sendo um problema sério? Não existem
cristãos incapazes de controlar a língua? Parece que Tiago trata de questões extremamente
atuais.

No entanto, Tiago não discute uma série de problemas variados. Todos esses conflitos têm
uma só causa: a imaturidade espiritual. Os cristãos simplesmente não estavam crescendo. Isso
dá uma dica sobre o tema da carta: as características da vida cristã madura. Em várias
ocasiões, Tiago usa o termo perfeito, uma palavra que significa "maduro, completo" (ver Tg
1:4, 17, 25; 2:22; 3:2). Quando fala de um "perfeito varão" (Tg 3:2) não se refere a um homem
impecável, mas sim a um indivíduo maduro, equilibrado e adulto.

A maturidade espiritual é uma das grandes necessidades da Igreja de hoje. Muitas


congregações são áreas de recreação para criancinhas, não áreas de trabalho para adultos. Os
membros não têm maturidade suficiente para ingerir o alimento espiritual sólido de que
necessitam, de modo que precisam ser nutridos com leite (Hb 5:11-14). Ao ver alguns
problemas com os quais Tiago lidava, percebemos que todos apresentam características de
crianças pequenas.

Impaciência em meio às dificuldades - 1:1-4

Dizer a verdade, mas não a praticar - 2:14ss

Nenhum controle sobre a língua - 3:1 ss Brigas e cobiça - 4:1 ss Coleção de "brinquedos"
materiais - 5:1 ss

A imaturidade espiritual é um dos maiores problema das igrejas hoje. Deus procura pessoas
maduras para realizar sua obra e, por vezes, só consegue encontrar crianças incapazes de
conviver com os demais membros da congregação.

Os cinco capítulos desta carta sugerem cinco características do cristão maduro. À medida que
se examina cada capítulo, vê-se que a ênfase é na maturidade espiritual e em como obtê-la.

A Epístola de Tiago é uma seqüência lógica da Epístola aos Hebreus, pois um dos temas
centrais de Hebreus é a perfeição espiritual. O termo perfeito e seus correlatos são usados em
Hebreus pelo menos catorze vezes. O versículo-chave é Hebreus 6:1 - "Deixemo-nos levar para
o que é perfeito", ou seja, para a "maturidade espiritual". O autor de Hebreus explica a
salvação perfeita disponível em Cristo. Tiago exorta seus leitores a que se desenvolvam sobre
o alicerce dessa salvação perfeita e cresçam em maturidade. Sem a obra perfeita de Cristo, não
seria possível o aperfeiçoamento do cristão.

Data
Não há evidência na epístola ou de fontes externas que ajudem a determinar exatamente a
data em que foi escrita esta carta. Alguns estudiosos conservadores argumentam que esta
carta pode ter sido escrita em 45 d.C., outros já acreditam que ela foi escrita em 62 d.C. As
datas mais precoces se baseiam no fato de que na epístola o autor não faz nenhuma menção
do problema da admissão de gentios na Igreja. Sabemos que Tiago estava profundamente
preocupado com esta questão numa época posterior. Aqueles que propõem uma data
posterior ressaltam a condição relativamente estabelecida da Igreja refletida na epístola. Tiago
não parece estar muito preocupado em colocar os fundamentos e ressaltar doutrinas
evangélicas para uma Igreja que está dando seus primeiros passos na fé. Isto favorece a idéia
de a epístola ter sido escrita numa data posterior. Assim, o conteúdo sugere que esta carta foi
escrita numa data posterior às cartas aos Gálatas e aos Romanos, nas quais o autor tratou de
assuntos doutrinários fundamentais. O aspecto-chave não é o ano exato, mas o período. Se,
como tudo indica, Tiago foi martirizado em 63 d.C., a epístola obviamente foi escrita antes
dessa data.

Antecedentes Históricos

A igreja de Tiago existiu em Jerusalém durante cerca de 15 anos, após a ressurreição de Cristo.
Na verdade, tratava-se de uma série de lares transformados em igrejas, ou sinagogas cristãs,
cada uma das quais não teria mais do que sessenta membros; a maioria delas em bem menor,
com vinte ou trinta membros. Estes se reuniam para adoração, havendo com certeza alguma
forma modificada de liturgia da sinagoga e, logo depois, a celebração da santa ceia do Senhor.
Gostavam também de celebrar as festas judaicas e os cultos do templo, como o livro de Atos
nos mostra. Cada lar-igreja era dirigido por um ou mais presbíteros. Estes formavam um grupo
presidido por Tiago e tinham a responsabilidade de governar a igreja. Também havia os
diáconos (como em Atos 6), cuja função era coletar contribuições para caridade e distribuí-las
entre os membros mais pobres da igreja.

Havia muitos membros pobres, visto que a igreja, como um todo, era pobre. Razões havia para
isso. Primeiramente, muitos membros da igreja eram de fora de Jerusalém e não podiam
exercer seu ofício na cidade (e.g., Pedro e André eram pescadores). Alguns deles eram
peregrinos que se converteram nas épocas de festivais, os quais decidiram não voltar para
casa, pois em suas cidades de origem não havia igrejas que pudessem nutri-los
espiritualmente. Em segundo lugar, havia inúmeros turistas, por assim dizer, que desejavam
conhecer mais a respeito do cristianismo em sua cidade de origem. Esses precisavam de
alimento, de moradia e até de vestuário, sendo a hospitalidade um dever importante da igreja
(veja o Didaquê quanto à forma em que esse ministério operaria no final daquele século).

Em terceiro lugar, o cristianismo sempre tendeu a ter forte apelo junto aos pobres e
oprimidos: prostitutas, ladrões, coletores de impostos e pessoas semelhantes, todos eram
atraídos pela promessa de perdão; os ricos e os poderosos, por sua vez, viam nos crentes um
grupo de pessoas com quem preferiam não se associar. Os pobres ouviam uma mensagem de
fé, de esperança e de justiça (Jesus vai voltar); é a eles que Tiago chama de “ricos na fé” (2:5).
Em quarto lugar, muitos anciãos iam a Jerusalém só para morrer. Ao ouvirem falar da
ressurreição de Jesus e se converterem, ficavam sob os cuidados da igreja. Não seria de
surpreender que em certos casos os filhos que, até então, antes de converter-se vinham
sustentando seus pais envelhecidos, agora usam a conversão como boa desculpa para
interromper o sustento material. Ficamos imaginando também o que aconteceu depois que
“grande parte dos sacerdotes obedecia à fé” (Atos 6:7). Em quinto lugar, Jerusalém passou por
grandes dificuldades econômicas. A cidade estava situada em área economicamente marginal,
vítima de manobras políticas, defendida mais por razões bélicas do que econômicas. Na
década de quarenta, houve uma série de fomes que levou os aristocratas ricos de fora da
Palestina a mandar alimentos aos judeus famintos de Jerusalém. A igreja sofria junto com o
resto do povo, mas é provável que tenha recebido só pequena parte da ajuda ao povo em
geral.

Finalmente, houve a perseguição. As perseguições em Jerusalém raramente eram violentas,


mas os cristãos constituíam uma “seita” desprezada. Isso tornou se realidade marcante mais
tarde, quando os crentes se recusaram a participar de movimentos patrióticos que visavam à
libertação da Palestina. A perseguição poderia sobrevir disfarçada de formas sutis: o
trabalhador conhecido por ser cristão poderia ser o último a ser contratado para trabalhar e o
primeiro a ser despedido numa crise econômica. Se um cristão fosse roubado ou enganado em
seu salário ou em outros direitos, por um patrão judeu, o simples fato de esse empregado ser
cristão o transformaria em vítima de preconceito, e ele sairia prejudicado numa decisão de
tribunal. Nada disso ajudava a igreja a enriquecer.

Os tempos eram tumultuados. Herodes Agripa I, que havia sido um bom rei, morreu de
repente em 44 d.C., após um reinado de apenas 4 anos. Uma série de procuradores veniais o
sucedeu. Só Festo, de curta atuação, foi governo decente.

Aqueles homens estavam abertos à corrupção e a todo tipo de suborno, e desprezavam os


judeus. Sob a chefia deles, os zelotes se levantaram criando a “Frente de Libertação da
Palestina”, começando a atacar romanos e simpatizantes de romanos: o banditismo, a coerção
e o rapto em troca de dinheiro de resgate tornaram-se a norma. O procônsul romano
freqüentemente soltava os terroristas (zelotes) se recebessem suborno, dinheiro que em geral
era roubado dos simpatizantes dos romanos.

A situação do templo não era melhor. As famílias dos sumos sacerdotes lutavam para
prosseguir no controle desse cargo; o sumo sacerdote era substituído a cada dois anos. Muitos
dos judeus achavam que aquela gente toda, para início de conversa, não tinha legitimidade
sacerdotal, pois não era descendente de Zadoque (1 Samuel 2:27-36; 2 Samuel 15:24-29; 1
Reis 2:26-27; 4:2 — o último sumo sacerdote dessa linhagem havia sido morto em 170 a.C.). As
famílias clericais de menor prestígio eram oprimidas pelas famílias sacerdotais mais
importantes, que também as discriminavam; os grupos sacerdotais mais poderosos eram
conhecidos pela luxúria, pela opressão contra os pobres e pela maledicência e intriga. De
modo algum eram líderes espirituais, conquanto fossem poderosos economicamente.

Havia nessa região cinco grupos econômicos. No fundo, em último lugar, ficavam os escravos,
os quais não eram numerosos na Palestina (em contraste com o resto do Império), visto que,
por causa da lei judaica, era mais barato contratar trabalhadores do que ter escravos. Se esses
se convertessem, deveriam ser libertados no ano sabático. A seguir, vinham dois grupos de
camponeses. O grupo mais pobre era o que não tinha terras e trabalhava por um salário diário;
em não havendo trabalho, tais pessoas passavam fome. O grupo menos pobre era constituído
de fazendeiros e artesões. Os fazendeiros eram donos de suas terras, se tivessem esse
privilégio, mas muitos haviam sido forçados a vender suas fazendas, em épocas difíceis, aos
mais poderosos, e agora trabalhavam como colonos ou meeiros, repartindo as colheitas das
terras que uma vez pertenceram às suas famílias. O grupo seguinte, na escala social, eram os
comerciantes, que, como um todo, tinham maiores possibilidades de ascensão social. Alguns já
eram ricos; outros tinham o suficiente. Visto que Jerusalém não era um centro comercial, esses
negociantes em geral precisavam viajar a fim de conseguir realizar negócios, a menos que
participassem do comércio relacionado ao templo. Muitos deles, entretanto, conseguiam
morar em Jerusalém pelo menos parte do tempo. No topo da escala social estavam os grandes
latifundiários, inclusive as famílias sacerdotais. Possuíam grandes fazendas cultivadas por
peões e administradores, de modo que podiam ficar em Jerusalém usufruindo suas rendas e
governando a nação.

A igreja de Tiago vivia no meio desse mundo que entrava em colapso. Embora a igreja, como
um todo, estava crescendo e espalhando-se pelo mundo, os crentes sentiam-se oprimidos. Em
seu sofrimento, tinham a tendência a imitar o mundo e tentavam obter poder dentro da igreja.
Havia também certo enfado com respeito à igreja e certa impaciência quanto à demora no
retomo de Cristo. A luta pelo poder combinava-se com esse enfado e produzia facções
internas, bisbilhotices e queixumes. Estando a igreja em estado de insegurança econômica, os
crentes tendiam a procurar captar as boas graças dos poucos membros ricos da igreja,
sobreviver à custa da caridade alheia e, de modo geral, “procurar os primeiros lugares”. Tiago
detecta um mundanismo generalizado, a despeito da boa freqüência aos cultos. Essa é a
situação que desafia Tiago, e que ele procura corrigir com uma carta severa, designada com o
propósito de sacudir a igreja de sua letargia.

Propósito e teologia

Tiago escreveu a cristãos judeus que enfrentavam provação e perseguição. Debaixo da ameaça
de perseguição, os leitores começavam a pensar em abandonar seu compromisso cristão e
estavam se acomodando ao mundo. Tiago fala como pastor ao exortar seus amigos a
desenvolver perseverança espiritual diante da perseguição. Fala também como profeta ao
exortar aqueles que estavam pensando em abandonar a fé em vez de comprová-la.

Alguns estudiosos de Tiago afirmam que o livro carece de ênfases doutrinárias. É verdade que
Tiago pressupõe algumas doutrinas comuns entre ele e seus leitores e que ele não elaborou
um tratado sobre todas as suas convicções. Ele afirma a unicidade de Deus (2.19; 4.12) e
enfatiza a bondade (1.17), a graça (4.6- 8) e o juízo divinos (2.13). Ele frisa muito a volta de
Cristo (5.7-11). Em 1.12-15, apresenta uma análise da tentação e do pecado, indicando que a
cobiça humana é a fonte do pecado. Grande parte do conteúdo de Tiago traduz seu esforço de
chamar indivíduos e a igreja de volta ao pleno compromisso com Deus e a uma preocupação
fraternal plena.

Esboço

I. Introdução, 1.1

II. Firmes na Fé, 1.2-27

A. A Atitude Cristã em Relação às Provas, 1.2-4

B. A Oração pelo Melhor de Deus, 1.5-8

C. Verdadeiras Riquezas, 1.9-11

D. Entendendo Prova e Tentação, 1.12-18

E. Obedientes à Verdade Divina, 1.19-27

III. Padrões de Valores Cristãos, 2.1-13

A. A Falsa Medida dos Homens, 2.1-4


B. A Verdadeira Medida dos Homens, 2.5-7

C. A Lei que Está Sempre Certa, 2.8-13

IV. Obras Seguem a Fé Verdadeira, 2.14-26

A. Quando a Fé Não é Fé, 2.14-17

B. Uma Objeção Respondida, 2.18-19

C. Provas da História Hebraica, 2.20-26

V. Discurso Cristão, 3.1-12

A. Responsabilidade dos Mestres, 3.1,2a

B. O Uso Correto da Língua, 3.2b-5a

C. Tragédias da Língua, 3.5b,6

D. A Língua Indomável, 3.7,8

E. Purifique o Coração para Controlar a Língua, 3.9-12

VI. A Sabedoria de Deus, 3.13-18

A. A Sabedoria é o que Sabedoria Faz, 3.13

B. Sabedoria Carnal, 3.14-16

C. Sabedoria do Alto, 3.17,18

VII. Chamado à Santidade Cristã, 4.1-17

A. A Causa Interior de Conflito, 4.1-4

B. Deus Quer um Povo Santo, 4.5-10

C. O Mal de Falar Mal, 4.11,12

D. Reconheça a Presença de Deus, 4.13-17

VIII. Julgamento dos Ricos Opressores, 5.1-6

A. O Ai Pronunciado, 5.1

B. Acúmulo Egoísta, 5.2,3

C. Acúmulo Desonesto, 5.4, 6

D. Satisfação Egoísta, 5.5

IX. A Segunda Vinda, Esperança dos Cristãos, 5.7-12

A. Cristo Está Voltando, 5.7,8

B. A Pressão nos Induz à Impaciência, 5.9

C. Exemplos de Paciência, 5.10,11

D. O Juramento é Proibido, 5.12


X. Oração, Fé e Restauração, 5.13-20

A. Oração e Louvor, 5.13

B. Oração e Fé por Cura, 5.14-18

C. Restaurando o Apóstata, 5.19,20

*Fontes

Comentário bíblico BEACON

Enciclopédia da Bíblia (Cultura Cristã)

Manual Bíblico – VIDA NOVA (David S.Dockery)

Novo Comentário Bíblico Comtemporâneo

Comentário bíblico Warren W. Wiersbe

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