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O poema dramático Café

Luiz Paixão

O presente estudo pretende, nos âmbitos linguístico e literário, identificar e problematizar,


em duas obras homônimas de Mário de Andrade, – Café, a “ópera”, de 1942, cuja melodia
não chegou a ser composta, e o “romance inacabado” escrito entre os anos de 1929 e 1944
–, os procedimentos de aproximação e afastamento em seus aspectos temáticos,
conteudísticos e formais. Buscamos investigar as configurações poética e narrativa do
discurso do trabalhador frente as situações e condições histórica, enfrentadas pelos
personagens durante as crises econômica que culminou com a queima do café em 1929,
e política, representada pela Revolução de 30, vivenciadas pelo país na primeira metade
do século XX. Pretendemos, também, confirmar a configuração da realidade objetiva
(histórica e social) no interior das obras, assim como o caráter realista empregado pelo
autor na sua confecção.

Embora seja bastante significativa a relação de Mario de Andrade com a música, revelada
através de reflexões teóricas, e mesmo na composição de algumas letras do cancioneiro
popular, seu projeto mais arrojado são, sem dúvidas, os dois libretos de ópera, Pedro
Malazarte e Café.

Escrita em 1942, Café se caracteriza, ao contrário da ópera-bufa Pedro Malazarte, por


sua carga dramática e força poética, sem perder o caráter popular, tão perseguido por
Mário de Andrade.

Eu tenho desejo de uma arte que, social sempre, tenha uma liberdade mais
estética em que o homem posso criar a sua forma de beleza mais
convertido aos seus sentimentos e justiças do tempo da paz. A arte é filha
da dor, é filha sempre de algum impedimento vital. Mas o bom, o grande,
o livre, o verdadeiro está em cantar as dores fatais, as dores profundas,
nascidas exatamente desta grandeza de ser e de viver. (ANDRADE, 1986,
p. 340)

Consonante à qualidade literária literária da obra, há que se ressaltar a profunda


consciência de Mário de Andrade, que configura esteticamente um dos momentos mais
significativos da economia brasileira: produção, beneficiamento e exportação do café.
Sua perspectiva silencia os “barões do café” para dar voz e visibilidade aos trabalhadores,
homens e mulheres com os seus dramas, seus sonhos e a constante exploração da sua
força de trabalho. Mário de Andrade localiza sua obra no porto, instante de exportação
do produto, e, em seus primeiros versos, define o caráter social da obra:

Minha terra perdeu seu porte de grandeza...


O café que alevanta os homens apodrece
Escravizado pela ambição dos gigantes da mina do ouro.
A planta nobre, o grão civilizador
Que jamais recusou a sua recompensa
Nada mais vale, nada mais.
Que farei agora que o café não vale mais!
Essa força grave da terra era também a minha força. (ANDRADE, 1986,
p. 345)

O libreto é dividido em duas partes, a saber:

A primeira parte é composta por uma descrição técnica da ação cênica a ser realizada
durante a encenação. No entanto, não se caracteriza exclusivamente, como na dramaturgia
tradicional, de fornecer informações objetivas sobre o comportamento dos personagens e
suas ações; o que se apresenta ali, mais que simples “rubrica”, é uma localização histórica
dos diversos atos e cenas, complementado por um claro posicionamento crítico do autor
a respeito do tema a ser tratado, como se pode verificar na primeira cena do primeiro ato,
“Porto parado”: “Desde muitos que os donos da vida andavam perturbando a marcha
natural do comércio do café. Os resultados foram fatais. Os armazéns se entulharam de
milhões de sacas de café indestinado. E foi um crime nojento. [...]” (ANDRADE, 1986,
p. 321).

A segunda parte é o texto literário propriamente dito, escrito em versos, caracterizado


pelo autor como “Concepção melodramática”, em três atos, a ser cantada por
personagens, e por Corais que acompanham o movimento dramático da ópera. Cada parte
vem acompanhada de um título, o que empresta um caráter distanciado e crítico que
define a estética e ideologia da obra.

Ainda inédita enquanto obra musical, o seu libreto tem merecido diversas montagens
teatrais, sendo assim abordada como peça dramatúrgica. Registramos que, aqui, na cidade
de Belo Horizonte, foi realizada, na década dos oitenta do século passado, uma montagem
produzida pelo Teatro Universitário da UFMG, dirigida por Haydée Bittencourt.

ANDRADE, Mário. De Paulicéia desvairada a Café (poesias completas). São Paulo:


Círculo do Livro, 1986[?].

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