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Anestesiologia
Introdução à Anestesiologia: O uso de anestesia geral em grandes animais
domésticos avançou a partir da descoberta de
hidrocarbonetos fluorados e do desenvolvimento de
Histórico da Anestesia Veterinária: equipamentos de anestesia inalatória específicos para
Segundo Grimm et al. (2017), a primeira ocorrência animais de grande porte. Podemos observar os
do uso de anestesia em animais ocorreu em 1824, primeiros modelos de inaladores desenvolvidos para
quando Henry Hill Hickman, médico inglês e promotor uso em medicina veterinária na Figura 2. Estes
da anestesia nas práticas clínicas, utilizou uma mistura instrumentos foram criados com o objetivo de se evitar
de óxido nitroso e dióxido de carbono em cães por meio ou, pelo menos, diminuir possíveis acidentes causados
de inalação, visando à diminuição da dor associada a pela inalação de éter diretamente pelo paciente,
cirurgias. possibilitando, como pode-se observar na imagem, a
Infelizmente, desde o primeiro uso até a segunda inalação do composto juntamente com o ar/gases.
metade do século XX e visando à anestesia de animais
domésticos, alguns fármacos foram utilizados em A evolução da técnica anestésica ocorreu com o
diferentes vias, mas de forma pouco expressiva. Tais surgimento de novas classes de fármacos e de técnicas
procedimentos veterinários foram realizados sem o uso mais seguras de aplicação como: tranquilizantes,
da técnica anestésica e/ou analgésica e com pouco opioides, agonistas do receptor adrenérgico α2,
alívio de dor aos animais. dissociativos e anestésicos inalatórios. Também se
Na Figura, você pode observar uma linha do tempo com aperfeiçoaram as técnicas de anestesia veterinária para
as principais descobertas iniciais e primárias da espécies de grande e pequeno porte.
anestesia em medicina veterinária. Essa linha do tempo O grande avanço, culminado na era moderna da
foi confeccionada considerando e adaptando o que foi anestesia veterinária, começou nas últimas três décadas
relatado na quinta edição do livro Anestesiologia e do século XX, a partir da oferta da especialização em
analgesia em veterinária, de Grimm et al. (2017), sobre anestesia nas faculdades da América do Norte e Europa.
os achados iniciais da área de Anestesiologia Os principais objetivos dessas instituições eram:
veterinária. qualificar os profissionais para que se promovesse
maior segurança do paciente, o desenvolvimento de
novas técnicas e os avanços realizados na área de
anestesia humana.
A demanda por profissionais capacitados só tende a Conceitos e termos:
crescer. O aumento da idade, assim como a necessidade
de melhorar a qualidade de vida do animal mediante um Anestesiologia: Nada mais é do que o estudo da
manejo mais apropriado, evidencia a necessidade de anestesia;
qualificação profissional e abordagens mais sofisticadas. Anestesia; Termo genérico utilizado para
Convém ressaltar que estudos anestésicos prosseguem descrever toda ação de uma droga ou fármaco que
até os dias de hoje e, a cada ano que passa, novos seja capaz de suprimir a dor temporariamente,
fármacos e técnicas mais eficazes trazem diversos seja com ou sem a presença de narcose e não
benefícios à qualidade de vida do animal. Isso significa importando se utilizado para fins exploratórios ou
que o profissional da área deve se atualizar cirúrgicos;
constantemente. Anestesia Geral; Toda ação anestésica, reversível,
que induz à inconsciência através de um fármaco
A partir desse conhecimento, poderemos e que se caracteriza por depressão controlada do
compreender de forma mais adequada as aplicações de sistema nervoso central e da percepção. Nesse
cada tipo de técnica e a interpretação correta dos termos caso, o paciente não é despertado por qualquer
adotados na rotina clínica. estimulação nociva, devido à perda de consciência
ou sono artificial ao qual está induzido. Além
disso, as funções reflexas sensoriais, motoras e
Conceitos Básicos: autônomas são enfraquecidas em níveis variáveis
O conceito de anestesia relaciona-se à perda de (dependerá do fármaco e técnica utilizados),
sensibilidade em toda ou qualquer parte do corpo. A levando ao relaxamento muscular. A anestesia
indução da anestesia é realizada através de fármacos que geral leva o animal a uma menor percepção de dor
deprimem a atividade do tecido nervoso em um e à proteção neurovegetativa;
determinado local, região ou no próprio sistema nervoso Anestesia Geral Cirurgica; Estado anestésico que
central (SNC). Diversos termos são utilizados para promove inconsciência, amnésia, relaxamento
descrever efeitos anestésicos e de inibição de dor. muscular e hipoalgesia suficientes para uma
cirurgia indolor;
DICA: A compreensão e a fixação dos conceitos básicos
Anestesia Balanceada; Método que consiste no
da Anestesiologia veterinária, bem como a
uso simultâneo de diversos fármacos e técnicas.
diferenciação de cada termo, são fundamentais para o
Os fármacos visam diminuir especificamente
seu aprendizado. Sendo assim, caro estudante, preste
componentes individuais do estado anestésico,
muita atenção nos conceitos que serão descritos a
como antinocicepção, relaxamento da
seguir e esteja focado durante o estudo para assimilar
musculatura, estado de amnésia e reflexos
bem todos os termos listados. É de extrema
autônomos do corpo;
importância que você entenda e memorize esses
termos pois todos servirão de base para os conteúdos
subsequentes da disciplina e servirão como um alicerce
sobre o qual você construirá seus conhecimentos.
Anestesia Dissociativa: Anestesia induzida por Analgesia (ou anestesia) regional; Diferente da
fármacos que promovem a dissociação dos anestesia local, trata-se da insensibilidade à dor
sistemas talamocortical e límbico. Trata-se de em uma área maior do corpo, embora ainda
uma técnica anestésica, capaz de dissociar o limitada, geralmente definida pelo padrão da
córtex cerebral de forma seletiva, causando inervação sobre a qual o efeito é exercido, como,
analgesia e "desligamento" do paciente, sem que por exemplo, a anestesia da região paralombar;
haja perda dos reflexos protetores. Esse tipo de Neuroleptoanalgesia; Toda ação anestésica capaz
técnica caracteriza-se por um estado de de causar sonolência sem perda da consciência,
catalepsia, onde os olhos permanecem abertos e desligamento psicológico do ambiente que cerca o
os reflexos da deglutição mantêm-se intactos. A indivíduo, supressão da dor (analgesia intensa) e
hipertonia da musculatura esquelética persiste a amnésia. Ou seja, tal estado pode ser
menos que se administre ao mesmo tempo um caracterizado como de tranquilização com
sedativo forte ou relaxante muscular central analgesia intensa e sem perda da consciência;
potente; Nocicepção; Processo neural da codificação de
Analgesia; Estado em que o paciente não sente estímulos nocivos. Ou seja, processo fisiológico
dor em resposta a um estímulo normalmente subjacente à percepção consciente da dor. Essa
doloroso. Esse termo geralmente é utilizado em técnica não requer consciência do paciente e pode
pacientes conscientes; continuar durante a anestesia geral se não forem
Analgesia (ou anestesia) local; Toda ação incluídas as técnicas que interrompam ou inibam
anestésica realizada com a finalidade de bloquear a transdução, a transmissão e a modulação dos
de forma reversível os impulsos nervosos estímulos nociceptivos;
aferentes. Ou seja, é a perda da sensação de dor Tranquilização: Processo que leva a alteração do
em uma área limitada do corpo; comportamento sempre que se alivia a ansiedade
e o paciente relaxa, mas continua ciente do que
está acontecendo em torno dele. Ou seja, reduz a
ansiedade e promove o relaxamento do paciente.
Assim, os tranquilizantes são fármacos que
resultam em estado de tranquilização ao paciente
administrado. Também são chamados de
ansiolíticos;
Sedação; Caracteriza-se pela depressão central
acompanhada por sonolência e relaxamento
induzido centralmente. No geral, o paciente não
tem consciência do ambiente ao seu entorno, mas
consegue despertar e responder a algum estímulo
nocivo.
Sedativos são fármacos não recomendados para A avaliação pré-anestésica oferece maior segurança
imobilizar um paciente durante um período em que há ao anestesista pois permite-o estimar o risco
probabilidade de ocorrerem estímulos dolorosos devido anestésico. Dessa maneira, pode-se tomar todas as
à possibilidade de resposta do paciente; medidas necessárias para se reduzir as chances de
Narcose; Caracteriza-se por um estado de sono ocorrerem quaisquer contratempos ou problemas com o
profundo, induzido por algum fármaco, no qual o paciente, tanto a curto quanto a longo prazo, durante
paciente não pode ser despertado com facilidade. todo o procedimento, seja antes, durante ou após a
O estado de narcose pode estar em conjunto ou anestesia.
não com a antinocicepção. Dependerá da técnica e O médico-veterinário deve realizar uma variedade de
fármaco utilizados; testes para que saiba o estado clínico do animal. Porém,
Hipnose; Condição de sono induzida esses testes não excluem a necessidade de uma
artificialmente ou um estado de transe que lembra anamnese e um exame físico detalhado. Assim, no
o sono, resultante da depressão moderada do momento da avaliação anestésica, deve-se ter atenção
sistema nervoso central e da qual o animal é na escolha dos exames a serem realizados, bem como
facilmente despertado. com a interpretação de seus resultados. Afinal, cada
detalhe pode ser decisivo para a escolha do
Avaliação Pré Anestésica procedimento correto a se adotar durante a anestesia.
A avaliação pré-anestésica nada mais é do que uma Diversos fatores devem ser considerados quando se
avaliação realizada pelo médico-veterinário anestesista realiza uma avaliação pré-anestésica de qualidade,
no período que compreende o intervalo de tempo entre a dentre eles: histórico clínico do paciente, exame físico,
indicação anestésica e o momento da realização da espécie/raça, idade, escore corporal,
anestesia propriamente dita. Sendo assim, o anestesista temperamento/comportamento, sexo e o motivo pelo
deve estar preparado e planejar todo o procedimento qual o animal precisa passar por um procedimento
anestésico, a começar pela avaliação pré-anestésica, que anestésico.
deve ser individualizada para cada paciente, de forma
que todo o procedimento seja realizado da maneira mais Histórico Clínico do Paciente:
segura, eficiente e confortável para o paciente, assim A avaliação do histórico clínico do paciente é crucial
como para os profissionais envolvidos no procedimento. para que se evite qualquer tipo de problema ao animal
por erros de manejo durante o procedimento. É
A avaliação pré-anestésica envolve o período importante que o tutor ou o médico-veterinário
dedicado a conhecer o paciente para que se entenda responsável pelo animal relatem qual o estado de saúde
e atenda às necessidades individuais do animal, além atual do paciente e também qualquer tipo de
de todo o planejamento do procedimento anestésico, acontecimento marcante no passado, como, por
o que inclui a escolha do fármaco a ser utilizado, da exemplo, reação alérgica a um tipo de fármaco. Dessa
técnica e da necessidade (ou não) de ser realizada forma, medidas de precaução serão adotadas, reduzindo
estabilização ou qualquer outra preparação especial as chances de o problema se repetir.
do paciente.
Nesse sentido, é interessante que o veterinário ou No Quadro 1, podemos observar mais detalhadamente
anestesista formule um questionário estruturado para algumas indicações de exames complementares durante
preenchimento das informações do paciente, de modo o período pré-anestésico, levando em consideração a
que nenhuma informação relevante acabe se perdendo, classificação do estado físico do animal e da idade em
o que induziria a erros evitáveis. É imprescindível que, cães e gatos;
para a realização do perfil histórico do paciente, sejam
registradas informações como: estado clínico do
paciente, procedimentos anestésicos ou cirúrgicos
realizados anteriormente e uso de medicamentos
concomitantes naquele momento;
Exemplificando: Se o paciente faz uso de algum
medicamento contínuo, o uso e a dosagem devem ser
ajustados antes do procedimento anestésico para que se
evite efeitos colaterais associados ao uso conjunto dos
fármacos (anestésicos e de uso contínuo). O estado
clínico do paciente é fundamental para escolha de
procedimento e fármacos utilizados durante a anestesia. Espécie/Raça do paciente:
Por exemplo: os fármacos que comprometem o A espécie/raça do animal deve ser considerada
funcionamento cardiovascular não devem ser durante a avaliação pré-anestésica e preparação do
administrados em animais que tenham problemas paciente. Afinal, as variações genéticas são importantes
cardíacos durante o procedimento anestésico. no planejamento do protocolo anestésico. Algumas
espécies e raças apresentam particularidades como:
Exame Físico: ausência de enzimas importantes, constituição
É fundamental que se realize um exame físico anatômica diferenciada ou sensibilidade a certos
detalhado do paciente durante a avaliação pré- medicamentos. Algumas raças são mais predispostas a
anestésica. Tal exame pode revelar fatores de risco do problemas cardíacos com o aumento da idade. Raças de
animal, desde problemas cardíacos, como sopro animais maiores possuem menor taxa metabólica,
cardíaco, até respiratórios, como baixa saturação. O fazendo com que o tempo para a metabolização dos
exame físico ainda pode revelar que o animal apresenta fármacos seja mais lenta. Com isso, a dosagem
sintomas inerentes à sua condição clínica, como recomendada tende a ser menor do que em raças de
desidratação ou febre. Com isso, o trabalho conjunto de animais menores, onde o metabolismo é mais acelerado
toda a equipe clínica é importante para melhor e a eliminação do fármaco é mais rápida, como nos
preparação do paciente para o procedimento. Na maioria explica Grubb et al. (2020).
das vezes, exige-se exames laboratoriais e
eletrocardiograma. Complementando-os, existem
exames auxiliares, como ultrassom e raio X.
Como podemos observar na Figura, outro exemplo de Score Corporal;
particularidade são os animais braquicefálicos, que Deve se considerar o escore corporal do animal
apresentam más-formações anatômicas das vias aéreas durante a avaliação pré-anestésica pois esta influenciará
superiores, são mais propensos à obstrução das vias no plano anestésico utilizado no procedimento. Por
aéreas superiores e apresentam aumento do tônus exemplo, um animal obeso tende a apresentar maiores
vagal. Este último fator exige maior cautela no uso de problemas metabólicos e outras condições clínicas
fármacos que induzem à bradicardia no transanestésico; como: hipertensão, hipoventilação e maior risco
cardiovascular. Portanto, a escolha da técnica e do
fármaco utilizados nesse tipo de animal deve considerar
seus potenciais efeitos adversos. Por outro lado,
animais desnutridos são mais frágeis e fracos, e podem
ter mais dificuldades na recuperação da anestesia. Logo,
o plano anestésico deve ser feito para que o tempo de
recuperação ao procedimento não seja muito penoso ao
Idade;
animal. Na Figura 4, temos um exemplo de classificação
A idade do paciente deve ser levada em consideração
de escore corporal de cães. Porém, na literatura, há
na avaliação pré-anestésica, tendo em vista que, quando
diversas classificações para diferentes espécies. Ou seja,
avançada, pode aumentar o risco anestésico, devido às
você pode consultá-las e adaptá-las às suas
alterações metabólicas naturais do envelhecimento.
necessidades;
Além disso, animais geriátricos apresentam algumas
condições clínicas e doenças mais frequentemente que
animais de outras idades. Por isso, cada caso deve ser
considerado individualmente. Por outro lado, pacientes
pediátricos ou neonatos também devem ser
considerados de forma mais cautelosa, tendo em vista
que diversos manejos realizados na preparação do
animal para uma anestesia podem não ser possíveis em Temperamento/Comportamento:
animais dessa idade, como, por exemplo, o jejum prévio, Animais que apresentem
já que animais muito jovens correm maior risco de temperamento/comportamento agressivo podem
problemas de hipoglicemia e desidratação, além de prejudicar a correta avaliação pré-anestésica do animal,
serem mais propensos a hipotermia, uma vez que seus devido às dificuldades em manejar o paciente. Animais
organismos e metabolismos ainda estão em com essas características podem ter maior necessidade
desenvolvimento; do uso de sedativos e tranquilizantes como forma de
contenção química antes da anestesia em si. Por outro
lado, animais quietos e mansos podem ser manipulados
mais facilmente, o que auxilia na avaliação pré-
anestésica e diminui a necessidade do uso de fármacos
sedativos;
Sexo: Orientar o plano anestésico a ser adotado no
De maneira geral, o sexo do animal não influencia na procedimento é o principal objetivo da classificação do
avaliação pré-anestésica e preparação do paciente para paciente. Comunicar a todos os envolvidos no
o procedimento. Uma exceção são as fêmeas com estro procedimento, incluindo o tutor do animal, sobre as
recente, que podem apresentar maior vascularização no comorbidades do animal e os riscos inerentes da
útero e, consequentemente, maiores problemas realização do procedimento também é de suma
relacionados à perda de sangue em procedimentos importância.
cirúrgicos; De maneira isolada, essa classificação do paciente
Tipo de procedimento que será realizado: não é capaz nem de garantir todos os cuidados
Durante a avaliação pré-anestésica do paciente, é necessários e nem predizer os riscos do procedimento.
importante analisar o quão invasivo será o procedimento Entretanto, juntamente com todas as informações
ao corpo do animal, assim como a duração do obtidas durante a avaliação pré-anestésica do animal,
procedimento e o risco de hemorragia ou hipotermia comporá o pacote de informações necessárias para a
que o paciente correrá naquele procedimento. tomada de decisão e garantirá a melhor eficiência
Dependendo da situação, a monitoração anestésica pode possível do procedimento.
ser de difícil realização por conta do posicionamento do
paciente e estado clínico do animal. Com isso, o plano Classificação dos pacientes segundo os critérios
anestésico deve considerar todos esses fatores. ASA:
ASA 1: Paciente sem distúrbios fisiológicos. Ou
seja, um paciente normal e saudável. Exemplo:
animais submetidos a procedimentos eletivos,
Classificação do Paciente: como castração, ou leves, como fratura simples;
ASA 2: Paciente apresentando distúrbios
Há diversos métodos de classificar o paciente para fisiológicos leves a moderados. Ou seja, com
a realização de um procedimento anestésico. Com base doença sistêmica leve, não comprometendo a
nas normas da American Society of Anesthesiologists atividade normal do animal. Exemplo: animais
(ASA), o método mais empregado de classificação se neonatos, idosos, obesos, gestantes e cardiopatas;
baseia no risco anestésico do paciente, de acordo com o ASA 3: Paciente com distúrbios fisiológicos
estado clínico do animal. Utilizando esse sistema, a importantes, de difícil controle, comprometendo a
classificação dos pacientes possibilita uma avaliação atividade normal e influenciando na anestesia e
mais estruturada, pois relaciona os pacientes doentes procedimento cirúrgico. É um animal com doença
com estado de ASA mais elevado ao maior risco de sistêmica grave não incapacitante. Exemplo: o
complicações anestésicas e, consequentemente, serão animal em estado de desidratação, anemia,
pacientes que requererão maiores cuidados e diabetes, problemas cardiovasculares em
precauções para que se possa obter os melhores tratamento e/ou infecção, entre outros;
resultados e menores riscos ao paciente.
ASA 4: Paciente que apresenta desordem Diversos são os benefícios da medicação pré-
fisiológica severa, com potencial letalidade, anestésica. Dentre eles, podemos citar:
influenciando de forma extrema a anestesia e o Auxilia na contenção do animal;
procedimento cirúrgico. O animal está com doença Reduz o estresse do animal causado pelo ambiente
sistêmica grave e com ameaça constante à vida. clínico e pela condição de saúde do paciente;
Exemplo: animal com insuficiência renal, Proporciona ao animal um efeito analgésico e de
insuficiência cardíaca compensada, hemorragia relaxamento muscular;
interna, torção gástrica, uremia, entre outros; Pode auxiliar e potencializar os efeitos dos
ASA 5: Paciente se apresenta em estado fármacos indutores e de manutenção da anestesia,
moribundo. A cirurgia é a única possibilidade de além de auxiliar na redução dos possíveis efeitos
salvar a sua vida. Ou seja, animal cuja expectativa indesejáveis dos anestésicos indutores;
de vida é curta. Exemplo: animais com torção Ajuda na recuperação do paciente;
vólvulo-gástrica, choque ou trauma grave, lesão Atua como adjuvante na anestesia local;
encefálica grave e falência múltipla de órgãos. Auxilia no manejo do animal já que pode reduzir a
atividade reflexa autonômica, seja a de origem
Medicação Pré-anestésica: simpática ou parassimpática.

O uso desses medicamentos apresenta vários fatores Há diferentes grupos farmacológicos utilizados na
positivos e auxilia tanto o anestesista quanto o clínico medicação pré-anestésica. Emprega-se cada grupo com
no manejo do paciente. Tratando-se desse tipo de uma finalidade específica e deve-se escolher o
medicação, é importante levar em consideração a medicamento levando em consideração o paciente e o
condição geral e fisiológica do paciente e o perfil procedimento a ser feito. Por isso, deve-se estudá-los
traçado do animal durante a avaliação pré-anestésica. com atenção, de modo que essa escolha seja eficaz.
Também é importante relacionar as características do Na Figura, podemos observar os seis principais
paciente com o procedimento ao qual ele se submeterá. grupos de fármacos utilizados na pré-anestesia e alguns
A avaliação do animal e do procedimento permite um exemplos de cada tipo.
maior controle sobre as dosagens dos fármacos
utilizados e também sobre os efeitos sinérgicos e
antagonistas que podem ocorrer na associação de mais
de um fármaco durante todo o processo. Assim, evita-se
problemas com sub ou sobredosagem de medicamento
ou com efeitos colaterais indesejáveis. A medicação pré-
anestésica é uma etapa crucial do processo de anestesia.
Qualquer problema nessa etapa pode prejudicar a etapa
subsequente.
Anticolinérgicos e Benzodiazepínicos: Os fármacos benzodiazepínicos atuam por meio de
sua ação no sistema nervoso central, facilitando a ação
Os anticolinérgicos são antagonistas competitivos dos neurotransmissores GABA (ácido γ-aminobutírico)
da acetilcolina nos sítios onde estão os receptores e resultando tanto em um aumento da atividade dos
muscarínicos do sistema nervoso parassimpático. interneurônios quanto em um atraso do impulso
São utilizados habitualmente em anestesia nervoso, o que pode levar à sensação de dor,
veterinária para o tratamento e para a prevenção da aumentando a afinidade do receptor GABAA pelo GABA
bradicardia (seja pré-anestésica ou anestésica), por meio do aumento da condução de cloreto e
diminuindo as secreções salivares e das vias hiperpolarização da membrana celular pós-sináptica.
respiratórias, dilatando a pupila, bloqueando reflexos Dessa forma, os benzodiazepínicos aumentam a ligação
mediados vagalmente e os efeitos dos agentes do GABA endógeno ao receptor. Na Figura 6a, podemos
parassimpatomiméticos. O emprego dos observar didaticamente a estrutura dos receptores
anticolinérgicos servia inicialmente para neutralizar GABAA, detalhando esquematicamente a composição
efeitos parassimpáticos profundos causados por das subunidades desses receptores e onde se localiza o
anestésicos inalatórios como o éter dietílico, que sítio de ligação dos fármacos agonista GABA e dos
causavam excesso de salivação e bradicardia, o que era moduladores alostéricos benzodiazepínicos, anestésicos
indesejado. Contudo, os fármacos anestésicos inalatórios, etanol, propofol e alfaxalona. O receptor
inalatórios mais modernos não apresentam tantos GABAA é um heteropentâmero. Ou seja, composto de
efeitos adversos atualmente, tornando o uso dos cinco subunidades e constituído por subunidades α, β
anticolinérgicos menos frequente na anestesia e γ, com possibilidade de diversas combinações entre
veterinária. A via de administração desses fármacos elas. Os ligantes agonistas e antagonistas, e os
pode ser: intravenosa, intramuscular ou subcutânea. O moduladores alostéricos ligam-se a sítios específicos
período de latência é de cerca de 30 segundos e os dessas subunidades. Além disso, cada subunidade
efeitos podem durar até 1 hora. A Tabela 1 descreve as apresenta quatro segmentos transmembrana (hélice α),
indicações de atropina e glicopirrolato, principais criando um canal de cloreto, como podemos observar na
anticolinérgicos empregados na veterinária, para Figura 6b, onde há uma subunidade de glicoproteína
algumas espécies. com quatro segmentos que atravessam a membrana.
Os benzodiazepínicos compartilham uma estrutura Os Fenotiazínicos podem ser administrados por
química comum, na qual um anel de benzeno está ligado diversas vias: oral, nasal, subcutânea, intraperitoneal,
a um anel diazepínico de sete membros. Podem atuar de intravenosa e intramuscular. Apresentam período de
forma agonista, facilitando a atividade do GABA e latência de cerca de 10 a 30 minutos e de ação de 2 a 4
levando à sedação, ansiólise, miorrelaxamento e efeito horas. A Acepromazina é o principal fármaco dessa
anticonvulsivante. O Diazepam e o Midazolam são os classe utilizado na medicina veterinária.
benzodiazepínicos mais habitualmente utilizados para Os agonistas α2 adrenérgicos não são classificados
anestesia veterinária, sendo administrados geralmente como simpatomiméticos, mas atuam diretamente nos
por via parenteral, com período de latência variando receptores α do sistema simpático, promovendo
entre 5 e 10 minutos e duração de cerca de 2 horas para sedação, relaxamento muscular e efeito analgésico leve.
o Midazolam e 6 horas para o Diazepam. São utilizados de forma extensiva na medicina
veterinária, sendo empregados e indicados tanto para
Fenotiazínicos e animais de companhia, de pequeno porte, como para
Agonistas alfa 2 Adrenérgicos: animais de grande porte. Afinal, pode-se reverter o
efeito desses medicamentos de modo confiável com a
Os Fenotiazínicos são fármacos utilizados na
administração de antagonistas seletivos. Os fármacos
veterinária como tranquilizantes. Atuam através do
mais utilizados dessa classe são: xilazina, romifidina,
antagonismo competitivo com os neurotransmissores
detomidina, medetomidina e dexmedetomidina.
dopaminérgicos, nos receptores dopaminérgicos,
O mecanismo básico de ação dos agonistas α2
deprimindo o tronco cerebral e as conexões para o
adrenérgicos se relaciona à diminuição da noradrenalina
córtex cerebral, resultando em uma ação tranquilizante.
central e é perifericamente o que resulta na diminuição
Sua utilização auxilia nos manejos necessários do
das catecolaminas circundantes. Como consequência,
paciente, como contenção do animal, manobras
reduz a excitação do sistema nervoso central,
ambulatoriais, transporte do paciente e tranquilização
promovendo relaxamento e tranquilidade ao paciente.
do animal em ambiente e situações estressantes.
De modo geral, são administrados por via intramuscular
Contudo, é preciso cuidado com o uso desses
ou intravenosa, com um período de latência de cerca de
medicamentos, já que não produzirão efeito analgésico
5 minutos e duração da ação de meia hora. Na Tabela 2,
se administrados de maneira isolada. Nesse caso,
podemos observar a posologia indicada de alguns
atuarão apenas como tranquilizantes. Não é indicado o
agonistas adrenérgicos para diferentes espécies.
uso desse tipo de fármaco em pacientes hipovolêmicos
e hipotensos, animais com anemia e animais que
apresentam coagulopatias. Além disso, como constatou
Massone (2019), o uso de Fenotiazínicos não é
indicado para gatos, pois não apresenta eficiência
como agente depressor, podendo causar até mesmo
efeito inverso, ou seja, pode aumentar a agitação do
animal. É necessária a combinação desse tipo de
tranquilizante com outros fármacos, como os opioides,
por exemplo.
Há uma grande variedade nos efeitos dos opioides,
Opioides e mesmo que doses sejam citadas rotineiramente na
Butirofenonas prática veterinária. Com isso, como diversos fatores
influenciam nesses efeitos (raça, idade, genética, peso,
Um opioide é uma substância que não deriva do ópio, sexo, ambiente, entre tantos outros), a dosagem deve
mas que interage no receptor opioide. Os opioides são ser aplicada para cada paciente específico, utilizando as
os protótipos dos analgésicos, antitussígenos e doses recomendadas apenas como diretriz e ponto de
antidiarreicos. Os opioides são compostos lipofílicos, partida do plano farmacológico.
sendo tipicamente absorvidos quando administrados por Se a dose administrada de acordo com a
via intramuscular, subcutânea ou oral. recomendação não for suficiente para reduzir a dor do
Contudo, a administração oral pode resultar em paciente, pode ser necessário aumentar a dose ou
metabolismo de primeira passagem substancial no caso reduzir o tempo entre as doses. A recíproca é
de muitos opioides, o que acaba resultando em baixa verdadeira: se a dosagem recomendada resultar em boa
biodisponibilidade e pode fazer com que eles sejam resposta ou acarretar sedação profunda, pode-se
menos efetivos nas doses padrões. diminuir a dose seguinte ou espaçar mais o intervalo
entre as doses.
O objetivo de administrar opioides geralmente é Os efeitos adversos, como sedação profunda,
promover a analgesia do paciente. Estes excitação e efeitos extrapiramidais, e a disponibilidade
medicamentos produzem sedação dependente da dose de alternativas farmacológicas melhores fazem com que
quando administrados isoladamente, podendo promover o uso rotineiro das butirofenonas como fármacos
sedação mais profunda quando associados a outro tipo antieméticos em medicina veterinária seja cada vez
de sedativo. Ainda assim, o aumento em excesso da menos usual, tornando-o um fármaco pouco empregado
dose de opioides ou a administração por via intravenosa atualmente.
rápida pode levar o animal à excitação, resultando em
efeito oposto ao esperado. Na Tabela, podemos ver a
recomendação de posologia da morfina (principal
opioide) para diferentes espécies.
Os fármacos da classe dos butirofenonas são
utilizados com o objetivo de serem tranquilizantes, com
ação similar aos fenotiazínicos. O droperidol é um
fármaco da classe butirofenona que era utilizado com
frequência antigamente em animais de pequeno porte
como sedativo, particularmente em associação com
fentanila. O Azaperone é outro fármaco dessa classe,
que, apesar de não ser tão utilizado, apresenta um efeito
sedativo muito eficiente para suínos.
Neuroleptoanalgesia: Possibilidade do uso de fármacos antagonistas,
que irão resultar em recuperação mais acelerada
A Neuroleptoanalgesia é caracterizada por sua ação do paciente.
anestésica sem causar a sonolência ou inconsciência.
Portanto, pode-se afirmar que nada mais é que a ação Interações farmacológicas Utilizadas:
analgésica e tranquilização, sem perda de consciência
Indica-se a Neuroleptoanalgesia principalmente em
total.
algumas situações:
Essa técnica anestésica utiliza a associação de
Imobilização externa de fraturas;
diferentes fármacos, visando ao uso de fármacos que
Remoção de espinho de ouriço (muito comum em
bloqueiam seletivamente alguns mecanismos celulares,
cães no campo);
autônomos e endócrinos, que são desencadeados pelo
Desobstrução da uretra de gatos;
estresse no paciente. Geralmente, faz-se a associação
Realização de exames físicos específicos como,
entre um fármaco analgésico (como um opioide) e um
por exemplo, na cavidade oral do animal;
fármaco tranquilizante (neuroléptico) ou um sedativo.
Na contenção do animal para o posicionamento
Pode-se classificar a Neuroleptoanalgesia como do
radiográfico;
tipo 1, quando há predominância da ação analgésica, e
Durante o período de medicação pré-anestésica:
do tipo 2, quando há predomínio da ação tranquilizante.
// Para contenção química de curta duração durante
Esta última é a mais utilizada atualmente devido ao
processos pouco invasivos, onde não há necessidade de
surgimento de fármacos tranquilizantes mais potentes
anestesia geral do animal. Ou seja, onde os riscos da
em relação aos analgésicos.
anestesia geral são maiores do que os benefícios, a
Por meio do mecanismo de ação nas áreas
opção correta é buscar uma abordagem alternativa;
subcorticais do cérebro, a Neuroleptoanalgesia promove
// Na contenção química, usada em procedimentos
o bloqueio da dor e ação sedativa, mas sem prejudicar
ambulatoriais e de emergência, para animais que
as funções corticais e cardiovasculares do paciente.
estejam sentindo muita dor e apresentem-se agitados,
Ainda atua causando sonolência como resultado da
dificultando o manejo;
tranquilização e do relaxamento muscular, porém sem a
// Em procedimentos cirúrgicos de animais de grande
perda de consciência do paciente.
porte, como forma de preparação e facilitação do
As principais vantagens dessa abordagem anestésica
manejo do animal, sendo associada a técnicas de
são:
anestesia posterior.
Redução da dosagem individual dos fármacos
empregados no procedimento;
Diminuição dos efeitos colaterais adversos como
resposta à redução da dosagem dos fármacos;
Sinergismo entre os fármacos além do efeito
individual de cada um, o que causa um efeito
aditivo e somatório, podendo levar a um
procedimento mais eficiente;
Dentre as principais associações de fármacos
utilizados nessa abordagem anestésica, está sempre a
associação de um opioide (por exemplo, burtofanol,
fentanil e morfina) com outro fármaco, como agonistas
α2 adrenérgicos (por exemplo, xilazina),
benzodiazepínicos (por exemplo, diazepam e
midazolam) e fenotiazínicos (por exemplo,
acepromazina).
Em cães, deve-se associar opioides e
benzodiazepínicos em animais debilitados. Se for o caso
de o animal não estar debilitado, indica-se a
Acepromazina, previamente para reduzir a excitação do
animal. O Diazepam só deve ser utilizado pela via
intravenosa e o Midazolam pode ser tanto intravenoso
quanto intramuscular.
Quando a associação de escolha é entre opioides e
agonistas α2 adrenérgicos, não se recomenda a
associação entre xilazina e metadona por conta dos
riscos do aumento exagerado da atividade cardíaca.

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