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Testes de diagnóstico em pré-natal:

quais e quando?

Fabiana Ramos
Serviço de Genética Médica
Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra

3 DE JUNHO DE 2022
CENTRO HOSPITALAR E UNIVERSITÁRIO DE COIMBRA
Testes de diagnóstico em pré-natal: quais e quando?

Prevalência das Doenças Genéticas


2 a 3% dos recém-nascidos
** Muito maior nos fetos
** Causa de grande morbi-
mortalidade
** Justifica investigação etiológica
ou exclusão de causas mais frequente

O fenótipo fetal
é inespecífico/incompleto na
maioria dos casos
Testes de diagnóstico em pré-natal: quais e quando?

Prevalência das Doenças Genéticas


2 a 3% dos recém-nascidos
** Muito maior nos fetos
** Causa de grande morbi-
mortalidade
** Justifica investigação etiológica
ou exclusão de causas mais frequente

O fenótipo fetal
Como investigamos? é inespecífico/incompleto na
maioria dos casos
Investigação etiológica ao longo do tempo
A partir de 2012
Acréscimo de diagnóstico de
2 a 13% (~6%) nos fetos com
anomalias
1º linha de avaliação nas anomalias
estruturais (ACOG; SMFM 2016)

Adaptado de Current Opinion in Pediatrics. 26(6):634–638


Investigação etiológica ao longo do tempo
Cromossomopatias
Doenças Monogénicas

NGS

>2005/2008

Adaptado de Current Opinion in Pediatrics. 26(6):634–638


Cariótipo (citogenética convencional)

Padrão-ouro para o Identificação de


diagnóstico pré-natal – alterações equilibradas e
1966 até 2000 desequilibradas

Resolução é determinada Laborioso (cultura celular,


pelo número de bandas “bandagem”, análise
visíveis celular microscópica)
• 3 a 10 Mb (3 a 10 milhões de • 10 a 21 dias para o resultado
pares de bases)

Limitações: falha de
crescimento, crescimento
lento, “baixa qualidade”
dos cromossomas
(resolução)
Cariótipo (citogenética convencional)

Elevada capacidade de • Rastreio com risco acrescido (combinado, 2º trimestre, NIPT)


diagnóstico/exclusão de • Antecedentes de cromossomopatia (aneuploidias)
alterações em grupos • Casais portadores de rearranjos equilibrados
• Idade materna avançada
específicos

Capacidade mais limitada


de detecção de alterações
nas anomalias ecográficas

8 a 35%
Cariótipo (citogenética convencional)

Elevada capacidade de • Rastreio com risco acrescido (combinado, 2º trimestre, NIPT)


diagnóstico/exclusão de • Antecedentes de cromossomopatia (aneuploidias)
alterações em grupos • Casais portadores de rearranjos equilibrados
• Idade materna avançada
específicos

Capacidade mais limitada


de detecção de alterações
nas anomalias ecográficas

Neste grupo: a utilização do FISH/MLPA/QF-PCR


para síndromes8dea microduplicação/deleção
35% permitiu
alguns diagnósticos com melhoria da tx de deteção

No entanto: muitas alterações submicroscópicas


não identificadas
FISH

Microdeleção 22q11.2
Estudo cromossómico em array
Estudo cromossómico em array

Cariótipo
Molecular –
[2005 DPN]

Identifica
perdas e ganhos • Resolução de 50 a 100Kb (CNV –
Copy Number Variation)
de sequências
• Muito superior a do cariótipo
de DNA ao • X 100
longo do • Caracterização de microdeleções e
genoma numa duplicações
única análise
Estudo cromossómico em array
• Vantagens: Desvantagens:

• Não requer cultura celular  Detecção de variantes de significado


• Fetos mortos ou macerados
clínico desconhecido (VUS)
 Aconselhamento genético seja mais
• Produtos de abortamento complexo

• Não introduz erros mitóticos


(artefatos de cultura)  Não detecção de rearranjos
equilibrados
 Translocações
• Alta resolução  Inversões

• Não necessita “conhecer a sequência  Não detecção de mosaicismos (≤20%)


a ser analisada”
 Custos?
• Vantagem sobre FISH e MLPA
Estudo cromossómico em array

Capacidade de detecção de
alterações:

2 a 13% a mais que o cariótipo

6% a 8% nos fetos com anomalias


estruturais
Estudo cromossómico em array

Capacidade de detecção de
alterações:

2 a 13% a mais que o cariótipo


Teste de primeira linha na investigação
de fetos com anomalias isoladas ou múltiplas
6% a 8% nos fetos com ser utilizado após a exclusão de
Poderá/deverá
anomaliasaneuploidias
estruturaispor teste rápido.
Doenças Monogénicas
E nos fetos
com NGS

>2005/2008

anomalias e
estudo
cromossómico
normal ou
inconclusivo?
Adaptado de Current Opinion in Pediatrics. 26(6):634–638
Next Generation
Sequencing
• Sequenciar vários genes ao mesmo tempo ou todo
o genoma
• Doenças com heterogeneidade gênica
• Quadro clínico inespecífico/sem suspeita de
diagnóstico

• Painéis de genes
• alguns genes a milhares
• Variação de sequência e CNVs
Adaptado de Current Opinion in Pediatrics. 26(6):634–638
• Whole exome sequencing (WES) – (Exoma)
• Variações de sequência e CNVs

• Whole genome sequencing (WGS) – (Genoma)


• Variações de sequência e CNVs
• Rearranjos equilibrados
Next Generation
Sequencing

• Sequenciação de milhares a milhões de


fragmentos de DNA em paralelo seguido de
análise bioinformática da informação e
comparação com sequência de referência

• Custo-efetivo
• Sequenciação de Sanger
Painéis
Vantagens

Custo-efetivo
• Mais genes em menos tempo

Boa cobertura das regiões-alvo


https://www.unmc.edu/bsbc/education/courses/gcba815/week8-NGS-RNAseq.pdf

Aumento da taxa de diagnóstico  Desvantagens


 Necessidade de atualizações frequentes
• Doenças com heterogeneidade génica
 Necessidade de avaliar os genes envolvidos
• Múltiplos diagnósticos diferenciais  Conter os genes envolvidos na doença em causa
 Genes envolvidos nos diagnósticos diferenciais
 Associação inequívoca com doença
 Variantes de significado clínico incerto
 Achados incidentais
 Painéis muito alargados (2 a 6 mil genes)
 “Mendelioma”
 Disease-exome
Painéis

 E quando o painel é
inconclusivo ou não há um
painel adequado?
Whole-exome sequencing
• Anomalias são “Sequenciação exómica total”
inespecíficas

• Desconhecimento do Regiões codificantes de ~20.000 genes


fenótipo fetal nas 85% das variantes associadas a doença
diferentes síndromes Deleções/duplicações (CNVs)
Sequenciação exómica total
Ferramenta muito promissora

• ~50% fetos polimalformados sem diagnóstico


específico

Dados disponíveis de várias séries


Sequenciação • 6,2 % a 80% dos casos (WES)
• No geral: acréscimo de diagnóstico de cerca de 14%
exómica total • Anomalias isoladas x anomalias múltiplas
• Envolvimento de órgãos específicos
• SNC, cardíaco, renal e músculo-esquelético

Questões importantes:

• Custo
• Tempo para os resultados
• Utilização com gravidez em curso
• Variantes de significado incerto (VUS)
Diagnóstico pré-natal na era da genómica
Cariótipo

Rastreio com risco elevado de


aneuploidia Teste Pré-natal
Não Invasivo
(NIPT)
Antecedentes de aneuploidia

Casais com rearranjos equilibrados

QF-PCR/MLPA/FISH com detecção de


aneuploidia
Cromossomopatia em quase todas as situações
Nas
• QF-PCR/MLPA
situações de • aneuploidias mais frequentes
anomalias • Microdeleção específica (22q11.2; 17p13.3)
• Array

Doenças monogénicas
• Pesquisa de mutações no gene CFTR: vesícula biliar não
visualizada; intestino hiperecogénico
O teste a pedir deve • Pesquisa da mutação c.1138G>A (p.Gly380Arg) no gene
ser o mais dirigido FGFR3
sempre que possível • Painéis de genes (RASopatias)
Fenótipo inespecífico
• Whole exome sequencing Doença/Síndrome com múltiplos genes causais
Situação com múltiplos diagnósticos
diferenciais
Sequenciação exómica total
No contexto da gravidez/perinatal:

• Em fetos
polimalformados ≤ 24 >24
Utilização semanas semanas
geralmente após • Situações de recorrência
interrupção
médica da • Casais consanguíneos
gravidez (IMG) • Casais que desejam  Anomalias de difícil prognóstico
nova gravidez Anomalias únicas
“raras”/infrequentes
“Rocker bottom feet” x pés botos

• aplicação mais Ectrodactilia/oligodactilia x defeito


Se não houver
transverso do membro
constrangimentos generalizada
de custos: Anomalias múltiplas
(anomalias múltiplas) Individualmente não graves

Impacto no seguimento e conduta na gravidez

Impacto nos cuidados neonatais


Sequenciação exómica total

2019

2020
Sequenciação exómica total
Aconselhamento pré-teste Aconselhamento pós-teste
Objetivo do estudo Explicar os resultados
Possíveis cenários:  Variantes e achados
incidentais/secundários
• Diagnóstico definitivo/provável
• Variantes patogénicas ou Discutir a conduta em relação a
provavelmente patogénicas gravidez
• Variantes de significado clínico incerto  Vigilância x IMG
• Ausência de diagnóstico  Possibilidade de reanálise dom
Achados incidentais identificação de variante
Outros: consanguinidade e falsa Risco de recorrência
parentalidade Opções reprodutivas futuras
Consentimento informado – escrito Risco para outros familiares

Equipa Multidisciplinar
** Geneticista
Casos
Clínicos
Caso 1
 IG - 12 semanas
 TN acima do P99
 Onfalocelo

QF-PCR Aneuploidias: N
Array normal
As 20 semanas:
Macroglossia e nefromegalia
Agenesia do corpo caloso
Interrupção da gravidez
Hx: Síndrome de Beckwith-Wiedemann?

Decidimos aguardar pela AP


Padrão de Metilação da região 11p15: Para ponderar estudos adicionais
Exoma?
 normal
Caso 1
Resultado AP:
Agenesia do corpo caloso
Abdomem volumoso com onfalocelo íntegro de 2x1,7cm, contendo ansas intestinais;
-Rins grandes (9,22g para N=6g), sem cistos nem displasia cortical;
-Glândulas suprarrenais com peso normal e apresentam citomegalia cortical
-Ovários grandes; Pâncreas grande;
Exame da placenta com displasia mesenquimatosa

Estudo molecular do gene CDKN1C:


variante patogénica c.479del [p.(Pro160Argfs*112)], em heterozigotia

Herdada da progenitora saudável


Gene com imprinting
alelo paterno é silenciado
Risco de recorrência de 50%
DPN x DGPI
Sindrome de Beckwith-Wiedemann Avaliação de familiares em risco
Caso 2
 37 anos
IIGIP
22 semanas com DPN ecográfico de
displasia esquelética grave/letal
com atingimento aparente da
calote, grelha costal, coluna
vertebral e extremidades

Hx: Displasia Tanatofórica?


Caso 2
Perímetro cefálico ligeiramente aumentado 19,5 cm (N=19,1cm). Craniossinostose coronal direita e
occipital esquerda.
- Face com hipoplasia do terço médio, nomeadamente nariz achatado e volumoso. Depressão da
ponte nasal.
- Desproporção tórax / membros: diminuição do comprimento total 25,3 cm (N=28,6 cm) e
manutenção do comprimento crânio-cóccix de 20,4 cm (N=19,6 cm).
- Membros superiores e inferiores curtos. Mão direita em "tridente".
- RX esqueleto: crânio não apresenta forma de trevo; confirma-se depressão da ponte nasal; onze
pares de costelas, curtas, com extremidades anteriores calcificadas e proeminentes; corpos
vertebrais estreitos, com espaços intervertebrais alargados; ossos longos encurtados e curvos, mais
proeminente no fémur e úmero; tíbia larga e peróneo parece mais curto que a tíbia.
- Histologia da cartilagem de conjugação dos ossos longos com placa de crescimento muito
desorganizada.
Ausência de malformações viscerais.
- Feto do sexo feminino com desenvolvimento apropriado para 22 semanas de idade gestacional e
crescimento no percentil 50, com malformações esqueléticas associadas a malformação do SNC,
sugestivas de Displasia Tanatafórica do tipo 1 (TDI).

Estudo molecular do gene FGFR3 (três


mutações associadas à displasia): De novo
** identificada a variante c.742C>T,
RR < 1%
p.Arg248Cys , em heterozigotia
Caso 3
 IG – 13 semanas: ON ausente com RC 1º
trimestre de baixo risco
 NIPT: Negativo

18 semanas: Fémures curtos e


assimétricos
calcificações na região proximal do
Fémur e Úmero

Hx: Displasia óssea?


 Qual?  Array: sem alterações
 Condrodisplasia Punctata?  Painel NGS de 531 genes associados a Displasia óssea
Caso 3
Painel NGS de 531 genes associados a
Displasia óssea
 Variante provavelmente patogénica c.388G>A
p.(Gly130Arg) em heterozigotia no gene EBP
 de novo (não herdada)

 Condrodisplasia
Puntacta

 ligada ao X dominante

 RR <1%
Caso 4
IIGIP
Casal não consanguíneo
HF irrelevante
Às13S: TN: 3,9 mm (P>99) e AUU

BVC: exclusão de cromossomopatia

Às 20S: Prega da nuca 10mm


Cardiopatia: Persistência da VCSE; CIV
peq apical, dilatação seio coronário)
PC no P5 e sugestão de vala sílvica Transvaginal three-dimensional ultrasound assessment of
aplainada (limitado pela IG) Sylvian fissures at 18–30 weeks' gestation L. C. Poon,D. S.
Sahota,P. Chaemsaithong,T. Nakamura,M. Machida,K. Naruse,Y. M.
Wah,T. Y. Leung,R. K. Pooh, First published: 31 October 2018
Rasopatias x outras síndromes?
Caso 4
Feto do sexo feminino com critérios de desenvolvimento apropriado para 24 semanas de idade
gestacional e parâmetros antropométricos abaixo do esperado. Sinais de maceração cerca de 3 dias.
Quadro malformativo:
- Face: achatamento do nariz; hipertelorismo (1,8cm, N=1,5cm); boca grande (2,2 cm para N=1,7 cm);
fenda do palato revestida por mucosa íntegra.
- Mãos: Clinodactilia bilateral do 5º dedo; polegares largos e camptodactilia do polegar esquerdo.
- Genital externo com grandes lábios mal desenvolvidos.
- Aparente fusão das 2ª e 3ª costelas.
- Coração: Persistência da veia cava superior esquerda, condicionando seio coronário dilatado; CIV
pequena.
- Rins: dilatação do bacinete e árvore calicial; ureteres tortuosos, com dilação mais acentuada do
ureter direito.
- Ausência de artéria umbilical esquerda.
WES em trio: variante PP c.6667_6669delinsTCAGG
p.(Pro2223Serfs*42), em heterozigotia, no gene KMT2D, de novo

** SNC sem possibilidade de avaliação! Síndrome de Kabuki – hereditariedade autossómica dominante


** Ausência de boas fotos!
Risco de recorrência inferior a 1%
Considerações finais:
• Fenótipo fetal é bastante inespecífico/incompleto
• Limita a nossa suspeita clínica
• Estudo anátomo-patológico pode dar pista importantes
• Array continua a ser o teste de 1º linha
• Cariótipo em situações excecionais
• Novas tecnologias têm ampliado a possibilidade de
diagnóstico
• Painéis e WES ferramentas muito úteis
• WES: reinterpretação
• Ainda assim cerca de metade dos casos sem diagnósticos
• Outros mecanismos de doença
Obrigada

3 DE JUNHO DE 2022
CENTRO HOSPITALAR E UNIVERSITÁRIO DE COIMBRA

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