controvérsias•na•ortodontia

Pode movimentar dente com ápice incompleto?

a b c

a) ALBERTO CONSOLARO1 Resumo

b) DARIO A. OLIVEIRA MIRANDA2 INTRODUÇÃO: Dentes com ápices incompletos podem

c) RENATA BIANCO CONSOLARO 3
ser movimentados desde que se distribuam uniforme-
mente as forças aplicadas ao longo da raiz, sem abusar
da inclinação. Não há como eliminar os cementoblastos
no ápice em formação. Forças muito intensas, aplicadas
de forma inadvertida, acidental ou negligente, podem
reduzir o volume sanguíneo para essa região e levar ao
1 Professor Titular da FOB-USP (Bauru/SP) e da pós-graduação na FORP-USP
(Ribeirão Preto/SP). amadurecimento precoce desses tecidos embrionários,
2 Universidade Estadual de Feira de Santana, Departamento de Saúde (Feira de com formação antecipada do ápice e encurtamento
Santana/BA, Brasil).
discreto do dente. CONCLUSÃO: Isso ajuda a explicar os
3 Faculdades Adamantinenses Integradas (Adamantina/SP, Brasil).
pré-molares mais curtos que os demais em um mesmo
paciente, por sobrecarga oclusal, quando chegam ao
plano oclusal com o ápice em formação.

Palavras-chave

Ápice aberto. Movimento dentário.

Reabsorção dentária.

Como citar: Consolaro A, Miranda DAO, Consolaro RB. Can a tooth with incomplete
apex be moved? Clin Orthod. 2021 Apr-May;20(2):144-8.

Enviado em: 04/03/2021 - Revisado e aceito: 29/03/2021

Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade

DOI: https://doi.org/10.14436/2675-486X.20.2.144-148.cont
Endereço para correspondência: Alberto Consolaro
E-mail: consolaro@uol.com.br
ou financeiros que representem conflito de interesse nos produtos e companhias
descritos nesse artigo. Os pacientes que aparecem no presente artigo autorizaram
previamente a publicação de suas fotografias faciais e intrabucais, radiografias
ou outros exames imagiológicos e informações diagnósticas.

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Consolaro A, Miranda DAO, Consolaro RB
Sim! Pode-se movimentar dentes com ápices
incompletos utilizando forças ortodônticas
habituais, distribuindo o mais uniformemente
as forças aplicadas ao longo da raiz, sem abu-
sar de movimentos de inclinação.
Quando essa pergunta do título é realizada, qua-
se sempre vem acompanhada de outra relacio-
nada, como: “— É verdade que movimentar or-
todonticamente dentes com ápices incompletos
aumenta o índice de reabsorção apical externa
inflamatória?”
Não! O movimento de dentes com ápices incom-
pletos não promove reabsorções dentárias com
maior frequência ou mais severas.
Essas duas respostas são fundamentadas na
biologia da rizogênese1,2,3 e na etiopatogenia das
reabsorções radiculares , assim como na práti-
4
ca diária da Odontologia, apesar da escassez de
trabalhos de pesquisa básica ou clínica aplicada.
O QUE ACONTECE COM O ÁPICE ABERTO
SE O DENTE FOR MOVIMENTADO?
Quando um dente completamente formado é
movimentado, há uma compressão do ligamen-
to periodontal, sendo que 50% do seu volume é
formado por vasos sanguíneos. Também haverá
uma deformação do citoesqueleto das suas cé-
lulas, incluindo os fibroblastos, os osteoblastos,
cementoblastos e osteócitos. A redução da oxi-
genação e a deformação celular promovem um
estresse celular, resultando em um aumento
considerável dos mediadores celulares, incluin-
do os que promovem a reabsorção óssea, para
algumas poucas horas, ao redor de 10 a 12 horas.
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Pode movimentar dente com ápice incompleto?
Em 2 a 4 dias, haverá um aumento do espaço
periodontal que foi reduzido pela aplicação
da força. Dessa forma, se restabelecerá, em 7
a 10 dias, a volta à normalidade estrutural e
organizacional do ligamento periodontal, do
osso fasciculado e do cemento. Assim se ex-
plica a dissipação da força ortodôntica nesse
período de tempo, sem que ocorram rupturas
das estruturas periodontais, de seus vasos e
nervos. Do mesmo modo, entende-se que não
haverá ruptura dos vasos periodontais que
adentram para os tecidos pulpares.
Nos ápices de dentes completamente forma-
dos, a compressão excessiva do ligamento pe-
riodontal por forças ortodônticas pode, even-
tualmente, necrosar cementoblastos, por falta
de suprimento sanguíneo. Os cementoblastos
revestem e protegem a raiz externamente das
reabsorções dentárias.
O ÁPICE INCOMPLETO — Quando o dente
está com o ápice incompleto, o seu terço api-
cal é formado por um botão, almofada ou es-
fera ovalada, de tecido mole muito macio, por
ser formado por um gel de matriz extracelu-
lar ainda embrionária, permeado por células
fusiformes e estreladas (Fig. 1 e 2). Essa almo-
fada é formada por ectomesênquima embrio-
nário, sendo nominada de papila dentária.
Ao redor da papila dentária, uma pequena
“saia de bailarina” está aderida, e nomina-se
de bainha epitelial de Hertwig, sendo muito
importante para induzir as células papilares
a se diferenciarem em odontoblastos produ-
tores de dentina, dando-se continuidade para
formar o terço apical da raiz.
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PD
CB

BH

OA FD

A. B.

Figura 1: Os tecidos periapicais responsáveis pela formação do terço apical são embrionários, maleáveis e macios, pois
entres eles há uma abundante matriz extracelular em forma de gel. Essa verdadeira almofada (círculos, em A) de tecido
mole não deixa as forças ortodônticas, mesmo as excessivas, matarem os cementoblastos (CB) em diferenciação e
organização. BH = Bainha epitelial de Hertwig. PD = Papila dentária. FD = Folículo dentário. OA = Osso alveolar (HE, 25X).

Envolvendo a papila e a bainha, e aderida às
partes já formadas do dente — como o ligamen-
to periodontal e a dentina/cemento —, há uma
cápsula ou bolsa a contê-las, chamada de saco
ou folículo dentário. O folículo dentário também
é um tecido altamente macio e frouxo que dará
origem ao ligamento periodontal, cemento e
osso fasciculado do ápice em formação. O con-
junto formado pela papila dentária, bainha epi-
telial de Hertwig e folículo dentário representa o
“órgão formador da raiz dentária”1.
REABSORÇÃO: NÃO! Em síntese, no ápice de
um dente ainda em rizogênese, temos um ver-
dadeiro botão, ou almofada, de tecido mole que
amortecerá as forças ortodônticas habituais
aplicadas sobre esse dente, de tal forma que
não haverá compressão e redução do aporte
sanguíneo suficiente para levar à morte os ce-
mentoblastos que ainda estão se diferencian-
do na parte mais apical da dentina já formada.
Não há nem como imaginar reabsorções den-
tárias nesse contexto de ápice em formação,
o que realmente não se observa clínica ou
imagiologicamente na clínica ortodôntica diá-
ria. A presença da papila dentária, bainha de
Hertwig e do folículo dentário pode ser um fa-
tor de proteção contra a reabsorção apical ex-
terna inflamatória na movimentação dentária
induzida, o que pode ser fundamentado por
vários estudos5-11.
ENCURTAMENTO: PODE SER! Se ocorrerem
forças intensas e lesivas nos dentes com ápices
incompletos, essas forças ortodônticas foram
assim aplicadas de forma inadvertida, aciden-
tal ou negligente. Se essas forças atuarem nessa
situação extrema, a redução do volume sanguí-
neo para aquele botão embrionário da papila
dentária, bainha de Hertwig e folículo dentário
induzirá seu amadurecimento precoce, e o ápi-
ce se completará mais precocemente do que o

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geneticamente programado. Esse encurtamento isso imagiologicamente em muitos pacientes

foi observado por Hendrix et al.6, mas não detec-
tado por Santos et al. 7,8,9
e Silva Filho et al.
10,11
vavelmente por diferenças das forças emprega-
das nas diferentes casuísticas.
Essa formação precoce do ápice e ligeiro en-
curtamento radicular pode ocorrer, e se nota
no dia a dia, em pré-molares que foram sub-
, pro-
metidos a cargas mastigatórias excessivas, tipo
trauma oclusal, quando chegam no plano oclu-
sal e os ápices ainda estão em formação ou in-
completos. Assim pode-se interpretar casos de
pré-molares isolados que estão mais curtos que
os demais, de uma forma “inexplicável”.

OA

FD
BH
PD

A. B. C.

Figura 2: O espaço periapical radiolúcido ocupado pelos tecidos formadores do ápice dentário é preenchido pela papila
dentária (PD), ladeada, como uma saia, pela bainha epitelial de Hertwig (BH) e circundada pelo folículo dentário (FD),
como uma cápsula externa em forma de um saco, ladeado pelo osso alveolar (OA) (tricrômico de Masson, 25X).

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 Consolaro A, Miranda DAO, Consolaro RB
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os dentes com ápices incompletos podem ser
movimentados, desde que se distribuam o mais
uniformemente possível as forças aplicadas ao
longo da raiz, sem abusar da inclinação. Bio-
logicamente, não há como eliminar os cemen-
toblastos no ápice em formação, com papila
dentária, bainha epitelial de Hertwig e folícu-
lo dentário extremamente macios e maleáveis,
pois estão em plena odontogênese apical.
Forças muito intensas, aplicadas de forma inad-
vertida, acidental ou negligente, podem reduzir o
volume sanguíneo para essa região apical e levar
ao amadurecimento precoce desses tecidos em-
brionários, com formação antecipada do ápice e
encurtamento discreto do dente. Isso ajuda a ex-
plicar os pré-molares mais curtos que os demais,
em um mesmo paciente, a partir de sobrecarga
tipo trauma oclusal, quando esses dentes chegam
ao plano oclusal ainda com o ápice em formação.
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Pode movimentar dente com ápice incompleto?
Can a tooth with incomplete
apex be moved?
Abstract
Introduction: Teeth with incomplete apex can
be moved as long as the applied forces are
uniformly distributed along the root, without
abusing tipping. There is no way to eliminate the
cementoblasts in the forming apex. Very intense
forces applied inadvertently, accidentally, or
negligently can reduce the blood volume to this
region and lead to early maturation of these
embryonic tissues, with early apex formation and
slight tooth shortening. Conclusion: This helps
explain the occurrence of premolars shorter than
the others in the same patient, due to occlusal
overload when they reach the occlusal plane
with the apex in formation.
Keywords
Open apex. Tooth movement. Tooth resorption.
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