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INTRODUÇÃO
A categoria do sujeito de direito, visto por E. B. Pachukanis como a categoria
fundamental da ordem jurídica, que não necessita de nenhuma outra mediação
para sua compreensão e não pode ser decomposto em nenhuma categoria
inferior, é vista, principalmente pelos jusfilósofos do direito natural, como algo
inato ao ser humano desde os primórdios, sendo irrelevante qualquer aparato
estatal para garantir sua existência, visto ser anterior e inato ao ser.
Todos devem ser livres e ninguém deve atrapalhar a liberdade do outro […] cada
qual possui seu próprio corpo […] como livre instrumento de sua vontade.
(TEORIA DO DIREITO, 1812, in: TEORIA GERAL DO DIREITO E MARXISMO,
p. 122).
No mundo feudal, “todo direito era um privilégio” (Marx). Cada cidade, cada
estado, cada corporação vivia segundo seu próprio direito, que acompanhava o
indivíduo aonde quer que ele fosse. A ideia de um status jurídico formal comum
a todas as pessoas, a todos os cidadãos, estava completamente ausente nessa
época. A isso correspondia, no domínio econômico, uma economia fechada e
autossuficiente, além da proibição de importar e exportar etc. (TEORIA GERAL
DO DIREITO E MARXISMO, 2017, p. 126).
No contexto feudal, o vassalo que produzia na terra do seu suserano, com o uso
de técnicas e equipamentos rudimentares, produzia para sua subsistência e –
principalmente – para a subsistência do dono da terra onde ele plantava. O que
ocorria nesse contexto socioeconômico é que a troca de mercadorias ainda era
pouquíssimo desenvolvida, sendo feito apenas esporadicamente e, ainda assim,
com base na troca de mercadorias ocasionalmente desejadas por ambas as
partes do negócio (escambo), sem a presença ainda do equivalente universal do
dinheiro.
Porém, salta-se aos olhos que a igualdade formal conferida pelo ordenamento
jurídico, de isonomia perante a lei etc., não se reveste em seu conteúdo com tal
aspecto. Isto é, a igualdade universal na sociedade burguesa, não passa de uma
igualdade apenas formalista, de modo que permita ao trabalhador ´´livre´´ dispor
sobre si, ao passo que materialmente, em seu conteúdo, essa igualdade não se
atesta. Desse modo, na sociedade da troca mercantil generalizada – na
sociedade capitalista – apesar de – em tese – sermos todos livres e iguais,
enquanto o capitalista possui os meios de produção, o trabalhador só tem a
oferecer a sua força de trabalho.
Sob a forma social idêntica de mercadorias, ou seja, sob uma qualidade idêntica,
os produtos do trabalho se tornam todos imediatamente comparáveis uns para
com aos outros, quantitativamente mensuráveis uns nos outros. Esta qualidade
idêntica é a de cristalização de trabalho abstrato. Isto implica que, para a
mercadoria, é indiferente o “corpo” no qual concretamente este trabalho se
cristaliza ou a modalidade concreta de trabalho que, caso a caso, corporifica-se.
Assim, todas as mercadorias se relacionam entre si como coisas cuja utilidade é
indiferente, produzidas por um trabalho também indiferente. A forma mercadoria
“apaga” toda a diversidade concreta das coisas, faz desaparecer toda a
diversidade útil daquilo que recobre, reduz o valor de uso a mero suporte. Ao
fazê-lo, a mercadoria também trata de “apagar” a diversidade concreta dos
homens, cujos vínculos sociais assumem forma muito determinada, que
produzem e consomem tais coisas. Umas perante as outras, tudo que se sabe é
que as mercadorias contêm trabalho abstrato e que, como meros “invólucros
reificados do trabalho humano” colocam-se em relação de equivalência.
(SUJEITO DE DIREITO E CAPITALISMO, 2014, p. 163).
Fica nítido, com o que já fora exposto, que a igualdade jurídica, desconsiderando
a subjetividade de cada um, é uma implicação da igualdade das mercadorias,
também abstraída das suas características próprias, variantes de uma
mercadoria para outra. A troca de mercadorias, que só atingiu seu auge
quantitativo e qualitativo na sociedade capitalista, requer, necessariamente, a
liberdade e igualdade universal.
CONCLUSÃO
Sem buscar ser minucioso e exaustivo na temática, o ponto principal fora
demonstrado: o sujeito de direito e com ele o ordenamento jurídico, tem
momento de nascimento, período histórico de vida e morte a ser vislumbrada na
história. Nascido com o objetivo de justificação da exploração capitalista, a
ordem jurídica e a igualdade em abstrato não mais subsistirá na futura sociedade
comunista. A ficção jurídico-política de que em razão da liberdade universal não
há que se falar em exploração, serve somente aos interesses da classe
dominante. Os trabalhadores e trabalhadoras, longe de se verem em pé de
igualdade com seus patrões possuem consciência prática da desigualdade
material que existe na sociedade; basta aos setores mais avançados e
conscientes da classe, lutar pela conscientização teórica, conjugada com a já
presente consciência prática, para lutar além de necessidades práticas,
imediatas e reformista, pautando a construção da sociedade socialista tendo
como horizonte o comunismo.
A realidade dialética, de igualdade formal e desigualdade material não é um erro
jurídico-político ocasional a ser consertado para a plena satisfação dos ditames
normativos de igualdade e liberdade. Esse é o pleno funcionamento da ordem
jurídica, que como implicação da forma-mercadoria, serve a sua realização e
perpetuação.
Dá os anéis para não perder os dedos é a tática acertada da burguesia até agora
nos momentos de ampla mobilização social. Porém, a conscientização política
da classe trabalhadora deve ter por fim pautar além das necessidades imediatas
e específicas de um setor, vislumbrar um horizonte revolucionário e de
construção da sociedade socialista. Isso não significa dizer abandono da luta por
direitos, mas sim pautar o debate também a partir da extinção da forma-jurídica,
pois, como visto, é insuficiente a disputa por seu conteúdo.
REFERÊNCIAS
KASHIURA JR., Celso Naoto, Crítica da igualdade jurídica: contribuição ao
pensamento jurídico marxista, São Paulo, Quartier Latin, 2009.
MANZANO, Sofia, Economia Política Para Trabalhadores, São Paulo, ICP, 2013.
_______, Teoria Geral do Direito e o Marxismo, trad. Paula Vaz de Almeida, São
Paulo, Boitempo, 2017.
PORTELLA GUIMARÃES, Rodrigo, Por que a luta por direitos não dá certo? in:
lavrapalavra.com
ROBERTO GONÇALVES, Carlos, Direito Civil Brasileiro, Parte Geral v.1, 20 ed.,
São Paulo, SaraivaJur, 2022.