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EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR E MÍDIA-EDUCAÇÃO:

UM ESTUDO EM ESCOLAS DE ENSINO MÉDIO DO


DISTRITO FEDERAL
Daniel Cantanhede Behmoiras*
Ingrid Dittrich Wiggers**

RESUMO ABSTRACT
O presente trabalho apresenta re- This paper presents results of a
sultados de uma pesquisa realizada em survey conducted in two high scho-
duas escolas de Ensino Médio do Distri- ols in the Federal District - Brazil. Its
to Federal. Tem como objetivo principal main objective is to analyze the cul-
analisar práticas culturais de consumo tural practices of media consumption
de mídias de estudantes de ensino mé- of high school students as well as the
dio, bem como o desenvolvimento de development of a video workshop for
uma oficina de vídeo-educação. Foram education. Were used for data collec-
utilizadas para a coleta de dados diferen- tion different techniques, such as field
tes técnicas, como observação de cam- observation, form, in the form of in-
po, formulário, entrevistas em forma terviews and a focus group workshop
de grupo focal e uma oficina de vídeo. video. It was found that students have
Constatou-se que os estudantes pos- a very close relationship with ICTs, but
suem uma relação muito próxima com they are little explored in the school en-
as TICs, porém elas são pouco explora- vironment, especially in physical edu-
das no ambiente escolar, principalmen- cation classes. With the application of
te nas aulas de Educação Física. Com a video workshop evidenced the poten-
aplicação da oficina de vídeo ficou evi- tial that ICTs have as educational tool
denciada a potencialidade que as TICs aimed at a critical appropriation of rea-
possuem como ferramenta pedagógica lity through media education.
com vistas a uma apropriação crítica da
Keywords: Media. Education.
realidade por meio da mídia-educação.
School. Physical Education. Youth.
Palavras-chave: Mídia-Educação.
Escola. Educação Física. Jovens.

*
Prof. Ms. da Faculdade de Educação Física da Universi-
dade de Brasília - UnB. Integrante do Avante - Grupo de
pesquisa sócio-crítico em Educação Física, Esporte e Lazer.
**
Prof. Dra. da Faculdade de Educação Física da Univer-
sidade de Brasília - UnB. Coordenadora do Imagem
- Grupo de pesquisa sobre corpo e educação.

Horizontes – Revista de Educação, Dourados, MS, n.2, v1, julho a dezembro de 2013 95
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INTRODUÇÃO tores profissionais e pode-se constituir


como um rico conteúdo pedagógico,
O presente trabalho1 buscou te- além de oportunizar a democratização
matizar interfaces entre o componente do acesso a esse tipo de conhecimento.
curricular Educação Física e a mídia- Saviani (2006) considera central no pro-
-educação. Tem como objetivo princi- cesso educativo a apropriação do conhe-
pal analisar práticas culturais de consu- cimento científico, avançando para além
mo de mídias de estudantes de ensino do senso comum. Nessa perspectiva,
médio, bem como o desenvolvimento a oficina de vídeo buscou oferecer aos
de uma oficina de vídeo-educação. A participantes o acesso ao conhecimento
pesquisa de campo foi realizada em sobre a linguagem audiovisual, a medida
duas escolas públicas do Distrito Fede- que colocou os estudantes de uma escola
ral – Brasil e envolveu diferentes técni- pública, provenientes de uma região de
cas, como observação de campo, for- baixa renda, em contato com a instru-
mulário, entrevistas em forma de grupo mentalização de técnicas de produção,
focal e uma oficina de vídeo. Obser- captação e edição de um filme. Vale res-
vou-se, preliminarmente, que o princi- saltar que esse tipo de atividade é pouco
pal conteúdo das aulas dessa disciplina comum nas escolas públicas no Distrito
na escola pesquisada circunscrevia-se Federal, sobretudo no âmbito do com-
ao esporte. Levando-se em conta essa ponente curricular Educação Física.
característica, formulou-se o seguinte
tema para nortear a oficina: “O esporte A mídia pode ser entendida como
dentro da escola: uma visão dos estu- “meio”, pois a palavra mídia “origina-
dantes do ensino médio”. -se do latim media, plural de medium,
que significa meio”. Assim encontra-
A Educação Física e a escola, de -se associada à comunicação, pois “a
forma geral, vem paulatinamente se mídia refere-se aos meios de comu-
aproximando do debate com a Mídia- nicação, no sentido de comunicação
-Educação, por entender que o poder humana mediada por algum apara-
de influência que a mídia pode exercer to” (BETTI e PIRES, 2005, p. 282),
na vida dos cidadãos e a forma de “[...] como a televisão por exemplo. Com
penetração destas máquinas inteligen- isso, grande parte do conhecimento
tes em todas as esferas da vida social é sobre a realidade social é construída a
incontestável” (BELLONI, 2005, p. partir do contato com os meios de co-
6). Segundo a autora, a escola necessita municação. Fatos “históricos” foram e
interagir com a linguagem audiovisual, são contados por meio da televisão, do
problematizando o que é veiculado pe- rádio, dos jornais, como, por exemplo,
los meios de comunicação. Outro aspec- a ida do homem à lua, fato que ainda
to é que consideramos que a produção é contestado até a atualidade. Muitos
de um vídeo não é exclusiva a produ- acreditam nesse fato porque ele foi
1
Uma parte desse trabalho foi apresentada no VIII Con-
ferência Internacional de TIC na Educação - Challenges
midiatizado, pois a compreensão de
2013. Outra parte foi apresentada XVII Congresso Bra- grande parte do presente é construída
sileiro de Ciências do Esporte. A versão ora apresentada
constitui-se como uma versão amadurecida e ampliada pelos meios de comunicação, que no-
em relação às versões apresentadas nos Congressos.

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ticiam as informações que ocorrem no tecnológicos, bem como uma perspec-


mundo todo ao mesmo tempo. tiva moralista e pessimista diante dos
meios, ao invés de reconhecê-los e utili-
No entanto, a importância da no-
zá-los dentro do ambiente escolar.
tícia não está somente no ato de infor-
mar, pois também assume um papel de Em contrapartida, seria objetivo
“aglutinadora”, uma vez que milhares primordial da escola, por intermédio
de pessoas vivenciam determinada no- do trabalho pedagógico, contemplar e
tícia ao mesmo tempo, como aconte- abordar as mídias, visando concorrer
ce nos casos de desastres ambientais, para a sua apreensão como instrumentos
como deslizamentos de terra que so- para interpretar e analisar criticamente a
terram casas e deixam vítimas. O viés realidade, que é tão complexa e encon-
sensacionalista provoca um sentimento tra-se sempre em movimento. A escola,
de solidariedade, que leva a população saliente-se, tem o papel de socializar o
a mandar mantimentos a tais vítimas. conhecimento mais elaborado, portan-
Para a grande mídia, o que importa não to, o conhecimento sistematizado e eru-
é tanto o conteúdo da notícia e sim o dito, superando a superficialidade do
poder de abrangência que ela pode ter, senso comum (SAVIANI, 1996).
quantas pessoas ela pode atingir, pois a
Ressalve-se que acessar as tecno-
audiência é essencial para angariar mais
logias de comunicação e informação
patrocinadores, mais anúncios. Esse
(TIC) no âmbito escolar não deveria,
fato pode ser percebido nas coberturas
a nosso ver, dirigir-se no sentido de
televisivas a casamentos da nobreza real
apenas oferecer “armas” para que o tra-
e até mesmo na cobertura de Copas do
balhador aperfeiçoe sua investidura no
Mundo e Olimpíadas.
trabalho, visando aumento da produ-
Um ponto fundamental a ser refle- tividade e assumindo, dessa forma, o
tido é o fato de que dentre as transfor- caráter funcionalista de aprimorar mais
mações sociais que estão em curso ocor- os sistemas de exploração do “homem
re uma mudança na forma de circulação pelo homem”. O contado com esses ti-
do saber. Assim, “a escola está deixando pos de ferramentas, que foram criados e
de ser o único lugar de legitimação do desenvolvidos pelo ser humano, devem
saber, já que há uma variedade de sabe- ser atribuídos a todos numa perspectiva
res que circulam por outros canais, di- de ampliação e democratização do aces-
fusos e descentralizados” (BARBERO, so à cultura e à história, pois o conheci-
2006, p. 56). Considerando essa difu- mento é de cunho universal e não deve
são e fragmentação, o autor acredita que ser privatizado ou hierarquizado.
seja possível que os estudantes possam
A forma como um vídeo é produ-
deter conhecimentos mais atualizados e
zido e o acesso à técnica audiovisual,
profundos do que um professor de uma
contudo, não é um tema assegurado
determinada disciplina. Em conseqüên-
pelo currículo das escolas públicas bra-
cia, ele sugere que a escola, de modo
sileiras, em um plano geral. Tampouco
geral, estaria adotando uma postura de
a disciplina curricular Educação Física
defesa e de resistência aos mecanismos

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tem tido essa preocupação (BETTI, Uma situação que é muito propa-
2001). A produção e apreciação críti- gada pela grande mídia é a de atrelar ao
ca da linguagem audiovisual pode ser esporte uma determinada compreensão
considerada como um conhecimento que o associa a um discurso salvacionis-
restrito a uma pequena parte da popu- ta, de que sempre faz bem à saúde, que
lação, apesar de representar importante une povos, que traz a paz, que tira os
forma de difusão do conhecimento na jovens das drogas. Reforça-se uma visão
sociedade atual. Nesse sentido, destaca- de que o esporte é salvador, de que ele é
-se a televisão, que tem um expressivo remédio para muitos dos problemas so-
poder de influência sobre grande parte ciais que o país enfrenta, de que é, além
da população. Penteado (2000, p.15) de tudo, um promotor da inclusão so-
afirma que: cial. As mensagens são veiculadas como
[...] Dentre as alternativas de comu-
se essas formas de compreensão fossem
nicação mais tradicionais, como o universais e o contraditório não existes-
rádio, cinema, imprensa, atualmente se. Outro ponto enfocado por parte da
viceja outra mais perturbadora: a te- mídia esportiva vai no sentido de per-
levisão. Apesar de recente entre nós, petuar o esporte baseado em uma única
instaurou-se de maneira tão definitiva
concepção, que é a do alto rendimento
que pode ser considerada um padrão
universal de nossa cultura. (BETTI, 2005). Tal direcionamento
não ocorre por acaso, pois por detrás
Nesse aspecto, a população em desse tipo de propagação há interesses
geral e a comunidade escolar acabam financeiros, ligados ao fortalecimento
sofrendo influências, pois “os sujeitos de um mercado consumidor em expan-
da escola são telespectadores de muitas são (TAFFAREL, 2009). E as crianças
horas diárias, que computadas ao lon- e os jovens são alvos prioritários, pois
go dos anos de vida, indicarão entre é interessante formar desde cedo uma
os discentes de escolaridade inicial (de população consumista.
ensino fundamental), maior tempo de Dessa forma, o esporte está presen-
exposição à televisão do que envolvidos te na vida de milhões de seres humanos,
com atividades escolares” (PENTEA- de diversas localidades do mundo. Esta
DO, 2000, p. 97). Nesse sentido, todos manifestação cultural é vista, praticada
os dias são veiculadas diversas matérias e consumida por uma parte significa-
em telejornais, em programas específi- tiva da população mundial, que tem
cos, em cadernos de jornais impressos uma relação próxima com o modelo
ou na internet. A forma como as men- societal vigente, pois “tão rápido e tão
sagens são passadas não estão livres de ferozmente quanto o capitalismo, o es-
direcionamentos e manipulações de porte expandiu-se pelo mundo todo e
acordo com os interesses de quem está tornou-se a expressão hegemônica no
responsável por transmitir essas notí- âmbito da cultura corporal de movi-
cias, já que pode existir uma intenção mento” (BRACHT, 2005, p.1).
de influenciar uma determinada forma
de pensamento e compreensão da so- Dessa forma, a televisão tem um
ciedade (CHAUÍ, 2006). expressivo potencial educativo, de in-

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fluência na vida de grande parte da METODOLOGIA


população. “Na TV, a característica de
espetáculo, forma estética de comuni- As duas escolas onde foi desenvol-
cação construída com o saber artístico, vida a pesquisa localizam-se em uma
que a torna extremamente sensibiliza- região administrativa situada na perife-
dora, atraente, cujos fortes efeitos pe- ria do Distrito Federal, que conta com
dagógicos não podem ser desconsidera- aproximadamente 100 mil habitantes.
dos pelos educadores” (PENTEADO, Destaca-se entre esses o alto índice de
2000, p. 6). Por isso há necessidade de jovens, pois 47% da população é for-
se instrumentalizar os jovens para assu- mada por pessoas com até 20 anos de
mirem uma postura crítica frente à te- idade (GDF, 2010). A cidade é habitada
levisão, ao filme, ao jornal, ou seja, à na sua maioria por moradores de bai-
grande mídia em geral. xa renda econômica, que trabalham em
Brasília, região central localizada a cerca
No campo da Educação Física, de 30 quilômetros. Possui um total de
Mauro Betti tem grande importância vinte e duas escolas, sendo que apenas
na aproximação da área com a mídia te- duas delas oferecem o Ensino Médio.
levisiva. Ele afirma que “na prática e nos
discursos da educação e da educação fí- Em uma dessas foi realizada a ofi-
sica, nas suas relações com o esporte e cina de vídeo-educação, no âmbito da
a televisão, há valores, mesmo que não disciplina Educação Física. A escola
explícitos” (BETTI, 1998, p. 21). Para a funcionava nos três turnos e possuía
televisão, importa a forma de mostrar o um total de 2.400 estudantes. Eram
esporte como seu conteúdo. Uma con- aproximadamente 800 estudantes em
sequência imediata é a fragmentação e a cada turno, sendo 17 turmas por tur-
distorção do fenômeno esportivo, pois no. Possuía uma média de 45 alunos
“a televisão seleciona imagens esportivas por sala. Não disponibilizava acesso à
e as interpreta para nós, propõe um cer- internet para os estudantes, por não
to ‘modelo’ do que é ‘esporte’ e do que ter equipamento. A configuração das
é ser ‘esportista’.”, isto é, um modelo li- turmas de 3º ano se dava da seguinte
gado ao incentivo ao consumo e a imi- forma: no matutino eram 4 turmas, o
tação estética e gestual. (BETTI, 1998, que dá um total estimado de 180 es-
p.34) Em vários momentos, a imagem tudantes; no vespertino eram 3 turmas,
proposta pela televisão desperta uma com aproximadamente 135 estudan-
consciência pouco elaborada, pois na te- tes no total. Tinha quatro professores
levisão tudo é “efêmero, rápido e transi- de Educação Física nos três turnos. Os
tório, com rápidas mudanças de planos espaços disponíveis para as aulas eram
e imagens, a realidade é reconstruída duas quadras poliesportivas, sendo uma
e transmitida de maneira fragmenta- coberta e outra não, e um pequeno pá-
da, sem antecedentes e consequentes” tio ao lado de um das quadras.
(BETTI, 1998, p. 38).

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A escola conta com um laboratório e sete do sexo masculino, todos do 3º


de informática. Contudo, o laboratório ano do Ensino Médio.
não era utilizado regularmente por mo-
A oficina teve a duração de quatro
tivos operacionais, pois não possuía os
dias, tendo sido orientada pela sequên-
programas básicos de funcionamento
cia proposta para produção audiovisual
dos computadores e tampouco rede de
de Wohlgemuth (2005), que consiste
net. A oficina de vídeo foi ministrada
em determinação dos problemas, prio-
pelo pesquisador em parceria com um
rização dos problemas e determinação
professor do Serviço Social do Comér-
do tema. O vídeo é um excelente instru-
cio – SESC/DF, que desenvolve o pro-
mento de reprodução de mensagens au-
jeto “Cinema na Escola”.
diovisuais ou de produtor de mensagens:
Antes da realização da prática As imagens de vídeo são imagens da
da produção do vídeo propriamente realidade, mas não a própria realida-
dito, foi aplicado um “formulário de de. Portanto, a produção de mensa-
práticas de consumo de mídias”, bus- gens audiovisuais exige a realização
cando-se compreender a relação dos de um trabalho consciente e delibe-
rado sobre a realidade, que deve ser
estudantes com os meios em seu co-
transformada em imagens e sons ca-
tidiano. Os sessenta e cinco estudan- pazes de levar ao interlocutor massi-
tes pesquisados do 3º ano do Ensino vo um conjunto de informações, um
Médio colaboraram com respostas ao conjunto de dados educativos e um
formulário. Também foi aplicado por conjunto de dados de elementos de
meio da técnica de grupo focal (GAT- produção audivisual faz isso sozinho
– o vídeo não é mais do que uma fer-
TI, 2005), um debate com os estudan- ramenta nas mãos de alguém e a ser-
tes acerca das atividades da educação viço de uma proposta, de uma idéia
física na escola e das mensagens midiá- (WOHLGEMUTH, 2005, p. 12).
ticas sobre o esporte. Os resultados do
grupo focal foram utilizados para em- No primeiro dia ocorreu a expla-
basar a seleção do tema do vídeo, que nação e um debate juntamente com os
foi produzido pelos estudantes duran- estudantes acerca dos objetivos da ofici-
te a oficina, como veremos a seguir. na, ou seja, capacitar os estudantes para
a linguagem audiovisual; despertar nos
A oficina de vídeo-educação teve
estudantes a sensibilidade estética para
como fundamentação a Mídia-Edu-
a linguagem audiovisual, dentre outras
cação, que preconiza a educação para
áreas do conhecimento e da arte; instigar
as mídias com a formação do usuário
o senso crítico nos estudantes; vivenciar
ativo, crítico e criativo de todas as tec-
a produção de um vídeo, desde a etapa
nologias de informação e comunicação
inicial até a final. Destacou-se que, de
(BELLONI, 2005). Os estudantes fo-
acordo com a constatação de que o con-
ram convidados a participar da oficina,
teúdo prioritário das aulas de Educação
por meio da realização de uma inscrição
Física era o Esporte, conforme os resul-
prévia. Porém, poucos se interessaram.
tados do grupo focal, o tema sugerido
Assim, participaram desse trabalho, dez
para a oficina foi “o esporte dentro da
estudantes, sendo três do sexo feminino

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escola: uma visão dos estudantes do En- a) O sonho dos meninos de se tornar
sino Médio”, que foi prontamente acei- jogador de futebol profissional; b) A es-
to por todos. Dessa forma, pretendeu- cola como lugar seguro para a prática
-se problematizar esses conteúdos por de atividade física, mais precisamente o
intermédio do processo de produção de futebol, por se tratar de um comunida-
material videográfico. de violenta; c) A divisão entre meninos
e meninas no direito de uso da quadra,
A seguir foi apresentada uma sequ-
sendo destinada uma semana de uso
ência com quatro vídeos que tratavam
para cada gênero; d) Por meio do jogo
da relação do esporte com os meios de
pode-se conhecer a personalidade de
comunicação de massa. Os vídeos fo-
uma pessoa, se é educada, se é compa-
ram extraídos do sítio eletrônico You-
nheira, se é honesta; e) O esporte ocupa
tube. A intenção da apresentação prévia
o tempo e tira do mal caminho, princi-
dos vídeos fora sensibilizar e estimular,
palmente das drogas.
por meio da linguagem audiovisual,
possíveis ideias que poderiam ser abor- Após apresentação da história pro-
dadas na oficina. No primeiro dia ainda posta por cada dupla e de um debate
foram apresentados os equipamentos e com a participação de todos foi escolhida
suas respectivas funções para realização a história que mais agradou a todos, tan-
de um filme: o tripé, a câmera filmado- to pelo conteúdo como pela viabilidade
ra, a aparelhagem de som e a claquete. de se encená-la e filmá-la. Foi escolhida a
Foi demonstrada também a forma mais história que tratava da divisão de gênero
eficaz de se portar a câmera para se ob- no uso semanal da quadra poliesportiva
ter maior mobilidade, além de outras nas aulas de Educação Física. Uma pro-
técnicas fundamentais da linguagem blematização a respeito desse tema foi
audiovisual, como a maneira de se cap- realizada para se ampliar a compreensão
tar as tomadas de cena, os principais dos estudantes sobre o assunto e para
tipos de enquadramento e os posicio- suscitar mais elementos para compor
namentos da câmera. a história. Entre os assuntos debatidos
destaca-se a ideia de que as meninas ain-
No segundo dia da oficina deu-se
da são representadas, no plano do senso
a construção da história do vídeo. Para
comum, como sexo mais fraco e menos
isso foram apresentados aos estudantes
hábil em relação aos meninos.
os resultados do grupo focal realizado
previamente, destacando-se as temáti- Em seguida ao debate, a história
cas advindas das entrevistas realizadas foi reescrita com as contribuições dos
em grupo. Os participantes foram di- demais estudantes e feita a elaboração
vididos em cinco grupos com dois inte- do roteiro no quadro negro, conten-
grantes. Cada grupo escolheu um tema do as cenas, as angulações da câmera,
a partir do resultado do grupo focal e os planos e as falas. Foram feitas tam-
desenvolveu uma história livre sobre o bém as divisões de tarefas do processo
tema. As duplas tiveram aproximada- de produção do vídeo, atendendo-se
mente 1h 20 min para desenvolver sua aos interesses de cada um e distribuin-
história. Os temas selecionados foram: do os papéis na equipe de filmagem:

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um câmera, um assistente de câmera, levisão por assinatura em casa, ressal-


um assistente de som, um diretor e seis tando-se, portanto, que o acesso é sig-
atores. Posteriormente, foi escolhida a nificativamente maior à programação
quadra coberta de esportes da escola da televisão aberta. Com isso, pode-se
para a gravação das cenas e a realização afirmar que a televisão, especialmen-
de um ensaio geral. te a programação dos canais abertos,
está presente na vida de quase todos
As filmagens foram desenvolvidas
os jovens participantes, confirmando a
e captadas pelos próprios estudantes
grande importância que a televisão tem
com a orientação dos professores, du-
nos lares das famílias brasileiras.
rante o terceiro dia da oficina. Após a
coleta de todas as cenas e imagens, foi Muitos estudantes acreditam que
feita uma pré-edição, utilizando-se o é possível aprender com a televisão,
programa de edição “Adobe Premiere cs pois segundo os depoimentos colhidos,
4”. No último dia, finalizou-se a edi- concebem-na como uma fonte confiá-
ção das imagens e do áudio, conforme vel de informações. Esse dado se apro-
a seleção prévia dos estudantes. Ao final xima dos oriundos de outra pesquisa,
do dia realizou-se apreciação do vídeo na qual Marin (2008) constatou que
produzido, bem como uma avaliação a televisão desafia o tempo e o espa-
da oficina pelos participantes. ço, pois ela se tornou um ícone quase
que indispensável à vida das pessoas.
Um dos motivos que a faz ser tão inte-
RESULTADOS E ressante é o fato de ela conjugar várias
CONCLUSÕES linguagens ao mesmo tempo, como o
Preliminarmente, destacam-se da- texto, o som e a imagem. Tem, assim, o
dos oriundos da aplicação do formulá- poder de seduzir com diferentes esque-
rio e das entrevistas em forma de grupo mas e combinações de cores, imagens,
focal. Foi evidenciado que o celular e a sons, oratórias, gestos, etc. A televisão
televisão estão presentes de forma signi- comercial é um forte instrumento de
ficativa na vida dos estudantes que par- geração de renda para o sistema capita-
ticiparam do trabalho de campo. Esse lista. Ela tem o poder de alcançar todos
aspecto de nossa pesquisa em particular os meios culturais, sociais e econômi-
converge com os dados referentes ao cos, pois quase toda a população tem
território nacional, que registram que contato com a programação aberta e
94,7% dos lares brasileiros possuem te- uma pequena parcela possui assinatura
levisão (IBGE, 2007). Nesse sentido, o de canais fechados, o que também se
tempo destinado à apreciação da televi- comprovou nesse estudo. Com isso, é
são não pode ser desprezado, pois qua- inegável que a televisão exerce algum
renta e sete estudantes (72,3%) con- tipo de influência na vida das pessoas.
firmaram que assistem todos os dias, A televisão, na condição de meio de co-
destinando uma média de três a quatro municação social ou de uma linguagem
horas. Entre os participantes, apenas audiovisual específica, no qual são con-
oito estudantes (12,3%) possuem te- sumidos imagens cotidianamente, tem

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uma participação decisiva na formação população a deslocar-se a grande distân-


das pessoas. Dessa forma: cia para ter acesso ao cinema.
Pode-se dizer que a TV, ou seja, todo Constata-se, assim, que as fontes
esse complexo aparato cultural e eco- de informações mais importantes para
nômico – de produção, veiculação e
consumo de imagens e sons, informa-
os estudantes se concentram na televi-
ção, publicidade e divertimento, com são e na internet, importantes meios de
uma linguagem própria – é parte inte- comunicação de massa da atualidade.
grante e fundamental de processos de Cabe refletir, sob essa questão, acerca
produção e circulação de significações do tipo de informação que os jovens
e sentidos, os quais por sua vez estão
estão recebendo, assim como a forma
relacionados a modo de ser, a modos
de pensar, a modos de conhecer o como tais informações são transmitidas
mundo, de se relacionar com a vida a eles. De acordo com Martín-Barbero
(FISCHER, 2006, p. 15). (2006), as informações que circulam
mundo afora estariam sob o controle de
O acesso ao computador também sete megacoorporações mundiais, as fa-
merece destaque entre os resultados mosas agências de informações. São os
produzidos em campo. Entre os partici- interesses dessas agências que conpõem
pantes da pesquisa, quarenta e seis estu- as mensagens e, portanto, produzem
dantes (70,7%) possuem este aparelho valores, representações, conhecimentos
em casa, o que revela significativo aces- e políticas que se coadunam com os in-
so à internet. Em geral, os estudantes teresses corporativos. Este é um tópico
declararam acessar a internet na própria que precisa ser problematizado e temati-
casa (73,8%). O acesso diário à inter- zado pela escola e pela Educação Física,
net foi identificado como uma prática a fim de se colocar na pauta do currículo
de quarenta e dois estudantes, sendo as questões referentes à mídia (BELLO-
que na maioria por homens, pois desse NI, 2005; PENTEADO, 2000).
número, apenas dez eram mulheres. O
acesso semanal à internet de foi declara- Nesse sentido, observou-se que
do por cinquenta e seis estudantes. aproximadamente 70% dos jovens pes-
quisados acompanha com frequencia
Em contraste, cerca de 64% dos programas esportivos. O primeiro da
jovens participantes disse não ter o cos- lista é o “Globo Esporte”, seguido do
tume de ler jornais ou revistas impres- “Esporte Espetacular”, ambos progra-
sas. Ficou evidenciado ainda que grande mas da Rede Globo, sendo o primeiro
parte dos estudantes tem o costume de de transmissão diária e o segundo, de
assistir a filmes em casa, pois apenas dois transmissão dominical. Em terceiro
participantes do trabalho de campo já lugar, constatou-se o programa “Es-
haviam frequentado o cinema, anterior- porte Interativo” e em quarto, o “Jogo
mente. Essa aspecto pode ser atribuído Aberto”, da TV Bandeirantes. A partir
ao elevado custo financeiro da entrada desses dados, é possível afirmar que a
para o cinema no Distrito Federal. Mas Rede Globo é hegemônica na prefe-
também porque na região onde residem rência dos estudantes, o que desdobra
não há salas de cinemas, o que obriga a questionamentos do ponto de vista do

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conteúdo que está sendo transmiti- disso, ao longo do Ensino Básico, os


do, das imagens e dos discursos e das estudantes não tiveram oportunidade
construções das mensagens, pois como de experimentar um trabalho sistemati-
afirma um dos jovens: “a mídia sempre zado no âmbito das aulas de Educação
exerce um papel importante na vida de Física que tematizasse ou utilizasse as
todos nós” (Menino 5). TIC. Portanto, um dos principais re-
sultados do processo de vídeo-educação
As influências ficaram mais evi-
foi a formação de estudantes para a lin-
dentes no grupo focal, no qual os
guagem videográfica, contemplando a
estudantes afirmaram que se sentem
experiência e a compreensão de todas
instigados ao consumo de materiais
as etapas, dificuldades e particularida-
esportivos, como chuteiras de futebol
des de produção do vídeo.
de jogadores profissionais. Relataram
que quando é lançada uma chutei- Com isso, compreender de que
ra nova, principalmente as coloridas, forma um vídeo é produzido possibili-
eles a desejam para participar das au- ta dar ferramentas para que uma análise
las, dos campeonatos e “desfilar” pela crítico-problematizadora de determina-
escola, como afirma o estudante a do filme possa ser feita com mais pro-
seguir: “quando um jogador aparece priedade e segurança. Compreender que
com uma chuteira nova todo mun- em uma cena as ações são filmadas e que
do quer ter. Aí a gente dá um jeito de de acordo com a angulação e posiciona-
comprar para tentar ficar pelo menos mento da câmera, por exemplo, pode-se
um pouco parecido com o jogador” dar um caráter mais ousado ou conser-
(Menino 2). Outro jovem que se inte- vador para o que está sendo encenado já
ressa pelo basquete declarou que: “Ah é uma forma de analisá-la criticamente.
eu sinto vontade de ter aqueles tênis
Evidenciou-se ainda que no campo
dos jogadores da NBA” (Menino 3).
da pesquisa social as imagens e a tecno-
Já outro estudante destaca que se sente
logia representaram uma contribuição
motivado a consumir, pois: “é como se
para o processo formativo e não um
o material que aparecesse na TV fosse
fim em si mesmo. O estudantes rela-
o material de melhor qualidade, o que
taram que formaram um senso crítico
é melhor, os produtos utilizados pelos
mais apurado para analisar um filme,
atletas” (Menino 1).
novela ou comercial, por terem passado
A experiência desenvolvida na a entender como funciona a estrutura
oficina de vídeo-educação representou de produção desses materiais televisi-
a encenação final da pesquisa com os vos. O processo de construção do vídeo
estudantes de Ensino Médio, configu- e a aprendizagem superaram, assim, o
rando-se, portanto, como uma apoteo- resultado final do produto em si, em
se do processo investigativo. Cabe des- consonância ao propugnado por Ferrès
tacar que entre os participantes apenas (1996). Os estudantes disseram na ava-
dois deles já haviam tido a experiência liação que a oficina foi muito proveito-
de produzir vídeos e apenas um já havia sa e enriquecedora, do ponto de vista
postado algum vídeo na internet. Além do aprendizado.

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Universidade Federal da Grande Dourados

- Em relação ao filme eu achei interes- BETTI, Mauro. A Janela de vidro: es-


sante porque a gente aprende, analisa porte, televisão e educação física. Campi-
um pouco o trabalho de quem atua nas- SP: Papirus, 1998.
porque é um trabalho difícil de fazer
, porque a gente imagina um filme BETTI, M. Mídias: aliadas ou inimigas
de longo de ação, a gente fez um de da educação física escolar? Motriz, v. 7,
3 minutos e teve um trabalho, agora
n. 2, p. 125-129, jul.-dez, 2001.
imagina um filme de 3 horas, é difícil,
aí a gente observa os detalhes que ge- BETTI, Mauro; BATISTA, Sidnei Ro-
ralmente a gente não vê (Menino 4). drigues. A televisão e o ensino da educa-
ção física na escola: uma proposta de in-
Ressalta-se a importância da escola tervenção. RBCE, vol.26, n.2, p. 7-180.
pública no âmbito do Distrito Federal Campinas: Autores Associados, 2005.
aproximar-se das discussões sobre as
TIC no processo educativo, como ficou CHAUI, Marilena. Simulacro e poder:
latente com a experiência da construção uma análise da mídia. São Paulo: Fun-
do vídeo-educativo por estudantes de dação Perseu Abramo, 2006.
ensino médio. Reflexões acerca da rela- FERRÈS, J. Vídeo e educação. 2. ed.
ção que os estudantes estabelecem com Porto alegre, Artes Médicas, 1996.
a mídia também devem ser desenvolvi-
das, pois os participantes dessa pesquisa FISCHER. Rosa Maria Bueno. Tele-
relataram uma relação de muita proxi- visão e educação: fluir e pensar a TV. 3.
midade com os meios em seu cotidiano. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
A escola não pode se furtar de tematizar GATTI. B. A. Grupo focal na pesquisa
esses assuntos sob uma perspectiva críti- em ciências sociais e humanas. Brasília:
ca, para buscar contribuir com o avanço Líber Livro, 2005.
da compreensão das mensagens e in-
IBGE. Instituto Brasileiro de Geo-
teresses da mídia por parte dos jovens.
grafia e Estatística. Disponível em:
Diante do exposto se faz imprescindí-
http://www.ibge.gov.br/home/estatis-
vel um processo educativo que leve em
tica/populacao/trabalhoerendimento/
conta as TIC. A escola pode se tornar pnad2007/default.shtmArquivo Acesso
um espaço de reflexão, numa perspecti- em: 20 abril 2009.
va de educação para as mídias. A educa-
ção formal deve ficar atenta às inovações MARIN, Elizara Carolina. O espetácu-
midiáticas e o corpo docente necessita lo esportivo no contexto da mundializa-
se apropriar dos novos conhecimentos ção do entretenimento midiático. Revista
impostos pela sociedade da comunica- Brasileira de Ciências do Esporte, Cam-
ção (BELLONI, 2005). pinas, v. 30, n. 1, p. 75-89, set.2008.
MARTÍN-BARBERO, J. Tecnicidades,
identidades, alteridades: mudanças e opa-
REFERÊNCIAS
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BELLONI, M. L. O que é mídia- In: Moraes, D. Sociedade midiatizada.
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Associados, 2005.

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la: conflito ou cooperação? São Paulo:
Cortez, 2000.
SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histó-
rico-crítica. 9. ed. Campinas: Autores
Associados, 2006.
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na escola. Campinas: Autores Associa-
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vo: uma pedagogia audiovisual. Brasí-
lia: Senac, 2005.

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