See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.

net/publication/259647029

Sob a ótica do pensamento complexo: O que o fracasso escolar da escola

pública tem a ver com a escola privada?

Conference Paper · March 2013

DOI: 10.14684/icece.08.2013.401-405

CITATIONS READS

0 166

2 authors:

Renata Luiza Costa Victor F. A. Barros

Insituto Federal de Educacao, Ciencia e Tecnologia University of Minho
42 PUBLICATIONS   33 CITATIONS    91 PUBLICATIONS   152 CITATIONS   

SEE PROFILE SEE PROFILE

Some of the authors of this publication are also working on these related projects:

The Contribution of Information Systems and Technologies to Health of Organizational Memory View project

Investigação em rede das abordagens de TIC e Educação Ambiental nos projetos de formação de professores no Brasil e em Portugal View project

All content following this page was uploaded by Victor F. A. Barros on 27 April 2014.

The user has requested enhancement of the downloaded file.

Sob a ótica do pensamento complexo: O que o fracasso escolar da escola pública tem
a ver com a escola privada?
Renata Luiza da Costa1, Victor Freitas de Azeredo Barros2

Abstract  This article intends to present, according to the
thoughts of Edgar Morin, the reflections of the historical
and cultural context of student life teacher in school practice
himself in order to show the complex structure of training
that actually predates the time of graduation. Assuming that
teacher training does not begin a degree course, but the
training staff and school during the life of the individual, we
analyzed data from a private school in the interior of Goiás,
concluding that the major shortcomings of the kindergarten
teachers are cultural and scientific shortcomings that are
reflected in the classroom, the university's child, feeding the
cycle of poor training, personal and professional after.
Index Terms  Teacher training; Complex Thinking, Public
and Private Schools, Education
INTRODUCTION
Diferente das primeiras escolas brasileiras de origem
tradicionalmente católica, atualmente, as escolas infantis
brasileiras compreendem diferentes concepções. As
públicas, sob administração da esfera municipal, têm
adotado ou tentado adotar o paradigma da Escola Nova [12].
Já as privadas se misturam ainda entre tradicionais,
construtivistas e até as que se dizem interacionistas.
O movimento da Escola Nova é pautado nas teorias de
John Dewey e Anísio Teixeira, e foi trazido ao Brasil em
torno da década de 50 [6]. O fato é que a esfera pública, se
calcando também nas recomendações internacionais do
movimento Educação para Todos, adotou tal teoria para suas
escolas enxergando nela a concretização de seus interesses
econômicos.
A Teoria de Dewey nasce do seu franco interesse pela
democracia de forma a construir uma sociedade
verdadeiramente democrática. Devido à ampla difusão da
teoria da evolução em meados do século XIX, estudos sobre
a fisiologia humana que Dewey fez e o avanço nos estudos
que levaram à unificação entre mente e corpo, foi que ele
embasou sua teoria de uma educação social baseada no
desenvolvimento próprio de cada indivíduo. Enquanto para
Herbart, por meio das instruções, era possível embutir ideias
úteis na mente do indivíduo, para Dewey, a hereditariedade
significava o limite para o educador. Ou seja, em vão o
educador transmite ideias ao indivíduo, se ele não possui
aptidão para atividade pela qual está sendo ensinado [5].
Portanto, para Dewey, cabe ao professor organizar um
ambiente, o mais real possível, que estimule as aptidões
internas à aflorarem. Logo, a relação do indivíduo com o
ambiente deve ser de estímulo, nada além disso, pois, as
características herdadas que o indivíduo dispõe não podem
ser alteradas, apenas manifestadas.
Para Dewey a qualidade da atividade social reflete
diretamente na qualidade da aprendizagem. Se a atividade
proporciona um problema a ser vivenciado o mais próximo
do real possível, que leve o aluno a pensar em como resolvê-
lo e que tenha necessidade de informações novas para sua
resolução, então tal atividade enriquecerá o “leque de
atividades” resolvidas do aluno, devendo estar claro para ele
todo o processo de resolução até a consequência do ato. Do
contrário, conforme Dewey ao criticar a educação
tradicional [5], o aluno faz tudo por rotina, automaticamente,
parecendo que foi milagre. Ou seja, deve-se explicar cada
passo quando não estiverem claras as consequências de cada
solução. O indivíduo deve entender bem o que cada ação
causa.
Nessa perspectiva, pode-se notar que Dewey tem como
centro da sua teoria a criança. Ele deixa claro que cada
indivíduo tem um ritmo de desenvolvimento e que toda a
teoria de causa e consequência é para fornecer significados
para a criança, tornando o processo educativo o mais real e
agradável para ela.
A Teoria de Dewey é muito interessante e foi muito
relevante para a evolução pedagógica dos últimos anos no
que diz respeito a dar voz à criança ou ao aluno,
principalmente, por ter nascido tentando contrapor a
pedagogia tradicional que não permitia a participação ativa
do aluno. O problema, então, não está bem nela, mas nos
interesses implícitos, de ordem política e econômica, de
quem a implantou nas escolas brasileiras, desvirtuando sua
essência para atender tais interesses.
Infelizmente, da expressão “cada criança tem seu ritmo”
da pedagogia de Dewey surgiram muitas políticas
educacionais que têm cooperado cada vez mais com o
fracasso escolar. A exemplo disto, pode-se apresentar o
sistema de ciclos e a aprovação automática, as quais
manifestam um maior foco social da educação em
detrimentto do foco científicopedagógico.
O fato é que, interessados em atingir metas de maior
número de alunos concluintes na idade regular e menores
índices de reprovação, e ainda calcados nas recomendações

1
Renata Luiza da Costa. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás, campus Inhumas. Departamento de Informática. Avenida
Universitária, sn, Vale das Goiabeiras, 75.400-000, Inhumas, GO, Brazil, rldcosta@gmail.com
2
Victor Freitas de Azerêdo Barros, CAPES Foundation, Ministry of Education of Brazil, Brasília/DF – Brazil, PhD Student Information System and
Technology, School of Engineering - University of Minho, Guimarães, Portugal, Rua Gil Vicente, 18, Nogueira, Braga, Portugal, vfbarros@gmail.com

© 2013 ICECE March 03 - 06, 2013, Luanda, ANGOLA

VIII International Conference on Engineering and Computer Education
401
internacionais, os governos brasileiros dos últimos anos têm
investido em políticas públicas para a educação focada em
números. Para eles tem importado inserir mais, concluir
mais do que concluir com qualidade:
“São, portanto, quase 20 anos do surgimento do primeiro
documento oficial brasileiro sobre políticas educacionais
em conformidade com a orientação dos organismos
internacionais, o Plano Decenal de Educação. Minha
hipótese básica é de que estes 20 anos de políticas
educacionais iniciadas com a Declaração de Jomtien
selaram o destino da escola pública brasileira e seu
declínio.” [7]
Segundo [1] (2011), os órgãos que elaboraram as
recomendações do movimento Educação para Todos como o
Banco Mundial e a OCDE , por exemplo, são os maiores
financiadores dos programas educacionais brasileiros e de
outros países subdesenvolvidos e emergentes. O interesse
desses financiadores é passar-se como humanistas, aqueles
que ajudam os países pobres, e que, de forma camuflada
têm interesse em ajudar, mas com uma educação básica e de
baixo custo.
Mas, se fala do prof. Libâneo refere-se ao fracasso
escolar da escola pública brasileira, o que isso tem a ver com
as escolas privadas? Que o governo estendeu a aprovação
automática até o 3º ano do Ensino Fundamental para a rede
privada também já se sabe. O que fica tácito é que a maioria
dos professores são pessoas de origem humilde, as quais
estudaram em escolas públicas e, como esse processo de
detrimento da escola pública já dura, aproximadamente vinte
anos, então ambas as redes já começam a receber seus
futuros aculturados professores.
Segundo [11] (2010), com base em dados do ENADE
2005 e 2008, 80% dos professores formados em Pedagogia
estudaram o Ensino Médio em escolas públicas e, deste total,
68% estudaram toda a sua vida escolar em escolas públicas.
Além disso, 39% deles fazem parte de família com renda
menor que três salários mínimos e 79% deles trabalham. A
pesquisa revela, ainda que, conscientes da baixa qualidade
do ensino da escola pública, eles acreditavam não ser
possível passar no vestibular para outras profissões, sendo
esse o critério de escolha pela docência. No ENADE de
2008, especificamente, “o panorama geral revela alunos com
dificuldades de escrita e compreensão de texto nas questões
de Língua Portuguesa; e, além das dificuldades econômicas,
alunos dos cursos de Pedagogia e Licenciaturas chegam à
universidade com poucas referências culturais” [11].
Temos então um ciclo: o pobre estuda na escola pública,
se torna professor por conveniência, atua na escola pública e
privada mesmo tendo tido uma fraca formação, essa fraca
formação é passada para seus alunos, os quais terão uma
fraca formação também, fato que não os permitirá ascenção
na vida se mantendo pobre. Enfim, o sistema público escolar
brasileiro, fracassado, não afeta mais somente os pobres que
estudam na escola pública. Suas consequências expandem-se
para a rede privada também, cooperando com a formação de
© 2013 ICECE
VIII International Conference on Engineering and Computer Education
402
pessoas cada vez menos informadas culturalmente. Ou seja,
pessoas com pouco conhecimento científico e pouca
capacidade reflexiva e crítica.
É importante que fique claro que o problema não é estar
afetando a rede privada. Não me indigno por esse fato que já
era previsto. A minha defesa não é pela rede privada, mas
pela pública, aquela que forma a maioria do professorado.
Tento mostrar aqui, por meio dessa expansão do problema
até a rede privada, é a gravidade do problema, pois, muitos
políticos e pessoas da elite não têm se importado com a rede
pública julgando nunca precisar dela. Talvez, agora, quando
o problema se aproxima da educação da elite, alguém possa
se sensibilizar pela educação pública.
Para os gestores do nosso país, é provável que continuar
assim seja mais confortável. Índices mais altos, mais
financiamentos e o povo cada vez menos esclarecido.
Entretanto, diante dessa realidade, onde se vê que os
problemas escolares são de diversas ordens entrelaçadas, é
que se chama a atenção para a necessidade de se avaliar o
problema sob a ótica do pensamento complexo, onde
assume-se que o problema da escola brasileira é de várias
ordens entrelaçadas e também afetam várias áreas da
sociedade.
A FORMAÇÃO DOCENTE SOB O PENSAMENTO
COMPLEXO
Conforme apresentado na seção anterior, o problema aqui
colocado é a questão da qualidade da docência, a qual tem
sido afetada em diferentes níveis e esferas, pois, de forma
geral, a maioria dos professores dos últimos anos teve
formação básica na escola pública. Obviamente, essa não é a
única razão da má qualidade dos professores formados hoje.
Há diversos outros fatores como a questão salarial e
desvalorização da carreira que também contribuem e
exercem influência sobre a ação educacional. Entretanto, o
foco deste artigo é a qualidade do professor no que diz
respeito ao conhecimento científico e cultural, a bagagem
própria do professor, o que ele tem para contribuir com uma
formação de qualidade de seus alunos..
Garcia (1999) diz que “a concepção da formação de
professores no paradigma da complexidade envolve um
processo contínuo e significa entender “que a formação de
professores abarca toda carreira docente”. Não se pode
reduzir a formação docente ao tempo da licenciatura. Ela
começa antes desse tempo e não termina depois dele.
De acordo com o paradigma do pensamento complexo,
a formação inicial do professor não é na universidade, ela
começa na sua própria educação básica. O professor não
começa a ser formado quando inicia seu curso de
licenciatura, mas sim na sua própria vida familiar e escolar.
Em todos acontecimentos de sua vida e em cada um em
particular, se entrelaçando e formando uma teia de
conhecimentos, de experiências e até de valores, os quais
poderão ser ou não transformados, e, depois, repassados,
para seus futuros alunos.
March 03 - 06, 2013, Luanda, ANGOLA
 Garcia (1999, apud [3]) cita quatro fases de formação do
professor e também destaca como fase inicial dessa
formação a própria vida escolar do indivíduo: “A primeira
fase designada como pré-treino acontece no período da
escolarização básica e se caracteriza como o momento em
que o aluno aprende a ser professor. Neste período de sua
formação, toma como exemplo a prática de seus próprios
professores” .
Portanto, a qualidade das relações familiares e,
essencialmente, a qualidade do estudo que a pessoa recebe
durante toda a sua vida escolar serão determinantes na sua
qualidade profissional. Importa aqui ressaltar, então,
independente da profissão escolhida, o quanto a Educação
Básica é primordial na vida de qualquer cidadão.
Bernard Lahire (2004, apud [13]) pesquisou sobre as
possíveis causas dos casos improváveis de sucesso de
estudantes de origem muito humilde e revela “uma
abordagem circunstanciada da interdependência de
elementos nos contextos familiares e escolares que
explicariam, em tese, um sucesso improvável”. Para este
autor, uma rotina doméstica organizada com horários a
serem respeitados, regras, formas de autoridade, leva a
desonvolver no indivíduo uma ordem moral que,
posteriormente, vão se refletir no meio escolar e profissional
do indivíduo:
“Para Lahire, o social não se reduz ao coletivo ou ao
geral, mas marca sua presença nos aspectos mais
singulares da vida do indivíduo. (…) Segundo ele, é
necessário estar atento para as formas de se relacionar
com a cultura, as formas de transmissão, de apreensão e
de apropriação da herança cultural. É preciso então
observar as condições desse processo de
transmissão/interiorização para entender esses recursos
como responsáveis ou artífices de um sucesso”. [13]
Portanto, hábitos morais e até éticos, mesmo que
profissionais, não são construídos no período da formação
profissional, mas vêm de uma herança cultural, sendo
remodelados pela vida estudantil de cada um. Ou seja, o
ciclo da má formação docente só pode ser interrompido com
uma educação básica de qualidade, não com cursos e
treinamentos rápidos.
No caso da docência, o ser humano que se diz professor
é o elo para um ciclo de formação de pessoas entre o mundo
familiar e a sociedade. Ou seja, as crianças, nossos filhos e
netos, durante pelo menos doze anos da vida deles, passarão
mais tempo com professores do que conosco para até
concluir o Ensino Médio.
Partindo do pressuposto de Morin e Lahire, onde a
formação começa na vida de cada um, apresento aqui a
maior razão dessas reflexões: o quanto a baixa qualidade da
escola pública, a qual leva à uma formação precária, tem
refletido na formação docente durante a licenciatura do
futuro professor e depois na sua atuação em sala de aula para
formar novas crianças:
© 2013 ICECE
VIII International Conference on Engineering and Computer Education
403
A complexidade abarca a ordem e a desordem, a
incerteza, a contradição, os fluxos e contrafluxos que
dialogam recursivamente, nos encontros, nas interações,
promovendo organização. Uma organização que não é
linear, estática, fechada e eterna, mas dinâmica, viva,
aberta e provisória, em freqüentes movimentos entre
ordem, desordem, interações que promovem novas
ordens, outras formas de organização. É o circuito
tetralógico moriniano [8]
Diante da complexidade entre, desordem, certo e errado
é que não podemos ser reducionistas a ponto de restringir a
formação docente à universidade. Se queremos mais
aprendizagem, é preciso investir no professor e investir no
professor, significa analisar o contexto complexo de sua
formação, significa investir numa Educação Básica de
qualidade para todos.
ESTUDO DE CASO: A ESCOLA DE EDUCAÇÃO
INFANTIL
Para realização deste estudo, foram entrevistadas três
experientes professoras da Educação Infantil de uma escola
da rede privada. Todas elas variam de 18 a 25 anos de
experiência em sala de aula e, uma delas, é também a
coordenadora pedagógica. Além disso, algumas aulas foram
observadas.
As entrevistas foram guiadas pelos seguintes
questionamentos:

Qual Teoria Pedagógica a escola adota?

Que tipo de formação superior é permitida para
professores da Educação Infantil?

De que dispõe a infraestrutura escolar?

Em qualidade de formação, como os
professores chegam à escola?

A escola oferta treinamentos?
A escola analisada de dispõe de excelente espaço e
infraestrutura física. Ela possui biblioteca, brinquedoteca,
laboratório de informática, sala de dança, campo de futebol,
piscina, playground e cozinha experimental.
Diante dessa infraestrutura, o que se nota é um sistema
de ensino híbrido, onde as crianças tendem a ter um ensino
mais tradicional no que diz respeito às questões
disciplinares, chegando a atuar também na abordagem
pedagógica em séries mais adiantadas, e uma abordagem
sócioconstrutivista na Educação Infantil e nos primeiros
anos do Ensino Fundamental.
Ao observar as salas de aula, nota-se que a herança da
abordagem tradicional é muito forte. No início da aula, há
carteiras enfileiradas de frente para a lousa em todas as salas.
Porém, ao acompanhar uma aula, nota-se que o professor
instiga os alunos a pensarem sobre o conteúdo tratado, faz
uso de métodos interacionistas e alguns conteúdos são
abordados extra-sala, como a cozinha experimental e a
brinquedoteca, por exemplo.
March 03 - 06, 2013, Luanda, ANGOLA
 Ao questionar a coordenadora pedagógica sobre a
Teoria Pedagógica, ela afirma que a escola atua oom o
método de projetos e é muito influenciada mesmo pelas
abordagens tradicional e construtivista, havendo uma
preocupação, por parte de professores e gestores, em criar
um ambiente agradável de ensino e até de demonstrar
aplicações para os conteúdos estudados. Na Educação
Infantil, esses ambientes extra-sala são utilizados quase que
diariamente, intensidade muito maior do que nas séries finais
do Ensino Fundamental.
Logo, essa experiência corrobora com as ideias de
Edgar Morin. A maioria das professoras dessa escola
estudaram em escolas tradicionais, sejam elas públicas ou
privadas. Depois, nos seus primeiros empregos, foram
recebendo capacitações sobre o Construtivismo de Piaget:
“No ano XXXX, eu e mais duas professoras fizemos o
treinamento do construtivismo com Emília Ferreiro, em
Ouro Preto e Goiânia. Porém, não conseguimos
implementar o método ao pé da letra na escola.
Acreditamos na disciplina tradicional.
Então, é fato que, conforme as próprias entrevistadas
disseram, elas participam de muitas capacitações. Algumas
ofertadas pela própria escola, outras ofertadas pelo sindicato
e até por editoras. Porém, mesmo tendo estudado o
Construtivismo e acreditando em muito dessa teoria, é
perceptível que muitas práticas tradicionais não conseguem
ser deixadas por elas. Práticas como pedir cópias de tabuada,
sentar mais em fila valorizando mais o individual do que o
social, entre outras, ainda estão muito presentes nessa escola.
Encontramos aqui mais um indício do quanto a
formação escolar de cada professor pode influenciar com
mais peso do que as próprias capacitações.
O fato é que a formação dessas professoras começou
muito antes delas sonharem ser professoras. Estudaram e
vivenciaram uma escola tradicional no que diz respeito à
abordagem pedagógica. Caso se queira mudar ou melhorar a
formação de um professor, também será necessário um
trabalho a longo prazo.
Analisando, ainda, a fala e a escrita de alguns recados
manuscritos das professoras entrevistadas, percebe-se que
elas ainda tiveram a sorte de estudar na época em que a
escola pública ensinava. Atualmente, sendo uma delas a
coordenadora pedagógica da escola, foi dado seguinte
depoimento:
“A professora que chega aqui hoje procurando por
emprego não sabe se quer escrever um bilhete. Em aula,
percebo que falta cultura, cultura geral, minúcias...”
Perguntando então o que a escola tem feito nesse caso,
já que necessita de professor e este é fator determinante para
qualidade da escola, ela disse que treinamentos de
abordagens e métodos pedagógicos, apesar de ofertados com
frequência, não resolvem esse problema. Para Magalhães, “é
um problema de formação, de uma vida escolar”, uma
© 2013 ICECE
VIII International Conference on Engineering and Computer Education
404
lacuna que não se consegue preencher com treinamentos de
uma semana.
Para suprir a real necessidade da escola por professores
bem formados, essa escola tem contratado o professor como
auxiliar de sala de aula e este acompanha por um ano a
professora regente da turma. Durante esse ano, além de
observar as práticas pedagógicas da professora mais
experiente e ajudá-la em sala, a professora auxiliar estuda
desde exercícios de caligrafia até literatura e arte brasileira.
É uma espécie de estágio após a graduação mesmo.
Acompanhando de perto todas as atividades executadas pela
auxiliar, a coordenadora diz estar conseguindo bons
resultados de transformação na atuação em sala, na escrita,
na elaboração de relatórios individuais sobre os alunos,
enfim, na gestão da turma e na gestão do conhecimento a ser
trabalhado.
A postura da gestão da escola é correta, pois, “no locus
da escola” e de forma contínua pode-se obter bons resultados
na transformação da ação pedagógica do professor. Dessa
forma, direção e coordenação da escola, com a vontade do
professor, obviamente, têm conseguido superar um pouco a
falta de conhecimento e cultura dos professores que lhes
chegam hoje.
PALAVRAS FINAIS
Muitos podem dizer que a culpa desse caos da docência, de
se produzir um profissional sem condições de atuar, é da
universidade por onde ele passou. Entretanto, a situação é
mais ampla, mais complexa. A universidade não consegue
trabalhar o conhecimento científico, propor reflexões mais
aprofundadas com grupos que têm chegado a ela sem saber
ler e escrever, sendo analfabetos funcionais, onde alguns
nunca leram um livro sequer da literatura brasileira.
Existem requisitos mínimos, básicos como a leitura,
escrita, interpretação de textos, operações básicas da
matemática, que precisam ser superados antes da
universidade. Como o próprio nome diz, na Educação
Básica. Os nossos professores, assim como em todas as
profissões, passam por ela. Por quê aqueles que passam pela
Educação Básica na escola pública têm que se sujeitar a
escola do conhecimento mínimo? E que mínimo é esse que
não compreende mais nem a leitura e escrita?
Apesar de inúmeras pesquisas e parece que o Brasil
continua se negando a valorizar suas pesquisas, os dirigentes
do país ainda não se deram conta da gravidade ou ainda não
assumiram a situação de fracasso que já vive a escola
pública há algum tempo.
Em uma recente divulgação dos dados da oitava edição
do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) , a pesquisa
revela que “nossas atenções devem estar voltadas para o
nível pleno de alfabetismo - e aqui houve retrocessos
preocupantes. Entre 2001 e 2011, o domínio pleno da leitura
caiu de 22% para 15% entre os que concluíram o Ensino
Fundamental II, e de 49% para 35% entre os que fizeram o
March 03 - 06, 2013, Luanda, ANGOLA
 ensino médio. Com ensino superior, 38% não chegam ao
nível pleno” [4].
O nível pleno, aquele que garante o básico que
estávamos falando sobre escrita e leitura, é o que pode
garantir uma emancipação verdadeira do sujeito. Portanto,
não podemos, como educadores, reconhecidos supostamente
como transformadores de pensamentos, nos contentar com
um alfabetismo básico.
“Não conseguimos avançar do básico para o pleno,
nível estagnado há dez anos. Podemos atribuir parte
desses resultados, justamente, à falta de acesso e à
insuficiente aprendizagem dos alunos ao longo da
educação básica. Ainda hoje não conseguimos garantir
que todas as crianças e todos os jovens estejam na escola
e adquiram as habilidades esperadas em cada série em
disciplinas básicas como Português e Matemática” [4].
Outro fator preocupante é que a formação precária do
professor também não se restringe à aprendizagem
insuficiente do aluno. Ela vai muito mais além quando o
professor não concebe na sua formação como se dá o
processo de apreender pelo aluno. Algumas mães
entrevistadas em outra escola privada relataram sobre alunos
de quatro anos pertencentes ao primeiro período (antigo
Jardim I) da Educação Infantil:
1º aluno 2º aluno
- “ele não segura no lápís - “ele não desenhou, isso é
direito, o traço tem que ficar rabisco. Ele rabiscou a
reto” tarefa!”
Zabalza (2004, apud BEHRENS, 2007) complementa
que “o exercício da profissão docente requer uma sólida
formação, não apenas nos conteúdos científicos próprios da
disciplina, como também nos aspectos correspondentes a sua
didática e ao encaminhamento das diversas variáveis que
caracterizam a docência, (…) a competência científica, como
conhecedores fidedignos do âmbito cientifico ensinado, e a
competência pedagógica, como pessoas comprometidas com
a formação e com a aprendizagem de seus estudantes”.
Portanto, a Educação Básica é hoje onde se forma e
também onde se atua. É onde se começa a formação e deve
ser também onde se começa a solução.
O ciclo da ineficiência educacional brasileira necessita
ser rompido o quanto antes. Suas consequências não
prevalecem mais somente sobre as classes desfavorecidas.
Elas se alastram, mesmo que vagarosamente, por todos
ambientes escolares.
Segundo Rosa Maria Torres (apud [7]):
“O pacote do Banco Mundial e o modelo educativo
subjacente à chamada “melhoria da qualidade da
educação para os setores mais desfavorecidos” está em
boa medida, reforçando as condições objetivas e
subjetivas que contribuem para produzir ineficiência, má
© 2013 ICECE
VIII International Conference on Engineering and Computer Education
405
View publication stats
qualidade e desigualdade no sistema escolar” (1996, p.
127).
Portanto, a Educação para Todos vigente no Brasil já há
tantos anos precisa evoluir da quantidade de oferta para
todos para qualidade de oferta para todos.
Para finalizar, quero expressar claramente, a
preocupação que tenho com a formação infantil por acreditar
que ela será o esteio para os futuros estudos. Tendo formado
bem a capacidade de observar, refletir, das crianças, bem
como suas emoções, estaremos realmente contribuindo para
que elas percorram a escada escolar de forma equilibrada e
capazes de se sobressairem conforme os estímulos
apareçam. É preciso muito antes disso, formar estruturas
mentais e emocionais consolidadas na idade infantil de
modo que essas mesmas consigam utilizar a grande vastidão
de conhecimentos que virão
REFERÊNCIAS
AKKARI, A. (2011) Internacionalização das Políticas Educacionais:
Transformações e desafios. Petrópolis: Vozes.
ALVES , B. M. F. (2008) Histórias de Formação, Imagens de Docência:
Cultura e Simbolismos de Professores do Município de Duque de
Caxias/Rj. [Dissertação de Mestrado] Universidade Federal Fluminense.
Niterói.
BEHRENS, M. A. (2007) O paradigma da complexidade na formação e no
desenvolvimento profissional de professores universitários . Educação Porto
Alegre/RS, n. 3 (63), p. 439-455, set./dez.
CRUZ, P. (2012) Para Romper com o Analfabetismo Funcional. Disponível
em http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,para-romper-com--o-
analfabetismo-funcional-,905121,0.htm
CUNHA, M. V. (2008) John Dewey: uma filosofia para educadores em sala
de aula. Petrópolis: Vozes 5ª Edição.
GHIRALDELLI JR, P. (2009) O MEC Tem Mais uma Ideia. Disponível em
http://ghiraldelli.wordpress.com/2009/05/05/mec-quer-reinventar-a-escola-
nova/
LIBÂNEO, J. C. (2010) A Escola Brasileira em Face de um Dualismo
Perverso: Escola do Conhecimento para os Ricos, Escola do Acolhimento
Social para os Pobres. Disponível em
http://www.scribd.com/doc/75471518/A-Escola-Brasileira-Em-Face-de-
Um-Dualismo-Perverso
MORIN, E. (2005a) O Método I: a natureza da natureza. Porto Alegre:
Sulina,
_________. (2005b) Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre:
Sulina.
NÓVOA, Antonio. Profissão professor. Porto, Portugal: Porto, 1991.
SALLA, F.; RATIER, R. (2010) Nossos Futuros Professores. NOVA
ESCOLA. Disponível em http://revistaescola.abril.com.br/politicas-
publicas/carreira/nossos-futuros-professores-535427.shtml
SANTOS, A. (2005) Teorias e métodos pedagógicos sob a ótica do
pensamento complexo. In.: LIBÂNEO, J. C.; SANTOS, A. (orgs.)
Educação na Era do Conhecimento em Rede e Transdisciplinaridade.
Campinas, SP: Editora Alínea. p. 63 a 82.
SETTON, M. G. J. (2011) Bernard Lahire: a multiplicidade das condições
de socialização e cultura escolar. In.: REGO, T. C. (org.) Educação, Escola
e Desigualdade. Coleção Pedagogia Contemporânea. Vol. 1. Petrópolis, RJ:
Editora Vozes.
March 03 - 06, 2013, Luanda, ANGOLA