Você está na página 1de 4

Tratamento

TERAPIA GENE TICA


CA
OFUTURQ
JA CHEGOU

Nas duas últimas décadas,


o avanço do conhecimento
sobre nossos genes trouxe
tratamentos inovadores,
uma melhor qualidade de
vida a todos e a esperança
para quem sofre com alguns
tipos de doenças raras
por vE ROANA MERCATELU
mmarço de 1953, depois que oneu- ajuda a quebrar a molécula de gordura
rocientista britânico Francis Crick dos alimentos em pedaços menores, para
e o
geneticista americano James que possam ser absorvidas pelo intestino.
Watson descobriram que a molécula do A deficiencia de lipase ácida lisossomal
DNA tem a estrutura de uma
dupla hélice, (conhecida pela sigla LAL) provoca o
a ciência nunca mais foi a mesma. A par- acúmulo de gordura, em especial no pân-
tir dessa e de outras descobertas, como a creas e no figado, com graves consequën-
decodificação do genoma e o sequencia- cias para a saúde do paciente.
mento dos genes, aconteceram
importan-
tes desdobramentos para a medicina. Mudanças curativas
progresso nas pesquisas foi funda- Com a evolução nos estudos da gené-
mental não apenas para entender melhor tica, hoje a medicina pode contar com a
a
constituição e o funcionamento do orga- terapia gênica, procedimento no qual os
nismo humano, mas também para tratar especialistas utilizam genes humanos
doenças raras, para as quais não havia saí- sadios para substituir os defeituosos que
da. Agora, éé possível reconhecer as causas causam doenças, muitas delas hereditá-
genéticas eprocurar um tratamento efeti- rias e graves. As enfermidades que podem
vo para crianças com deficiência imuno- ser tratadas por ela sáão aquelas que apre-
lógica hereditária, por exemplo. sentam alguma alteração no DNA, como
câncer, doenças autoimunes, diabetes,
Genes mutantes fibrose cística, entre outras. Entretanto, a
De acordo com o Ministério da Saúde, terapia genética, como também é chama-
existem entre seis mil e oito mil doenças da, tem um enorme potencial para tratar
raras que atingem 65 em cada 100 mil de doenças monogênicas, causadas ape-
pessoas. Entre essas enfermidades, 80%% nas por um único gene defeituoso.
são hereditárias, causadas por genes que 0 processo pode ser feito pela introdu-
apresentam defeitos em sua estrutura. ção do gene normal através de um vetor,
Os genes podem ser entendidos como em geral um vírus inofensivo, ou pela re-
a base da hereditariedade. São moléculas tirada de células do próprio paciente para
ggantes que têm em seu interior nucleo- que sejam editadas em laboratório. De-
tideos (ou ácidos nucleicos), representa- pois, essas mesmas células, agora portan-
dos pelas letras A, C, Ge T,e que formam do um gene normal, são reintroduzidas
uma cadeia de DNA. Essas estruturas, 'no paciente", explica o biólogo Ricardo
presentes em qualquer célula do corpo, Weinlich, pesquisador e professor de En-
participam de processos do tipo ativar genharia Biomédica da Faculdade Israe-
ou inibir enzimas fundamentais em ta- lita de Ciências da Saúde Albert Einstein. >
refas celulares. Por isso, quando um gene
sofre uma mutação, uma letra que esteja
no lugar "errado" na cadeia de
DNA, por Existem entre seis mil e oito mil doenças
exemplo, pode se transformar no princi-
pal responsável por uma doença grave. raras, que atingem 65 em cada 100 mil
Eoque acontece comogene LIPA, que, pessoas. Entre essas enfermidades, 80%
ao sofrer mutações, provoca uma
doença são hereditárias, causadas por genes que
genética causada pela deficiência de li-
pase, enzima produzida no pâncreas que apresentam defeitos em sua estrutura
Tratamento
ministrado
Admi por via venosa, o medi-
Na chamada terapia gênica, são usados
camentoleva um vírus no qual foi inse
rida uma cópia perteita do RPE65. Dessa
substituir os
genes hurmanos sadios para maneira, o gene progTamado poderá pro
defertuosos que causam doenças, muitas duzir a enzima para funcio.
necessaria o

delas hereditárias e graves namento da retina, melhorando o desem


células.
penho de s u a s
Em seguida, a Anvisa aprovou o regis-
Procedimentos aprovados
Em agosto de 2020, a Agência Nacional tro da primeira terap1a genicaa ser usada
Brasil e na America Latina para o tra-
de Vigilância Sanitária (Anvisa) deu aval
no

tamento de crianças
até 2 anos de idade
as duas terapias gênicas usadas no Brasil.
A primeira possibilita tratar a perda de com atrofia muscular espinhal (AME),
visão decorrente da Distrofia Hereditária causada pela mutação do gene SMNI. A
da Retina (DHR). Apesar de rara, a DHRé doença afeta as células nervosas da me
dula que controlam os músculos e leva à
a segunda causa de baixa visão em crian-
ças até 15 anos de idade no país. A doen- perda progressiva dos neurônios respon-
sáveis pela respiração, deglutição e loco-
ça hereditária, causada pela mutação do
gene RPE65, acarreta a ruptura gradual moção: "Por deficiência genética, o gene
das células da retina, provocando sinto- SMNI é incapaz de produzir uma prote-
mas como perda progressiva de visão pe- ína necessária para o funcionamento dos
riférica e de sensibilidade à luz, chegando neurônios motores, cuja principal função
até a perda total de visão aos 18 anos. é controlar quaisquer movimentos, desde
evantar uma perna até inspirar e expirar
oar dos pulmões. Por isso, sem a proteína,
Como a terapia gênica vai impactar a vida fica inviável", diz Aruä Prudenciat-
ti, CEO da startup CROP Biotecnologia.
Contra o câncer: Jáé e Alzheimer. Uma doença
indicada para casos que jáétratada pela
Novas possibilidades
específicos de leucemias, genética é a AME.
No Brasil, o Hospital Israelita Albert
linfomas, melanomas e
sarcomas. O tratamento Doenças cardiovasculares: Einstein, em parceria com o Ministério
consiste em ativar as defesas Nesses casos, o objetivo da Saúde, busca a cura anemia
para a
do corpo para reconhecerem não é substituir um gene falciforme por meio da terapia gênica. A
as células tumoraise anormal, mas, por meio doença é causada pela alteração de uma
conseguirem eliminá-las. do DNA, regular o trabalho única letra de DNA no gene da
do músculo cardíaco, betaglo-
tornando-o mais eficiente. bina, molécula presente nos glóbulos
Doenças monogênicas:
Como a fibrose cistica, vermelhos do sangue, responsável pelo
a anemia falciforme, a Doenças Oculares: As transporte de oxigênio dos pulmões para
talassemia e as distrofñas distrofas da retina são um os tecidos. "Curiosamente, a
alteração do
musculares. Objetivo: grupo de doenças oculares DNA é exatamente a mesma em pratica-
substituir ou melhorar o raras que podem levar à mente todos os pacientes, o que é raro",
trabalho do gene defeituoso. cegueira devido a mutações
diz Weinlich, que faz parte da equipe de
geneticas específicas. Por
isso, são os principais
pesquisa. A estratégia consiste em trans-
Doenças neurológicas:
Estratégia promissora para objetivos de estudos dos plantar células-tronco do próprio pacien-
tratar doença de Parkinson especialistas. te, depois de corrigir seu DNA usando as
técnicas de CRISPR/Cas9 (veja ao lado)..

30 VIVASAÜDE www.REVISTAVIVASAUDE.COM.BR
Técnicas mais Usadas
Atualmente, a terapia genética é realizada por meio de dois métodos moleculares.

CRISPR: Permite que os genes sejam alterados em locais específicos, de forma precisa
rapida e com custo menos elevado. De forma geral, a técnica pode ser realizada em alguns passOS

Primeiro, os especialistas fazem

TITTT a identificação do gene (ou da


sequência de genes) que, por
apresentar algum tipo de mutação, uma TITTTTITTTNNTT
letra em lugar indevido, por exemplo,
deve ser editado em laboratório.
LULLLIIIITLL
Após a identificação, os cientistas Em seguida, um novo retalh0
de DNA (com o gene modificado)
criam uma sequência (correta), é inserido no lugar da parte
conhecida como RNA guia.
que foi removida pela proteina
Esse RNA guia é colocado na célula com Cas9, completando, assim,
a proteína Cas9, que atua como uma
a sequencia correta.

tesoura, cortando a parte "errada"


do DNA que deverá ser removida.

Cas9
0o***************°°*******

*******

* * * * * *****************************
******

tumorais
alteração do sistema imunológico para que as células
CAR-T CELL: Consiste na
facilmente reconhecidas e eliminadas do organismo:
(de um cäncer) sejam

Em um segundo
Para começar, os especialistas momento, os genes
sistema CAR das células
retiram as células T do
imunológico do próprio paciente. T são editados
(melhorados), para
que aumente a
Sua capacidade
de reconhecer
eventuais células
tumorais presentes AVA
no organismo.
CAR
Por fim, as células T com o gene
de volta no
modificado são injetadas
paciente, devidamente reprogramadas
células tumorais de
para eliminar
forma mais eficaz.

AVAVA

VIVASAÜDE 31
www.REVISTAVIVASAUDE.COM.BR

Você também pode gostar