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DIREITOS

HUMANOS

Guérula Mello Viero


Constituições mexicana
de 1917 e de Weimar
de 1919 e os direitos de
segunda dimensão
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Analisar os dispositivos das Constituições mexicana e de Weimar


caracterizadores dos direitos sociais.
 Descrever como a Constituição brasileira de 1934 foi influenciada
pelas Constituições de 1917 e 1919.
 Explicar o que são os direitos de segunda dimensão.

Introdução
As Constituições mexicana e alemã foram os primeiros textos constitucio-
nais a positivar os direitos sociais do cidadão como direitos fundamentais,
necessários à subsistência do ser humano. Ambas influenciaram forte-
mente o Brasil, principalmente no período pós-Revoluções de 1930 e
1932, como fica evidente na Carta Magna proclamada em 1934. Enquanto
a Constituição mexicana trouxe uma percepção inovadora de que o
capitalismo não poderia simplesmente transformar o homem em ele-
mento típico de mercado, a alemã buscou definir um projeto alternativo
sociodemocrático que satisfizesse os diversos segmentos sociais.
Neste capítulo, você vai ler sobre os dispositivos constantes nas Cons-
tituições de 1917 e 1919, sua influência na Constituição brasileira de 1934,
além de entender os direitos de segunda dimensão.
2 Constituições mexicana de 1917 e de Weimar de 1919 e os direitos de segunda dimensão

Constituições mexicana e de Weimar


As Constituições mexicana, de 1917, e a alemã, de 1919, foram as primeiras a
trazer os direitos sociais positivados em seus textos. A Constituição mexicana
foi a primeira a estabelecer a desmercantilização do trabalho, ou seja, proibiu
a equiparação do trabalho a uma mercadoria qualquer, que estivesse sujeita à
lei da oferta e da procura do mercado.
Ainda, firmou o princípio da igualdade de posição jurídica entre trabalhador
e empresários na relação contratual, implementou a responsabilização dos
empregadores nos acidentes de trabalho, além de introduzir as bases para a
construção do Estado Social de Direito moderno. Dessa forma, deslegitimou
as práticas de exploração mercantil do trabalho.
Já a Constituição alemã é dualista: na primeira parte, o foco está na orga-
nização do Estado, enquanto que, na segunda parte, apresenta a declaração de
direitos fundamentais, bem como dos deveres, incluindo os novos direitos de
conteúdo social nas clássicas liberdades individuais (COMPARATO, 2010).

Os direitos clássicos de liberdades individuais são os direitos fundamentais de primeira


dimensão. Na Constituição mexicana, eles eram disciplinados no Capítulo I, do Título
I: Das Garantias Individuais.

Constituição mexicana
A Constituição mexicana foi promulgada em 31 de janeiro de 1917, mas entrou
em vigor no dia 1º de maio de 1917. Formada por 136 artigos, organizados em
nove Títulos, os quais eram divididos em capítulos e seções (PINHEIRO, 2006).
Nesse contexto, “a carta política mexicana de 1917 foi a primeira a qualificar os
direitos trabalhistas como direitos fundamentais, juntamente com as liberdades
individuais e os direitos políticos” (ROBL FILHO, 2017, documento on-line).
O Título I possuía quatro Capítulos:

 Das Garantias Individuais (cap. I);


 Dos Mexicanos (cap. II);
 Dos Estrangeiros (cap. III);
 Dos Cidadãos Mexicanos (cap. IV).
Constituições mexicana de 1917 e de Weimar de 1919 e os direitos de segunda dimensão 3

O Título II era formado por somente dois Capítulos: Da Soberania Nacional


e da Forma de Governo (cap. I) e Das Partes Integrantes da Federação e do
Território Nacional (cap. II). O Título III era dividido em quatro Capítulos:

 Da Divisão de Poderes (cap. I);


 Do Poder Legislativo (cap. II) — o qual era subdividido em quatro
Seções (Da Eleição e da Instalação do Congresso; Da Iniciativa e da
Formação das Leis; Da Competência do Congresso; e Da Comissão
Permanente);
 Do Poder Executivo (cap. III);
 Do Poder Judicial (cap. IV).

O Título IV tratava apenas Das Responsabilidades dos Funcionários Públicos.


O Título V, Dos Estados e da Federação. O Título VI era composto unicamente
pelo art. 123, o qual dispunha Do Trabalho e da Previdência Social. O Título VII
tratava Das Disposições Gerais. O Título VIII, Das Reformas da Constituição. Por
fim, o Título IX tratava Da Inviolabilidade da Constituição (PINHEIRO, 2006).
O Capítulo I, do Título I, trazia um extenso rol de direitos de primeira
dimensão, entre os quais, destacam-se (PINHEIRO, 2006):

 proibição da escravidão (art. 2º);


 igualdade entre os sexos (art. 4º);
 liberdade de expressão e de informação (art. 6º);
 vedação à censura prévia (art. 7º);
 direito de petição (art. 8º);
 liberdade de reunião e de associação (art. 9º);
 direito à livre circulação (art. 11);
 princípio do juiz natural e proibição de juízo de exceção (art. 13);
 irretroatividade das leis prejudiciais aos cidadãos (art. 14);
 devido processo (art. 14, § 1º);
 legalidade em matéria penal (art. 14, § 2º);
 vedação à extradição por crimes políticos (art. 15);
 inviolabilidade de domicílio (art. 16);
 sigilo de correspondências (art. 16, § 2º);
 vedação ao exercício arbitrário das próprias razões (art. 17);
 acesso gratuito ao Poder Judiciário (art. 17, § 1º);
 vedação de prisão por dívida (art. 17, § 3º);
 garantias do acusado (art. 20 — frise-se, no ponto, que o sistema penal
mexicano funda-se sobre a “base do trabalho”);
4 Constituições mexicana de 1917 e de Weimar de 1919 e os direitos de segunda dimensão

 vedação de penas cruéis (art. 22);


 princípio do non bis in idem (art. 23);
 liberdade religiosa (art. 24);
 mandato de seis anos conferido ao Presidente da República, “que por
nenhum motivo poderá voltar a desempenhar este posto” (art. 83 —
direito à alternância política);
 separação Estado/Igreja (art. 130).

Já os direitos de segunda dimensão não se concentravam em um único


capítulo, eram apresentados de forma dispersa ao longo do Texto Constitu-
cional. Quais sejam (PINHEIRO, 2006):

 proteção à família (art. 4º);


 direito à saúde, de incumbência da Federação e das entidades federativas
(art. 4º, § 2º);
 direito à moradia digna, a ser concretizado por meio de apoio estatal
(art. 4º, § 3º);
 proteção pública dos menores (art. 4º, § 4º);
 direito ao trabalho e ao produto que dele resulta (art. 5º);
 proibição de contratos que importem na perda de liberdade do indivíduo
(art. 5º, § 4º);
 vedação à constituição de monopólios (art. 28 — direito esse de natureza
eminentemente econômica).

Ainda nos direitos de segunda dimensão, a questão agrária era disposta


no art. 27, tratando sobre a propriedade da nação relativamente às terras
e águas, sobre a possibilidade de desapropriação de terras por utilidade
pública, mediante indenização, e sobre a proteção da pequena proprie-
dade e a função social da propriedade. No entanto, o maior destaque da
Constituição mexicana encontrava-se no art. 123, contido no Título VI:
Del Trabajo y la Previsión Social. Considerado por alguns doutrinadores
como o texto responsável pelo Direito Constitucional do Trabalho, trazia
(PINHEIRO, 2006):

 direito ao emprego e correlata obrigação do Estado de promover a


criação de postos de trabalho (art. 123, caput);
 jornada de trabalho máxima de oito horas (I);
 jornada noturna de sete horas (II);
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 proibição do trabalho aos menores de 12 e jornada máxima de seis horas


aos maiores de 12 e menores de 16 (III);
 um dia de descanso para cada 6 dias trabalhados (IV);
 direitos das gestantes (V);
 salário-mínimo digno (VI), a ser estabelecido por uma comissão nacional
formada de representantes dos trabalhadores, patrões e do governo;
 direito a salários iguais aos que exercem iguais funções, sem discrimi-
nação de gênero ou nacionalidade (VII);
 participação dos trabalhadores nos lucros das empresas (IX);
 horas extras limitadas a três diárias, realizadas no máximo três dias
consecutivos, e acrescidas de 100% (XI);
 responsabilidade do empregador por acidente de trabalho (XIV);
 direito à formação de sindicatos (XVI);
 direito de greve, reconhecido inclusive em favor dos patrões e em favor
dos funcionários públicos (art. XVII);
 criação das juntas de conciliação, formadas por igual número de re-
presentantes dos trabalhadores e dos patrões e por um representante
do governo (XX);
 direito à indenização em caso de demissão sem justa causa (XXII);
 reconhecimento da utilidade pública da Lei de Seguro Social (XXIX),
que compreenderá:
[...] seguros por invalidez, por velhice, seguros de vida, de interrupção invo-
luntária do trabalho, de enfermidades e acidentes de trabalho e qualquer outro
seguro destinado à proteção e ao bem-estar dos trabalhadores, dos campone-
ses, dos não assalariados e de outros setores sociais e respectivos familiares.

Constituição alemã
A Constituição alemã de 1919 foi promulgada em 31 de julho de 1919. Era
formada por 165 artigos, divididos em dois Livros: o Livro I trazia a estrutura
e fins da república e o Livro II disciplinava os direitos e deveres fundamentais
do cidadão alemão (PINHEIRO, 2006).
Ambos os livros eram subdivididos em capítulos. O Livro I possuía sete
capítulos, quais sejam:

 A República e os Estados (cap. I);


 O Parlamento (cap. II);
 O Presidente da República e o Governo Federal (cap. III);
6 Constituições mexicana de 1917 e de Weimar de 1919 e os direitos de segunda dimensão

 O Conselho da República (cap. IV);


 A Legislação da República (cap. V);
 A Administração da República (cap. VI);
 A Administração da Justiça (cap. VII).

Já o Livro II era dividido em cinco capítulos (PINHEIRO, 2006):

 A Pessoa Individual (cap. I);


 A Vida Social (cap. II);
 Religião e Agrupamentos Religiosos (cap. III);
 Educação e Escola (cap. IV);
 A Vida Econômica (cap. V).

Entre os direitos fundamentais de primeira dimensão trazidos pelo Texto


Constitucional alemão, destacamos (PINHEIRO, 2006, p. 116):

 direito à igualdade (art. 109);


 igualdade cívica entre homens e mulheres (art. 109, § 1º);
 direito à nacionalidade (art. 110);
 liberdade de circulação no território e para fora dele (arts. 111 e 112);
 direito das minorias de língua estrangeira (art. 113);
 inviolabilidade de domicílio (art. 115);
 irretroatividade da lei penal (art. 116);
 sigilo de correspondência e de dados telegráficos ou telefônicos (art.
117);
 liberdade de manifestação do pensamento (art. 118);
 vedação à censura, exceto para proteger a juventude e para combater
a pornografia e a obscenidade (art. 118, § 1º);
 proteção ao matrimônio e à família (art. 119);
 igualdade jurídica entre os cônjuges (art. 119);
 igualdade entre filhos havidos na constância ou fora do matrimônio
(art. 121);
 liberdade de reunião (art. 123);
 liberdade de associação (art. 124);
 direito ao voto secreto (art. 125);
 direito de petição ao Poder Público (art. 126);
 igualdade de acesso aos cargos públicos (art. 128);
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 direito adquirido e reivindicável perante o Poder Judiciário, em tema de


aspirações patrimoniais de servidores públicos e soldados de carreira
(art. 129, caput, § 3º);
 liberdade de consciência e crença religiosa (art. 135);
 separação Estado/Igreja (art. 137);
 liberdade de associação religiosa (art. 137, § 1º);
 liberdade de sindicalização (art. 159).

Com relação aos direitos de segunda dimensão, que configuram o caráter


social da Constituição de Weimar, destacamos (PINHEIRO, 2006, p. 116):

 proteção e assistência à maternidade (arts. 119, § 2º, e 161);


 direito à educação da prole (art. 120);
 proteção moral, espiritual e corporal à juventude (art. 122);
 direito à pensão para família em caso de falecimento e direito à apo-
sentadoria, em tema de servidor público (art. 129);
 direito ao ensino de arte e ciência (art. 142);
 ensino obrigatório, público e gratuito (art. 145);
 gratuidade do material escolar (art. 145);
 direito a “bolsa estudos”, ou seja, à “adequada subvenção aos pais
dos alunos considerados aptos para seguir os estudos secundários e
superiores, a fim de que possam cobrir a despesa, especialmente de
educação, até o término de seus estudos” (art. 146, § 2º);
 função social da propriedade; desapropriação de terras, mediante in-
denização, para satisfação do bem comum (art. 153, §1º);
 direito a uma habitação sadia (art. 155);
 direito ao trabalho (arts. 157 e 162);
 proteção ao direito autoral do inventor e do artista (art. 158);
 proteção à maternidade, à velhice, às debilidades e aos acasos da vida,
mediante sistema de seguros, com a direta colaboração dos segurados
(art. 161 — previdência social);
 direito da classe operária a “um mínimo geral de direitos sociais” (art. 162);
 seguro-desemprego (art. 163, § 1º);
 direito à participação, mediante Conselhos — Conselhos Operários e
Conselhos Econômicos —, no ajuste das condições de trabalho e do
salário e no total desenvolvimento econômico das forças produtivas,
inclusive mediante apresentação de projeto de lei (art. 165).
8 Constituições mexicana de 1917 e de Weimar de 1919 e os direitos de segunda dimensão

O Quadro 1 compara as Constituições mexicana e de Weimar.

Quadro 1. Comparativo entre a Constiuição mexicana e a de Weimar

Direitos fundamentais Constituição Constituição de


de primeira dimensão Mexicana de 1917 Weimar de 1919

Direito à igualdade Art. 4º Art. 109

Liberdade de circula- Art. 11 Arts. 111 e 112


ção no território nacio-
nal e para fora dele

Direitos das minorias – Art. 113

Inviolabilidade de domicílio Art. 16 Art. 115

Irretroatividade da lei penal Art. 14 Art. 116

Sigilo de correspondências Art. 16 § 2º Art. 117 (incluídos os


sigilos aos dados tele-
gráficos e telefônicos)

Liberdade de manifestação Art. 6º Art. 118


do pensamento

Vedação à censura Art. 7º Art. 118, § 2º (exceto na


proteção à juventude e no
combate à pornografia)

Proteção ao patrimônio e à fa- – Art. 119


mília (garantias institucionais)

Igualdade jurídica – Art. 119


entre cônjuges

Igualdade jurídica entre – Art. 121


filhos havidos na constância
ou fora do matrimônio

Liberdade de reunião Art. 9º Arts. 123 e 124


e associação

Direito de petição ao Art. 8º Art. 126


Poder Público

Igualdade de acesso – Art. 128


aos cargos públicos

(Continua)
Constituições mexicana de 1917 e de Weimar de 1919 e os direitos de segunda dimensão 9

(Continuação)

Quadro 1. Comparativo entre a Constiuição mexicana e a de Weimar

Direitos fundamentais Constituição Constituição de


de primeira dimensão Mexicana de 1917 Weimar de 1919

Direitos adquiridos – Art. 129, caput e § 3º


(relativamente a preten-
sões pecuniárias relativas
a servidores públicos e
soldados de carreira)

Liberdade de consciência Art. 24 Art. 135


e crença religiosa

Separação Estado/Igreja Art. 130 Art. 137

Proibição à escravidão Art. 2º –

Princípio do juiz Art. 13 –


natural e proibição de
juízo de exceção

Devido processo Art. 14 § 1º –

Vedação ao exercício Art. 17 –


arbitrário das próprias razões

Acesso gratuito ao Art. 17 § 1º –


Poder Judiciário

Vedação de prisão por dívida Art. 17 § 3º –

Princípio do “non bis in Art. 23 –


idem” em matéria criminal
Fonte: Adaptado de Pinheiro (2006).

Influência das Constituições de 1917 e 1919


no Texto Constitucional brasileiro
A primeira Constituição brasileira a sofrer influências diretas das Constitui-
ções mexicana e de Weimar foi a de 1934. Esse Texto Constitucional surgiu
em um contexto democrático peculiar. Após a Revolução de 1930 — que
clamou por valores republicanos e democráticos e que superaria um aparato
institucional e político emergido das oligarquias brasileiras —, a Constitui-
10 Constituições mexicana de 1917 e de Weimar de 1919 e os direitos de segunda dimensão

ção de 1891 havia caducado, não atendendo mais aos valores obtidos com a
vitória da Revolução (TAVARES, 2017).

A Revolução de 1930 foi um movimento armado, liderado pelos Estados do Rio Grande
do Sul, de Minas Gerais e da Paraíba, que estavam insatisfeitos com o resultado das
eleições presidenciais. Assim, orquestraram um golpe de Estado, o Golpe de 30,
que derrubou o então presidente da República, Washington Luís, em 24 de outubro
de 1930. Isso impediu a posse do presidente eleito Júlio Prestes, sob alegações de
fraude eleitoral e desgosto popular devido à crise econômica de 1929, além de
culminar no assassinato de João Pessoa. Todo esse evento colocou fim à República
Velha (REVOLUÇÃO..., 2018a).

Getúlio Vargas havia assumido o Governo Provisório e se consagrado como


chefe da nação. No entanto, só convocou uma constituinte após a Revolução
de 1932, a qual denunciava a ausência de uma Constituição. É fato notório
que o governo de Vargas foi marcado pelas preocupações sociais. Como
leciona Tavares (2017, p. 722), a Constituição de 1934 “teve como principal
mérito a quebra da tradição liberal das Cartas que a antecederam no Brasil,
e o estabelecimento de uma democracia social e econômica”. O texto trouxe
a instituição do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, bem como a
regulamentação do trabalho de mulheres e menores, a jornada de trabalho e
o direito a férias. Para Bonavides (2006), isso configurou uma nova etapa do
constitucionalismo brasileiro.

A Revolução de 1932 foi uma revolta ocorrida no Estado de São Paulo contra o governo
de Getúlio Vargas. O movimento foi uma resposta paulista à Revolução de 1930, a
qual acabou com a autonomia dos Estados garantida pela Constituição de 1891. Foi
o primeiro grande levante contra a administração de Getúlio Vargas e o último grande
conflito armado ocorrido no Brasil. Os insurgentes exigiam do Governo Provisório a
elaboração de uma nova Constituição e a convocação de eleições para presidente
(REVOLUÇÃO..., 2018b).
Constituições mexicana de 1917 e de Weimar de 1919 e os direitos de segunda dimensão 11

Tavares (2017) destaca que o Texto de 1934 foi inovador em todos os


sentidos, pois incluiu o tema econômico, evidenciando a influência do novo
constitucionalismo proveniente do Texto mexicano de 1917. Para ele, seria:

Um constitucionalismo social, da atenção com o elemento coletivo dos inte-


resses, metas e prioridades, em detrimento de posições individuais egoísticas
e privatistas, típicas de um liberalismo exacerbado, baseado na crença cega
no mercado, em uma mão invisível com algumas “camadas” de novidades e
deturpações de sua origem conceitual (em Adam Smith), que supostamente
seria capaz de responder não apenas pela eficiência, como também pela me-
lhor distribuição da riqueza, dos bens e dos resultados do trabalho individual
(TAVARES, 2017, p. 722-723).

O novo modelo constitucionalista enfocava na realidade material, “com


menor abstração das dificuldades reais e dos instrumentos capazes de efe-
tivamente promover a transformação desejável em termos de ‘riquezas’ da
nação” (TAVARES, 2017, p. 723).
Em relação ao tema trabalhista, a Constituição mexicana trouxe uma per-
cepção inovadora de que o capitalismo não poderia simplesmente transformar
o homem em elemento típico de mercado. Essa percepção foi adotada como
base para a Constituição de 1934. O deputado constituinte Lacerda Werneck,
em um de seus discursos, enfatizou que utilizou como base a Constituição
de 1917 para dispor sobre o salário-mínimo, que viria disciplinado no art.
121, evidenciando sua similaridade e influência com o artigo mexicano 123
(TAVARES, 2017, p. 725):

Artigo 123 [...]


VI — El salario mínimo que deberá disfrutar el trabajador [...] atendendo
las condiciones de cada región, para satisfazer las necessidades normales
de la vida del obrero [...].
Artigo 121 [...]
§ 1º, alínea b: salário mínimo, capaz de satisfazer, conforme as condições de
cada região, às necessidades normais do trabalhador.

Ainda, entre outras heranças, estão:

 proteção isonômica do salário dos trabalhadores;


 vedação à desigualdade salarial baseada em sexo e nacionalidade;
 equidade nas relações;
 defesa da estabilidade do trabalhador, assegurando-lhe indenização
por dispensa arbitrária.
12 Constituições mexicana de 1917 e de Weimar de 1919 e os direitos de segunda dimensão

Não foi apenas a Constituição mexicana de 1917 que embasou visivelmente


o Texto Constitucional brasileiro de 1934. A Constituição alemã, a Weimar,
de 1919, também teve forte influência.
Como leciona Silva (1977, p. 35):

A Constituição Alemã, ao integrar a ordem político-institucional aos objeti-


vos econômicos da sociedade, buscou definir um projeto alternativo social-
-democrático que satisfizesse os diversos segmentos sociais, presos, de um
lado, às concepções da clássica democracia burguês-individualista, e, de
outro, ao crescente fluir de princípios e proposições socialistas. Tratava-se da
primeira tentativa feita por uma nação de construir uma social-democracia,
procurando conciliar princípios liberais e princípios socialistas, e almejando
fugir, ao mesmo tempo, do exemplo, então bem próximo e bem presente em
todos os espíritos, da revolução soviética e dos excessos do capitalismo e do
liberalismo.

No mesmo sentido, Bercovici (2008) destaca que, com a Constituição de


Weimar e, claro, com a Constituição do México de 1917, as Constituições do
século XX passaram a ter como característica essencial o caráter diretivo
e pragmático, incorporando conteúdos de política econômica e social. Tal
característica é fruto da democracia de massas. “A tentativa de incorporação
da totalidade do povo no Estado passa a exigir a presença de uma série de
dispositivos constitucionais que visam a alterar ou transformar a realidade
socioeconômica” (BERCOVICI, 2008, p. 31).
A Constituição de 1934 não obteve muito êxito na realização de seus
princípios. Como ressalta o juiz de Direito Costa (2014, documento on-line),
o âmago do Texto sustentava uma contradição, pois “o texto de 1934 é uma
síntese malograda de tentativa de conciliação de ideais liberais e de tendências
intervencionistas do Estado”. Conforme o autor:

De um lado, um liberalismo fruto das formulações da Constituição antece-


dente, de valores e ideias que germinavam, consignados nos preceitos das
liberdades e das garantias individuais, nas eleições livres, no voto universal
e na autonomia dos partidos, dos poderes e dos entes federados. Em direção
contrária, um caráter centralizador e intervencionista, representado pela
ampliação das prerrogativas do Poder Executivo e pela sua forte interferência
na economia (COSTA, 2014, documento on-line).

Andrade e Bonavides (1991) acreditam que a Constituição de 1934 selou


seu destino por ser dúbia, não por ser irrealista ou inexequível. A síntese alcan-
çada entre elementos do pensamento liberal e as tendências intervencionistas
Constituições mexicana de 1917 e de Weimar de 1919 e os direitos de segunda dimensão 13

do Estado era apenas uma ideia em 1934. Para os autores, embora houvesse
um brilhantismo jurídico e uma lição histórica, a Carta era uma colcha de
retalhos. “Princípios antagônicos (formulados antagonicamente, inclusive)
são postos lado a lado. Eles marcam duas tendências claramente definidas,
dois projetos políticos diversos. Um deles havia de prevalecer” (ANDRADE;
BONAVIDES, 1991, p. 326).
Assim, a Constituição de 1934 teve o menor tempo de vigência até os dias
atuais, visto que permaneceu por apenas três anos. No entanto, representou um
grande avanço em relação aos direitos sociais e na concepção de um Estado
intervencionista. Seu texto disciplinava a competência concorrente da União
e dos Estados no tocante aos cuidados com a saúde e à assistência pública.
Também elevou os direitos e as garantias trabalhistas a normas constitucionais,
ao instituir normas de proteção ao trabalhador, quais sejam:

[...] o estabelecimento de assistência médica sanitária ao trabalhador e de


assistência médica à gestante (sendo assegurada a ela descanso antes e depois
do parto), a fixação de salário-mínimo, o limite para a jornada de trabalho (oito
horas diárias), a estipulação de férias anuais remuneradas e a instauração da
previdência mediante contribuição (RASQUINHO, 2017, documento on-line).

Ainda, estipulou que todos têm direito à educação e à obrigatoriedade e


gratuidade do ensino primário, inclusive para os adultos (RASQUINHO, 2017).

Direitos de segunda dimensão


“Os direitos fundamentais de segunda dimensão determinam a proteção à
dignidade da pessoa humana, enquanto os de primeira dimensão tinham como
preocupação a liberdade em contrapartida ao poder de imperium do Estado”
(SILVA JUNIOR, 2010, documento on-line). Ou seja, dizem respeito às liberdades
concretas, pois exigem do Estado ações positivas em favor do bem-estar social.
Nos direitos fundamentais de primeira geração, as prestações positivas exigi-
das pela população buscavam a efetividade das liberdades pleiteadas, pois, sem
qualidade de vida, educação, saúde e igualdade fática, os direitos fundamentais
sofreriam uma instabilidade. Como leciona Marmelstein (2008, p. 51-52):

Os direitos de primeira geração tinham como finalidade, sobretudo, possibilitar


a limitação do poder estatal e permitir a participação do povo nos negócios
públicos. Já os direitos de segunda geração possuem um objetivo diferente.
14 Constituições mexicana de 1917 e de Weimar de 1919 e os direitos de segunda dimensão

Eles impõem diretrizes, deveres e tarefas a serem realizadas pelo Estado,


no intuito de possibilitar aos seres humanos melhor qualidade de vida e um
nível de dignidade como pressuposto do próprio exercício da liberdade. Nessa
acepção, os direitos fundamentais de segunda geração funcionam como uma
alavanca ou uma catapulta capaz de proporcionar o desenvolvimento do ser
humano, fornecendo-lhe as condições básicas para gozar, de forma efetiva,
a tão necessária liberdade.

Dessa forma, como disciplina Sarlet (2008), há uma proclamação à dig-


nidade, relacionada a prestações sociais estatais obrigatórias, como saúde,
educação, assistência social, trabalho, entre outros, que impõe ao Estado a
obrigação de fornecer prestações para concretizar a igualdade e reduzir pro-
blemas sociais, como forma de promover para a pessoa humana um mínimo
necessário para uma existência digna. “A segunda dimensão dos direitos
fundamentais abrange, portanto, bem mais do que os direitos de cunho pres-
tacional, de acordo com o que ainda propugna parte da doutrina, inobstante
o cunho ‘positivo’ possa ser considerado como o marco distintivo desta nova
fase na evolução dos direitos fundamentais” (SARLET, 2008, p. 55).
Nesse sentido, a segunda dimensão dos direitos fundamentais se relaciona
com as prestações positivas sociais, quer dizer, uma prestação de serviços por
parte do Estado que busque a erradicação e diminuição das desigualdades
sociais, em prol da consagração da justiça social, como forma de se materializar
a igualdade disposta pelo sistema liberal.

A expressão “social” encontra justificativa, entre outros aspectos [...], na circuns-


tância de que os direitos de segunda dimensão podem ser considerados uma den-
sificação do princípio da justiça social, além de corresponderem a reivindicações
das classes menos favorecidas, de modo especial da classe operária, a título de
compensação, em virtude da extrema desigualdade que caracteriza (e, de certa
forma, ainda caracterizada) as relações com a classe empregadora, notadamente
detentora de um menor grau de poder econômico (SARLET, 2008, p. 56).

Na Constituição Federal de 1988, os direitos sociais encontram-se no rol dos direitos


fundamentais de segunda dimensão, que incluem também os direitos culturais e
econômicos, portanto, passíveis de exigibilidade e aplicação imediata e direta, como
dispõe o art. 5º, § 1º: “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm
aplicação imediata” (OLIVEIRA, 2014, p. 4).
Constituições mexicana de 1917 e de Weimar de 1919 e os direitos de segunda dimensão 15

Com os direitos fundamentais de segunda geração, pretende-se alcançar


um equilíbrio real na relação Estado/cidadão. O ente estatal possui o maior
poder, tanto econômico e político quanto jurídico. Assim, é necessário que
possua não apenas direitos, mas também deveres com o cidadão, fazendo o
indivíduo viver com dignidade, seja pelos próprios meios, seja pelos meios
ofertados pelo Estado.
Esses direitos de segunda dimensão também são conhecidos como direitos
sociais, uma vez que possuem ligação direta com as reivindicações sociais e
estão ligados com a ideia de igualdade, visto que, após sua efetivação, o Estado
viu-se obrigado a tratar a todos de forma igualitária e justa.

O princípio da igualdade de fato ganha realce nessa segunda geração dos


direitos fundamentais, a ser atendido por direitos a prestação e pelo reco-
nhecimento de liberdades sociais — como a de sindicalização e o direito de
greve. Os direitos de segunda geração são chamados de direitos sociais, não
porque sejam direitos de coletividades, mas por se ligarem a reivindicações
de justiça social — na maior parte dos casos, esses direitos têm por titulares
indivíduos singularizados (MENDES; BRANCO, 2012. p. 156).

Fica evidente, então, que os direitos de segunda geração surgiram du-


rante a mudança do Estado Liberal para o Estado Social, que possui uma
linha mais centrada na proteção dos hipossuficientes, buscando a igualdade
material entre os homens. Conforme Paulo e Alexandrino (2012), para se
distinguir os direitos de primeira e segunda gerações, é fundamental analisar
a finalidade do direito.

A identificação da finalidade dos institutos parece constituir o melhor critério


para a distinção. Assim, os direitos sociais são aqueles que têm por objetivo
a necessidade da promoção da igualdade substantiva, por meio do interven-
cionismo estatal em defesa do mais fraco, enquanto os direitos individuais
são os que visam a proteger as liberdades públicas, a impedir a ingerência
abusiva do Estado na esfera da autonomia privada (PAULO; ALEXANDRI-
NO, 2012, p. 103).

Portanto, os direitos de segunda geração constituem as exigências feitas


pela sociedade ao Estado. Vale destacar, entretanto, que uma dimensão de
direitos não exclui ou se sobrepõe à outra.
16 Constituições mexicana de 1917 e de Weimar de 1919 e os direitos de segunda dimensão

ANDRADE, P.; BONAVIDES, P. História constitucional do Brasil. 3. ed. São Paulo: Paz e
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Leituras recomendadas
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www4.policiamilitar.sp.gov.br/unidades/dpcdh/Normas_Direitos_Humanos/
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SÃO PAULO. Polícia Militar do Estado. Diretoria de Polícia Comunitária e de Di-
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www4.policiamilitar.sp.gov.br/unidades/dpcdh/Normas_Direitos_Humanos/
CONSTITUI%C3%87%C3%83O%20DE%20WEIMAR%20(ALEM%C3%82)%20%20-%20
1919%20-%20EM%20PORTUGU%C3%8AS.pdf >. Acesso em: 2 ago. 2018.
Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para
esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.
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