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Formulação, Implementação e Avaliação de

Políticas Públicas

Formulação de Políticas Públicas:


O processo de formação da agenda

20 e 21 de outubro de 2022

Profa. Dra. Ana Cláudia Niedhardt Capella


Departamento de Administração Pública
Última aula

 Instituições e análise de políticas públicas

 Atores e análise de políticas públicas

 Atores, instituições e políticas públicas


◼ No plano doméstico;
◼ No plano internacional.
Plano da Aula

 O ciclo de produção de políticas públicas;

 Formulação de políticas: a formação da agenda


(agenda-setting);

 Formação da agenda e definição de problemas;

 Agenda: definição e características;

 Como questões se movem pelas agendas?

 Explicando a movimentação das questões pelas


agendas: o modelo de Kingdon.
O ciclo de produção de políticas

Formulação Formulação
(agenda) (alternativas)

Avaliação Processo Decisório

Implementação
O ciclo de produção de políticas

 1º Estágio: Formulação

◼ Agenda-Setting (formação da agenda): corresponde ao


primeiro momento de uma política pública, quando um
problema chama a atenção do governo.
◼ A definição de alternativas refere-se à formulação
propriamente dita, momento em que as opções para uma
política são avaliadas pelo governo.
Formação da agenda: definição de problemas

 Para entender a formulação de uma política pública, é


preciso entender o que é um problema.

 O que é um problema?

◼ Os estudos mais antigos em políticas públicas


consideravam a existência objetiva de um problema, que
ficava à espera de que o governo o reconhecesse.

◼ Um problema é um “dado” - modelos mecânicos.


Formação da agenda: definição de problemas

 Modelos mecânicos de formação da agenda:

 Determinismo econômico ou tecnológico;


 Ex: o fator econômico é o determinante fundamental da
estrutura social e de todo seu desenvolvimento. A economia - os
meios de produção - determina a organização social, as relações
entre os indivíduos.

 Ciclos políticos e econômicos;

 Ciclo de atenção (grupos de interesse, opinião pública e


mídia).
Formação da agenda: definição de problemas

◼ Estudos mais recentes entendem que problemas não são


“fatos”, nem “dados da realidade”, mas são reconhecidos
e definidos, num processo socialmente construído
(processo mecânico → processo sociológico).

◼ Um problema, em política pública, é uma “situação que


produz necessidades ou descontentamentos entre as
pessoas e para o qual a ação governamental é solicitada”
(Anderson, 2011, 85).
Formação da agenda: definição de problemas
 Problemas e “Problemas Públicos”
◼ Nem todo problema é um problema público: meu carro
sem gasolina é um problema privado; desabastecimento
de gasolina em uma região é um problema público.

◼ Um problema público é aquele que afeta um número


substantivo de pessoas e que tem efeitos amplos,
incluindo consequências a pessoas não diretamente
envolvidas. São também difíceis (ou impossíveis) de
resolução por meio da ação individual.
Formação da agenda: definição de problemas
 Condições e problemas públicos
◼ Poluição do ar, congestionamento no trânsito, prisões
superlotadas, aquecimento global.... são exemplos de
condições (situações) que podem se transformar
em problemas públicos se produzirem
descontentamento na população e se esta buscar solução
governamental.
◼ Como uma condição se transforma em um problema?
“Condições não se transformam em problemas até que
sejam definidos como tal, articuladas e trazidas à atenção
governamental” (Anderson, 2011, 86).
Formação da agenda: definição de problemas
 Condições e problemas públicos
◼ Para que uma condição (situação) se transforme em um
problema público, é preciso que haja um entendimento
de que tal situação precisa ser enfrentada coletivamente e
de que essa situação pode e deve ser tratada pelo
governo.
◼ Se isso não ocorrer, não teremos políticas públicas
desenvolvidas para lidar com o problema.
◼ A forma como uma situação é percebida e a maneira
como um problema é definido pode variar conforme os
valores e condições sociais mudam.
◼ Ex: Cigarro nas décadas de 1920 a 1950
E hoje....
Mas, talvez, o cigarro não seja exatamente... um problema!

https://www.infomoney.com.br/minhas-financas/consumo/noticia/8063604/moro-explica-por-que-o-governo-quer-
reduzir-impostos-do-cigarro
Formação da agenda: definição de problemas
Documentário Fed Up (EUA,
2014):
Apesar da atenção da mídia, a
preocupação do público com a
aparência física e as políticas
governamentais para combater a
obesidade sobretudo na infância,
por que a obesidade tem se
ampliado, sendo considerada hoje
uma epidemia?

“É hora de atacar o açúcar como fizemos com o tabaco”!


O caso dos Flintstones
O caso dos Flintstones
https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-humanas/mulheres-passaram-40-anos-sem-poder-jogar-futebol-no-brasil/
Kathrine Switzer - primeira mulher oficialmente inscrita em uma maratona (Boston, 1967).

Na foto, o diretor de prova tenta impedi-la assim que soube que havia uma mulher correndo. Ela
concluiu a prova e em 1972 a Maratona de Boston oficializou a criação da categoria feminina.
Em 1984, nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, foi realizada a primeira maratona olímpica com a
participação de mulheres.
Formação da agenda: definição de problemas
 O que é um problema?
Situação
problemática Problema Ação Política
no âmbito público governamental Pública
privado
Não há Uma situação é Estudos sobre a Ex: política de
reconhecimento de reconhecida como formação da agenda combate à violência
que uma situação é um problema buscam exatamente contra a mulher;
um problema público, mas não há explicar como política de combate
público. intervenção condições ao abuso e
Ex: fumo; governamental (não (situações) e exploração sexual
violência contra a há uma política problemas públicos infantil; política de
mulher; pública) se transformam em combate ao fumo
abuso sexual Ex: iniciativas políticas públicas etc.
infantil, etc. populares de alerta
contra a violência
doméstica
Formação da agenda: definição de problemas
 A maneira como um problema é percebido - e definido – é
crucial para entender uma política pública (seu desenho,
planejamento, implementação....).
 Ex1: a questão da “falta de água” convertida em “crise
hídrica” (2014) em São Paulo. Causas mais comuns
associadas à crise:
 Diminuição das chuvas no Estado,
 Desmatamento,
 Ocupação desenfreada dos mananciais,
 Falta de consciência da população no uso da água,
 Falta de planejamento do governo de São Paulo,
 Falta de atuação da Agência Nacional de Águas (ANA),
órgão do governo federal responsável pela implementação e
gerenciamento dos recursos hídricos do Brasil.
Formação da agenda: definição de problemas
Geógrafo da FFLCH alerta sobre noção equivocada de
“falta de água”
http://www5.usp.br/96406/geografo-da-fflch-alerta-sobre-nocao-equivocada-de-falta-de-agua/

 A água não é um recurso finito – pelo contrário, trata-se do


recurso mais abundante do planeta: "falar em escassez hídrica é
um erro”.
 O que é finita é a capacidade do homem de captar, tratar e
distribuir a água para assegurar o abastecimento.
 A crise hídrica de São Paulo não é causada pela falta de chuva
mas sim por dois problemas, ambos de caráter gerencial:
 Poluiu-se os recursos hídricos disponíveis;
 Não se desenvolveu capacidade técnica para despoluir numa
velocidade suficiente para atender à demanda.
Formação da agenda: definição de problemas
Geógrafo da FFLCH alerta sobre noção equivocada de “falta
de água”
http://www5.usp.br/96406/geografo-da-fflch-alerta-sobre-nocao-equivocada-de-falta-de-agua/

 “As represas do sistema Cantareira estão secando porque se tem


usado sua água num ritmo muito maior do que o das recargas
naturais. Se os seis sistemas fossem mais equilibrados em termos
de oferta e demanda de água, isso não ocorreria”.
 “A mídia mostra represas secando para ilustrar a ideia de que a
água vai acabar. Pode até acabar na sua torneira, mas não por
falta dela, e sim por incapacidade de se assegurar o
abastecimento”.
 Definir um problema não é apenas uma questão técnica, é
política: implica em atribuir responsabilidades a atores
específicos (custos e benefícios também).
Formação da agenda: definição de problemas
• PL do Veneno (Projeto de Lei 6299/02)

• Nova lei para mudar a regulação de agrotóxicos no país,


atualizando a legislação dos Agrotóxicos (criada em 1989).
Propõe uma série de mudanças para afrouxar as regras sobre o
uso, controle, registro e fiscalização de agrotóxicos, alegando que
elas não atendem às necessidades do setor.
Formação da agenda: definição de problemas
• PL do Veneno (Projeto de Lei 6299/02)

• Entre diversas medidas, a bancada ruralista propôs alterar o


nome “agrotóxico” para “pesticidas”. Antes, a proposta era
alterar a nomenclatura para “produto fitossanitário”.

• Argumento: o termo “agrotóxico” é depreciativo, associado a


uma imagem ruim. Por isso, as empresas do setor preferem
falar em “defensivos agrícolas”.

→ “Como” falamos sobre as coisas importa (ideias, conceitos)!

→ A maneira como um problema é definido importa e tem


consequências para todo o ciclo de políticas públicas!
Formação da agenda: definição de problemas
Formação da agenda: definição de problemas

https://gestos.org.br/2019/05/fim-departamento-aids/
Tipos de agenda
→ Onde se fala? Onde ocorre o debate sobre problemas públicos?

AGENDA DE
AGENDA MIDIÁTICA AGENDA PÚBLICA POLÍTICAS
(media agenda) (public agenda) PÚBLICAS
(policy agenda)

OBS: correlação não implica em causalidade!


Agenda de políticas públicas: definição
 A formação da agenda é o primeiro estágio do processo de
produção de políticas e talvez o mais crítico porque dele
dependem todos os demais, incluindo os resultados de uma
política.
 Definição de agenda:
▫ Agenda é o conjunto de assuntos sobre os quais o governo – e
as pessoas ligadas a ele – concentram sua atenção durante um
determinado momento (Kingdon, 2003, 03).
▫ Agenda-Setting (“formação da agenda”, ou “montagem da
agenda”) é o processo pelo qual problemas e soluções ganham
(ou deixam de ganhar) a atenção do governo.

→ Agenda: como se fala, sobre o que se fala, quanto se fala sobre algo
Agenda legislativa da Bélgica entre 1988 e 2010

FONTE: https://www.comparativeagendas.net/
Como questões se movem pelas agendas?

 Como, então, problemas chegam à agenda governamental?

 Por que alguns problemas se tornam importantes para um


governo num determinado momento? Ou por que uma
questão é tão frequente em discursos oficiais, deliberações,
proposições?

 Como uma questão se insere no conjunto de preocupações


dos formuladores de políticas, transformando-se em uma
política pública?

 Kingdon desenvolveu uma explicação (modelo teórico) para


responder essas questões.
O modelo de Kingdon

◼ O modelo identifica três fluxos decisórios que permeiam


toda uma organização.
 Fluxo de problemas

 Fluxo de alternativas, ou soluções

 Fluxo político.

◼ Em alguns momentos, estes três fluxos se juntam e é


assim que uma questão entra na agenda governamental,
ou seja, passa a fazer parte do conjunto de preocupações
dos formuladores.
O modelo de Kingdon
 Fluxo de problemas
◼ Como determinadas questões são reconhecidas como
problemas? Condições → problemas

◼ Determinadas questões são reconhecidas como


problemas quando chamam a atenção dos formuladores
de políticas.
 Indicadores são instrumentos que podem ajudar a
chamar a atenção para uma questão.
 Exemplo: quando indicadores de custo sobre um
programa são organizados de forma a apontar elevação
de gastos, ou excesso de dispêndios, essa questão (o
custo de um programa) pode ser vista como
problemática.
O modelo de Kingdon
 Fluxo de problemas

◼ Eventos dramáticos, grandes crises ou eventos


simbólicos também podem ajudar a definir um
problema.

◼ Da mesma forma, o feedback das ações


governamentais, como o acompanhamento das
atividades de implementação, cumprimento (ou não) de
metas, entre outros, podem chamar a atenção para um
problema.
O modelo de Kingdon
 Fluxo de soluções
◼ É o conjunto de idéias sobre o que fazer (muitas vezes,
soluções à espera de problemas).

◼ Essas idéias são geradas em comunidades (think-tanks,


assessores parlamentares, acadêmicos, funcionários
públicos, entre outros atores) e circulam à espera de
oportunidade de entrar em cena.

 Ex.: Idéias a respeito de novos recursos para motivação e


treinamento podem ser aplicadas numa política de gestão,
na área de recursos humanos.
O modelo de Kingdon
 Fluxo político
◼ No fluxo político estão as negociações e barganhas
próprias da dinâmica política.

◼ Fatores como a opinião pública, “humor nacional”, a


atuação de forças políticas organizadas e momentos de
alteração de pessoas em posições chave no governo são
importantes tanto para o acesso de uma questão à agenda
quanto para sua restrição.

 Ex.: em um momento em que o “humor nacional” é pró-


mercado, é menos provável que medidas que promovam
aumento dos gastos públicos sejam aprovadas.
O modelo de Kingdon
 A mudança na agenda
▫ Cada um desses fluxos, isoladamente, não produz
mudanças na agenda.
 Não é apenas a existência de um problema percebido que
faz com que uma política seja desenvolvida.
 Não é apenas a existência de uma solução desenvolvida por
uma comunidade de política que explica o desenvolvimento
de uma política.
 Não é apenas a existência de um momento político
favorável que explica o surgimento de uma política.

◼ Quando a agenda muda, então?


 Quando os três fluxos são reunidos, ou seja, quando um
problema é definido, uma solução está disponível e o
momento político é favorável.
O modelo de Kingdon: esquema geral

FLUXO DE PROBLEMAS FLUXO DE SOLUÇÕES FLUXO POLÍTICO


Indicadores; Viabilidade técnica; “Humor nacional”;
Crises; Aceitação pela Forças políticas
Eventos focalizadores; comunidade; organizadas;
Feedback de ações. Custos toleráveis. Mudanças no governo.

OPORTUNIDADE DE MUDANÇA

Convergência dos fluxos pelos empreendedores

AGENDA-SETTING

Acesso de uma questão à agenda


Referências

◼ ANDERSON, James E. Public Policymaking. 7th. Ed.


Boston/MA, Wadsworth, Cengage Learning, 2011.
◼ BIRKLAND, Thomas A. An Introduction to The Policy
Process – theory, concepts and models of public policy
making. New York, M.E. Sharpe, 2005.
◼ CAPELLA, Ana C.N. “Perspectivas Teóricas sobre o Processo
de Formulação de Políticas Públicas”. In Hochman, G;
Arretche, M. e Marques, E. (orgs.). Políticas Públicas no
Brasil. Rio de Janeiro, Fiocruz, 2007.
◼ HOWLETT, Michael e RAMESH, M. Studying Public
Policy. Oxford, Oxford University Press, 2003.
◼ KINGDON, John. Agendas, Alternatives, and Public
Policies. 3a. Ed. New York: Harper Collins, [1984] 2003.

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