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qualquer garota que quiser aos teus pés, mas vai e fica com a
Estefany? Na minha casa, na minha frente e na minha cama.
Fala sério, cara! — A última frase reverbera no ambiente.
Um silêncio grita entre a gente.
Continuo a andar. Meu coração está acelerado, meu esto-
mago revirando como se as borboletas estivessem explodindo
dentro de mim. Imbecil. Imbecil. Imbecil. Imbecil. Bato na mi-
nha cabeça repetidas vezes.
Ainda totalmente calado, ele volta a me acompanhar.
Posso sentir a vibração dele daqui. Seu rosto está sério, como
se estivesse prendendo a respiração para não soltar nada por
impulso.
De cabeça baixa e olhando fixo para o painel da moto, Mi-
chael sussurra:
— Acho que no fundo eu já sabia.
Minhas desconfianças sobre ele saber de algo sempre es-
tiveram certas, não tinha como não saber o que estava tão na
cara, pelo menos na nossa.
— Eu sempre tive certeza disso — digo, e ele assente.
— Sobe aí.
— Pra quê?
— Sobe, por favor.
O tom de voz dele é tão minucioso que não me resta outra
alternativa a não ser acatar seu pedido.
Me aproximo dele. Sem palavras, subo na motoneta e, não
sabendo se devo ou não o tocar, ponho minhas mãos cuidado-
samente nos ombros dele. Estou muito nervoso, parece que to-
dos os meus atos podem ter consequências desastrosas sobre
mim, até um simples toque.
— Pra onde tá me levando? — pergunto, e ele fica em silên-
cio, pilotando cada vez mais rápido.
Michael pega a pista que nos liga com uma outra cidade
vizinha e, com a velocidade que estamos, logo passamos pelo
último bairro de São Tomé.
Olho para trás e vejo apenas as luzes dos portes e das casas
ficando cada vez mais longe, até sumir por completo. Nessa
hora começo a ter um pouco de medo. Percebendo minha apre-
ensão, ele solta uma de suas mãos do guidão e direciona as mi-
nhas até seu peito. Entendo o recado e o abraço. A cada batida
do coração dele, um sentimento, um sorriso, uma respiração
profunda que me conectava com a nossa chama.
Entramos em uma estrada de terra e, apesar de ser tarde
da noite e bastante escuro, não sinto mais medo.
Michael para na beira de um rio, que ilumina o ambi-
ente com suas águas que correm refletindo a luz da Lua e das
estrelas.
Desço da moto e o sondo por alguns segundos, os olhos
dele refletem o brilho da Via Láctea que paira sobre nossas ca-
beças. Eles parecem até pertencer a constelação de sagitário,
feitos especialmente para mim.
— Vem. — Michael me puxa pelo braço.
Nos sentamos em um tronco de arvore na beira do igarapé,
sentindo a brisa fria do vento sobre nossos rostos.
— Desde que me falou que gosta das estrelas, esse lugar me
lembra você.
— Esse lugar é incrível! — digo, admirando as infinidades
de estrelas que cintilam.
Michael está de cabeça baixa fazendo rabiscos com um pe-
daço de galho na areia úmida e cheia de resto de folhas em de-
composição.
— Eu... acho que gosto de meninas e meninos. — A respira-
ção dele sai rígida e frenética.