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ETAPAS HISTÓRICO-TEÓRICAS DO CONSTITUCIONALISMO

1. FUNDAMENTOS GERAIS
a) FUNDAMENTOS GERAIS DO CONSTITUCIONALISMO
LIBERAL
O Estado de Direito liberal (ou: o Estado liberal de Direito), típico do
séc. XIX, tem, como fundamento básico, a proteção da liberdade
formal do homem e o direito de propriedade privada (como uma
extensão e/ou produto do direito de liberdade), no seu sentido mais
extremo, a saber:
a) reconhecimento limitado dos direitos políticos ao “homem
burguês” (voto censitário, com subjacente negação de direito de
voto aos pobres, vedação de direito de voto às mulheres);
b) reconhecimento expresso do princípio da separação dos
Poderes;
c) preponderância da democracia representativa, com ascensão
dos partidos políticos, como meio de conquista e permanência no
poder (partidos conservadores e partidos liberais);
d) reconhecimento de direitos de liberdade (especialmente, de
iniciativa econômica e de livre contratação, com base no princípio
da autonomia da vontade) e de propriedade privada como
“absolutos” ou “ilimitados”, salvo casos extremos (como na
desapropriação por utilidade pública), bem como, de proteção
extrema ao individualismo, inclusive, com proibição expressa de
formação de associações profissionais ou sindicatos (França: Lei
Chapelier, início do séc. XIX), além do direito de greve dos
trabalhadores (considerado como caso de polícia e tipificado,
inclusive, como crime: “perturbação da ordem pública”);
Exemplo 1: Art. 544, do Código de Napoleão (1804) - extensão da
proteção ao direito de propriedade: "A propriedade é o direito de
gozar e de dispor da forma mais absoluta, desde que não se faça
deles um uso proibido pelas leis e pelos regulamentos";
Exemplo 2: Art. 1.134, § 1º, do Código de Napoleão (1804) -
autonomia da vontade como fundamento único dos contratos: "As
convenções legalmente formadas valem como lei para aqueles que
as fizeram...";
e) princípio de igualdade formal (ou abstrata) entre as pessoas:
“todos são iguais perante a lei, não podendo haver discriminações
de qualquer espécie entre as pessoas” – o que significava, na
prática, no âmbito econômico, abstrair a diferença entre burguês e
trabalhador (ou entre empregador e empregado);
Exemplo: a legislação liberal do séc. XX regulava o contrato de
trabalho como uma “locação de serviços”, no Código Civil. A lei não
garantia, então, nenhuma forma específica de proteção ao
trabalhador, porque inexistia diferença jurídica entre empregado e
empregador. Cabia à cada parte, fazendo uso do princípio da
autonomia da vontade, “negociar” com a outra todos os aspectos do
contrato de trabalho: duração da jornada, intervalos, número de dias
trabalhados na semana, salário mensal, etc. Na prática, por salário
próximo a um valor para simplesmente se manter vivo, o
empregado (inclusive, mulheres e crianças) trabalhava cerca de 18
horas, por dia, durante os 7 dias da semana, e sem direito às férias
ou qualquer outro sistema de proteção social (e/ou previdenciária).
f) redução do Estado ao papel de “guarda-noturno”, porque,
basicamente, voltado para a atividade de segurança pública (forças
armadas e polícias); vedação tácita de não-intervenção do Estado
sobre a liberdade de iniciativa econômica (“laissez-faire, laissez-
passer”: deixai fazer, deixai passar), com auto-regulação do
mercado, mediante sua “mão-invisível”.
Os documentos exemplares do constitucionalismo liberal são a
Declaração da Independência dos EUA (1776), a Declaração de
Direitos do Homem e do Cidadão (França, 1789) e a Declaração de
Direitos do Estado americano de Virginia (1787).
Exemplo 1: Declaração de Independência do EUA (1776):
"Consideramos de per si evidentes as verdades seguintes: que
todos os homens são criaturas iguais; que são dotados pelo seu
Criador com certos direitos inalienáveis; e que, entre estes, se
encontram a vida, a liberdade e a busca da felicidade. Os governos
são estabelecidos entre os homens para assegurar esses direitos e
os seus justos poderes derivam do consentimento dos governados;
quando qualquer forma de governo se torna ofensiva desses fins, é
direito do povo alterá-la ou aboli-la, e instituir um novo governo,
baseando-o nos princípios e organizando os seus poderes pela
forma que lhe pareça mais adequada a promover sua segurança e
felicidade".
Exemplo 2: Secção I, da Declaração de Direitos do Estado
americano de Virginia (1776) "Todos os homens são por natureza
igualmente livres e independentes e têm certos direitos inatos, que
depois, quando entram no estado de sociedade, não podem ser por
nenhuma forma, privados ou despojados, nomeadamente o gozo da
vida e da liberdade, com os meios de adquirir e possuir a
propriedade e procurar e obter felicidade e segurança".
Exemplo 3: Declaração Universal dos Direitos do Homem e do
Cidadão, de 1789 (Preâmbulo): "Os representantes do povo
francês, constituídos em Assembleia Nacional, considerando que a
ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do homem
são as únicas causas das desgraças públicas e da corrupção dos
governos, resolveram expor em declaração solene os direitos
naturais, inalienáveis e sagrados do Homem, a fim de que esta
Declaração, constantemente presente em todos os membros do
corpo social, lhes lembre sem cessar os seus direitos e os seus
deveres...".

b) FUNDAMENTOS GERAIS DO CONSTITUCIONALISMO


DEMOCRÁTICO-SOCIAL
O Estado liberal de Direito produziu um abismo econômico profundo
entre capitalistas e trabalhadores, entre classe burguesa e classe
operária - a chamada "questão social" do final do séc. XIX. A partir,
em especial, da Revolução russa de 1917, o Estado liberal,
paulatinamente, vai-se transformando em Estado democrático e
social, com a preocupação quanto à promoção da redução das
desigualdades sociais.
Podem-se apontar as seguintes modificações estruturais
introduzidas pelo conceito de constitucionalismo democrático-social:
aa) os direitos políticos são ampliados em favor de todos os
homens (os direitos de votar e ser votado deixam de ser censitários)
e às mulheres;
bb) ascensão dos partidos políticos reformadores (em oposição aos
partidos conservadores e partidos liberais), tais como, os partidos
sociais-democratas e os partidos socialistas;
cc) surgem, em alguns Estados, mecanismos de democracia
participativa (plebiscitos, referendos, iniciativas populares de leis);
dd) os direitos individuais de liberdade e de propriedade passam a
ser limitados ou restringíveis, em nome de uma “justiça social” ou
da “função social”. Por exemplo, torna-se possível a desapropriação
estatal da propriedade improdutiva ou que não cumpre uma função
social;
ee) o princípio da igualdade deixa de ser apenas formal (“todos são
iguais perante a lei”), para tornar-se material: todos são iguais,
desde que se encontrem em uma mesma situação de igualdade
material. Assim, surgem o Direito do Trabalho, destacado do Direito
Civil (que pressupõe desigualdade material entre empregador e
empregado), o Direito do Consumidor, também destacado do Direito
Civil (pressupondo a desigualdade material entre produtor e
prestador de serviços e o consumidor-usuário) et cetera. Nascem,
também, leis de proteção à maternidade, à infância e juventude e à
velhice;
ff) são reconhecidas, ao lado dos direitos individuais de liberdade e
de propriedade, novas espécies de direitos fundamentais, baseados
no princípio da igualdade material, os “direitos sociais”, que se
constituem, na prática, em benefícios ou prestações do Estado aos
mais necessitados ou mais fracos na sociedade, tais como, o
reconhecimento de direitos mínimos aos trabalhadores (salário-
mínimo, direito ao descanso diário, direito ao descanso semanal,
direito às férias anuais, previdência e assistência social,
aposentadoria, etc), bem como, direitos à saúde, à educação
pública, à moradia. Surgimento do Direito do Trabalho e do Direito
Previdenciário;
gg) no âmbito econômico, o Estado passa a intervir na livre
iniciativa, instituindo leis de controle da atividade econômica,
proibindo a formação de monopólios ou a dominação de mercados
por poucas empresas, tabelando preços em momentos de crises,
intervindo diretamente no câmbio e no fluxo de moeda, criando
“empresas estatais” para explorar atividades econômicas e
concorrer com os particulares (exemplos brasileiros: Banco do
Brasil, Petrobras, etc), bem como, instituindo “serviços públicos” de
interesse coletivo em favor dos particulares, os quais somente
podem ser explorados mediante prévia delegação estatal (energia
elétrica, águas e esgotos, telecomunicações, transporte coletivo,
etc). Tudo isso origina uma forte transformação no Direito
Administrativo, que, antes, resumia-se a um direito de polícia
(direito administrativo do século XX) e, agora, passa a ser um direito
voltado para a realização do conforto material e do bem-estar do
cidadão - Léon Duguit: "Estado como um conjunto de serviços
públicos", prestados aos indivíduos pela Administração Pública.
As duas primeiras Constituições que reconheceram essa nova
“Ordem Econômica e Social” são a Constituição do México de 1917
(oriunda da revolução mexicana, comandada por Emiliano Zapata e
Pancho Villa) e a Constituição alemã de Weimar de 1919 (pós-1ª
Guerra Mundial).
A "TERCEIRA GERAÇÃO” DE DIREITOS DO HOMEM
No final da década de 1970, Karel Vasak, a serviço da Unesco,
intentou formular uma teoria com "três gerações" de direitos do
homem, inspirada no lema da revolução francesa ("liberdade,
igualdade, fraternidade"). Segundo Vasak, haveria (i) uma primeira
geração de direitos de liberdade (direitos individuais e políticos,
séculos XVIII e XIX); (ii) uma segunda geração de direitos de
igualdade (material), consubstanciada nos direitos econômicos e
sociais do século XX; e, por último, a (iii) terceira geração, a da
"fraternidade" ou da solidariedade entre os povos.
A rigor, trata-se de uma classificação simplista (nem todo direito de
primeira geração é mera liberdade; nem todo direito de segunda
geração consiste em prestação positiva – vide o caso da greve, que
é típico direito de liberdade; ao passo que os direitos de terceira
geração ainda aguardam a invenção de um "tribunal de terceira
geração" para sua concretização) e, portanto, sem valor dogmático-
jurídico. Nada obstante, tornou-se lugar-comum.

1) PRIMEIRA GERAÇÃO - LIBERDADES INDIVIDUAIS


Na Declaração francesa de Direitos, de 1789, são considerados
como direitos do homem "a liberdade, a segurança, a propriedade e
a resistência à opressão", é dizer: direitos com origem no
liberalismo político-econômico. A primeira geração trata, então, das
liberdades individuais, i.e., o direito de cada indivíduo
autodeterminar o desenvolvimento de sua personalidade, sem que
o Estado possa intervir sobre ela (daí: direitos "contra" a ação do
Estado).
aa) Liberdade física, ligada aos direitos à vida, a proibição da
escravatura, da tortura, das penas desumanas e/ou degradantes, o
direito de ir e vir e a proibição de detenção arbitrária (habeas
corpus) e, não por último, o direito à segurança;
bb) Liberdades familiares, liberdade de casamento, de ter filhos e
constituir família, e, já no decorrer do séc. XX, direito à uma vida
privada e à intimidade;
cc) Liberdades relativas ao desenvolvimento da personalidade, i.e.,
liberdade de crença, de consciência, de expressão artística, de
associação, de escolha de profissão, etc;
dd) Direito de propriedade privada;
dd) Direito à autonomia da vontade e de liberdade de contratar.
b) Depois, trata das liberdades público-políticas ("direitos políticos"),
i.e., o direito de poder participar das decisões público-estatais e de
tomar parte nos órgãos políticos do Estado:
aa) Direito de votar e de ser votado, seja via democracia
direta/participativa seja via democracia indireta;
bb) Direito de resistência à opressão e à injustiça;
cc) Direito de reunião pacífica para fins políticos;

2) SEGUNDA GERAÇÃO - DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E


CULTURAIS
A democracia social exigiu, na agenda, a inclusão de uma segunda
categoria de direitos do homem, os direitos sociais, econômicos e
culturais, relativos à dignidade e ao bem-estar material e espiritual
do homem. Os direitos sociais, econômicos e culturais, via de regra,
reclamam uma ação ou prestação estatal para sua concretização
(daí: direitos "pelo" Estado, "por meio" do Estado):
a) Direito ao trabalho;
b) Direito à assistência, previdência ou seguridade social;
c) Direito à saúde;
d) Direito à educação;
e) Direito de proteção à maternidade, à infância e à velhice;
f) Direito à moradia;
g) Direito ao lazer;
h) Função social da propriedade.

3) TERCEIRA GERAÇÃO - DIREITOS DE SOLIDARIEDADE E


FRATERNIDADE
Segundo Eduardo Rabossi, jurista argentino, a teoria das três
gerações de direitos foi intentada para defender “nos foros
internacionais os direitos ao desenvolvimento, à paz, a um meio
ambiente ecologicamente equilibrado, etc. Como existiam fortes
resistências ao seu reconhecimento, Vasak elaborou a tese”
(“Como teorizar acerca dos direito humanos”, in “Pensamiento
crítico sobre derechos humanos”, 1996, p. 38/39).
Segundo Celso Lafer, “Estes direitos [de terceira geração] têm
como titular não o indivíduo na sua singularidade, mas sim grupos
humanos como a família, o povo, a nação, coletividades regionais
ou étnicas e a própria humanidade. É o caso por excelência do
direito à autodeterminação dos povos, expresso na Carta das
Nações Unidas (art. 1°, § 2°; art. 55)". Esse direito de
autodeterminação dos povos "é juridicamente concebido como um
direito de titularidade coletiva”.
Outros exemplos de direitos de 3ª geração seriam: “o direito ao
desenvolvimento, reivindicado pelos países subdesenvolvidos nas
negociações, no âmbito do diálogo Norte-Sul, sobre a nova ordem
econômica internacional; o direito à paz, pleiteado nas discussões
sobre desarmamento; o direito ao meio ambiente arguido no debate
ecológico; e o reconhecimento dos fundos oceânicos como
patrimônio comum da humanidade, a ser administrado por uma
autoridade internacional e em benefício da humanidade em geral”
(in “A reconstrução dos direitos humanos”, p. 131).

4) QUARTA GERAÇÃO DE DIREITOS?


No início da década de 1990, muitos juristas já falavam em uma 4ª
geração de direitos. Norberto Bobbio, por exemplo (in "A era dos
direitos"), afirmava que “já se apresentam novas exigências que só
poderiam chamar-se de direitos de quarta geração, referentes aos
efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa biológica, que
permitirá manipulações do patrimônio genético de cada indivíduo.
Quais são os limites dessa possível (e cada vez mais certa no
futuro) manipulação?” (op. cit. p. 6). Trata-se do problema da
“bioética”, que envolve, em última instância, a clonagem de seres
humanos ou a intervenção para determinar as características físicas
e psíquicas do ser humano que irá nascer. Cabe considerar se, a
rigor, isso não tem a ver, em realidade, com os direitos de
personalidade da 1ª geração.

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