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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”

FACULDADE DE MEDICINA DE BOTUCATU

Relatório Científico Final

Violência doméstica e a formação de estudantes de


medicina em uma Universidade Pública do estado
de São Paulo, Brasil.

Bolsista de Iniciação Científica: Ana Luísa Rigolin Ferreira Barbosa


Aluna do 5º ano da Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB) - UNESP
Telefone: (11) 97074-9119
Email: ana.rigolin@unesp.br
Orientadora: Eliana Goldfarb Cyrino
Coorientadora: Carolina Siqueira Mendonça
Departamento de Saúde Pública da Faculdade de Medicina de Botucatu/UNESP

Botucatu/2022
RESUMO DO PROJETO DE PESQUISA PROPOSTO

A violência doméstica contra mulheres é uma temática complexa e


considerada um problema de saúde pública no mundo e no Brasil, que
engloba aspectos biológicos, psicológicos e socioculturais. Sabe-se que a
violência doméstica possui diversas implicações na saúde da mulher, que vão
desde acometimentos físicos até agravos psicológicos. Todavia, a violência
doméstica é pouco investigada pelo profissional médico durante consultas.
Acredita-se que o modelo flexneriano biomédico, pautado no biologicismo do
processo saúde-doença, utilizado por anos como estrutura pedagógica dos
cursos de medicina, bem como a inserção recente da violência doméstica
como no âmbito da saúde, estejam relacionados aos obstáculos para a
abordagem desse grave problema social e de grande importância e
magnitude para a saúde pública pelos profissionais médicos. Dada sua
relevância no âmbito da saúde e a necessidade de formação profissional
adequada e sensível para seu enfrentamento e para a oferta de cuidado
resolutivo às mulheres, o presente estudo tem por objetivo principal
compreender como a violência doméstica contra mulheres está inserida na
graduação em medicina da Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB) -
UNESP. Para tanto, fará uso de entrevistas individuais, com roteiro de
questões abertas, preparado previamente pela pesquisadora, com o objetivo
de nortear o encontro e apreender percepções e sensações dos participantes
a respeito da inserção do tema em questão na sua formação acadêmica. Os
participantes do estudo são alunos quinto e sexto-anistas ou recém-egressos
da universidade em questão. Os critérios descritos se relacionam ao fato de
alunos quinto ou sexto-anistas já terem cursado a maior parte das disciplinas
obrigatórias do curso que oferecem maiores competências para expressarem
percepções mais fidedignas a respeito do assunto. A participação de cada
estudante é voluntária e mediante assinatura do termo de consentimento livre
esclarecido. O ambiente a ser utilizado para o encontro será uma sala do
Centro de Saúde Escola da Faculdade de Medicina de Botucatu ou a
plataforma do Google Meets, a depender do contexto epidemiológico da
pandemia da COVID-19. Vale ressaltar que ambos os espaços escolhidos
para a realização das entrevistas garantem ambiente livre de ruídos e
confidencialidade. Os dados obtidos serão analisados sob a ótica de análise
temática proposta por Minayo (2013), de forma a destacar opiniões
frequentemente expressas a respeito do tema. Espera-se que o estudo possa
contribuir com a formação médica ao apontar lacunas e apresentar possíveis
caminhos para uma formação médica mais contextualizada às necessidades
e demandas de saúde da população, e mais humanizada para uma oferta de
cuidado mais qualificada e orientada pelos princípios do SUS.

Palavras-chave: violência contra mulher, educação médica, educação de


graduação em medicina, instituições de ensino superior

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RESUMO DO ESTUDO

A violência doméstica contra mulheres é um problema de saúde pública no


mundo e no Brasil, que engloba aspectos biológicos, psicológicos e
socioculturais. Sabe-se que a violência doméstica possui diversas
implicações na saúde da mulher, que vão desde agravos físicos até
psicológicos. Todavia, trata-se de um problema pouco investigado pelos
profissionais de saúde no cotidiano dos serviços, especialmente do
profissional médico. Acredita-se que o modelo biomédico, utilizado por anos
como referencial dos cursos de medicina, bem como a inserção recente da
violência doméstica no âmbito da saúde, estejam relacionados aos
obstáculos a serem superados para uma atenção integral à saúde para as
mulheres. Dada sua relevância no âmbito da saúde e a necessidade de
formação profissional adequada e sensível para seu enfrentamento e para a
oferta de cuidado resolutivo às mulheres, o presente estudo teve por
objetivo principal compreender como a violência doméstica contra mulheres
está inserida no currículo da graduação em medicina da Faculdade de
Medicina de Botucatu (FMB) - UNESP. Para tanto, realizou-se pesquisa
exploratória, com metodologia qualitativa. Realizaram-se entrevistas
individuais, com roteiro de questões abertas, preparado previamente pela
pesquisadora, com o objetivo de nortear o encontro e apreender percepções
e sensações dos participantes a respeito da violência doméstica contra
mulheres em sua formação médica. Participaram do estudo alunos do
quinto e sexto ano médico e recém-egressos da universidade em questão,
por serem considerados estudantes que já cursaram a maior parte das
disciplinas obrigatórias do curso. A participação de cada estudante foi
voluntária e mediante assinatura do termo de consentimento livre
esclarecido. O ambiente utilizado para o encontro foi uma sala do Centro de
Saúde Escola da Faculdade de Medicina de Botucatu ou a plataforma do
Google Meets, a depender do contexto epidemiológico da pandemia da
COVID-19. Os dados obtidos foram analisados por meio da análise de
conteúdo na modalidade temática, referenciada em Gomes e Minayo
(2013). A partir da leitura exaustiva das entrevistas foi possível construir
uma primeira categoria temática: violência doméstica contra mulheres na
formação médica: um vazio formativo. Foi possível identificar a necessidade
de ampliação do número de entrevistas e a pesquisa está em andamento,
com nova bolsa de IC, por meio do PIBIC/UNESP. Como consideração final
ainda que de resultados que podem ser revistos e precisam de análise
aprofundada, se observou uma grande ausência do tema estudado na
formação médica a partir da percepção dos estudantes entrevistados.
Palavras-chave: violência contra mulher, educação médica, educação de
graduação em medicina, instituições de ensino superior

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1. Realizações do período

1.1. Revisão bibliográfica


A violência doméstica contra mulheres é um grande problema de
saúde pública no Brasil e no mundo (BRASIL 2011, Minayo 2011, OMS 2017,
OPAS 2021). A OMS, além de apontar essa questão como um grave
problema de saúde pública, alerta sobre a necessidade de formar
profissionais de saúde aptos a lidar com a situação e enfrentá-la, visto que a
violência contra as mulheres é de alta prevalência, e muitas vezes
subnotificada, ocultada ou não documentada (OMS, 2017; OPAS, 2021). De
acordo com o mapa da violência brasileiro, de 2015, duas em cada três
pessoas atendidas no SUS em razão de violência doméstica ou sexual são
mulheres; e em aproximadamente metade dos atendimentos foi registrada
reincidência da violência (WAISELFISZ, 2015).
Tal cenário possui diversas implicações na saúde da mulher. Nos
serviços de emergência, a violência doméstica é a segunda maior causa de
lesão corporal, sobrepondo-se a acidentes de trânsito (STARK, 1996).
Segundo Machado e Bandeira (1999), as mulheres que sofrem violência têm
maior risco de sofrerem aborto espontâneo, por exemplo. Com relação aos
agravos psicológicos gerados pelos maus tratos, estes vão além das marcas
corporais, e podem acarretar, ou aumentar as chances, do desenvolvimento
de transtornos depressivos (FRAZÃO, 2019), ansiosos e transtorno de
estresse pós-traumático (MACHADO, 2016). Apesar disso, os agravos à
saúde causados pela violência, e que são queixas frequentes nos serviços de
saúde em diversos níveis de atenção, raramente são reconhecidos como tal
(PEDROSA, 2011). Bandeira e Almeida (2008), ao colocarem a discussão da
invisibilidade da violência doméstica contra as mulheres no Sistema Único de
Saúde (SUS), salientam que até na ginecologia, de uso frequente pelas
mulheres ao longo da vida, além da invisibilidade da violência, há uma
grande lacuna em relação às problematizações das condições históricas e
políticas relacionadas à questão de gênero.
Diante desse cenário de invisibilização da violência contra a mulher
nos serviços de saúde, o médico tem um papel central para além do

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tratamento propedêutico. A assistência à mulher em situação de violência
doméstica engloba o acolhimento, o reconhecimento clínico das queixas, a
notificação ao SINAN e a assistência à sua saúde, inclusive mental, a fim de
reduzir os danos físicos e psicológicos decorrentes da violência, levando em
consideração os limites impostos pela realidade social e econômica em que
essa mulher vive (MACHADO, 2016). Porém, a investigação sobre a saúde
mental e física da mulher e o atendimento mais humanizado, com uma
escuta ativa para o sofrimento, são pouco empreendidos nas consultas
médicas.
Schraiber e D’Oliveira (2020) observam que a área da saúde, em
geral, não considera os sofrimentos das mulheres em situação de violência
como um assunto tocante à saúde, visto que há uma grande dificuldade dos
profissionais médicos de associarem como enfermidade algo que não
necessariamente tem uma base anatomopatológica. Além disso, D’Oliveira
(2020) ressalta que o conhecimento médico, por conta do seu aparato
conceitual e técnico, reduz o problema da violência a uma questão do corpo
individual, a ponto de o mesmo diagnóstico e conduta serem prescritos e
oferecidos a uma mulher que sofreu uma fratura por conta de um acidente de
automóvel e àquela que apresentou uma fratura devido a um espancamento
de seu companheiro. Ademais, historicamente, o curso de medicina possui
uma tradição conservadora e com hegemonia do modelo biomédico, assim,
temas como violência, raça, etnia e questões de gênero são pouco inseridos
sob uma óptica político-social e ficam ainda focados na abordagem
saúde-doença-conduta (PEDROSA, 2011).
Acredita-se que essa invisibilização da violência doméstica no âmbito
da saúde, bem como o comprometimento de uma atenção à saúde
humanizada e integrada às mulheres em situação de violência, tenha como
uma das bases a própria formação médica, ainda muito pautada no modelo
flexneriano biomédico e em um conservadorismo consonante com as
construções sociais do patriarcalismo (PEDROSA, 2011).
O relatório Flexner (1910) surge no auge da ideologia positivista e, em
consonância com esse tipo de pensamento, o relatório tinha como concepção
a determinação biológica do processo saúde-doença, a extrema
racionalidade científica e, pela influência do modelo industrial de produção, a

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especialização do trabalho e a fragmentação do saber. Dado isso, Flexner
não enfatiza ideias que vinculam a formação em saúde pública com as
necessidades e demandas das comunidades, colocando como necessário
para o ensino médico apenas a excelência técnica (NOVAES, 1990).
Para além dessa invisibilidade, como apontado por Foucault em 1994,
a medicina é vista como um saber sobre um indivíduo, tomado como um
corpo doente, e que exige uma intervenção medicamentosa ou de isolamento
social, a exemplo dos manicômios, abstraindo sua singularidade dos outros
planos da realidade em que essa pessoa está inserida. Essa lógica de
pensamento é aplicada com muito mais força quando se trata do corpo
feminino e, assim, a mulher que está em sofrimento por conta de uma
situação de violência doméstica têm suas emoções classificadas como
“doentes”, passíveis de intervenção medicamentosa (ZANELLO, 2010) e alvo
de um tratamento propedêutico estritamente científico, que não perpassa
pela questão social e pela violência de gênero.
Nesse sentido, esse modelo biologizante e intervencionista de
formação dos futuros médicos resultam em uma reificação do sofrimento
dessas mulheres pelos futuros profissionais, e no despreparo dos médicos
para lidar com a situação e oferecer um suporte e acolhimento adequados,
além de contribuir com a invisibilidade do problema. Um ciclo complexo e
difícil de ser quebrado se forma a partir disso: as mulheres são as maiores
frequentadoras dos serviços de saúde na atenção primária (D’OLIVEIRA,
2020), porém sofrem uma série de entraves nesse processo: despreparo dos
profissionais de saúde (D’OLIVEIRA, 2020), medicalização das emoções
femininas e classificação dessas mulheres como “poliqueixosas” (ZANELLO,
2014).
Diante desse cenário de uma formação em saúde que pouco
contempla as demandas atuais da sociedade e que não coloca em
perspectiva as mazelas sociais, ocorreram impulsos para uma mudança
curricular da educação médica, em meados dos anos 2000, com a proposta
de formar profissionais capazes de prestar uma atenção integral e
humanizada, e que saibam tomar decisões que levem em consideração o
contexto de vida dos usuários e dos recursos disponíveis (FEUERWERKER,
2002). Dentro dessa perspectiva mais moderna, é coerente que a violência

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de gênero seja incluída na formação médica, para que este seja facilitador do
processo terapêutico, e possa construir com as usuárias estratégias mais
resolutivas e que contemplem o contexto social e as singularidades das
mulheres. Nesse sentido, para que isso ocorra é necessário que, durante a
formação, o estudante de medicina se aproxime das realidades de violência
doméstica e aprenda a dar visibilidade aos conflitos subentendidos nas
queixas (PEDROSA, 2011).
Deste modo, o projeto pedagógico de ensino das universidades
públicas brasileiras, ao formar profissionais médicos para o Sistema Único de
Saúde (SUS), com foco na atuação para a atenção básica (AB),
principalmente, possui um papel relevante na mudança desse cenário
(BRASIL, 2014). De acordo com as atuais diretrizes curriculares nacionais,
aprovadas pelo Ministério da Saúde em 2014, o estudante de medicina deve
ter um ensino humanizado, que aborde o ser humano em toda sua
integralidade, discuta, de forma crítica, o papel ético e político do médico, e
pense a saúde como uma área complexa envolvendo aspectos biológicos,
culturais e socioeconômicos, muito além do binômio saúde-doença. Porém,
esse novo olhar para o currículo médico ainda é barrado pelos entraves do
clássico modelo flexneriano, patologizante e biomédico, e os temas da
violência de gênero ainda são inseridos no currículo de forma incipiente e
superficial (PEDROSA, 2011). Essa lacuna na formação médica acaba se
refletindo no cotidiano das práticas, no interior dos serviços de saúde, que se
sentem inaptos para lidar com as questões associadas à violência doméstica
(PEDROSA, 2011).
Nesse contexto, estudar como a violência doméstica se insere nos
currículos de formação médica anteriores às novas Diretrizes Curriculares
Nacionais (DCN) , pode trazer reflexões e apontar caminhos que contribuam
os objetivos da implantação das referidas DCN.

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2.2 O que foi realizado

O início da pesquisa se deu com revisão de literatura com busca por


artigos relacionados com o objeto de estudo. A busca se deu pela
combinação dos descritores violência contra mulher, educação médica,
atenção integral à saúde da mulher. A busca foi realizada em diferentes
bases de dados e bibliotecas virtuais de modo a ampliar a revisão
bibliográfica realizada anteriormente para a construção do projeto e, pela
reunião de evidências nacionais e internacionais, aprofundar o
conhecimento sobre o tema.
Nos três primeiros meses de vigência da bolsa foram realizados o
planejamento da pesquisa e a decisão do método a ser utilizado, com
reuniões quinzenais ou mensais dos pesquisadores envolvidos. O estudo do
método a ser utilizado focou em estratégias de pesquisa qualitativa que
permitissem a expressão de percepções e vivências dos estudantes de
medicina a respeito de sua formação médica com relação ao tema de
violência doméstica e, a partir disso, houvesse uma análise crítica a respeito
desses relatos e sua relação com as bases pedagógicas utilizadas no
ensino médico. Desse modo, após uma investigação a respeito dos diversos
métodos de pesquisa qualitativa, optou-se por utilizar a técnica de grupos
focais, que se baseia na interação entre os integrantes do grupo para a
obtenção dos dados necessários à pesquisa (TRAD, 2009), e tem sido
especialmente útil nas pesquisas que enfatizam a necessidade de
considerar a visão de diferentes sujeitos sobre a qual incide o fenômeno a
ser pesquisado.
A partir disso, para um melhor desenvolvimento do grupo, foi
produzido antecipadamente, pela própria pesquisadora, um roteiro de
quinze questões abertas a fim de nortear a discussão, de forma que as
perguntas sejam disparadoras de um debate. Entretanto, após discussões
entre as pesquisadoras a respeito do projeto, foi levantado a hipótese de
que um grupo focal não fosse a estratégia mais adequada, pelo fato de a
pesquisa abordar uma temática sensível que poderia inibir a comunicação
dos participantes: a violência doméstica contra mulheres e a formação
médica dos estudantes. Assim, as pesquisadoras acordaram que um grupo

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focal poderia resultar em um possível desconforto aos participantes e não
trazer percepções tão fidedignas a respeito do tema, prejudicando a
posterior análise crítica dos dados.
Com isso, as pesquisadoras decidiram realizar entrevistas
individuais com os estudantes e recém-egressos da universidade, o que
possibilitou uma melhor livre expressão de opiniões dos participantes acerca
do objeto de estudo. O roteiro de questões semi-abertas foi modificado para
que contemplasse as entrevistas individuais. Para a análise crítica dos
dados coletados, as pesquisadoras decidiram por utilizar o método de
análise de conteúdo proposta por Minayo (MINAYO, 2013), que se apoia no
referencial materialista histórico dialético e tem por objetivo “descobrir os
núcleos de sentido que compõem uma comunicação cuja presença ou a
frequência signifiquem alguma coisa para o objetivo analítico visado”. O
método de Minayo é bastante consolidado e com frequência utilizado em
pesquisas qualitativas e da área de saúde pública.
De acordo com Minayo, essa técnica pode ser representada em três
etapas operacionais:

A primeira fase consiste em determinar as unidades de registro


(palavras-chave), unidade de contexto (delimitação do contexto), os
recortes, a forma de categorização, a modalidade de codificação e os
conceitos teóricos mais gerais que vão orientar a análise. Em seguida, a
segunda etapa consiste em lapidar os dados brutos, visando alcançar o

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núcleo de compressão do texto. Nesta fase, se explora o material e realiza a
operação de codificação, reduzindo e retirando do texto, palavras e
expressões significativas. Para finalizar, a terceira etapa engloba o
tratamento, por interferências e interpretações dos resultados obtidos.
Além disso, a estudante participou de encontros mensais em grupo de
formação em pesquisa qualitativa, conduzido pela orientadora deste projeto.
As trocas de experiência entre estudantes e profissionais envolvidos em
diferentes projetos de pesquisa, as reflexões a respeito do fazer ciência e da
importância da pesquisa na universidade, e o estudo de métodos em
pesquisa qualitativa oportunizados por esse grupo, compuseram com a
revisão da literatura científica para a construção de conhecimento da
‘estudante-pesquisadora’ e também guiaram as discussões a respeito da
troca de metodologia de grupos focais para entrevistas individuais e a
decisão pela escolha do método de análise de conteúdo de Minayo. A
estudante apresentou no grupo sua pesquisa e todos puderam contribuir
para seu enriquecimento.
O início das entrevistas se deu com reuniões prévias entre as
pesquisadoras para orientação sobre entrevistas e os cuidados necessários
na condução das entrevistas. Após essas reuniões preparatórias a aluna
bolsista realizou entrevista pré-teste para treinamento e teste do roteiro,
com vistas a aprimorá-lo, caso necessário.
A entrevista pré-teste foi realizada no mês de março de 2022, pela
própria ‘estudante-pesquisadora’, com uma médica recém-formada da
Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP, mesmo local onde a pesquisa
é realizada, teve duração de 45 minutos e se deu na modalidade presencial,
em uma sala de reuniões do Centro de Saúde Escola (CSE) da
FMB-UNESP. As demais entrevistas realizadas seguiram o modelo
presencial ou o modelo virtual, utilizando para isso a plataforma virtual
Google Meets, por conta do cenário epidemiológico da pandemia da
COVID-19.
Com relação a entrevista pré-teste, a entrevistada mostrou
disponibilidade para responder às perguntas do roteiro, colaborando em
contar sua trajetória como estudante do curso de medicina, além de

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reflexões a respeito da inserção do tema de violência doméstica contra
mulheres na sua formação médica.
O relato da entrevistada contribuiu para uma aproximação inicial de
como ocorre o aprendizado sobre a saúde da mulher ao longo da graduação
médica e de que forma o tema de violência doméstica é inserido nesse
processo. Nessa primeira entrevista, notou-se que o tema da violência
doméstica no currículo médico antigo é abordado de forma pontual, não de
uma forma curricular e sistemática, sob uma óptica que analisa
profundamente os aspectos culturais e sociais acerca desse tema. Entrou
em evidência, também, o fato de que temas como a sexualidade da mulher
e as relações de gênero, quando abordadas no aprendizado, eram
colocadas sob um foco biologicista, reduzindo, questões sociais complexas
a aspectos anatômicos, fisiológicos e farmacológicos.
Realizada a entrevista pré-teste, as pesquisadoras se reuniram para
discutir sobre a entrevista e sobre algumas impressões da
‘estudante-pesquisadora’ a respeito desse trabalho de campo inicial.
Também foi realizada a transcrição do áudio de gravação da entrevista.
Nesse momento, considerando aspectos da entrevista pré-teste, foi
realizado ajuste no roteiro da entrevista, especialmente quanto a ordem de
algumas perguntas e a inclusão de novas perguntas, pertinentes para
obtenção de maior detalhamento das percepções dos estudantes e
recém-formados acerca do tema. Após a atualização do roteiro de
entrevista, mais seis entrevistas foram realizadas pela aluna bolsista, até o
momento.
A amostra de entrevistados foi bastante homogênea, visto que todos
os participantes ou são recém-formados no curso de medicina ou são
estudantes dos últimos anos da graduação da mesma universidade. Além
disso, os participantes são dois do sexo masculino e cinco do sexo feminino,
todos possuem idade entre 20-30 anos e vivenciaram os estágios
relacionados à saúde da mulher durante o curso, ainda sob o currículo
anterior às DCN de 2014. A homogeneidade do grupo pesquisado, se por
um lado não permite generalizações para toda comunidade acadêmica de
graduação em medicina no país, por outro permite aprofundar nuances da
formação médica em uma escola de medicina conceituada do país,

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referência na formação de médicos e na construção de currículos de
graduação médica ao longo dos anos, e que vem trabalhando para
reestruturar seu currículo de modo atender as diretrizes das DCN de 2014.

2. Resultados
Os resultados e a análise do primeiro ano da pesquisa resultaram na
construção preliminar de uma categoria temática: “violência doméstica
contra mulheres na formação médica: um vazio formativo”.

Foi possível identificar que o conteúdo das entrevistas indicam que


temas de caráter sociocultural (como a violência doméstica) e que
repercutem no processo de saúde-doença das mulheres ainda não se
encontram institucionalizados no currículo médico desta universidade.
Observa-se que o olhar patologizante e biomédico acerca de questões
socioculturais é muito presente e contribui para a invisibilidade do problema
e para o sofrimento dessas mulheres, além de dificultar o atendimento
humanizado, acolhedor e integrado como preconizado pelo SUS. É
interessante notar isso em falas como a da “Estudante 1” em que a
discussão a respeito de uma paciente que só se relacionava sexualmente
com outras mulheres reduzia-se ao tamanho do instrumento espéculo,
utilizado nos exames ginecológicos para auxiliar na visualização do colo
uterino:

Foi uma mulher que eles não saberiam se consideravam


virgem porque ela só tinha relações sexuais com
mulheres, então ficava isso... “é virgem, não é” por
questão especular, então foi muito voltado à parte
anatômica, tipo “Ah, vou ter que colocar o espéculo de
virgem”.(estudante 1)

Nesse sentido, aponta-se para a importância de uma organização


curricular sistematizada para com a aprendizagem sensível e significativa
dos futuros médicos com relação ao tema da violência doméstica, bem
como a de outras questões socioculturais, e seus impactos no processo
saúde-doença de forma aprofundada e crítica, e que sejam desenvolvidas

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no curso competências para um cuidado mais acolhedor, humanizado e
integral à mulher em situação de violência doméstica.
As entrevistas indicam que a violência doméstica contra mulheres é
abordada de forma pontual durante o curso de medicina e muito associado
a uma busca individual do aluno para se aprofundar no tema, em detrimento
da inserção do tema de modo sólido e sistemático em uma proposta
curricular de formar médicos para atender as necessidades de saúde da
população. Assim, o aprendizado desses estudantes/recém-egressos com
relação ao tema da violência doméstica contra mulheres se mostrou
relacionado à oportunidade de atender um caso de violência doméstica em
sua rotina, e/ou de um colega do grupo de estágio vivenciar esse
atendimento e compartilhar com os colegas e com os
preceptores/professores a experiência. Observa-se esses aspectos em falas
como as destacadas:

Teve grupos que vivenciaram a violência doméstica,


mas acho que temas da graduação que coloquem a
gente lá, pra poder refletir e falar sobre e, nos capacitar
de certa forma, para conseguir atender, prestar
assistência aos pacientes, eu não acho que a gente
tenha de forma direta,
uma proposta da graduação relacionada a esse tema.
(Estudante 3)

É interessante pontuar que alguns dos entrevistados comentaram


sobre discussão com relação à violência contra a criança na disciplina de
pediatria e que, essa discussão, era base para analogias quanto à questão
da violência contra a mulher, como se observa em:

O que a gente teve mais foi com relação a pediatria,


então com violência contra a criança, isso a gente teve e
de sinais de violência contra a criança; a gente
consegue transpor algumas coisas para a mulher mas
na criança é criança né, não específico da mulher.
(Estudante 1)

Outros relataram dificuldades de abordar temas como a sexualidade


e a vivência dessa em consultas fora do ambiente da ginecologia e

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obstetrícia ou de estágios relacionados à saúde da mulher. Um ponto
destacado pelos entrevistados foi a respeito da necessidade de se criar um
vínculo com a mulher para poder abordar a violência doméstica e as
vulnerabilidades durante a consulta.

Agora, quando você vai lá fazer uma visita na casa da


pessoa, de um projeto de extensão, fazer uma narrativa
em cima disso, Você fica lá, horas, e cria, de certa forma,
um vínculo. Até você conseguir criar um vínculo pra
pessoa chegar nesse ponto, porque ninguém chega
falando: "Eu sou a senhora tal e sofro de violência há
tantos anos”. (Estudante 3)

3. Plano de atividades para o próximo período anual (2022/2023)


Identificou-se no decorrer da pesquisa que a ampliação do número
de entrevistas pode trazer contribuições significativas para o
aprofundamento da pesquisa. Nesse sentido, o cronograma de atividades a
serem desenvolvidas para o próximo período foi atualizado, incluindo uma
extensão do prazo para a produção de dados para análise.
A estudante-pesquisadora em acordo com suas orientadoras optaram
por renovar o prazo de pesquisa para mais um ano. Essa decisão se deu
pelo fato de que a busca por entrevistas e a análise dessas são trabalhos
extensos e meticulosos, pelo próprio caráter da pesquisa qualitativa, que
demanda uma análise de dados mais minuciosa, detalhista e
particularizada. A extensão do prazo da pesquisa também permitirá que um
número maior de entrevistas sejam realizadas, o que ampliará o conteúdo
de análise, proporcionando ampliar os achados acerca da formação médica
sobre a violência doméstica contra a mulher. Assim, a renovação da
pesquisa foi solicitada e obtida com sucesso.
O planejamento para o próximo período inclui realizar mais 6
entrevistas e analisar os dados obtidos (Quadro 1). As pesquisadoras
também produzirão um artigo com os resultados obtidos a fim de
compartilhar com a comunidade acadêmica os resultados da pesquisa.

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4. Considerações finais
No ano de realização deste estudo, em contextos diferentes, no que
diz respeito às atuais crises sociais e de saúde, foi possível identificar a
importância da inclusão na formação médica, bem como de outras profissões
da saúde, aprendizagens significativas e sensíveis relacionadas à violência
doméstica contra mulheres, bem como a outras questões socioculturais, e
seus impactos no processo saúde-doença de forma aprofundada, e que
sejam desenvolvidas no curso a formação de competências para um cuidado
acolhedor, humanizado e integral à mulher em situação de violência
doméstica. A análise preliminar indica que o currículo médico antigo, com
foco na doença e no cuidado biomédico, contribui para a invisibilidade do
problema e para o sofrimento de mulheres, além de dificultar o atendimento
humanizado e integrado como preconizado pelo SUS. Pelas novas Diretrizes
Curriculares Nacionais de 2014, acredita-se que esse processo de
remodelação curricular médica, a fim de formar médicos mais preparados
para atender às novas demandas da sociedade, já potencialize o processo de
aprendizagem com relação aos temas socioculturais, dentre eles, a violência
doméstica.

Quadro 1. Cronograma 2021/2022


Etapas 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11

Realização de
entrevistas

Transcrições
das entrevistas

Análise de
dados

Elaboração da
discussão

Submissão de
resumo para o
COBEM

Apresentação
de resultados
em evento
científico

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Elaboração de
texto para
submissão de
artigo

Relatório final
PIBIC

Apresentação
dos resultados
para a
instituição
envolvida no
estudo

5. Participação em eventos e grupos científicos


5.1. Participação em grupos de pesquisa
Nome do grupo: Grupo de formação em pesquisa
Instituição do grupo: Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
Filho - UNESP
Unidade: Departamento de Saúde Pública
Líderes do grupo: Eliana Goldfarb Cyrino; Antonio de Padua Pithon
Cyrino.
Data dos encontros: Reuniões Mensais.

5.2. Participação em congressos e eventos acadêmicos/científicos


A presente pesquisa foi apresentada no XXXIV Congresso de
Iniciação Científica da UNESP, realizado em DATA, na Faculdade de
Medicina de Botucatu. Também foi aprovado e será apresentado no
Congresso Brasileiro de Educação Médica, a ser realizado de 3 a 6 de
novembro deste ano.

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6. Referências

1. AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Diagnostic and Statistical


Manual of Mental Disorder DSM-IV. Draft, 1990.
2. BANDEIRA, L.; ALMEIDA, T. M. C. Desafios das políticas e ações em saúde
diante da violência contra as mulheres, SER Social, Brasília, v. 10, n. 22, p.
183-212, jan./jun. 2008.
3. BRASIL, Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara
de Educação Superior. Resolução Nº. 3 de 20 de junho de 2014. Institui
diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em Medicina e dá
outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, Seção 1, p. 8-11, 23 jun.
2014.
4. BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim
Epidemiológico. Vigilância de violência doméstica, sexual e/ou outras
violências: Viva/Sinan – Brasil, 2011. Vol 44. N°9, 2013.
5. CARLINI-COTRIM, B. Potencialidades da técnica qualitativa grupo focal em
investigações sobre abuso de substâncias. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v.
30, n. 3, p. 285-93, 1996..
6. D ́OLIVEIRA, A.F.P.L. Violência de Gênero, Necessidades de Saúde e Uso
de Serviços de Saúde em Atenção Primária. São Paulo, 2000 279 pp. Tese
(Doutorado) Faculdade de medicina, Universidade de São Paulo.
7. D’OLIVEIRA, A.F.P.L. Gênero e violência nas práticas de saúde: contribuição
ao estudo da atenção integral à saúde da mulher. Dissertação de Mestrado.
São Paulo, Faculdade de Medicina da USP, 1996.
8. FEUERWERKER L. Além do discurso da mudança na educação médica:
processos e resultados. São Paulo: Hucitec; 2002.
9. GOMES, M. E. S.; BARBOSA, E. F. A técnica educativa de grupos focais
para obtenção de dados qualitativos. Educativa, 1999. Disponível em:
http://www.tecnologiadeprojetos.com.br/banco_objetos/%7B9FEA090E-98E9-
49D2-A638-6D3922787D19%7D_Tecnica%20de%20Grupos%20Focais%20p
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10. KRUG EG et al., eds. World report on violence and health. Geneva, World
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11. MACHADO DF, MCLELLAN KCP, MURTA-NASCIMENTO C, Castanheira
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médico: um relato de experiência. Revista Brasileira de Educação Médica,
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12. MENDONÇA, CS et al. Violência na Atenção Primária em Saúde no Brasil:
uma revisão integrativa da literatura. Ciência & Saúde Coletiva, 25(6), 2020.
13. MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa
qualitativa em saúde. 13. ed., São Paulo: Hucitec, 2013.
14. NOVAES, H. M. Bases conceituais: Os relatórios Flexner e Dawson. Cap.2
In: Ações integradas nos sistemas locais de saúde – SILOS; Análise
conceitual e apreciação de programas selecionados na América Latina.
Programa de estudos avançados em administração hospitalar e da saúde.
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16
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todo o mundo sofre violência. OPAS/OMS, 2021. Disponível em:
https://www.paho.org/pt/noticias/9-3-2021-devastadoramente-generalizada-1-
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23/03/2021.
16. OPAS/OMS Brasil. Folha informativa - violência contra as mulheres.
OPAS/OMS Brasil, 2017. Disponível em:
https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=56
69:folha-informativa-violencia-contra-as-mulheres&Itemid=820. Acesso em:
12/03/2021.
17. PEDROSA CM, SPINK MJP. A Violência Contra Mulher no Cotidiano dos
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18. SCHRAIBER, L.B. et.al. Mulheres em situação de violência: entre rotas
críticas e redes intersetoriais de atenção. Revista Medicina (São Paulo).
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19. SCHRAIBER, L. et al. Violence experienced: the nameless pain, Interface -
Comunic, Saúde, Educ, v.7, n.12, p.41-54, 2003.
20. SCHRAIBER LB, Barros CRS, Castilho EA de. Violência contra as mulheres
por parceiros íntimos: usos de serviços de saúde. Rev Bras Epidemiol, 13(2):
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21. SHOWALTER, E. The female malady - women, madness and english culture
1830-1980. London: Pantheon Books.
22. STARK, E.; FLITCRAFT, A. Women at risk: domestic violence and women's
health. Sage Publications, Thousand Oaks, 1996.
23. TRAD LAB. Grupos focais: conceitos, procedimentos e reflexões baseadas
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Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 19 (3): 777-796, 2009.
24. WAISELFISZ, J.J. Mapa da Violência 2015: homicídio de mulheres no Brasil.
1ª edição. Brasília - DF: OMS; OPAS; FLACSO. 2015.
25. ZANELLO, V. A saúde mental sob o viés de gênero: uma releitura gendrada
da epidemiologia, da semiologia e da interpretação diagnóstica. In: Zanello,
V. & Andrade, A.P.M (Orgs.). Saúde Mental e Gênero - Diálogos, Práticas e
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26. ZANELLO, V. Mulheres e loucura: questões de gênero para a psicologia
clínica. In: Zanello, V. Stevens, C.; Almeida, T. Brasil, K. (Org.). Gênero e
feminismos: convergências (in)disciplinares. Brasília: ExLibris, p. 307-320,
2010.

17
ANEXO I - ROTEIRO DE ENTREVISTA ATUALIZADO

1. Apresentação do participante - poderíamos começar a entrevista com uma


apresentação sua: seu nome, idade, e um pouco da sua trajetória como
estudante de medicina.

2. Poderia nos contar qual o seu projeto profissional e de vida para depois da
formatura?

3. Como foi o seu aprendizado, durante a graduação, com relação à saúde


da mulher?

4. No seu aprendizado, como foram abordadas as relações de gênero?

5. No seu aprendizado, como foi abordada a violência doméstica contra


mulheres?

6. Durante a graduação foram abordados aspectos relacionados à saúde


mental das mulheres em situação de violência doméstica?

7. Em que momentos do curso esses temas foram abordados?

8. Como foi a abordagem desses temas pelos professores e preceptores?

9. Você acha que faltou algo no aprendizado com relação a esses temas?

10. Você entende que é papel do médico abordar problemas da vida cotidiana
das mulheres?

11. Durante a graduação ou depois de formado você vivenciou algum


atendimento de violência doméstica contra mulher? Poderia nos contar como
foi essa experiência?

12. Você se sente apto para prestar um atendimento humanizado e integral a


uma mulher em situação de violência doméstica?

13. Qual a sua percepção sobre uma mulher em situação de violência


doméstica ser atendida por um médico homem ou por uma médica mulher?

14. Como você sente que o projeto pedagógico de ensino do seu curso pode
ter influenciado na sua percepção de violência doméstica e na prática
médica?

15. Você tem alguma outra experiência que poderia compartilhar?

18
ANEXO II – TRANSCRIÇÃO ENTREVISTAS
ENTREVISTA I

Entrevistador- Fale sua idade, nome e sua trajetória como estudante de medicina.
Estudante 1 - Eu sou Estudante 1, tenho 27 anos, me formei ano passado na turma 54 e, você diz a
trajetória na faculdade?
Entrevistador - É... como estudante, como foi sua trajetória, projetos que você se envolveu.
Estudante 1 - É, chegando aqui logo fui me envolvendo em vários projetos, várias áreas diferentes,
tanto extensão, fiz parte da bateria também da AAACHSA no primeiro ano, também dei aulas na
alfabetização de adultos por 03 anos, é bem bom, recomendo... também dei aulas no cursinho
Desafio por 02 anos, fiz parte de Liga acadêmica, fiz coordenação da liga do rim e da liga do câncer
também, aí foi no 3º ano se não me engano... fiz um pouquinho de tudo, não me arrependo, fiz
também uma pesquisa com a dra. Eliana né, que também durou ao longo da graduação e também
experiência muito boa em relação a isso e fui fazendo um pouquinho de tudo. Aí, mais para o final da
faculdade, fiquei mais focada mesmo em estudos, no internato, não fiz tantos projetos fora do estudo
assim, mas não me arrependo porque consegui mergulhar bem no internato, estudar, então também
foi muito bom
Entrevistador - Certo. Tá bom, só isso por enquanto, só isso rsrs... daí 5º ano vc ficou mais focada no
internato...?
Estudante 1 - Sim. Dos projetos assim, eu fiz mais para o começo da faculdade, principalmente no 1º
e 2º anos. Daí teve um ano também, o 4º ano, que eu fui só em congresso, um monte de congresso,
eu acho que foi no 3º que também foi muito bom, viajando pelos lugares, aí que você dá uma viajada,
relaxa também e ao mesmo tempo vai no congresso, bem bom; também fiz apresentações de
trabalho de nossa pesquisa com dra. Eliana, então foi nesse ano também que eu fui mais para este
lado de ver outros lugares, outros congressos, outras faculdades; foi bem bacana, uma experiência
boa
Entrevistador - Qual seu projeto ou de vida ou profissional, o que você preferir. Depois da formatura,
você já é formada né, ou para agora (projeto).
Estudante 1 - Pra agora....eu já tinha como projeto trabalhar 01 ano depois de formada, eu não
queria emendar residência com faculdade, ter experiência sim, porque eu vejo também, passando
com os residentes, que fica algo muito atrelado ao professor e eu queria sentir isso de algo meu, que
eu faria e para mim está sendo experiência boa, de estar trabalhando em posto, tem suas
dificuldades e vantagens, mas é uma experiência legal, estou gostando, e aí eu pretendo fazer
residência depois ano que vem assim, também estava um pouco em dúvida, qual residência fazer, eu
queria fazer clínica Médica ou Medicina da família, então mesmo, meu objetivo para o futuro seria
atender ambulatorialmente, em consultório particular e ou em posto de saúde; eu gosto da população
idosa, então, o posto é minha cara, então eu penso que se fizer residência da clínica médica eu
penso em ir para área de geriatria; então em tenho os focos, só preciso ver os caminhos que vou
seguir....é o que penso com relação futuro.
Entrevistador - E você está trabalhando somente no CSE ou em outros postos de saúde?
Estudante 1 - Eu trabalho no CSE UVL e UVF, dependendo do dia da semana estou em um ou em
outro...
Entrevistador - Como você analisa o seu aprendizado durante a graduação com relação à saúde da
Mulher?
Estudante 1 - Assim, a gente vê, o que realmente vi da S. da Mulher foi na Ginecologia né...nas
discussões da Gineco, principalmente das do ambulatório; lembro muito das discussões com uma
professora específica que é a E né... (....)... ela sempre focou muito nisso, é o que ela gosta na
Gineco, da parte de conversar da mulher sobre a sexualidade, sobre como ela se enxerga e da
gineco também algo muito frequente também de você estar atendendo uma paciente e ela falar de
uma insatisfação com o casamento, com o marido, então para mim relembra muito essa parte da
graduação, isso mais no 5º ano, no 6º ano também né, mas mais no 5º ano que a gente consegue

19
vivenciar parte da saúde da mulher especificamente e de uma forma abrangente né, tanto em relação
à sexualidade, como pensamentos, e que mais.... não me lembro
Entrevistador - Então você acha que o momento do curso em que esse aprendizado ocorreu foi mais
pro 5º ano ou você acha que foi antes?
Estudante 1 - Foi mais pro 5º ano. Antes, teve uma ou outra discussão, não que nunca foi tocado,
mas sinto que um aprendizado e uma vivência foi neste momento; acho também que a vivência
pessoal de você realmente atender, de você conversar com a mulher sobre isso né...e de você ver
também uma professora falando sobre isso né... e que a discussão de caso também voltando para
esse lado, esse lado da mulher, da saúde dela em geral, então para mim foi bem marcado esse
momento, outros momentos da graduação foi mais pincelado, mas algo realmente de aprender
melhor, foi neste momento
Entrevistador - Você acha que faltou algo nesse aprendizado?
Estudante 1 - Sim, eu acho que, uma coisa que eu penso muito da graduação em si...que as coisas
são muito do que você procura saber e das vezes de oportunidades de conversar com algumas
pessoas, por exemplo, nosso grupo de internato tinha pessoas que eram muito interessadas nisso, a
gente até pediu uma discussão a mais sobre isso, então eu acho que é muito da experiência
pessoal... tinha vezes em atendimento da gineco que eu via colegas que não abordavam muito por
esse lado né, abordava algo muito mais anatômico, infecção e não realmente conversando com a
mulher sobre a sua sexualidade; então eu acho...que como teve isso especificamente de nosso
grupo sinto que a gente aprendeu, porque a gente discutiu e procurou muito aprender e sinto que
essa característica é um pouco do internato, que você procura...acho que de parte curricular talvez
falte um pouco, mas pessoalmente eu aprendi mas da parte curricular falta uma discussão mais
abrangente sobre isso, também no 5º ano porque o que a gente aprendeu foi da gente procurar, mas
de curricular cabe uma discussão a mais de forma pra todos os grupos terem também tá...
Entrevistador - E essas discussões ocorreram com os próprios professores da gineco?
Estudante 1 - Isso. Mas lá no ambulatório mesmo, discussões pós atendimento.
Entrevistador - E aí vocês aproveitavam e tiravam essas dúvidas...e um pouco a mais...
Estudante 1 - Exatamente
Entrevistador - E como foi a abordagem dos docentes ou dos preceptores que estavam com vocês a
respeito das questões relacionadas a gênero ou sexualidade?
Estudante 1 - . Tentando lembrar…voltando a este ambulatório né...a gente acabou conversando um
pouco com a mais sobre isso pela nossa procura, mas de grade curricular eu não me lembro de uma
discussão específica com relação a isto. Acredito que as discussões que tivemos na grade são mais
relacionadas a coisas anatômicas, infecções e não algo tão abrangente quantos esses temas né... eu
acho que foi mais de uma procura pessoal com professor que tinham essa abertura né...outros
professores a gente não tinha essa abertura né de falar sobre isso né...só que esta professora
específica ela sempre abordava um pouco desse tema né, e a gente conseguia aproveitar a partir
disso...
Entrevistador - Você lembra algum caso que foi trazido à tona esta questão da sexualidade da
mulher, ou não... ou questão de gênero específico....
Estudante 1 - Eu lembro de um caso no 6º ano da...mas assim...não foi muito bem discutido, mas foi
trazido que foi uma mulher que eles não saberiam se consideravam virgem porque ela só tinha
relações sexuais com mulheres, então ficava isso... “é virgem, não é”” por questão especular, então
foi muito voltado à parte anatômica, tipo “Ah, vou ter que colocar o espéculo de virgem pela mulher”...
Entrevistador - Então o caso que você mais lembra com relação da sexualidade foi desta questão
né...
Estudante 1 - Sim né...e de casos que eu atendi seria mais de insatisfação sexual da mulher, que
são casos que, tanto eu como colegas atendia a “rodo” assim, principalmente a mulheres acima dos
40, 50, 60 anos que realmente aquela coisa....era bastante frequente também a mulher ter relação
sexual com o marido para agradar ele porque ele iria procurar outra, então, ela não tinha nenhum
prazer, nenhuma vontade, mas ela tinha, às vezes até machucava, pela questão da mulher de 40/50

20
anos já ter uma vagina mais seca, mais atrófica, então ela tinha, não gostava, machucava e ainda
sentia culpada “nossa, eu que não to sentindo prazer, a culpa é minha”... era muito frequente isso...
Entrevistador - E questão de gênero nunca apareceu né...?
Estudante 1 - Não. Questão de gênero nunca chegou...
Entrevistador - Descobertas da sexualidade mais tarde também não? Eram sempre mais jovens??!!...
Estudante 1 - Porque dessas com mais idade era sempre a mesma história. Infelizmente né, história
ruim, sempre a mesma história e de mulheres mais jovens, sim, a gente via, mas era pouco também
né...era muito triste ver no ambulatório de Gineco a história de sexualidade como um problema né,
não como uma descoberta uma solução, uma coisa boa que era o que deveria ser, então era muito
frequente histórias deste tipo...
Entrevistador - Tá perfeito...e durante sua anamnese, quando você era aluna ou hoje, como são
abordadas essas questões de gênero e relações conjugais?
Estudante 1 - Durante as consultas, mas mais dentro da Gineco, pois fora deste estágio,
praticamente nula essa abordagem, mais quando é trazido mesmo é abordado. Mas, nesse contexto
da gineco sim, dá pra abordar... primeiro perguntava...: “é casada? Tem relações sexuais? Como são
essas relações? Sente prazer? Gosta de ter?” sempre a gente tenta comer um pouco pelas beiradas
né...porque às vezes tem mulheres que são mais fechadas, que também tem que pensar né... pra
pessoa né, o ginecologista é alguém que você forma um vínculo e consegue falar de sexualidade
numa terceira, quarta consulta e a gente como aluno passava uma vez com aquela pessoa né... às
vezes tinha pessoas que não queria se abrir né ou falava “ah, não quero falar sobre isso” ou “ah não,
tá bom, pode perguntar outra coisa”; eu sentia um certo afastamento, uma recusa e tinha pessoas
que conseguiam se abrir, falavam, viam nesses espaços da gineco, o que eu acho muito legal; é um
espaço para falar sobre isso que ela consegue ser mais franca, consegue falar de verdade sabe, não
falar socialmente,...”eu tenho, é bom”... “eu tenho, é ruim”...”seco, machuca, não é legal”, então eu
acho que na ginecologia ter um espaço mais aberto...apesar de algumas pessoas terem uma
restrição ou esperas ter algum vínculo para realmente se abrir...
Entrevistador - Hoje, durante seus atendimento quando a mulher refere, por exemplo, dispareunia,
você chega a pergunta como está lá em casa, com o parceiro como é que tá...
Estudante 1 - Para falar a verdade até hoje não chegou essa queixa para mim, também aqui no CSE
a gente não atende a parte da gineco, o que dificulta um pouco, mas se chegasse eu tentaria
investigar, mas como desde que eu me formei não chegou nada ainda então não tenho muito
parâmetro para falar.
Entrevistador - Deixa eu perguntar, você percebe o processo da anamnese que ele ajuda na
identificação de problemas da vida cotidiana da mulher, processo da própria anamnese né...
identificação, queixa, ou você acha que não auxilia?
Estudante 1 - Mas, específico, não específico da gineco, a normal assim?
Entrevistador - É, de um atendimento da mulher, não necessariamente na gineco, mas, em P.S., em
qualquer cenário, da UBS...
Estudante 1 - Eu acho que não, não ajuda, porque é algo muito focado na queixa né, sendo que
alguns contextos não têm realmente esse espaço né... num P.S. você tem que ver a queixa
né...queixa respiratória? Você vai muito focado na queixa, mas na anamnese sim até do posto sim,
uma anamnese mais abrangente, você faz um ISDA e talvez você consiga pegar alguma coisa, mas
em fatores emocionais, mas eu acho difícil, são perguntas específicas que você tem que fazer para
essas coisas aparecerem ou se realmente a pessoa estiver muito incomodada e ela
espontaneamente te falar, mas acho que o ISDA tradicional ele dificulta, ele não faz transparecer
tanto esses problemas eu acho...
Entrevistador - E você acredita que é papel do médico perguntar sobre problemas da vida cotidiana
para a mulher?
Estudante 1 - Sim, mas acho que é dependente do contexto né. Como eu te falei: numa análise de
P.S. é uma coisa, mas numa análise a nível ambulatorial, a nível de UBS eu acho que sim, com
certeza, tudo isso trazer todas essas questões que estão envolvidas nisso,... questões de
sexualidade, emocionais, tudo isso para fazer uma abordagem mais completa do ser humano né,

21
porque também, um sintoma de dor no peito pode ser uma ansiedade, uma angustia, por causa do
marido que não trata bem, tá traindo e isso gera sintomas também, então uma anamnese mais
abrangente você consegue entender as coisas de uma forma mais clara, não só algo tão objetivo,
estrutural, uma causa tão, porque muitas coisas são, a gente vê aqui, muitas coisas são emocionais
né...
A pessoa né, nossa, que fica angustiada, você vai ver a pessoa tem dor em tudo, em tudo...
a pessoa tem fibromialgia, aí tem transtorno depressivo; então as coisas emocionais elas aparecem
muito... e a questão é que você precisa de um tempo para realmente conseguir investigar tudo isso
né... e em alguns contextos da medicina você não vai conseguir esse tempo né... e em outros você
vai ter portanto é importante e tem o momento certo e o contexto certo para isso
Entrevistador - Você já vivenciou durante seus atendimentos da graduação, pode ser agora depois
de formada, alguma consulta em que a mulher relatou estar em situação de violência, ou que vocês
perceberam que aquela mulher que tava na consulta vivia uma situação de violência, seja por marcas
corporais, aspectos psicológicos e se você puder descrever a experiência...
Estudante 1 - Eu pessoalmente nunca atendi uma mulher vítima de violência, mas colegas meus já
atenderam então o que vou descrever é mais uma situação não vivida por mim mas por colega e pela
visão dele né... que esse colega atendeu uma gestante vítima de violência, pelo pai da criança e,
que, pelo contexto não querer a gestação... já tinha uma violência doméstica antes que continuou na
gravidez e que meu colega sentiu é que na parte da obstetrícia houve, assim, ver só a parte
anatômica, sabe, faltou ver a parte psicológica da coisa, dar um acolhimento maior; então, assim, a
gente como interno consegue fazer assim essa parte de dar esse acolhimento...então a gente
conversou muito com ela né, porque senão também pode acontecer de vira tudo muito papel né...
papel de notificação, papel de “ah, vamos ver se o bebe está bem porque teve trauma e fica algo
muito afastado”, então na abordagem meu colega achou que ficou algo assim muito afastado então
ele mesmo fez esse papel de conversar, de acalmar né... ficar junto da pessoa para ela pelo menos
sentir que tinha um apoio.
Entrevistador - Você lembra se esse colega comentou se a mulher falou diretamente ou ele percebeu
pelo contexto?
Estudante 1 - A mulher falou diretamente, ela foi lá por isso na verdade, ela ficou preocupada com o
bebê e é até muito triste né, a mulher ficou preocupada com o bebê, ela já não olhou por ela né...
com certeza tinha que ficar com o bebê, mas você vê, a pessoa tá num processo tão de violência que
nem olha por ela mais, então foi o bebê que despertou isso né... tenho que ir no P.S., tenho que
procurar ajuda né, não a violência em si, a situação que ela tá em si né.
Entrevistador - Mas fora da gineco, sei lá, na pediatria, você tava atendendo a criança, a mãe às
vezes tinha uma marca no corpo que você falava assim...”pode ser violência...”, não lembra? Que
você ligou a luzinha, sabe?
Estudante 1 - Não, na pediatria a gente atendeu a uma criança que tinha estigmas de violência, mas
quem foi com a criança foi a vó, não foi a mãe... e a vó tava meio desesperada assim e às vezes tem
o lado da família de encobrir, de não querer falar, fica com medo também, fica com medo por eles e
que eu me lembro é isso, e também de atender uma mulher vítima de violência nunca atendi e
presenciei.
Entrevistador - Deixa eu perguntar, como você descreveria o seu aprendizado no curso de medicina
com relação a violência doméstica contra a mulher; ocorreu esse aprendizado? Como foi esse
aprendizado?
Estudante 1 - Olha, a gente não teve discussões específicas sobre isso, não tivemos, o que mais
tivemos, foi o que comentei, foi com mais relação à sexualidade, sobre saúde da mulher, mas uma
discussão mais especificamente sobre violência da mulher a gente nunca teve, pelo menos estou
tentando resgatar da memória, mas nunca teve mesmo, o que a gente teve mais foi com relação a
pediatria, então com violência contra a criança, isso a gente teve e de sinais de violência contra a
criança; a gente consegue transpor algumas coisas para a mulher, como equimoses, mas na criança
é criança né, não específico da mulher.
Entrevistador- Nos ambulatórios de gineco, discussões, nunca teve esse bate papo a respeito...?

22
Estudante 1 - É... teve mais de forma pontual mas não de forma profunda, não realmente um bate
papo sobre isso né, e situações que aconteceram foram pontuais que o outro colega vivenciou mas
que também nunca foi discutido com a gente sobre, então acredito que não teve mesmo...
Entrevistador - Você vivenciou alguma situação durante o curso que, ao falar sobre o tema da
violência doméstica, houve um constrangimento por parte das pessoas envolvidas, por exemplo,
estudantes, docentes, um preceptor...?

Estudante 1 - Como eu nunca cheguei a atender nenhum paciente neste contexto eu nunca cheguei
realmente a perguntar a um professor sobre isso né, no máximo em algumas reuniões da gineco a
gente perguntou sobre essa insatisfação da mulher, mas de algo mais não de violência, mas algo de
insatisfação com o casamento, da sexualidade, ela dava muitas dicas de como abordar e de
entender a sexualidade da mulher né, mas realmente, de violência assim, nunca cheguei a procurar
um professor, um docente para conversar; então realmente não saberia muito como ajudar também,
eu acho que o que sinto da equipe em si é isso, parece no final fica algo muito burocrático, “nossa, tô
em choque, mas vamos notificar, vamos ver se aqui está tudo bem, depois a gente manda embora”,
sabe fica algo muito afastado, que talvez seja afastado porque incomoda também né, então o que
incomoda a gente se afasta um pouco pra não sentir o que é isso né... não ver de perto o que que é
isso, então tem um pouco isso que eu sinto talvez...
Entrevistador - Então você não lembra né? Não lembra não, não teve né....
Estudante 1 - Sim
Entrevistador - No atual momento, como você se sente para prestar um atendimento humanizado,
integral a uma paciente que você tiver e que por ventura tenha situação de violência doméstica?
Estudante 1 - Boa pergunta, por um lado, se realmente eu ver algo sim, eu quero ter um acolhimento
no máximo possível; o que eu vejo é que talvez num contexto de uma sala lotada, muita gente, uma
abordagem humanizada, com muito tempo é meio difícil, então, o que às vezes a gente fica mais
tempo com paciente é quando ele tá grave, tem que chamar o SAMU, mas essas coisas assim
parece que você tem que lidar rápido, mas o que sinto, que eu gostaria de fazer no momento desse é
ficar mais tempo com a pessoa, tentar conversar, tentar entender o que ela sente sobre isso também,
qual que é a visão dela, se ela realmente se vê numa violência, porque tem muito isso, da mulher
não se numa violência, ela acha que é normal, “ah, porque eu mereci”, “ele é assim mesmo e eu não
quero separar”, então também entender um pouco esse lado da mulher e tentar dar um suporte
psicológico... e, pedir uma avaliação da saúde mental... e tentar ver o que a gente pode fazer dentro
daqui também...ver com a assistente social; o bom de estar aqui dentro de um posto é que tem
muitas equipes para ajudar também né...
Entrevistador - Tem os recursos né?
Estudante 1 - Exato. A gente consegue passar esse caso, ver esse caso e passar e mostrar assim
“olha a gente precisa dar uma ajuda para essa mulher né? a gente precisa realmente”... porque aí
fica que não precisa ser algo pontual, ela vem com isso, não adianta passar um paracetamol para dor
e mandar embora né, porque é algo muito mais profundo, então tentar conversar com a equipe,
tentar mobilizar as pessoas para ir realmente percebendo essa violência e sair disso, então acho que
essa parte do humanizado no meu contexto atualmente viria mais por esse lado, da UBS, de equipe
multiprofissional, conversar com os profissionais, conversar com as enfermeiras que também sabem
tudo, ajudam bastante praticamente todo o esquema, então também questão de papel, de
notificação, tudo isso também , mas realmente a gente conseguir fazer essa mulher perceber e sair
disso né, mas acho que é algo que não tanto a graduação ensinou e acho que é algo que vai de
profissional para profissional, tente gente que vai ver e não vai se mobilizar e vai “paracetamol para
dor, uma notificação e tá bom né, vai para casa né”, depende também da pessoa; eu vejo assim que
cada pessoa tem uma sensibilidade para isso, para cada caso né, mas no meu caso é isso, também
acho que não é tanto que a graduação me ensinou né
Entrevistador - Foi do seu bom senso né?
Estudante 1 - Exatamente.

23
Entrevistador - Como você sente que o projeto pedagógico de ensino de seu curso pode influenciado
nesta sua percepção?
Estudante 1 - É, eu acho que o projeto pedagógico é a falta de projeto, assim, no sentido da falta de
ter tido essas discussões que a gente comentou né, acho que a falta de ter tido essas discussões e
como lidar na prática também me fez ver que talvez isso não seja algo que todo mundo faria, que
seja algo mais pessoal né e por ver também que na prática, na obstetrícia, na gineco, a gente vê
muito descaso em relação a isso, então a minha percepção de não acreditar, foi pela falta né, falta de
um projeto que realmente ensine e valorize isso né
Entrevistador - Então você via que não tinha muito essa abordagem e você pensou assim: “eu vejo
que não tem, então quando puder ter a oportunidade num posto de saúde, eu vou tentar trazer –
abordagem mais completa”...
Estudante 1 - Sim.
Entrevistador - E qual é a sua percepção sobre uma paciente ser atendida por um médico homem ou
por uma médica mulher?
Estudante 1 - Para isso volto um pouco na percepção das mulheres né...que são atendidas. Muitas
eu vejo, tem a preferência de serem atendidas por mulheres, isso é bem comum, até quando a gente
passa no posto na gineco, os homens quando passam, da nossa turma, sempre ficam com menos
pacientes, pois realmente elas preferem serem atendidas pelas mulheres né, pelas alunas. Então
acho, que por aptidão, tanto homens como mulheres estudaram. Mesma aptidão para atender, para
tratar o que tiver que tratar, diagnóstico, mas talvez a mulher tenha um pouco mais de abertura com
outra mulher, principalmente para falar sobre essas questões de sexualidade, porque acho que uma
mulher não falaria tudo isso para um homem, já ficaria um pouco mais restrita, um pouco
incomodada de falar isso para um homem né...então da percepção delas a gente vê muito isso né e
faz muito sentido se você se colocar no lugar, realmente, você vê um homem pela primeira vez,
jovem, que parece inexperiente, você fica “meio assim” de falar sobre essas questões... talvez um
ginecologista de muitos anos que já ouviu muito isso você fica um pouco mais tranquila.
Acho também que um homem teria uma abordagem diferente, um jeito de lidar diferente,
porque não entendo muito essas questões porque é normal né...homem é homem, mulher é mulher,
cada um tem suas questões.
Entrevistador - Você sentia que seus colegas de internato, não sei se você fez grupo com colegas
homem, teve?
Estudante 1 - Só tinha um homem e ele era muito bom mas o que eu via dos outros grupos, e que
falavam para a gente no geral né, não querendo, mas no geral o homens tinham uma abordagem um
pouco menos para falar nesse assunto, mas eu sinto que para eles é que se sentiriam mais
desconfortáveis para disso com uma mulher também; acho que tem os dois lados, tanto o menino
ficar desconfortável de falar isso com a mulher, como para a mulher ficar desconfortável de falar, por
isso é que esse tipo de abordagem ficava muito mais difícil para os homens...
Entrevistador - Tanto de sexualidade como de violência ...?
Estudante 1 - Acredito que sim. É algo mais cultural também se for pensar né, algo além do
atendimento em si e acho que talvez com o vínculo isso talvez se amenizasse né, como o homem
ginecologista com a paciente acho que é mais importante ainda para a mulher conseguir se abrir, que
ela se abriria mais fácil para uma mulher mesmo...
Entrevistador - O meu grupo são só mulheres mesmo... o grupo tem 16 mulheres. Então a gente não
tem essa percepção. E você tem alguma experiência que você gostaria de compartilhar?
Estudante 1 - Acho que já compartilhei algumas.
Entrevistador - Você se lembra de alguma situação? Não precisa necessariamente ser da violência,
pode ser da sexualidade, o que você quiser.
Estudante 1 - É que da sexualidade que eu lembro foi muito isso que já comentei, dessa mulher
insatisfeita com o relacionamento, com o casamento, e o que eu sinto pessoalmente é que uma certa
angústia de ver a mulher nessa situação e ver como é difícil né... acho que a gente como mulher
vendo isso, pelo menos para mim, dava uma angústia né...será que no futuro vai ser assim né... será
que, pessoalmente né, falando, mas para essas mulheres assim né, você fica pensando também na

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parte psicológica delas, que ela precisaria de um acompanhamento e às vezes você tem vontade de
falar “nossa, separa desse cara pelo amor de Deus”, tem uns que são bem ruins...nossa é fácil, a
pessoa fala nossa to muito angustiada, to ansiosa, depressiva, não tô bem... e aí você fala: “se
separar vai melhorar 90%, não precisa nem de remédio né que você vê até situações de violência,
agora me recordando, talvez não seja uma violência física, mas talvez um descaso, uma violência
verbal... isso às vezes aparecia pincelado em algumas coisas da consulta né...agora no final né,
falando sobre o assunto assim né, aquele casamento que já não dá em nada e o marido trata mal
mesmo... tá, até uma situação que agora eu lembrei e queria compartilhar, que eu atendi no
ambulatório da infecto, paciente HIV positiva porque o marido traiu ela e passou HIV para ela e isso
aconteceu em vários atendimentos de mulheres lá nesse ambulatório de HIV, e às vezes a mulher
continua com o cara, ela não sai dessa situação, que ela no contexto do homem que não tá nem aí,
tá traindo e ainda passa uma doença para ela e ela ainda continua com ele né, até já vi essa situação
também que é revoltante você pensar. E tem também muito a dependência financeira, isto é bem
comum...
Entrevistador - Você já viu também
Estudante 1 - Já. Isso já atendi também, da mulher ter uma dependência financeira do marido e não
separar por isso e aí, ao mesmo tempo você fala: “separa”, mas, e aí né? Aí a mulher tem quase 60
anos, vai começar a trabalhar? Aí o filho também não ajuda, não tá nem aí. E você entende a
angústia dessa mulher porque ela não tem um caminho, é isso... depende do marido, se separar, às
vezes o marido vai querer brigar porque não vai querer separar bem nenhum, vai ser um transtorno
absurdo na vida dessa mulher, que não vai levar, talvez, a caminho nenhum né... então, você
entende um pouco essa angústia dela, tudo isso né...
Entrevistador - Mas você lembra também nos atendimentos de mulher que falava assim...”ah meu
marido não liga para mim”, uma violência psicológica né...
Estudante 1 - Ah sim, nesses atendimentos sim, até por você pensar esta relação sexual, tipo ”vou
fazer porque ele quer sabe”; o marido insiste né...”vai, vamos fazer, como assim, temos que fazer,
casamento é relação sexual então tem que fazer né... você vê uma insistência por parte do marido e
ao mesmo tempo um descaso pra ...”ah não vou ajudar na casa, tô nem aí, você que faça tudo”...”e
você tem que estar lá na cama quando eu quero entendeu?”
Então você vê neste contexto essa violência né, que não uma violência física mas é violência
Entrevistador - E a última pergunta que eu acrescentei aqui, esqueci, mas é, a gente gostaria de
saber, tanto eu como a professora Carol, o que que você achou do nosso roteiro?
Estudante 1 - Achei bem abrangente, bem completo, não sei o que acrescentaria a mais, porque as
perguntas estão abertas em alguns aspectos, mas é até bom, porque a pessoa fala meio o que quer
né, está perfeito.

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ENTREVISTA II

Entrevistador: Então, a gente vai começar com uma apresentação sua, você vai me contar seu nome,
cidade e como foi a sua trajetória como estudante de medicina ao longo desses seis anos. O que que
você fez, o que que você não fez…
Estudante 2: Tá. Ok. Então, eu sou Estudante 2… preciso falar meu nome inteiro? Completo?
Entrevistador: Não, pode falar seu nome normal… o que você quiser.
Estudante 2: Tá. Então, eu sou Estudante 2, é… eu tenho 26 anos, tô no sexto ano de medicina, é…
eu entrei aqui na Unesp pelo processo de transferência, então…por um processo de transferência,
eu entrei aqui na Unesp em 2017, fiz todo percurso, igual o pessoal, mas como eu já tinha feito duas
outras faculdades de medicina, acabou que eu tirei algumas matérias, então, os meus primeiros
anos, acabaram sendo anos mais… mais tranquilos e tudo mais, mas assim como todo estudante
de… estudante de medicina, acredito que…ao longo dos seis anos, a gente vai se descobrindo, vai
tendo ganhos pessoais, ensinamentos pessoais e ensinamentos acadêmicos, né, então, eu entrei
também em uns projetos, participei de cerca de cinco ligas, fui coordenadora de cinco ligas da
faculdade, participei também do projeto… é… biblioteca sobre rodas, participei também do…do
projeto de extensão é… do… origami, do origami também participei e fiz duas iniciações científicas
também, sobre é… com relação à hipertensão é… no coração de ratos é… com infarto do miocárdio,
e é isso, ao longo da trajetória da Unesp, eu acho que a gente vai adentrando nas iniciações, nos
projetos de extensão, e ao longo, conhecendo as pessoas, a gente vai também tendo conhecimento
sobre a gente e sobre coisas da graduação, mas foi isso.
Estudante 2: E a monitoria da obstetrícia, que por incrível que pareça, eu causei um “sururu” no
quinto ano, porque não tinha feito nenhuma monitoria ainda e já estava amando a … por incrível que
pareça mais uma vez, a obstetrícia e quis me… me… me colocar numa dessa e acabei sendo a … a
única aluna do quinto ano, junto com o pessoal do quarto e acabou dando os rolos, né, que o pessoal
do quarto também queria fazer a monitoria, né, queria ter os demais aprendizados, né, a gente fica
naquela coisa né, a gente quer logo estar no internato e tudo mais, mas hoje já tá tudo tranquilo, já tô
amiga aí da “56” quase que toda aí do… da monitoria (risos). Mas é isso, essas foram as minhas
participações, e, acredito que, cada uma, teve seus empecilhos na saúde mental, mas também teve
muitos acréscimos também, pra minha vida pessoal.
Entrevistador: E você pode contar pra gente, qual que é o seu… ou seu projeto profissional, ou seu
projeto de vida? Pra depois da formatura?
Estudante 2: Vida acadêmica… você fala mais focada na medicina ou vida como um todo?
Entrevistador: A vida como um todo e se você quiser falar também o seu projeto profissional… ah,
quero fazer residência, não quero, e o seu projeto de vida… onde eu gostaria de trabalhar, o que eu
gostaria de fazer… como…
Estudante 2: Tá, tá. Bom, com relação ao projeto de vida, é… eu…, queria passar logo na residência
dela, que ela ainda está em dúvida, falando aí… me colocando na terceira pessoa… ela ainda está
em dúvida sobre anestesio ou sobre a maravilhosa G.O. e mais ainda a obstetrícia, que é o grande
amor dela, por mais incrível que pareça, e sobre urgência e emergência, que a ela também ela gosta
das coisas rápidas, das coisas “pá pum”, das coisas resolutivas. Então, esses são os meus três
focos, minhas três grandes dúvidas, é… e também assim, mas tô tentando é… não focar muito em
“preciso passar logo”, porque a ela é uma pessoa ansiosa, né, com diagnóstico e tudo, então, acaba
que ela não… tá tentando não se cobrar, tipo assim, “preciso passar esse ano”, né…
Estudante 2: Tenho conversado com diversos professores que têm falado “não, não é assim, a gente
sempre pode é… mudar… a medicina tem isso”… e a vida não tem esse tempo, né, tipo, nesse
tempo preciso fazer isso, preciso fazer aquilo… poxa vida! E eu sou uma aluna de transferência
ainda, então, eu devia entender mais ainda esse negócio do tempo, que não tem essa, né, que já
voltei muitos anos. Mas é basicamente isso, pretendo fazer minha residência sim, nessas três áreas
que, ainda não sei qual delas, e, pretendo não ser uma médica “workaholic”, pretendo fazer meu
trabalho muito bem executado enquanto for tempo de executá-lo, mas também, ter um tempo de vida
de ócio, de vida de aprendizados, aprender outras coisas, artísticas, e… e focar também nos meus
estudos de política, quero aprender piano e muitas outras coisas, mas enfim, esse é meu projeto de
vida.
Entrevistador: A próxima coisa que eu gostaria de saber de você, é como ...e travou um pouquinho,
“pera” aí, deixa eu esperar destravar… travou pra mim, a internet tá ruim… Aí, voltou, voltou… você
tá rindo, né?
Estudante 2 Tô, agora sim.
Entrevistador: Aí, beleza! Então, conta pra gente, como foi o seu aprendizado, durante a graduação,
com relação à saúde da mulher?

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Estudante 2: Nossa, com relação à saúde da mulher, eu acredito que assim, onde eu mais pude
aprender, assim e entrar em contato, foi realmente no quinto ano, não digo nem no quarto… no
quarto, assim, todos os anos a gente acaba tendo alguns conteúdos e matérias com relação à saúde
da mulher, mas… também, por… é engraçado, porque antes eu não tinha tanto… tanto apego a essa
coisa… é… do sexo feminino… eu não…
Estudante 2: Igual eu falei, a graduação me ensinou diversas coisas, pessoais, e com relação
também a parte é… a parte da saúde em si, é… a parte de conteúdo médico em si, né, da saúde da
mulher. E, tudo isso, foi aprendizado acadêmico aos poucos e, na verdade, bem tardio, porque foi no
quinto ano que eu comecei a me interessar sobre a temática, e queria ter mais esses estudos, né,
então, foi no quinto ano, na minha entrada… o meu primeiro estágio foi obstetrícia, foi um estágio
caótico, e lidando com as mulheres, com as gestantes, entrando em contato com elas, foi onde
surgiu esse meu interesse, né…
Estudante 2: … e também na monitoria. Foi quando eu comecei a realmente ter esse contato maior
com a saúde da mulher, inclusive ter mais interesse sobre a saúde da mulher e ter esse cuidado
maior.
Entrevistador: Tá. Então, você acha que foi no quinto ano que veio esse… esse aprendizado maior
da saúde da mulher?
Estudante 2: Com toda certeza, tenho isso bem claro, foi no quinto ano.
Entrevistador: E você acha que foi um aprendizado bom? Você gostou?
Estudante 2: Olha, no início do estágio da… da obstetrícia, é… a gente começa a passar por
alguns… geralmente meu grupo teve mais isso, de alguma forma, teve diversas discordâncias com
relação às abordagens assim, de como era feito as abordagens, tanto da ginecologia como da
obstetrícia, né, falando das áreas assim, específicas, com relação às mulheres, então, com relação à
explicação a elas sobre o que tá ocorrendo, né, a forma também de lidar com essas mulheres, então,
assim, a fala… a fala, às vezes muito grotescas, né, é… falas...né…
Estudante 2: ...enfim, meio ignorantes, então, teve muito isso, assim, no início, não com todos os
profissionais, claro que, cada profissional… é… cada um com as suas diferenças e tudo mais, mas
assim também foi ensinado muito como não agir…
Estudante 2: Assim, o agir, você vendo como não agir, né…Teve muito isso também. Esse
aprendizado.
Entrevistador: Você lembra de alguma fala que te marcou ou não?
Estudante 2: Fala que marcou… eu não lembro falas específicas, mas lembro assim, de chegar
questionar a queixa da… da mulher que estava ou na ginecologia, né, então, assim, de ter esse tipo
de coisa assim “ah, tá com frescura, isso daqui é…” ou, sabe, atrelar muito só pro lado da mulher
“ah, não se cuida e aí vem com as doenças…” e não ter toda essa questão social, né, atrelado assim
ao que tá ocorrendo, né. Na gineco assim, porque não é um caso focado na mulher, né, tem toda
uma questão social, envolvendo ali todos esses surtos que muitas vezes ocorrem de certas doenças
e tudo mais.
Entrevistador: Entendi. É… aproveitando isso que você falou dessa parte social, é… nesse
aprendizado da saúde da mulher, como foram abordadas as relações de gênero?
Estudante 2: Como foram abordadas…
Entrevistador: As relações de gênero.
Estudante 2: Em que sentido?
Entrevistador: As relações de gênero entre homem e mulher. Porque, quando a gente vai na gineco,
geralmente tem esse embate, né, entre os diferentes gêneros. E se teve alguma abordagem a
respeito de mulheres que questionavam o seu próprio gênero… como é que… como é que eram
essas questões?
Estudante 2: Se tinham mulheres que questionavam seu próprio gênero?
Entrevistador: É. Você já chegou a ter ou não?
Estudante 2: De questionar o seu próprio gênero, não. Mas, assim, nunca entrei com falas, e, olha
que eu conversei com diversas mulheres, mas assim, o que tinha muitas queixas, era com relação
aos parceiros, né, a forma de tratamento dos parceiros. Então, sempre assim, no geral, foi uma coisa
que me marcou muito, é uma tendência dos parceiros tratarem as mulheres é… de formas é… de
formas muito grotescas, ignorantes e, essas sempre foram as queixas e, você vê assim, diversas
dores dessas mulheres e diversos conflitos, inclusive, psíquicos por conta é… da relação delas com
esses homens. E, uma relação assim, bem tóxica de dependência e tudo mais. Então, isso, assim, foi
mais abordado assim, que eu consegui “pegar” mais, mas de questionamento assim de gênero,
gênero não, não tive contato, nem na gineco.

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Entrevistador: Tá. E, deixa eu perguntar… você falou dessas relações de gênero, né, da mulher com
o parceiro dela, né, que geralmente eram relações tóxicas, de dependência… era abordado isso com
seus professores ou não?
Estudante 2: Não, não. O foco sempre acaba sendo, assim, na grande maioria, né, é… por exemplo,
se é na ginecologia, o foco acaba sendo o tratamento da doença em si e do parceiro em si também,
né, porque diversas doenças, se você não fizer o tratamento em conjunto, vai continuar, né, e, acaba
que, também, na obstetrícia também, as falas também, são sempre voltadas naquele termo do, tipo
assim, ao finalizar a gestação, tudo certo com a gestação, voltadas pras suas áreas. Chegam a ter
até interconsultas. Às vezes, chamam a psiquiatria e tudo mais, mas nada assim, que realmente
chega a ser algo que, eu, notoriamente vi assim que, fosse realmente bom ou que auxiliasse essas
mulheres, entendeu…Não notei um auxílio real, não há essa preocupação real, sabe, até eu acredito,
não querendo passar nenhum pano, mas pelo… pela forma com é tocado o serviço, o serviço tem…
acaba tendo poucos residentes, quem vivencia ali sabe, é uma correria em si, então, não acaba
tendo esse foco importantíssimo, até porque, é grande parte do início do ciclo, né…essas relações
que geram inclusive, o início de diversos ciclos de doenças e de outros tipos de doenças em si, mas
não é abordado, assim, se alguém falar que geralmente é abordado, é muito mentira, pelo menos
aqui em Botucatu, é muito difícil de ser abordado, pelo menos nessas áreas.
Entrevistador: Tá. E como que foi é… o seu aprendizado no… perdão, perdão, deixa eu reformular
aqui a pergunta. Nesse aprendizado, como foi abordada a violência doméstica contra as mulheres?
Estudante 2: Como foi abordada? Você fala assim, dos professores comunicando a gente? Da
forma… ou…
Entrevistador: Pode ser dos professores, dos preceptores… teve uma abordagem? Com relação à
violência doméstica? Para vocês alunos?
Estudante 2: Assim, abordagem, abordagem de como lidar, de como é… dar o segmento a isso, uma
conduta adequada, não vou te dizer que nesses anos eu realmente tive essa abordagem assim “vai
fazer isso, aquilo e pam pam pam”; não, não teve isso. Mas assim, claro que, quando chega casos,
por exemplo, de abuso… é… eu já presenciei diversos casos de abuso, de mulheres chegando no
P.A. então, assim, sei que é chamado é… é… profissionais da psiquiatria, profissionais da psicologia,
profissionais da infectologia, é tido toda uma abordagem, uma conversa com essa mulher que teve a
violência em si, mas não foi tido um… um passo a passo, entendeu, não tive essa orientação, de um
passo a passo de como agir, de como falar, o quê falar, não… não teve isso.
Entrevistador: Você nunca teve, então, uma aula específica sobre violência doméstica contra
mulheres?
Estudante 2: De violência doméstica?… Nossa, eu posso estar comendo muita bola… eu não sei te
falar se eu tive uma aula sobre isso. Espero não estar comendo bola, mas acredito que não. E… mas
assim, mesmo que tenha ou não tenha tido aula, é… na prática em si, como é uma constância, já
deveria ser algo também, de alguma forma é… ensinado. E não é o que tem. E digo isso porque eu
tenho muitas horas tanto na ginecologia e na obstetrícia, então, acho que só penso assim, nesse
sentido eu tô ali vivenciando e tenho um poder de falar ali, de falar nesse sentido das coisas que eu
observo. Não sou onisciente nem onipresente na G.O., mas tenho uma boa vivência (risos).
Entrevistador: E, durante esse tempo de graduação, como foram abordados os aspectos
relacionados à saúde mental dessas mulheres em situação de violência doméstica?
Estudante 2: Olha, em relação, mais uma vez, à abordagem com relação da graduação, em relação à
saúde mental dessas mulheres que sofreram abusos, sejam eles quais tipos foram, foi igual a
pergunta anterior, zero, né, porque até pra chegar nesse nível psíquico, precisa ter a abordagem
inicial de outros, né…e nem nesses outros geralmente assim são. O que geralmente ocorre, é muito
uma passagem, eu acredito que, é… o pessoal da psiquiatria, eles têm essa abordagem maior.
Estudante 2: Porque o que eu vejo no serviço, é sempre essa passagem, né, então, tem, é chamado
o psicólogo, o psiquiatra e, são eles que vão abordar esse caso.
Estudante 2: Então, assim, acaba não ficando… a gente acaba não fazendo o acompanhamento
disso. Então, tem, né, esses profissionais são chamados, e esses profissionais eles entram em
contato com a mulher, então, assim, com certeza, eles vão ter aquela conversa com a mulher e tudo
mais, né, mas assim, com relação a aprendizado de alunos, por exemplo, você fala assim, você tem
uma capacitação pra se você estiver num pronto atendimento, numa unidade básica de saúde, e
chega lá um caso desse, você tem como abordar de uma forma é… mais educativa, né, você teve
um ensino para isso? Não! Mas… porque aqui, são chamados os profissionais específicos pra isso e,
acaba que, quando eu passei na área específica da psiquiatria, eu também não tive contato com
relação a casos de abusos de mulheres, então, não.
Entrevistador: Tá. Então, nunca teve essa conversa com os alunos “ah, tem esses aspectos que são
importantes…”, não?

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Estudante 2: Não.
Entrevistador: Tá. Beleza. E como foi a abordagem desses temas pelos professores e preceptores?
Tinha essa abordagem? Ou não tinha essa abordagem? E, se tinha, como é que foi?
Estudante 2: A abordagem acaba sempre sendo naquele estilo… “conversa de bar”, né, acaba sendo
aquela coisa assim, “ah, mais uma vez ocorrendo essa tragédia, essa coisa ruim”, mas não é nada
de… do tipo é… realmente conversas em quesito filosófico, que realmente vai sair algo a mais
daquilo, sabe, um ensinamento, é mais conversas… conversas corriqueiras, tipo “olha, aconteceu
mais uma vez, mais uma mulher violentada” e tudo mais, e aquele assunto “nossa, que horror”,
nesse sentido, mas não de assunto tipo é… vamos conversar sobre isso e chegar num ponto sobre
isso, do porquê que isso tá sendo tão prevalente…ou arranjar soluções para isso… não… não são
conversas nesse sentido, sabe. Até, por conta de, focando mais uma vez no serviço de ginecologia e
obstetrícia, sempre acaba sendo uma grande correria, acaba sendo como se fosse um pronto
atendimento e, dificilmente, você vai ter é… pérolas ou coisas filosóficas em pronto atendimento, é
“pá pum”. Então, isso acaba ficando mais pra… pra… os outros profissionais, infelizmente acabam
tendo essa abordagem mais de transcender e buscar soluções para esses casos.
Entrevistador: E você acha, então, que faltou algo no seu aprendizado? Com relação a esses temas?
Estudante 2: Com toda certeza, com toda certeza. Eu me formo esse ano e… e… de acordo com o
segmento, eu acredito que, eu vou, de alguma forma sair uma profissional não capacitada nesse tipo
de abordagem sobre as mulheres, sobre… com relação também à violência às mulheres, sobre a
relação dos gêneros, né, não vou… não… não é uma questão que é abordada, ensinada isso na
minha graduação. Se eu for aprender mais, vai ser uma questão de sobrar tempo e olhar lá, se
estiver bem psicologicamente…de buscar por parte, buscar por conta própria. Mas não é algo que
realmente é um foco da graduação. Infelizmente.
Estudante 2: Então, com certeza, se não for por busca, busca própria, é… infelizmente serei uma
profissional não tão capacitada para abordar esses tipos de acontecimentos com as mulheres.
Entrevistador: Tá. E você entende então, que é papel do médico abordar os problemas da vida
cotidiana dessas mulheres?
Estudante 2: Com toda certeza, até porquê, assim como a gente é ensinado desde o primeiro ano,
né, tudo influencia tudo, né, é tudo bem “rei leão”, né, um ciclo sem fim, uma coisa gera outra, assim
como as questões do trabalho, também geram questões de saúde, e tudo mais, então, também
devem ser abordadas e assim como as questões de gênero, questões, principalmente do sexo
feminino, também devem ser abordadas e ensinadas porque repercutem em diversas outras áreas
da vida, né…e a gente tá aqui pra isso, né, pra, de certa forma abordar essas diversas áreas da vida
e chegar num consenso e melhorar a vida como um todo dessa mulher, o que a gente puder fazer,
né, com o auxílio também, de outros profissionais, não só nossos, né, mas… de também saber pedir
ajuda, porque, quando a gente não sabe como seguir, como dar a conduta, a gente não tem o que
pensar de pedir auxílio para outros profissionais, né, então, se você não sabe nem o “bê a bá”, você
não tem nem como… direcionar pra uma… pedir ajuda pra um outro profissional que também deveria
abordar aquilo, né, você fica sem fazer o básico, sem direcionar essa mulher, né… fica um… um…
algo desassistido.
Entrevistador: Então, você acha que esses problemas da vida cotidiana que ela pode ter, interferem
na saúde dela?
Estudante 2: Com toda certeza, isso é um aprendizado desde o primeiro ano e isso eu continuo
levando para o sexto e tenho certeza porque também sou um ser humano…e sei com relação à
minha vida… a minha vida é… a minha vida fora da graduação, interfere muito na minha graduação,
então, a nossa vida como um todo interfere em tudo na gente e a vida das mulheres, dessa questão
das mulheres não seria diferente. Então, tudo na vida interfere, em todo o contexto de todas as áreas
e em todos os campos da nossa vida. Então, com toda certeza.
Estudante 2: Tenho plena certeza e convicção disso.
Entrevistador: E deixa eu perguntar, durante a sua graduação, nesses vários atendimentos de
diversas mulheres que você fez, já vivenciou algum atendimento de violência doméstica e, se sim,
você pode compartilhar essa experiência com a gente?
Estudante 2: Olha, é… de violência doméstica já atendi sim, diversas mulheres, não só pela
obstetrícia, mas em outras… em outras… em outros estágios também, acabei tendo contato de
mulheres que acabam numa… em uma anamnese, contando experiências que elas passam em
casa, né, e isso, assim, desde mulheres jovens adultas até mulheres é… mulheres já idosas que
continuam sofrendo aquele… aquele abuso e, mais uma vez, sempre lembrando, não só do abuso
é… da violência física, né, como grande maioria, a violência psíquica. E esse ciclo de não conseguir,
de alguma forma, e ter medo, e acabar também, não tendo auxílio dos profissionais, de “busque isso,
busque aquilo”, então, você vê que é uma constante, e assim, o que tenho notado muito, é… notei

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em diversos estágios, o aumento muito de questões, e é até uma coisa a se pesquisar, de aumento
de fibromialgia ou dores, em diversas mulheres, casos de dores crônicas que, quando você conversa
com ela, você pergunta pra ela sobre a história de vida dela, tem sempre casos de abusos físicos e
psíquicos. E a gente tem visto, cada vez mais, né, assim, é… são áreas ainda que... doenças que
ainda estão sendo pesquisadas, né, que não têm ainda uma… uma causa ali, específica, mas que
você tem, se você parar pra reparar, é um padrão de dores crônicas e muitas doenças físicas,
associadas quando você adentra muito relacionadas a essas mulheres que já sofreram algum abuso
em si, abusos de diversos tipos.
Estudante 2: Então, todas elas geralmente vêm com alguma questão de dores físicas crônicas. É
muito… muito… é…
Entrevistador: Comum?
Estudante 2: Prevalente. Comum. Prevalente.
Entrevistador: Tá. Então essa experiência de atendimento de… de… mulheres, né, que sofrem ou
sofreram violência doméstica, vêm relacionadas com essas experiências de doenças crônicas? Você
falou pra mim.
Estudante 2: Sim, no meu caso, é o que eu tenho observado muito. Quando você acaba adentrando,
então, quando você passa na neuro…você passa é… na geriatria, quando você passa na clínica,
quando você passa na G.O., então, quando você acaba tendo um tempo a mais ali, em meio a
correria e você acaba indo além ali na anamnese, conversando um pouco mais sobre a vida dessas
mulheres, você acaba vendo antecedentes, né, inclusive essas…comorbidades, dores crônicas, e
você vê a anamnese dela, ela falando da constância, quando as mulheres ainda continuam com os
mesmos parceiros, então, você vê esse caso muito relacionado, elas descrevem bem, não são
mulheres que, assim, tem mulheres, claro, que têm medo de falar isso, você nota um medo de falar
isso, então, também acaba adentrando mais uma vez aquele caso também de que é sempre
ensinado no primeiro ano de você ter aquela boa relação médico-paciente… pro paciente também
acabar confiando em você e também te contando um pouco mais sobre a vida dele e tudo mais, né,
porque, essas situações também, são situações que essas mulheres, elas estão vivenciando quadros
que elas estão em relações tóxicas. E, em relações tóxicas, muitas vezes, muitas vezes não, na
grande maioria se tem o medo, né, e quando se tem o medo, você deixa de contar diversas coisas,
né, você deixa de pedir ajuda, ter coragem de pedir ajuda, né. É… até pelo acreditar que, muitas
vezes, possa piorar aquilo que já está ruim. Então, tem que ter toda essa abordagem, tem que ter
todo esse ensinamento, até de modo a como vir a “descobrir” que essa mulher está passando por
essa situação e como iniciar uma assistência, né, como iniciar uma assistência, como buscar ajuda
também de outros profissionais pra isso.
Entrevistador: E você se sente apta para prestar um atendimento humanizado integral a uma mulher
em situação de violência doméstica?
Estudante 2: Se eu me sinto…
Entrevistador: Apta.
Estudante 2: Assim, em termos de… em termos de… de… em termos técnicos eu não me sinto… eu
não me sinto apta. Mas… é… em termos de… de empatia aí sim, aí sim eu me coloco como apta,
por ser mulher também, por entender, por também já ter passado meus conflitos como mulher,
porque nós, como mulheres, infelizmente acabamos de alguma forma ou de outra, entendendo e
sabendo, não como uma outra passa, até porque a forma de sentir é sempre muito única, sempre
muito… é muito única de cada um…da história de cada um, né, a maneira de sentir única de cada
um, mas, de alguma forma, infelizmente a nossa sociedade em si tá montada pra isso, né, de alguma
forma, ocorrer esses tipos de violência, esses tipos de relações com a gente, então acaba sendo um
ambiente já propício pra tudo isso ocorrer, e acaba que, em grande maioria, as mulheres em si,
acabam vivenciando esse tipo de relação, até mesmo com outras mulheres! Porque nesse tipo de
relacionamento, os homens acabam, de certa forma também, não sei se a palavra é ensinando, mas
colocando isso até na relação de outras mulheres terem isso com outras mulheres, é ensinado isso,
né, e… e assim, mais uma vez, em sentidos técnicos, eu não tenho essa… essa aptidão, mas em
sentido de empatia, com toda certeza, eu vou tentar ao máximo, buscar, de alguma forma, mesmo
sem ter esses conhecimentos técnicos, vou tentar buscar ajuda de outros profissionais, e, de alguma
forma, de colegas também, pra tentar me auxiliar e eu tentar direcionar essa mulher, até porque eu
acho que a gente sendo mulher, a gente acaba tendo um pouco de feeling…a mais nesse sentido
das dores e de tentar ajudar, né, de querer ajudar, não só de tentar, mas de vir esse sentimento
interno de… de… eu quero ser, para essa outra, o que, muitas vezes, não foi feito por mim ou que…
né… então, de ter esse lado, né, eu acho que, por exemplo, a ginecologia mesmo me… ela me
encantou nesse sentido, né, eu sempre tive essa relação de me sentir menos… com relação à
sociedade em si, né, e a obstetrícia me trouxe isso, desse poder e desse querer mais. É empoderar e

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ensinar nós, mulheres sobre nossos direitos, sobre nossas buscas e dar força, força pra
continuar…buscando e… e tudo isso. Então, em sentido de aptidão técnica, sou sincera em relatar
que não tenho, mas em sentido de empatia, com toda certeza terei. Eu acho que vivenciar, ver essas
mulheres, acaba dando… dá uma força pra gente buscar para si mesmo, sabe…a obstetrícia, ela me
trouxe isso, ela me trouxe esse aprendizado pessoal. Porque eu também sou mulher, e eu também
como mulher, também tenho meus “corres”, nessa… nessa sociedade (risos)… patriarcal! Então, a
obstetrícia me trouxe isso, apesar dos seus problemas, com relação às mulheres. Mas ela te traz
isso…Se você tiver algum dia a mente aberta pra isso, ela te traz isso.
Entrevistador: É verdade. E qual é a sua percepção sobre uma mulher, em situação de violência
doméstica, ela ser atendida por um médico homem, ou por uma médica mulher? Qual é a sua
percepção sobre isso?
Estudante 2: Nossa, eu não sei se eu vou… se eu vou estar enganada com relação a isso, mas
assim, eu digo pela minha… falando a Estudante 2… tirando a Estudante 2 graduanda, mas
colocando a Estudante 2 como pessoa em si, eu me sentiria muito mais amparada se eu fosse
atendida por uma mulher, a Estudante 2 em si. Eu não sei se eu estou pecando na minha fala, e, se
eu estou pecando, espero que depois essa… esse estudo me ajude com relação a isso e me ensine,
quando sair em si, mas a Estudante 2 em si, se sentiria mais segura em contato com outra mulher…
com outra mulher sim.
Entrevistador: Você acha que tem diferença, então? É… essa mulher que tá lá nessa situação…
Estudante 2: Eu acredito que tenha diferença, eu falo com relação baseando a Estudante 2 em si, pra
Estudante 2 em si teria diferença, então, eu não sei se eu peco na minha fala sobre isso. Em suma,
utopicamente, deveria não ter isso, mas a Estudante 2 sabendo como funciona as coisas, eu me
sentiria mais segura com o atendimento de uma mulher.
Entrevistador: E, assim, tirando o fato da questão da violência doméstica, é… quando você passou
na ginecologia e na obstetrícia, teve alguma mulher, eu não sei se você teve colegas homens no seu
grupo de internato…
Estudante 2: Sim.
Entrevistador: É… teve alguma mulher que não quis ser atendida por eles e preferiu ser atendida…
Estudante 2: Com toda certeza, com toda certeza, isso é assim é… é questão de bater martelo…
Entrevistador: Sério?
Estudante 2: A questão de assim, não só pudor, ou de alguma forma esse… esse medo, essa
angústia em si com relação à presença de outros homens, né, na sala, isso é… é notório. Então
assim, o atendimento de uma… um atendimento, por exemplo, ginecológico e até mesmo obstétrico
com relação às mulheres, elas têm uma confiança, nesse sentido técnico, elas têm mais sim. Nesse
sentido, por exemplo, num exame físico, ginecológico, a confiança é maior sim, em outras mulheres.
É sim, maior. Em todas as consultas eu posso dizer que teve isso. Em todas as consultas ocorreram
isso. Elas se sentiam mais protegidas e mais ali, acolhidas, quando abordadas por outras mulheres
sim.
Entrevistador: Tá. Entendi. Eu não tenho essa experiência porque meu grupo é só mulheres, então…
Estudante 2: Ah, o seu grupo é só mulheres...nossa ... .não, no meu pediam mulher, pediam, elas
falavam assim, “não, eu não quero com você”, tipo assim, “não tem como vir outro?”. Ou até mesmo
caso de professor, de falar assim, até mesmo com nós, mulheres, falar assim “não tem outra
professora?”. E até com residente “não quero você residente homem atendendo, quero…”.
Entrevistador: Mas, enfim, e como você sente que o projeto pedagógico do ensino do seu curso, ele
pode ter influenciado na sua percepção de violência doméstica, na prática médica?
Estudante 2: Nossa… o que a graduação teve com relação….ah, mais uma vez, infelizmente, eu amo
a minha Unesp, mas eu tenho que dizer que, com relação à graduação, não tem créditos nisso, com
relação, mais uma vez, é… o que eu tive… o que eu tenho… eu tenho vivência, de ver o acontecido,
mas eu não tenho, por exemplo, igual quando você tem o trauma lá, que você vai ter lá “siga aqui o
abcd do trauma, faça isso, isso, isso, isso e isso. Não existe isso, pelo menos por agora, com relação
à violência contra a mulher, então, não existe esse abcd e, nem essa questão da graduação te
ensinar como abordar, como fazer isso tudo, né, o que você tem é vivência. Geralmente, assim, com
quase toda certeza, você vai, em algum estágio vivenciar algum caso disso. Mas, assim, eu não
tenho essa capacitação, eu não tenho isso, eu sou bem clara e, infelizmente preciso ser verdadeira,
eu não tenho capacitação para isso.
Entrevistador: Tá. E você tem alguma experiência,
última perguntinha, você tem alguma experiência que te marcou e você gostaria de compartilhar com
a gente?
Estudante 2: Uma experiência? De mulheres sofrendo violência você fala?

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Entrevistador: Pode ser de violência doméstica ou alguma outra experiência que você vivenciou
nesses… nesses anos de… de… seja de internato, seja de graduação, clínica, às vezes a gente…
ou num atendimento de terceiro ano lá com a gente, né, não necessariamente do quinto.
Estudante 2: É. Sim. Não, com toda certeza, tenho sim, deixa eu pensar num…
Entrevistador: Você tem alguma que você lembra que você fala assim “nossa, me marcou muito,
aquela cena, daquela mulher”…
Estudante 2: Eu sempre choro, né, eu sempre choro junto com a pessoa (risos). Eu lembro de um
caso da… da… da psiquiatria. Era um caso de uma… uma mulher que ela tinha… era uma tentativa
de suicídio, eu atendi ela na observação, ela tinha acabado de… tinha feito lavagem e tudo mais, e
ela tinha voltado ao estado dela de normalidade, e aí, quando a gente conseguiu, quando a
psiquiatria conseguiu abordar e conversar com ela, sobre…sobre o que que tava pegando com tudo
isso, né, o porquê dessas tentativas seguidas dela, né, de.. é… dessas tentativas de suicídio, e tudo
mais…ela estava sozinha com a gente, assim, sozinha, ela não estava com o marido, né, mais, e ela
teve uma grande… assim… você via que ela… ela não queria falar disso, ela não falava, mas depois
a gente foi criando uma intimidade e ela soltou, ela era muito culpada pelo marido e pelas irmãs, pela
família como um todo, pelo fato… é… de um problema que a filha dela tinha. Então, ela recebia a
culpa por, na gestação, a filha dela, que já tinha 14 anos, ter desenvolvido um problema, só que não
era um problema cerebral, era um problema assim que… é… a filha dela tinha plenas condições
assim de vida, condições básicas de seguir tudo, só que ela era extremamente culpada por isso, e,
ainda, quando a gente retornou pra sala de observação, o marido ficava assim, “é, ela fica chorando
assim, ela fica aí com essas tentativas de suicídio, já não basta o que ela fez com a nossa filha na
gestação e o que ela desenvolveu com a nossa filha, agora nossa filha também tá desenvolvendo
problemas psicológicos por conta dessa”...”dessas doideiras dela, dessa coisa dela”… e começou,
assim, culpar ela, sabe…e daí, na hora, a X, uma excelente residente da psiquiatria, ela já está
formada, saiu esse ano…está em São Paulo agora…… conheceu ela? Linda,
maravilhosa…Excelente profissional. E aí, assim, eu não vou saber falar aqui, a forma como a X, não
me lembro das palavras em si, que a X utilizou…mas ela teve uma… uma comunicação assim… uma
forma excelente de abordar. Ela foi conversar isoladamente também com esse homem e explicar
todo o caso e aí a gente viu que, assim, essas tentativas de suicídios é… é… como é que fala…
rotineiras dessa mulher, era com relação a isso, não só o marido, mas a família em si, a mãe dela, a
irmã dela, é… os vizinhos, todos, culpavam ela por uma… por um … eu não lembro o que que, o que
ocorreu em si, mas o distúrbio, a sequela em si que teve a filha… e não tinha assim, nada que
realmente era do controle dela, não foi uma mãe que teve violência com a filha, não foi nada disso,
foi algo da gestação em si, não tinha o que ser feito, mas era uma mulher que era culpada por isso e
que sofreu essa violência psíquica…não só de homem, mas de outras mulheres também, e,
constante, e tinha essa tentativa de suicídio em si, porque ela falava que ela não aguentava mais ser
esse grande problema pra família dela, pro marido dela e pra filha dela. Que ela amava eles e ela
não queria ser mais esse grande problema para todos. Mas acabava que, em si, era o que todos…
eles estavam adoecendo ela, né, não é que ela era um problema pra todos, mas que todos eles
estavam adoecendo ela. E aí, foi um caso bem triste assim. Em si, falando, às vezes fala assim, “ah,
um caso aí”, mas você vivenciar essa relação em si, e te contarem, e você estar ali, e você parar pra
pensar… cara, imagina se fosse eu, né, eu sofrendo esse tipo… porque é muito doido pensar o que,
às vezes, as pessoas podem convencer a gente…daquilo que a gente não é. E isso é muito dolorido
e é muito constante. E, às vezes…às vezes, na verdade, não muito recorrente, diversos… e vou
culpar sim, mas os homens, homens em grande preponderância, acabam fazendo acreditar que
somos coisas que nós não somos. E isso, causa uma tremenda dor psíquica e até mesmo física,
posteriormente. Então, é algo pra gente parar de pensar e se colocar no lugar e é algo que traz
grande angústia, porque é uma verdade, palavras, muitas vezes, podem gerar coisas físicas, com
relação mental e com relação a diversas outras partes do corpo. Então, é mais uma vez, aquela
abordagem da vida como um todo. É isso.
Entrevistador: Nossa, obrigada por… eu gostei do caso… do caso que você contou…
Estudante 2: É um caso que traz aquele novo questionamento de quando a gente ouve muitas
pessoas falando, falando, falando, e a gente passa a acreditar ser aquilo que a gente não é. Então,
essa mulher acreditava que ela era o grande caso de problema para todos eles, mas não era, era
pelo contrário, todos eles eram o caso do sofrimento dela…era pelo contrário. Então a gente sempre
tem que ficar atento a isso, a coisas que a gente ouve, e de pessoas que a gente ouve. Esse é um
aprendizado que eu, como mulher, tenho vivenciado na prática, infelizmente, em si, também.
Entrevistador: E é isso então, eu queria agradecer a você…
Estudante 2: Eu que agradeço também.

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ENTREVISTA III

Entrevistador: Estudante 3, primeiro eu queria que você começasse se apresentando com seu nome,
sua idade e como que foi um pouco da sua trajetória como estudante de medicina; o que você fez ao
longo desses seis anos… como é que foi?
Estudante 3: Tá. Então, eu sou a Estudante 3, eu tenho 26 anos e atualmente, sou residente de
Ginecologia e Obstetrícia, me formei o ano passado, né, em 2021, na FMB. Bom, ao longo dos seis
anos da graduação, acho que desde o primeiro ano da graduação, eu tive a oportunidade de… de
entender um pouco mais sobre a … sobre os projetos de extensão, até foi com a Eliana, inicialmente,
já comecei desde o primeiro ano participando dos projetos de extensão, e depois, é… me integrando
na parte dos projetos científicos, de iniciação científica e eu acho que, essas presentes iniciais na
faculdade além do que as disciplinas forneciam pra gente, as coisas mais extras mesmo, né, então,
os projetos, as ligas, até as outras questões, é que eu não era do centro acadêmico e nem da
atlética, mas, isso, inicialmente, acho que é essencial pra gente se tornar assim… um sentimento de
pertencimento, né, na faculdade, porque no início, as matérias, nossa, não são atrativas (risos), são
desesperadoras…são desesperadoras, né, tanta… tanta carga de informação, então, acho que,
desde o começo da faculdade, se a gente começa a ter essas vivências extra às disciplinas, acho
que é muito importante pra gente conseguir se firmar e permanecer trilhando o caminho da medicina
até ela se tornar mais interessante, que a gente começa a ter contato com os pacientes e perceber o
porquê que a gente escolheu essa profissão, né. Então, acho que assim, acredito que eu tenha
aproveitado bem a graduação para… tanto nessas questões extracurriculares, como na questão de
convivência, né, de você conhecer pessoas de diferentes lugares do Brasil, com diferentes
percepções de realidades e o quanto isso você… é … te agrega, né, na sua formação pessoal
também, além da vivência que a gente vai tendo na faculdade, conhecendo tantas histórias, né, e
acho que isso é incrível, então, acredito que eu tenha aproveitado bem a faculdade, foram seis anos
muito legais da minha vida e acho que desafiadores; nunca quis ir pra Botucatu e agora não tô
saindo, né (risos).
Entrevistador: É verdade (risos). E você, fez projetos,Estudante 3? Você fez algum cursinho?
Médicos da alegria? Como é que foi?
Estudante 3: Sim. É… no projeto… inicialmente eu fiz parte do projeto Biblioteca Sobre Rodas, no
primeiro ano, eu achava muito interessante, aí eu fiz parte do cursinho Desafio…como professora e
como coordenação também, que foi incrível!
Estudante 3: Foi incrível, foi uma experiência assim, única. Eu só saí porque aí eu não tava dando
mais conta, mas é uma experiência que eu sempre recomendaria pra todo mundo, porque é muito
bom você estar do outro lado e ver… e acho que faz também a gente perceber como é a nossa
postura como aluno, porque às vezes, muitas vezes a nossa postura como aluno é de desinteresse e
o quanto isso é ruim pro professor que tá lá na frente (risos).
Entrevistador: É horrível! E deu aula de quê?
Estudante 3: Geografia.
Entrevistador: Geografia… legal. Eu dou aula de história no cursinho.
Estudante 3: Eu acho que uma vez, eu tava dando aula do lado, você tava na sala ao lado, acho que
eu lembro disso. Quando ainda estava lá em cima do… lá perto da igreja.: Esse foi o último
ano…Nossa, eu achei muito incrível, você conhece tantas realidades assim, os jovens assim, super
interessados, e aqueles que não tanto, às vezes você percebe “meu Deus, às vezes eu tenho essa
postura!” e, olha como é ruim pro professor que tá lá na frente. E aí, depois você vê eles passando, e
estão frequentando lá a Unesp e você deu aula pra eles… é uma… é muito gratificante.
Entrevistador: É muito legal. Eu sou suspeita de falar do cursinho.
Estudante 3: Nossa, eu adorei, foi um projeto incrível, eu participei por dois anos, gostaria até de
ter… participado mais, mas depois não deu certo e aí, eu fiz o projeto de extensão com a Eliana. Eu
fiz tanto reconhecimento de território, também fiz com ela dois anos sobre o Parkinson, que era um
projeto Conviver com Parkinson, que a gente entrevistava os pacientes e os cuidadores. Então, foi
uma experiência muito incrível, que a gente ficou… viu a questão da sobrecarga do cuidado, né, e
como também, o cuidador precisa de atenção e, às vezes, a gente não… não dá esse valor pra ele,
né. Então, nossa, foram projetos muito interessantes, assim, que me pegaram… até hoje eu
converso com os velhinhos que eu entrevistei. Visito a casa de uma velhinha até hoje. Ela mora perto
da minha casa, e eu sempre tô lá visitando e eu conheci ela no projeto.
Entrevistador: Caramba… e era projeto de extensão? Não de pesquisa?
Estudante 3: Era de extensão. Com a Eliana sempre fiz de extensão, nunca fiz pesquisa… nunca fiz
IC com ela. E aí, eu fiz IC, tipo, na dermato e na endócrino. Mas assim, de vivência mesmo, o que
mais me deu vivência aí, essas experiências gratificantes, foi o de extensão, que aí, a gente tava lá,

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inserido mesmo, né. Então, foi muito bacana, assim. Acho que foi isso que eu fiz. Fiz esses projetos
de pesquisa, extensão, ligas, né, e as oportunidades da liga, da gente tá lá indo no plantão e vivendo
um pouquinho, achando legal e querendo que o caos aconteça e depois, quando é a gente, a gente
não quer (risos).
Entrevistador: Não quer caos acontecendo (risos). Sei bem.
Estudante 3: Mas acho que foi isso basicamente.
Entrevistador: Legal Estudante 3. E deixa eu te perguntar… qual… você pode nos contar qual que é
o seu projeto profissional ou de vida, pra depois da formatura? Pra agora, né, no caso…
Estudante 3: Tá. Bom, assim, acho que vai um pouco do motivo pelo qual eu escolhi a minha… a
minha especialidade. Então, assim, é… eu sempre fiquei muito em dúvida entre ginecologia e
obstetrícia e medicina de família. Adoro medicina de família, adoro atenção primária à saúde e todas
as suas possibilidades. Bom, o que eu acho… assim, na minha concepção, em nome de toda a
graduação, eu sempre me interessei muito pela atenção primária à saúde, e a questão da
longitudinalidade, embora, às vezes, a gente veja que na prática têm muitos desafios a serem
percorridos, né, tanto em questões de valores de ação do SUS, tem todo um caminho aí pra poder
conseguir ser muito mais efetivo e conseguir ser, realmente aquilo que se pretende ser, que a gente
sabe que têm muitos obstáculos ainda nessa parte, mas, a minha escolha pela ginecologia e
obstetrícia vai… vai um pouco da minha escolha no que eu desejo pro meu futuro profissional, é
poder seguir a mulher nas suas etapas da vida…então… poder ser a médica da mulher nas suas
diferentes etapas. Então… e quando ela optar pela maternidade, quando ela optar por ser mãe, estar
presente nesse momento com ela…daí então, foi por isso que eu escolhi. Porque eu me encantava
muito pela atenção primária, só que eu falava assim “nossa, mas se eu não fizer GO, não vai ser
comigo que vai estar lá numa assistência ao parto”, sabe, eu vou estar com ela no pré-natal, nas
consultas de rotina ginecológica, mas não sou eu que vou estar lá com ela na hora…
Entrevistador: No parto, né?
Estudante 3: Nesse momento assim, pode ser… que é pra ser tão gratificante e às vezes não é. Por
conta da violência, né, e tudo mais que a gente sabe. Então, foi um pouco disso que eu escolhi
minha profissão e, pretendo que, esses meus princípios, é… eles sobrevivam ao cansaço, ao
esgotamento profissional e que eu olhe depois lá pra trás e não veja que, a Estudante 3 que sonhou
dessa forma, desapareceu, sabe, no meio do cansaço, de noites mal dormidas, porque é difícil.
Diante da sobrecarga, dessa sobrecarga de responsabilidade, do cansaço, você não deixar perder
essa essência do que é aquele profissional que eu quero ser no futuro, sabe?
Entrevistador: Legal. Achei super bonito isso daí de acompanhar a mulher ao longo da vida,
literalmente, né.
Estudante 3: É. Então, é o que me motiva assim. Foi o porquê eu mudei um pouco dessa escolha,
mas eu sempre tive um pezinho ali na medicina de família.
Entrevistador: São muitos desafios, né, a mulher ao longo da vida…Tanto na parte de quando ela é
mais jovem, né, depois no parto, depois na maternidade, depois no climatério…
Estudante 3: Pois é, com certeza. E acho que, acaba que, a ginecologia e obstetrícia, assim, nessa
especialidade, é o momento em que você precisa de uma conexão muito importante com a paciente,
para que ela possa, tanto a questão, assim, do exame físico, que você adentra a intimidade da
paciente, tanto a questão dela poder falar sobre a sexualidade, ela poder falar, às vezes, de coisas
que ainda são muito tabus na sociedade…então, se ela não conseguir sentir confiança em você, ter
essa verdadeira intimidade com você, você não vai conseguir adentrar completamente diante da…
de todas as questões de saúde que envolve. A gente vê isso muito também, por exemplo, nas
idosas, né…as idosas, pra poder falar de sexualidade, para poder falar que sente dor na relação, de
que não tem prazer pra ter relação, isso elas não abordam. Às vezes, a paciente tá lá com prolapso
da bexiga e ela não conta pra nenhum médico!
Estudante 3: Às vezes ela tem que fazer… você tá na gineco, né? Você está percebendo?
Entrevistador: Eu tô, tô passando na gineco…
Estudante 3: … o quão é comum, tem muitas idosas com prolapso de… de bexiga, de reto e aí, elas
têm que fazer manobras pra conseguir evacuar, é muito triste nesse sentido, e ela vai na consulta,
assim, e ela não fala pro médico, ela tem vergonha.
Entrevistador: Eu percebo isso daí, que elas têm muito essa questão de vínculo, assim, vergonha…
Estudante 3: Sim. Então, você precisa conseguir adentrar essa intimidade e ter essa confiança pra
você conseguir cuidar dela de forma integral, né, senão sempre vai ter um pedacinho aí da saúde
dela que não vai ser abordado. Eu acho que se a gente conseguir isso, eu acho nossa...é…
Entrevistador: É uma grande vitória, né?
Estudante 3: Sim, com certeza.

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Entrevistador: E… Estudante 3, deixa eu perguntar também, como foi esse… esse seu aprendizado
durante a graduação, com relação à saúde da mulher? Já que a gente tá falando da saúde da
mulher, como é que foi?
Estudante 3: Bom, eu acho que assim, durante a graduação, nós vemos assim, muitos exemplos que
a gente fala “nossa, como seguir e como não seguir”, né? A gente tem essa… essa… essa visão.
Acho que dentro da minha especialidade a gente vai se situar com situações muito conflituosas e
formas de tratar o paciente que, nas vivências, as pessoas começam a perceber. Eu acho que a
gente começa mais assim a ter na graduação, então… meu primeiro contato assim, antes de você
me fazer essa pergunta, o que vem na minha cabeça quando você fala, o primeiro momento eu tive
mesmo contato com a questão da saúde da mulher, foi quando na disciplina de saúde coletiva, no
terceiro ano, o meu tema foi violência obstétrica. Então, foi… e foi lá que plantou a sementinha da
ginecologia como especialidade pra mim. Então, assim, antes assim, você me perguntando, não veio
na minha cabeça um momento em que a gente tenha se inserido assim, no primeiro e segundo ano
da graduação do currículo antigo, né, não veio. Então, nessa primeira oportunidade em saúde
coletiva, acho que a gente começou a entender mais a questão da… a falar sobre esse tema, e acho
que, outros grupos trataram da violência doméstica, outras questões. Mas aí, quando a gente vai pro
quarto ano, eu acho que a gente começa passar na disciplina de ginecologia e obstetrícia, acho que
a gente passa, né? A gente começa ter alguns cenários práticos, mas acho que a vivência mesmo, é
no internato, porque quando a gente vai para cenários de atenção primária à saúde, que aí a gente
tem… ah… no terceiro ano sim, quando a gente vai no IUSC. No IUSC a gente começa a atender. É.
Acho que é o momento que a gente começa a ser inserido na atenção primária à saúde e conhecer
um pouco mais sobre a saúde da mulher, e mais na vivência do internato nos estágios, tanto na
atenção primária, tanto também na ginecologia e obstetrícia. Aí, eu acho que a gente começa a
perceber um pouco mais de diferenças na área de atuação, e tem aqueles exemplos do que não
fazer e, às vezes, de bons exemplos também. Eu acho que foi assim, esse primeiro contato.
Entrevistador: Tá. Então, seu primeiro contato você achou que foi no terceiro ano, com relação a
esse tema, da… da violência obstétrica, e, depois, mais no internato? Nos ciclos do quinto ano?
Estudante 3: Eu acho que sim…
Entrevistador: Sexto ano? Mas como você sentiu esse aprendizado? Como é que ele foi? Sobre…
assim, você acha que faltou algo? Você gostou dele? Como é que foi?
Estudante 3: Bom, eu gostei, porque na parte de vivência… quando a gente vai pra vivência prática,
na vivência teórica, a gente é bem contemplada ao longo da graduação, mas eu acho que a vivência
prática que é o essencial pra gente conseguir associar os dois. Então, eu acho que a gente… quando
a gente… nessas disciplinas, a partir do momento que a gente começa a ter essas experiências de
começar a atender essas pacientes, entender as demandas, entender as falhas, às vezes, do
sistema, todas as burocracias que o envolvem também pra fazer uma assistência completa à saúde,
porque às vezes, a gente não consegue resolver na atenção primária, a gente tem que encaminhar,
aí tem todo aquele processo para conseguir dar uma assistência à saúde da mulher. Às vezes, a
mulher se perde nesse caminho, né…então, não é sempre que a gente consegue fazer essa
referência e contra referência de forma adequada. Eu, assim, na minha concepção, eu gostei, das
práticas, eu acho que a gente é bem inserido nesse sentido, nessa vivência prática, pra poder é…
falar sobre esses temas, mas, talvez, acho que falte um pouco a gente falar além da… além da
questão de saúde mesmo, né, tipo, da questão de saúde assim… saúde como não… é… como
ausência de doença assim, no caso, a gente vai lá e fala “ah, a gente tá no ambulatório tal, é… o
planejamento familiar, o climatério e pronto. Mas, temas importantes como por exemplo, a violência
doméstica; não é algo que a gente… que a gente tem na graduação, não é algo que a gente… se a
gente não faz parte de algum grupo em específico, não é algo que é abordado, né…Então, eu acho
que, talvez, isso tenha um… igual, violência obstétrica, por exemplo, se a gente não faz parte de um
grupo específico, não é algo que é…abordado na nossa graduação. Então, aquele básico lá, aplicar
a teoria na prática, acho que a gente tem, agora, o que a gente vai além disso, vai muito dessas
experiências pontuais e que, talvez, fosse muito importante que tivesse mais integrado com a nossa
prática, até pra nos capacitar, para poder lidar com essas pacientes, né. E falar sobre esses assuntos
de forma mais… com mais confiança, né.
Entrevistador: Com mais confiança. E nem, por exemplo, na obstetrícia, quando você passou na
obstetrícia, era abordado esses temas de violência obstétrica? Ou também, bem pontual?
Estudante 3: Nossa, não, assim, quando eu passei no internato, assim… é que agora eu tô
começando, tô na residência e não vou saber opinar, tá…mas, falando do internato mesmo, na
prática, o que a gente… não é… não foi um tema que a gente teve, sabe, não teve esse tema como
uma aula, como uma discussão, né, acho que não foi abordado e é algo essencial, que você escuta,
são comentários, por exemplo, quando às vezes, você tem um contato com uma paciente que já teve

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vários outros filhos… eu lembro uma vez que na prática uma paciente falou assim “doutor, você não
pode empurrar minha barriga?”. Porque tipo, ela queria falar daquela manobra de Kristeller que
antigamente o médico empurrava a barriga da mulher… uma violência, né, e ela passou por isso em
alguma gestação anterior dela, e lá, no momento do parto, ela querendo resolver logo aquele
momento e falou se não poderia “ajudá-la”, fazendo isso…porque, antigamente, a concepção que ela
teve, não foi que ela sofreu uma violência, e sim, que o médico estava ajudando. Então, eu acho que
foi mais essas questões pontuais de vivência, ou até quando a gente vai conversar com as pacientes,
e o temor, às vezes, da paciente pelo parto normal, né…porque, não é… às vezes, a experiência que
ela tem na cabeça, que a mãe contou, que a avó contou, não é uma experiência de um parto normal
e sim, de uma violência. Então, eu acho que lidar, de forma assim, não direta, não uma abordagem,
não uma discussão, mas de forma indireta, às vezes você pega… você tem essa vivência pela troca
de experiência com a própria paciente. E, às vezes, a equipe “não, isso não pode, isso é uma
violência, isso não era certo”… esses comentários mais pontuais, mas nada que a gente tenha feito
uma discussão sobre. Eu acho que era um tema que… muito importante da gente ter… ser
abordado, né.
Entrevistador: Entendi. E… e nesse aprendizado, Estudante 3, como foram abordadas as relações de
gênero? Nesse aprendizado da saúde da mulher?
Estudante 3: Nossa…
Entrevistador: Pergunta difícil?
Estudante 3: Difícil! Olha, eu… eu acho que a gente… eu acho que acaba sendo mais pela… de
verdade, eu acho que a gente não tem uma abordagem direta assim, da graduação a respeito. Acho
que surge a partir das nossas próprias demandas, talvez, tornar essas discussões em busca da
gente discutir temas relacionados, mas não que a graduação nos proponha algo. Acho que tem uma
falha nesse sentido. Talvez mais na nossa...a gente, na nossa parte prática dessas vivências, trazer
questionamentos ou questões a respeito do tema e, assim, promover uma discussão, mas,
diretamente por parte da graduação, acho que a gente não tem isso.
Entrevistador: E você sentia nos seus atendimentos… você falava assim “poxa, essa situação, ela
mostra muito, né, como é a relação de gênero na nossa sociedade”… você sentia isso? Você,
consigo mesma?
Estudante 3: Mas, você diz assim, os pacientes por parte de mim ou os pacientes dentro da própria
vivência deles, assim?
Entrevistador: Não, você, por parte de você. Você tava escutando, por exemplo, uma paciente e…
Estudante 3: Ah, tá.
Entrevistador: … você via que ela tava em determinada situação e você falava assim, “poxa, olha só
como… como as relações de gênero na nossa sociedade são bem discrepantes”.
Estudante 3: Nossa, com certeza. Isso sim, isso sim, com certeza, porque a gente aborda ainda uma
população que, às vezes tá muito enraizada na questão da… sofre muita violência doméstica, tem
toda… até… até quando a gente, acho que, principalmente quando a gente tá no cenário de atenção
primária que a gente tem mais tempo de conversar com os pacientes.
Estudante 3: E aí, às vezes, a gente se depara e percebe como essas pacientes tão numa questão
assim de… não… não…é… são vistas como submissas perante seus parceiros, né. E, às vezes,
machismo, violência doméstica, como a questão de ter medo de falar.
Estudante 3: Até mesmo a questão dentro… não vou ficar presa a isso toda hora, mas é que minha
vida agora é isso, mas até mesmo a questão da sexualidade, né, as mulheres, por exemplo, quando
a gente atende as idosas, elas não têm desejo e elas não abordam isso com o parceiro, né, elas
acham que isso, ainda é obrigação delas, então, acaba sofrendo uma violência, por não se sentir no
direito de dizer não, de não sentir o direito de expressar a própria vontade, né.
Estudante 3: Eu acho que a gente vê mesmo como que as relações de gênero são totalmente
discrepantes e as mulheres acabam sofrendo violência em diferentes cenários, né.
Entrevistador: Mas isso, foi algo que partiu de você? Não veio de um aprendizado concreto do seu
currículo, né?
Estudante 3: Não. A gente não tem essa abordagem no nosso currículo, acho que vai muito da nossa
vivência e o quanto a gente tá disposto a … a criar esse canal de comunicação com… com esses
pacientes, porque, dependendo da forma com que a gente aborda os temas, dependendo da forma
que a gente atende essa… essa mulher, às vezes a gente… ela não vai se sentir à vontade pra… pra
explicar isso, para abordar essa intimidade, né...então, acho que… por isso acaba sendo muito
pessoal, vai muito da sua relação médico-paciente, do quanto você conseguiu abordar, do quanto
uma queixa dela estava relacionada com alguma questão aí, por trás, que vá de um problema de
violência doméstica, de uma desigualdade na questão do trabalho, uma diferente valorização da
sociedade por conta do gênero, mas acho que muito do que… do como a gente se relaciona com

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esses pacientes para conseguir abordar. Não que a graduação nos proponha a algo do tipo, na
minha opinião.
Entrevistador: Tá certo. E eu queria aproveitar pra puxar mais uma perguntinha… É… nesse
aprendizado, a gente tá falando na questão da violência, nesse aprendizado durante a graduação,
como é que foi abordada a violência doméstica contra mulheres?
Estudante 3: Nossa…
Entrevistador: Difícil também?
Estudante 3: Difícil. Então, eu acho que acaba sendo mais pontual também. Quando você tem, por
exemplo, não vou dizer que nunca foi abordado, porque foi, assim, de certa forma, quando a gente…
acho que é mais se você participa de… a gente na graduação, essas matérias mais… saúde coletiva,
que divide a gente em grupos e, às vezes, faz algumas abordagens mais específicas, talvez, alguns
grupos tenham vivenciado, até mesmo… igual eu vivenciei violência obstétrica, teve grupos que
vivenciaram a violência doméstica, mas acho que temas da graduação que coloquem a gente lá, pra
poder refletir e falar sobre e, nos capacitar de certa forma, para conseguir atender, prestar
assistência aos pacientes, eu não acho que a gente tenha de forma direta, uma proposta da
graduação relacionada a esse tema.
Entrevistador: Tá. E, então você lembra assim, de… desse momento que foi… foi mais no terceiro
ano em que você teve um pouco desse aprendizado pincelado?
Estudante 3: É, eu acho que sim. Eu acho que foi mais no terceiro ano, se eu estiver esquecendo de
algum momento muito importante, que pena que… mais assim, não foi algo que… eu acho que foi
mais assim nessa própria disciplina de saúde coletiva que… que tinha algumas pinceladas a respeito
desses temas e que, de certa forma, no final, a gente se reunia como grupo e abordava os temas que
a gente estudou e as pesquisas que a gente elaborou, nessas questões, agora da graduação, não.
Entrevistador: Quinto, sexto ano, no internato, você não lembra da abordagem desse tema?
Estudante 3: Não, não lembro.
Entrevistador: Não lembra, né? Tá certo.
Estudante 3: Infelizmente não lembro.
Entrevistador: Tá. E… e durante essa … da sua graduação, é… como foram abordados os aspectos
relacionados à saúde mental dessas mulheres em situações de violência doméstica?
Estudante 3: Nossa, eu acho que também, foi algo muito pontual, porque… nossa, assim, se eu tô
esquecendo de momentos muito importantes, que vergonha! (risos). Mas assim, eu não tô
lembrando… você entrevistou a Bia também, então de certa forma, você pode estar falando “olha a
Bia falou que teve tal dia… onde a Thainá estava?”. Porque eu não estou lembrando, mas eu acho
que também essa… na própria disciplina quando a gente passa no estágio de psiquiatria, desde o
terceiro ano a gente tem semiologia psiquiátrica, a gente vai lá, entrevista o paciente, né, …e eu acho
que, de certa forma, nesses momentos, tinha uma oportunidade de se discutir sobre o tema…Mas
não que o tema era “como vamos lidar com a … com a parte… a abordagem psicológica dessas
pacientes que sofrem”… não era algo assim, mas sim, porque dentro daquele contexto puxou o
assunto, e assim foi abordado. Mas diretamente uma disciplina, uma aula pra poder falar sobre isso,
eu acho que assim, não me lembro, e se foi, foi algo muito pontual ou, por exemplo, na vivência dos
ambulatórios…ou também na questão quando a gente fazia as vivências práticas dos… das
pacientes que a gente atendia no posto de saúde, por exemplo, mas aí ficava mais uma discussão
é… naquele manejo de qual vai ser a conduta, mais a discussão da gente entender aquela realidade
daquela paciente, às vezes poder ajudá-la em questão de um grupo de apoio, um atendimento
psicológico…mais nesta questão assim, ah, qual vai ser a conduta nesse caso, entendeu?
Estudante 3: Não… não algo… nossa, esse é um tema que a gente precisa falar e a gente não tá
falando sobre isso.
Entrevistador: Tá certo. E… eu sei que tá difícil, né, você deve estar resgatando…
Estudante 3: Momentos, né… (risos).
Entrevistador: É … mas… como foi a abordagem desses temas pelos professores e pelos
preceptores? Tanto tema com relação à questão de gênero, como tema com relação à violência
doméstica e também o tema da saúde mental dessas mulheres que estão em situação de violência
doméstica? Como foi a abordagem dos seus professores, preceptores, residentes, quem tava lá te
ajudando, né? Quando você era interna ou durante… como aluna?
Estudante 3: Hã hã. Bom, eu acho que de… acho que mais assim, talvez eu, como interna, eu não
tive… assim, na minha cabeça, não tá vindo algum momento em específico em que eu tenha
atendido uma paciente vítima de violência doméstica, assim, no sentido mais agudo, né, ou da
situação assim, aquele momento em que aconteceu algo e ela buscou ajuda. Nesse momento eu não
presenciei, eu acho que o que eu mais presenciei foram … pacientes que já estavam nessa condição
há muito tempo e aí vem e aborda essa questão com a gente. Às vezes, nem estava mais com o

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parceiro, mas aborda uma questão retrospectiva, e eu também não participei de… é… não... no meu
sexto ano, não cheguei atender nenhuma paciente vítima de violência sexual…seria quando a gente
atenderia quando é no sexto ano no internato, né, na parte… quando a gente passa na ginecologia.
Eu não acabei atendendo. Então, é… ah, na verdade eu atendi na pediatria, na verdade…
Entrevistador: Pode falar também da pediatria, se quiser.
Estudante 3: É, o que eu atendi, foram as pacientes que, quando a gente passa na pediatria, a gente
faz um seguimento no ambulatório de imunologia e lá, as pacientes que são vítimas é… de violência
sexual, elas passam lá poder… questão das sorologias e tudo mais. Eu lembro que, a primeira vez
em que eu fui é… atender essa paciente, eu me senti muito desconfortável, porque você tem medo
de… de que palavras você vai usar, de como você vai se comportar, de como… eu acho que a gente
deveria ser treinado em relação a isso, eu acho que é uma coisa que a gente não é, porque a gente
não pode fazer com que o nosso atendimento seja uma outra violência.
Entrevistador: Sim, isso é verdade.
Estudante 3: Né? E isso é muito difícil, porque uma questão… uma questão tão delicada como essa,
às vezes, uma palavra que a gente usa, simplesmente chegar e falar “oi, tudo bem?”… tipo… já são
violências, né, que a gente começa… ou, às vezes, da forma como a gente pede detalhes, pra
reviver… é reviver uma violência, então assim, eu acho que é um tema muito delicado e eu acho que
é um tema que a gente fica, às vezes, muito na teoria, ou quase nada na teoria, e não é capacitado
na prática e é tão prevalente, que a gente deveria ser mais assim, treinados nos bastidores, antes da
gente se deparar com a situação…com essa situação, pra gente não ser mais… não ser mais um
agressor, né, mas eu acho que, na vivência do internato, acho que, os poucos momentos em que eu
vivenciei, todos os meus preceptores, as pessoas que estavam lá, seja médicos contratados, ou
preceptores, e residentes, ao meu redor, pra me ajudar nessa situação, acho que, primeiramente, foi
uma postura de acolhimento. Acho que a gente… é o básico que a gente pode fazer no momento é o
acolhimento, e entender também, que não é a gente que toma a decisão pela paciente. Porque isso é
uma coisa difícil. Porque você… a gente sabe um pouco do que ela nos permitiu saber a respeito de
toda a história dela, de toda violência que ela sofre, do relacionamento que ela tem com essas
pessoas, só que, muitas vezes, até… eu, no meu papel de aluna, eu ficava com vontade de falar...
meu Deus, a gente quer dar conselho, né, pra pessoa...”larga da pessoa, tchau, vai embora… vai
denunciar, como que você não tá denunciando?”… você fica naquela postura como se fosse você no
lugar, e não é, né? E não é a gente, a gente não tá ali no papel de dar conselho, a gente não tá ali no
papel de opinar a respeito do que ela deve fazer e eu acho que isso é uma coisa que é muito difícil e
a gente não é treinado para esse momento. E, talvez, a gente deveria ser… deveria ser um tema que
a gente deveria falar muito mais na graduação, pra gente conseguir saber como se portar nessa
situação e não cometer essas falhas.
Entrevistador: Você acabou até me respondendo já minha próxima pergunta que é se você acha que
faltou algo no seu aprendizado com relação a esses temas…já acabou…
Estudante 3: Com certeza, com certeza. Por mais que a vivência seja algo que a gente, às vezes,
erre e a gente vá se modulando e, na prática, vai se tornando melhor, a primeira vez que atendeu foi
péssimo, depois, na segunda melhora, acho que se a gente tivesse treinamentos prévios…
Entrevistador: Seria melhor, né?
Estudante 3: Seria melhor, porque senão, a gente faz com que, talvez, a nossa fala, a nossa postura,
traga um desconforto para aquela pessoa que a gente tá atendendo e não é essa a intenção. A
nossa intenção era ajudar, né. Mas, a gente despreparado, comete esses equívocos.
Entrevistador: Tá. E, Estudante 3, você entende que é papel do médico abordar problemas da vida
cotidiana dessas mulheres, ou você acha que não é papel desse médico?
Estudante 3: Ah… é… eu acho que sim. Eu acho que… na verdade assim, eu acho que... quando a
gente fala em questão de promoção da saúde, prevenção de doenças…e se a gente tem que colocar
isso de uma forma ampla, e… como que, às vezes, a gente quer fazer uma promoção de saúde, se a
gente não entende o contexto que aquela pessoa está inserida? Então, durante toda a graduação, a
gente sempre é ensinado a entender qual que é o contexto daquela pessoa, né, e, dentro desse
contexto, tem a forma como ela se relaciona com as pessoas da casa dela, com a família dela, com o
trabalho dela, com toda a rede de apoio, ou a ausência da rede de apoio, é… trabalho ou
desemprego, então, dentro disso, tem as relações pessoais e, dentro disso, tem as relações de
abuso, de violência, assim como uma rede de apoio, a gente é ensinado como é importante uma
rede de apoio, a ausência dela também tem impactos, assim, na saúde dessa pessoa, então eu acho
que... acho que dentro disso, a gente como médico, se a gente quer abordar essa paciente, a gente
precisa entender a dinâmica a qual ela está inserida, senão, acho que a gente vai sempre encontrar
falhas, né.

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Entrevistador: Hum hum. Então, você acha que, o médico perguntar a respeito dessa… da vida
cotidiana da paciente, quais problemas ela enfrenta, ajuda até na saúde dela, né? Da promoção da
saúde dela?
Estudante 3: Eu acho que sim. E, se a gente for parar pra pensar que, assim, a saúde mental, é algo
que cada vez mais a gente fala, valoriza, e, se a gente for parar pra pensar na… assim, sem
pesquisa, sem nada, não sei dizer dados…mas assim, do nosso cotidiano mesmo, a gente vê que
todo mundo tem alguma questão de saúde mental. Se não é a própria pessoa que tem uma
ansiedade ou depressão, alguém da família dela tem, alguém dentro da casa dela tem. E assim, e aí,
se a gente quer falar do… se a gente… como que a gente não vai abordar essa questão de entender
qual que é a realidade dessa pessoa, sabe, então, eu acho que é essencial, como médico, a gente
tentar abordar todas as dimensões de saúde dentro de um indivíduo e, tem coisas que a gente não
vai ter… não tem diretamente como agir, como essa questão de “opinar”, né…a respeito da vida da
pessoa, mas entender e, dentro disso, tentar ser também uma rede de apoio, para que… se o serviço
de saúde cria um vínculo com essa pessoa, se essa paciente entende a forma como ela tá inserida,
talvez seja mais fácil dela pedir ajuda, seja mais fácil dela entender o que ela está … se o que ela tá
passando, que isso não é normal, que isso é uma violência, né, eu acho que é um caminho
importante. E acho que o médico, ele tem o poder de criar essa intimidade com o paciente e, poder,
com essa intimidade, proporcionar, talvez, mudanças, seja acolhimento, ou seja, às vezes, uma
forma dessa pessoa, tentar, sei lá, algo diferente.
Entrevistador: Entendi. Então, é… deixa eu perguntar, durante essas… esses seus atendimentos,
durante a graduação, ou pode até ser agora, depois de formada, nesse comecinho de R1, você se
lembra se você vivenciou algum atendimento de violência doméstica contra a mulher? Que você até
falou assim “hum, eu acho que essa mulher tá em alguma situação de violência”… por mais que ela
não tenha falado pra você?
Estudante 3: Sim, sim.
Entrevistador: E você pode contar como é que foi essa experiência pra gente?
Estudante 3: Sim, deixa só eu encostar a porta. Bom, eu acho que, acaba que, meus atendimentos
eu acho que teve uns momentos que eu tive a oportunidade de perceber o que estava acontecendo
acaba sendo dentro da ginecologia e obstetrícia mesmo, tá. No próprio internato ou até quando a
gente vai falar sobre esses assuntos, porque, de certa forma, assim, o que mais me chama a atenção
é que, a porcentagem das senhoras, mulheres que estão numa situação de ter relação sexual de
forma forçada. Então, pra mim, isso, já é uma violência doméstica, chega ser, né, uma violência
sexual. Então, isso é muito prevalente, então, é triste, mas é muito prevalente. Porque, se você for
parar pra pensar, é a maioria das idosas, né, porque toda essa questão assim… você vai ver nessa
prática de… no ambulatório de ginecologia, quando você consegue falar sobre esse assunto com as
pacientes, elas não têm… elas têm dor, elas não têm vontade, e, o parceiro, elas se sentem na
“obrigação” de fazer isso, porque senão, o parceiro vai procurar outra. Elas não têm a liberdade de
falar pro parceiro que não está confortável, que não está bem, que não quer. E você vê o quanto isso
é prevalente, e o quanto, quando elas abordam isso, elas sofrem. Porque elas tão sofrendo uma
violência, então, assim, isso disparado é muito prevalente, foi o que eu mais tive contato, dessa
questão dessa parte da intimidade mesmo de violência sexual e violência doméstica. E, questão
também, de agressão física, é… eu não lembro exatamente de… de algum momento, mas o que
mais me vem à cabeça quando você fala, são essas situações dessas senhoras. Porque pra mim, eu
considero. Eu considero, porque, se ela tá tendo uma relação forçada, pra mim, isso é uma violência.
Entrevistador: E você sentia que essas mulheres referiam alguma agressão psicológica, também?
Estudante 3: Sim, com certeza. Com certeza. Porque, principalmente, quando essas mulheres não
trabalham, né, às vezes não têm o próprio dinheiro, a própria aposentadoria, tem toda essa… essa
violência dentro de casa de quem é que paga a conta, né…de quem é que paga a conta, como se
tivesse o direito de exigir, de mandar e a mulher ser submissa nesse sentido, né, e é muito triste.
Então, elas sofrem muita violência psicológica e muitos problemas psicológicos associados também,
com o poder financeiro, né.
Entrevistador: E, você lembra de ter tido essa experiência em algum atendimento?
Estudante 3: Sim, e acaba que, às vezes, é… muitas vezes… nas questões que essas mulheres se
referem, que foi isso ao longo da vida toda que fez, às vezes, elas não saírem de casa, né. Porque
era a pessoa que tava pagando as contas, que ia dar o… a … o sustento pros filhos, né…E, muitas
vezes, essa violência é que faz com que a mulher fique presa nesse relacionamento e sofrendo, todo
tipo diferente de violência que ela possa sofrer.
Entrevistador: Sim. E você se sente apta para prestar um atendimento humanizado e integral a uma
mulher que esteja em situação de violência doméstica?

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Estudante 3: Nossa. Olha, é muito difícil… muito difícil. Eu acho que assim, eu acho que,
primeiramente, o que eu… eu espero não estar causando mal com o meu atendimento…mas dizer
que eu me sinto apta, eu não me sinto. Eu acho que eu tenho muito ainda o que aprender. Porque é
muito complexo, e eu não tive, assim, é… nunca passei por essa vivência nesse sentido…dessa
realidade, então, eu acho muito difícil, às vezes, a gente falar sobre aquilo que a gente é… não viveu
integralmente, né. E assim, ainda bem que não vivi, né, porque, que horror, uma violência, mas eu
gostaria muito de me capacitar a respeito disso e eu espero que ao longo até dessa minha escolha
profissional, eu devo me capacitar a respeito disso, pra poder, de certa forma, que meu atendimento
não cause um sofrimento. Não me considero apta, mas também acho que a gente ter uma postura,
primeiramente de acolher, não julgar, já é um caminho. E tentar não agredir, né…Com a nossa fala.
Talvez seja uma base pra gente começar a tentar prestar essa assistência e não uma violência
novamente. Mas, me considerar apta, é uma palavra…
Entrevistador: Uma palavra… difícil, né?
Estudante 3: É. Sim.
Entrevistador: E qual é a sua percepção sobre essa mulher, uma mulher em situação de violência
doméstica, ela ser atendida por um médico homem ou por uma médica mulher?
Estudante 3: Nossa. É… eu acho que assim…
Entrevistador: Difícil a pergunta, né?
Estudante 3: É difícil. Eu acho que assim, a gente, no hospital universitário, a gente não… no
contexto assim, de aprendizado, a gente esquece muito de pedir a opinião da pessoa, ou a licença
da pessoa, né. Então, eu acho que assim, muitas vezes, colegas nossos, é… que vão… homens, né,
que vão estar prestando, às vezes, esse atendimento ou algo do tipo, tenha a sensibilidade de poder
perguntar pra paciente se ela quer ou não ser atendida por um homem, se ela quer ou não a
presença de um homem na sala. E eu acho que, infelizmente, na nossa vivência, muitas vezes a
gente tem que tomar o cuidado da gente não tornar essas pacientes como objetos. Porque, você
pode perceber, até no contexto de, seja de violência doméstica, de uma paciente que tá sofrendo de
uma doença, ou uma paciente que não tá, a gente expõe muito essas mulheres a uma banalização,
porque é dez pessoas numa sala, pra assistir um exame ginecológico, e, a gente perguntou pra ela
se ela deixa? A gente perguntou se ela se sente confortável? Porque, se eu fosse a paciente, eu não
ia querer deixar. Né? E, às vezes, a gente esquece…
Entrevistador: É um exame invasivo, né?
Estudante 3: Sim, é um exame invasivo, é uma intimidade, então, você perguntou pra paciente se ela
deixa? E, muitas vezes, essas pacientes vão ter medo de falar não, porque tem toda essa questão
assim, de hierarquia, da imagem de um médico perante a sociedade, que ela pode até estar
desconfortável, mas ela tem vergonha de dizer um não, mas muita gente nem pergunta, né, então,
isso é uma coisa da gente ver. Lá na obstetrícia mesmo, na sala de parto, é um entra e sai, abrindo a
porta e entra um monte de gente. Gente! E a licença para aquela mulher naquele momento, naquela
situação? Então, dentro desse contexto, eu acho que no nosso basal, como profissional, falta muito a
gente ter essa postura de que as pessoas não são objetos, que as pessoas, elas têm a liberdade de
dizer não ou sim. E não é porque elas estão num hospital universitário que elas têm que virar o
boneco de atendimento para quantas pessoas forem necessárias. A gente ter esse cuidado, já é um
passo e muitas vezes falta. Então, se falta isso no básico, imagina na questão da violência
doméstica. Então, talvez, eu… é… o cenário dos meninos que eu convivi, muitas vezes, no internato,
foram sempre é… eles tinham uma sensibilidade de poder perguntar pra paciente se ela estava a
vontade ou não, em ser atendida por um homem. E, eu acho que falta isso, muito, no nosso
aprendizado e na nossa vivência, da gente perguntar. Eu acho que, dentro dessa situação, às vezes,
muitas vezes a gente expõe a uma figura masculina, que foi … que foi… é… o agressor, e você,
abordar essa questão dentro da… toda a vulnerabilidade que vai envolver falar sobre a violência, o
trauma, reviver aquele momento diante de uma figura masculina, muitas vezes seja uma nova
violência que a gente tá submetendo essa paciente. Então, eu acho que é essencial a gente ter essa
noção da gente perguntar e ver se ela se sente à vontade ou não e tentar arranjar um outro
profissional se assim ela não se sentir, porque a gente consegue sim, arranjar um outro profissional
pra poder… ou às vezes, uma mulher junto, talvez, uma mulher junto nesse momento, possa dar, de
certa forma… não precisa ser nem uma profissional médica, poder ser uma enfermeira, pode ser
uma técnica, pode talvez, dar um conforto…né, pra ela nesse momento. Eu acho que falta um pouco
dessa sensibilidade. Não sei se exatamente no momento da violência doméstica porque eu não
vivenciei, mas se falta nessas outras situações que a gente vê…talvez, não, seja algo que a gente
precisa se instituir mais na nossa...
Entrevistador: Você tinha colegas homens no seu grupo de internato?
Estudante 3: Tinha, tinha. Eu tinha, assim, no “M” era um só.

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Entrevistador: Era um só no “M”?
Estudante 3: Era um só.
Entrevistador: E você nunca lembra de… é, perdão, você não lembra de ter vivido alguma situação
em que a mulher falou “ah, não quero ser atendida pelo…”
Estudante 3: Já. Mas não era no… no caso assim de violência mesmo, mas já… já vivenciei sim.
Entrevistador: Era do exame ginecológico?
Estudante 3: Isso, no exame ginecológico e, justamente, por esse menino da minha turma ser tão
preocupado, ele falava, inclusive, quando ele ficou com a minha outra amiga, no estágio de
ginecologia e obstetrícia que a gente tinha no sexto ano, eles ficaram no posto, várias vezes ele não
fazia os exames nas pacientes, porque ele sempre perguntava…
Entrevistador: Sempre perguntava?
Estudante 3: Sempre perguntava, porque tinha minha amiga e tinha ele, era uma dupla, então, ele
sempre perguntava “você se sente a vontade de eu estar aqui?” E aí, elas falavam “não” (risos) e aí,
ele saía.
Entrevistador: Daí elas preferiam ser atendidas…
Estudante 3: Sim…
Entrevistador: … pela colega?
Estudante 3: … às vezes, ele até atendia, mas na hora do exame, tipo, ele saía e deixava ela fazer,
entendeu?
Entrevistador: Ah… entendi.
Estudante 3: Então, de certa forma, essa foi a experiência assim, que eu digo. E ele perguntava,
então, ele ouviu muitos nãos, mas as pessoas não perguntam.
Entrevistador: É verdade, não perguntam. E como você sente que o projeto pedagógico de ensino do
seu curso, ele pode ter influenciado na sua percepção de violência doméstica, e também, na sua
prática médica?
Estudante 3: Hum… Bom, eu acho que… nossa, essa sua entrevista é difícil! (risos). Bom, eu acho
que falta a gente falar sobre. Mas...a partir do momento que a gente vivencia essas situações, ou a
própria discussão que é feita com os preceptores, ou dentro do contexto que a gente tá inserido,
talvez traga uma abordagem teórica, uma base, pra gente começar a discutir o assunto, mas, falta,
eu acho, uma matéria, uma integração curricular de forma mais direta, pra gente poder ter essa
abordagem, porque eu acho que fica muito pelo extracurricular, entendeu? Eu acho que é muito ah…
então você participou de tal liga, que abordou tal assunto, e aí teve uma palestra sobre esse tema,
porque, da graduação mesmo, eu acho que a gente não tem essa abordagem direta.
Estudante 3: Fica meio assim, no cenário que você tá, teve um caso tal, aí o preceptor foi lá e
abordou esse assunto com vocês. E aí, você teve essa prática, mas não é uma questão unificada;
uma questão unificada, falta ... .na minha… na minha opinião.
Entrevistador: Então, você acha que foi algo muito mais pontual e de acordo com a sorte…
Estudante 3: Sim.
Entrevistador: … de você ter esse… essa experiência, do que algo…
Estudante 3: Direto da graduação. Proporcionado direto pela graduação. Eu acho.
Entrevistador: Graduação… Tá certo. E você lembra de alguma experiência que você gostaria de
compartilhar com a gente? Pode assim, não ser necessariamente do atendimento da ginecologia,
mas… às vezes você lembra ah, eu atendi uma mulher, sei lá, na clínica médica, ou na pediatria, era
mãe de algum paciente…você lembra?
Estudante 3: De questão de violência?
Entrevistador: Não. Pode ser tanto de violência, pode ser com relação a questão de gênero, de
sexualidade, o que vier na sua cabeça agora.
Estudante 3: Bom, então eu vou trazer… bom, dessas questões de vivência, eu acho que, no projeto
de extensão que eu realizava com a Eliana, quando a gente foi entrevistar os idosos com
Parkinson…dentro desse… desse projeto, a maioria dos idosos que a gente entrevistou, foram… os
pacientes eram homens…E as suas cuidadoras eram as esposas. E… acaba que a gente via, dentro
das histórias dessas… dessas… desses casais, como a questão do… de certa forma… de uma
submissão da mulher… ainda mais… um pessoal bem antigo, né, então, a mulher… o homem foi
sempre quem trabalhou, e a mulher cuidou da casa e dos filhos. E aí, não ter essa valorização por
parte do companheiro, de tudo o que fez, né, então, falta essa valorização. Aí, quando esse homem
adoece, quem vai cuidar é a esposa e, novamente se torna como se fosse uma “obrigação”. Não há
um reconhecimento desse esposo de que o que essa mulher tá fazendo por ele. É como se fosse a
obrigação dela cuidar dele, e não o quanto ela está abdicando, muitas vezes, da própria saúde dela,
né…pra poder prestar esse cuidado desse relacionamento. Então isso foi algo muito prevalente
nesses lares que eu visitei. E é triste, porque elas estavam totalmente sobrecarregadas, e ainda tinha

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o exemplo de falar “ele não me valoriza, ele não me agradece, ele não percebe o que eu faço, parece
que é uma obrigação”.
Entrevistador: Então, essas pacientes reclamavam muito dessa questão, né?Estudante 3: Sim, sim,
com certeza. Além da sobrecarga do cuidado de uma cuidadora de um paciente adoecido, ainda
faltava o reconhecimento, tanto, às vezes, muitas vezes, por parte desse paciente, e às vezes por
parte da família também. Do que elas estavam fazendo, né.
Entrevistador: A família não reconhecia então, que era…
Estudante 3: Sim. E é muito triste porque, acaba que eram idosas que adoeceram junto também, né.
Então, na questão da saúde mental e, às vezes, em outra situação também, que essa idosinha que
eu mais… que eu sempre frequento… assim, que eu sempre visito, ela é a paciente com Parkinson,
e ela tem limitação de movimento, ela tem é… incontinência urinária, incontinência fecal, e dentro da
casa dela, o esposo dela, não aceita que venha alguma… que o filho ou alguém, pague alguém pra
ajudar ela na tarefa do lar. Não quer ninguém dentro de casa. E ela, dentro das limitações motoras
dela, e de todos esses problemas, tem que ficar dando conta, ainda, de limpar uma casa! Então,
meu… que violência né. Que abuso de poder! E ela era uma paciente que sofreu violência doméstica
desse esposo. Então, esse relacionamento deles, ela nunca entrou em detalhes, assim,
explicitamente comigo, mas… as falas que ela solta, ou soltava, tanto na entrevista ou nesses
momentos em que eu vou visitá-la, são falas de pessoas que esse esposo agredia. E, o quanto ainda
tá presa a esse relacionamento, né, um relacionamento totalmente abusivo, então, é muito triste e é
muito prevalente. E assim, quando você me falou a respeito disso, foram os exemplos que mais veio
na minha cabeça, que foi dentro dessa oportunidade também, novamente, de um cenário de
conseguir ouvir, porque, se você tem que atender uma paciente em vinte minutos porque tá…
“trocentos” para atender, como que você consegue abordar isso? Entendeu? Agora, quando você vai
lá fazer uma visita na casa da pessoa, de um projeto de extensão, fazer uma narrativa em cima
disso, você fica lá, horas, e você cria, de certa forma, um vínculo. Até você conseguir criar um vínculo
pra pessoa chegar nesse ponto, porque ninguém chega falando “eu sou a senhora tal e sofro de
violência há tantos anos”.
Entrevistador: É. Um assunto difícil de conversar, né?
Estudante 3: Sim. Então tem que ser… tem que ter criado primeiramente um vínculo, né. Talvez,
dentro de uma atenção primária à saúde, quantas vezes a senhorinha vai lá e conversa uma coisinha
e tal, chega num momento em que ela chega e você consegue abordar esse assunto. Então, acho
que tudo vai na base do vínculo. E, muitas vezes, quando a gente tá em cenários de… de… na
graduação, que permite a gente seguir um pouquinho “longitudinal” esses pacientes, que são no
estágio de atenção primária à saúde, que a gente vai lá e marca o retorno de novo pra tanto tempo,
ou nesses projetos de extensão, ou na nossa vida profissional, onde quer que a gente vá estar, se a
gente conseguir isso, acho que é algo que a gente consegue abordar melhor, mas, a minha
experiência mesmo, dentro da graduação, acho que foram mais por esses projetos por fora, né…ou
em experiências que eu tive um pouquinho mais de oportunidade de criar um vínculo.
Entrevistador: Hum hum. Entendi. Então, você sentiu que essa… essa oportunidade do vínculo, ela
vem muito das visitas domiciliares, e na atenção primária? Diferente de um cenário de pronto
atendimento, do PA da mulher?
Estudante 3: Nossa… socorro!
Entrevistador: Era muito mais… corrido?
Estudante 3: Sim. E assim, até pela minha vivência, até um desabafo atual, é… você tem tanta
demanda de pacientes para atender, um fluxo, uma sobrecarga, é um profissional pra quantas
mulheres lá pra atender, que você não consegue nem se permitir a isso. Porque acaba que você
presta um atendimento, eu, agora como residente, gostava muito mais do atendimento que eu
prestava como interna, que podia atender meus 1, 2 casos e checar o caso depois, na tranquilidade,
do que agora, eu tendo que atender sei lá quantos, sozinha. E, se eu não atender, cada paciente a
cada dez minutos, vai ficar uma fila gigantesca lá me esperando e brava comigo. Então, a gente
precisa de tempo. E acho que nesse assunto, a gente precisa muito de tempo. Porque, a não ser que
ela chegue falando e trazendo ativamente essa demanda, senão, a gente precisa conquistar essa
mulher. Conquistar… e não dá pra conquistar em cinco minutos. Então, acaba que… são vivências
em cenários mais estratégicos que a gente consegue abordar melhor e, claro, quando isso chega… a
queixa, aguda, é a questão “acabei de sofrer uma violência, acabei de sofrer uma violência sexual”,
acho que aí pára tudo e direciona. Mas, se a gente for parar pra pensar em quantas mulheres são
agredidas na vida toda delas, pra gente abordar essas questões que ficam mais pendentes ao longo
de anos e anos, acho que são em outros cenários, acho que em pronto atendimento acho que é só
quando é agudo mesmo.
Entrevistador: Entendi. E você lembra de mais alguma coisa? Ou não?

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Estudante 3: Bom…Bom, eu acho que… eu acho que é isso, assim, eu acho que dentro desses
cenários, que a gente tem a oportunidade de conhecer melhor as pessoas, eu acho que a graduação
nos proporciona isso, porque a gente tem tanta oportunidade de projetos, vivências que, se a gente
se enquadra nesses… dentro desses… extracurriculares, a gente tem muita oportunidade de
vivência. E de uma vivência e conhecimento pessoal e… e… tanto que vai nos agregar na nossa
vivência na graduação. Mas, da parte da graduação, acho que falta a gente abordar mais esses
temas. Eu acho que é essa a questão principal.
Entrevistador: Tá certo então. É…Estudante 3, eu queria agradecer muito a sua participação aqui
no…
Estudante 3: Imagina.

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ENTREVISTA IV

Entrevistadora: Bom, primeiro a gente começa com uma rodada de apresentação, você fala o seu
nome, a sua idade, e conta pra gente um pouco da sua trajetória como estudante de medicina. O que
que você fez, o que que você não fez ao longo desses seis anos.
Estudante 4: “Topzeira”. Legal, ainda mais nesse momento de fechamento de ciclo, final de sexto
ano, você fazer uma pergunta dessa, é sacanagem! Meu nome é Estudante 4, eu estou com 25
anos, faço 26 em setembro deste ano…
Estudante 4: Eu falo pra todo mundo que eu fui uma pessoa, sou uma pessoa que viveu e está
vivendo intensamente a FMB, os seis anos. Eu topei tudo, participei de muita coisa, então, eu
considero que a minha trajetória foi muito rica. Acho que um dos primeiros conselhos que eu ouvi
quando eu entrei na faculdade, eu falo isso pra todo mundo, é de… é… mergulhe em tudo, tire suas
próprias experiências de todas as vivências e aprendizados que você vai ter antes de apenas ouvir
os conselhos que as pessoas vão te dar, que, muitas vezes têm viés, são direcionados, né. Foi a
melhor coisa que eu fiz, participei de tudo, mas acho que, um direcionamento que eu posso dar pra
essa minha trajetória é a questão do… do engajamento que eu tive, assim, principalmente estudantil,
né, fui uma pessoa que, desde o início participou do movimento estudantil, desde o primeiro ano,
participei das reuniões do CAPS, no segundo ano já fui gestão, tive um movimento um pouco mais
amplo com a medicina nacional, também, através da nossa executiva de curso, mas eu nunca fui
uma pessoa muito chegada no universo da medicina, pelo contrário, eu evito, não gosto muito de
ficar só nesses espaços, então, eu tive muita oportunidade de conhecer gente dos outros cursos, né,
e foram, com certeza, os melhores momentos que eu tive, assim, nessa trajetória de seis anos, né.
É… me envolvi com muita coisa, eu sou uma pessoa dedicada, meio metódica com a questão dos
estudos, então, nesse sentido, eu sinto que eu aproveitei bem, e aí, é curioso isso, que eu tô no
sexto ano e estou meio que tranquilo assim, que normalmente, esse ano é um ano de
preocupações…nossa, mercado de trabalho...
Entrevistadora: Verdade.
Estudante 4l: … como a gente vai fazer e tudo mais...
Entrevistadora: Residência...
Estudante 4: ...é. E apesar de ter essas preocupações, eu tô muito seguro e tranquilo, assim, foi uma
bela trajetória, uma bela formação, me tornei um grande homem, eu entrei aqui menino, eu entrei
aqui menino, me tornei um grande homem, e é isso. O mundão está de braços abertos e eu tô… tô
com a foice e o escudo (risos) pra encarar todos os desafios que virão, né. E, uma… pra fechar...
Entrevistadora: Eu ia perguntar pra você, como foram esses anos de movimento estudantil, pra
você?
Estudante 4: Muito rico. A gente… jovem, rebelde, né, a gente tem aquela mania de achar que sabe
de tudo, entende das coisas, os poucos espaços que você entra, interage, você acha que tem mais a
contribuir do que… do que acrescentar e absorver, e esse, foi um grande aprendizado no movimento
estudantil, tipo, ter uma paciência histórica de que as coisas não se resolvem pra amanhã, e saber
que, essa minha trajetória ia ser formada com o auxílio e a participação das pessoas, então, se fosse
pra dar um resumo desses tempos de movimento estudantil, é aprendizado, muito aprendizado,
trocas, pessoal que tem muita experiência, vivência, olhares diferentes, né, e que, acrescentaram
muito pra como eu vejo o mundo, como eu vejo a sociedade, como eu vejo quem eu sou, e as
atitudes que eu vou fazer, assim, né. Movimento estudantil é muito legal porque você passa enxergar
as coisas de uma forma muito mais ampla, né, você sai do seu quadradinho, sai da sua realidade,
é… entender como alguns movimentos, alguns processos são muito complexos, que dependem de n
fatores, e que, às vezes, você é só mais um… um fator que contribui pra isso, mas que não é
determinante, né, é um quebra-cabeça, um jogo de xadrez, e é político, tudo é político, se tudo é
político, você entender as coisas com esse olhar crítico e político, faz bem, faz bem pra saúde, faz
bem pra alma, pra mente e pra saúde mental nossa (risos).
Entrevistadora: Estudante 4, e você se envolveu em algum projeto de extensão nesses seis anos?
Estudante 4: Tá. Eu brinco que eu sou o menino extensão da FMB, realmente, assim, sem modéstia,
sem nada, se tem alguém que realmente participou de projetos de extensão nessa faculdade, fui eu,
assim, e, nessa de… primeiro porque o conceito, a concepção é uma coisa que eu acredito muito,
esse… esse estar de mãos dadas com o universo que extrapola, então, você estar em contato com a
população, aprender com a população, dialogar e pensar formulações pra universidade, que vem de
fora, né, que normalmente, é tudo aqui dentro, fechado, nas cabines, nos departamentos, e, a
extensão extrapola essa lógica, assim né, e faz você ver a universidade com outros olhos. Desde o
primeiro ano, também, sempre participei… é… não lista, né, tudo o que eu fiz, porque aí… mas
assim, participei de vários projetos com várias vertentes diferentes, né, mas foi muito rico, inclusive,

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participei da criação de inúmeros projetos, assim, de você sentar, estruturar, pensar junto com os
professores, com o pessoal da área que tá propondo aquele projeto, ir buscar na população também,
é… entender quais são as demandas, o que fazer, como fazer, em quanto tempo, enfim…

Entrevistadora: Estudante 4, e a próxima pergunta se relaciona com a primeira, tá, que é qual que é o
seu projeto profissional ou de vida, tanto faz, pra depois da formatura?

Estudante 4: Só perguntas capciosas né? (risos). Para uma pessoa que está no sexto ano! Isso daí é
gatilho para um monte de coisa gente! Olha, muitos né, é… pessoas jovens, acho que o grupo de
pessoas que estão nessa fase é… e aí, eu me englobo nelas, é uma perspectiva bem dura porque é
isso, parece a sensação de que você vai fazer escolhas que vão impactar pro resto da sua vida. E o
Charles Brown, se eu não me engano, tem uma música que tem uma frase que fala sobre isso, que
escolhas envolvem renúncias. E, a partir do momento que você precisa negar, ceder alguma coisa,
isso dói, traz sofrimento, né, então, é uma fase delicada pra gente nesse sentido assim, mas, apesar
disso, eu estou muito positivo. Hoje, no almoço, eu tava com o pessoal um pouco de perspectivas…
que carro a gente quer ter…que casa, pra onde eu vou viajar, que são perspectivas bem materiais
assim, né, que fazem parte também desse contexto que a gente vive, desse modelo de sociedade
que faz a gente… que faz a gente almeja é… esse tipo de coisa, mas pra além disso, tem todo esse
aspecto filosófico do que é ser o ser humano e o quanto você vai estar feliz consigo mesmo pelas
coisas que você fizer, né, eu ainda não decidi a área que eu vou seguir…

Estudante 4l: Terminei, né. É, pra não ficar feio, né. é… dos meus aprendizados, se foram
suficientes?

Entrevistadora: É, você acha que faltou algo no aprendizado?

Estudante 4: Ah, com certeza. Gente, sempre falta, por mais que a formação seja a mais avançada
possível, né. Agora, o que eu senti muita falta...

Entrevistadora: Um ponto principal?

Estudante 4l: É… os pontos principais: ter contato maior com isso, então, por exemplo assim, ter um
estímulo no currículo de falar ó, gente, agora vamos ter semanas, momentos, e uma coisa contínua,
de longo prazo, progressiva, todo ano ter isso, em diversos… em diversas etapas de todos os anos
da graduação, você ter isso, o movimento da universidade do currículo do tipo...é… vamos conversar
com pessoas que tiveram esse tipo de sofrimento, da questão da violência doméstica, né, é essa a
questão...

Entrevistadora: Certo.

Estudante 4:… vamos conversar sobre isso, vamos ver o que existe de leis e formulações sobre isso.
Vamos conversar com pessoas que sofrem isso, mas que da nossa cabeça a gente não pensaria que
sofrem isso, mulheres trans, é… enfim, diversas formas, né, é… mulheres negras na periferia… é…
qual é a diferença de quem tá na periferia e quem não tá. A violência é diferente? E no quesito
saúde, impacta eu saber que essa violência é diferente para ofertar um cuidado diferente? Com
certeza. Então, em nenhum momento teve isso e, materiais, eu acho… ó, com certeza faltam, né,
são escassos, mas com certeza, existem e a gente não tem contato com essas referências. Então, o
que que existe de artigo, de publicação, de discussão, de livros que abordem essas pautas? É… nem
que o campo desses materiais sejam a sociologia, a filosofia, não tem que ser excludente, né, ah… a
gente é da medicina, da saúde, não vai ver sobre isso, pelo contrário, a gente enriquece ainda mais a
nossa formação e o entendimento sobre o mundo quando a gente extrapola o que é nosso e, talvez,
pelo conhecimento que existe, pelas formulações sobre isso virem dessas áreas, principalmente das
sociais, eu sinto que tem muito estigma, disso não ser passado pra gente também.

Entrevistadora: Certo. E você entende que é papel do médico abordar problemas da vida cotidiana
das mulheres?

Estudante 4: Eu acho. Diante dessa… desse fuzuê todo aí, que eu tô falando, de determinação social
do processo saúde doença, do cara que viveu extensão e estar inserido na comunidade, que entende
o adoecimento… o adoecimento e as inúmeras formas de adoecimento como de… de base social, eu

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preciso entender a realidade dessas pessoas, onde elas estão inseridas, como são, inclusive, as
dinâmicas. As inúmeras formas de relações, seja no ambiente de trabalho, com a família, com
amigos, pra entender como isso impacta na saúde dela. Então, com certeza… qual é a pergunta?
Entrevistadora: Se você entende...
Estudante 4: se é papel… com certeza, um papel ativo, que a gente tem que fazer, inclusive ir em
busca dele se ele não vem até a gente, porque, muitas vezes, não vai vir… não vai ser dentro do
consultório, não vai ser atrás da mesinha ali perguntando “você tá bem? É legal? Suas relações
estão boas? “. que não vai acontecer, tem que bater perna galera, profissional de saúde tem que
estar na rua, na comunidade, é… entendendo como essas pessoas se estruturam e se… e
acontecem aí.
Entrevistadora: Agora, uma pergunta difícil também. Durante a graduação, você vivenciou algum
atendimento de violência doméstica contra a mulher? E, se sim, você pode contar como foi a
experiência desse atendimento?
Estudante 4: Tá. Doméstica...
Entrevistadora: Você lembra?
Estudante 4: Eu acho que a minha resposta também fica limitada, pelo conceito, porque ó, uma
pessoa que não entende, como eu, fala assim “ó, um atendimento que envolva violência doméstica,
né, muitas vezes a gente limita, né, tipo, ah, não é doméstica essa forma de violência, mas eu acho
que aquele do pronto socorro da psiquiatria foi um...e tinha um outro na cabeça aqui pra falar.
Entrevistadora: Você lembra de algum da G.O.? Ou não? Ou na obstetrícia?
Estudante 4: Eu tenho uns exemplos básicos, que são formas de violência doméstica, eu acho que
vale compartilhar, na minha concepção, qualquer coisa, se eu estiver errado… é, por exemplo, uma
paciente que tem algumas comorbidades, por exemplo, hipertensão, diabetes, é… e ela precisa usar
algumas medicações, mas a dinâmica familiar dela, ela tem, por exemplo, um companheiro religioso,
que acredita que a cura para essas questões que ela tem é… é de uma ordem mais espiritual e um
acerto com Deus, por exemplo…
Entrevistadora: Já teve isso?
Estudante 4: Já tive, já tive essa experiência. No consultório, atenção primária. E aí, interferir na
saúde dela a ponto de não deixar ela fazer uso das medicações, que a gente sabe, com evidência
científica que tem um papel importante, por essas concepções da pessoa…
Entrevistadora: E era você que tava atendendo?
Estudante 4: Também, é. E, pra mim, isso é uma forma de violência doméstica, não sei, na categoria
que se enquadra e tudo mais, mas repercute no dia a dia, na saúde dela, e aí, fala de um ponto
importante na saúde, que é a autonomia, autocuidado, planejamento terapêutico singular, que é isso
de você trazer o paciente pra… ativamente ali pra… pra consulta e tal, pra ela entender o que que
acontece com ela, o impacto que isso vai ter, futuramente na vida dela, o que que o tratamento traz
de benefício ou não, ou de malefício, pra ela também ter uma escolha sobre isso, “eu quero tomar as
medicações”. Porque, o que aconteceu nessa situação, é que o marido impunha o que ela ia fazer, e,
às vezes, sem respeitar a vontade dela ali.
Entrevistadora: E você tava atendendo sozinho?
Estudante 4: Não, não tava sozinho dessa vez, porque foi no começo, terceiro ano, eu acho, IUSC.
Entrevistadora: Então, o médico que tava junto com você, você sentiu que ele teve essa abordagem
que você falou da questão do autocuidado, da autonomia? Como é que foi esse atendimento? Ou
você achou que não?
Estudante 4: Não. A princípio não. Era um médico que tava… é aquela coisa, submetido naquela
lógica produtividade dos atendimentos, eu preciso atender rápido…tem uma fila imensa lá fora, tenho
que dar conta e não vai ser aqui que essa pessoa vai resolver, sendo que tava na atenção primária.
Não vai ser aqui que essa pessoa vai resolver esse tipo de problema. E aí quis tocar pra frente,
passar pra frente. Só que aí, foi interessante, que era uma unidade que tinha o NASF, aquele núcleo
ampliado, núcleo de apoio à saúde da família e tinham outros profissionais, serviço social, psicologia,
que são o pessoal que faz esse acolhimento também. E aí, foi legal, que junto com esses outros
profissionais, a gente fez essa abordagem.
Entrevistadora: É um processo. E você, se sente apto, hoje, para prestar um atendimento
humanizado e integral, a uma mulher em situação de violência doméstica? Num paciente que,
porventura, você possa atender?
Estudante 4: É… eu acho que não, acho que, mesmo quem é super capacitado pra isso e teve
contato…
Entrevistadora: E olha que você teve perspectiva crítica…
Estudante 4: É… é.
Entrevistadora: Você não se sente apto?

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Estudante 4: Não, não. Assim, apto não, porque é isso, tipo, apto com qualidades técnicas, é quem
teve uma formação adequada com isso, então, tecnicamente, a gente não é apto, não está
preparado, aí assim, a partir de movimentos individuais, você tá um pouco mais preparado pra isso,
né, e eu, acredito que eu esteja nessa linha assim, de estar mais preparado, por ter tido mais
contato, ter buscado esse tipo de informação e, por ter esse cuidado maior, eu sou assim, eu
funciono desse jeito, é com atenção…
Entrevistadora: E qual é a sua percepção sobre uma mulher, em situação de violência doméstica, ela
ser atendida por um médico homem ou por uma médica mulher? Qual é a sua percepção?
Estudante 4: … já tive, já tive discussões nessa linha, é… do tipo, ah… um médico do sexo
masculino, do gênero masculino, que vai atender uma mulher…
Entrevistadora: Em situação de violência.
Estudante 4: Nesse caso específico, ainda, violência e violência doméstica...
Estudante 4: É… sempre que eu conversei com colegas, né, muitas vezes, tinha um movimento do
tipo ouvir isso e ficar um pouco resistente, assim. Até hoje, parece que a G.O. é uma área
eminentemente feminina assim, e olha que maluco, nos espaços de poder não, olha pros nossos
docentes! Olha que maluco isso, gente! É muito essa questão de poder, de hierarquia, de opressão
da sociedade, né? Eu acho que, muitas vezes, você ser do sexo feminino ou do gênero, né, feminino,
também, facilita, por você ter um entendimento melhor e, por aquela questão de transferência e
contratransferência a gente aprende em psicologia. Então, é mais fácil, eu acredito, tanto pra
paciente, quanto pro profissional que tá ofertando um cuidado, ele conseguir estabelecer um vínculo
maior, só por já ter essa relação mais próxima, que, muitas vezes, pra questão do outro gênero, do
outro sexo, é um pouco mais limitante mesmo, entender as dores de uma menstruação…entender o
que é uma cólica, entender mesmo ali, sentir, porque tem aquela questão da empatia, compaixão.
Então, é importante, mas eu não acho que é limitante, é importante mas não é limitante, porque é
isso, se você tem um cuidado humanizado, se você tá ali disposto, com calma, com carinho e com
sabedoria sobre essas questões, eu acho que é super possível você ofertar um cuidado para
mulheres, fazer um atendimento para mulheres que estão em situação de violência doméstica, né.
Aliar a técnica com a ética profissional que aí, não tem erro assim, eu acredito né, às vezes eu posso
estar idealizando isso também.
Entrevistadora: Você acha então que tem essa diferença em ser atendida por uma profissional...
Estudante 4: Eu acho que existe..
Entrevistadora: Posso te fazer uma pergunta capciosa?
Estudante 4: Bora. A última.
Entrevistadora: É… essa daqui não é a última, só puxando aqui do que você tá falando.Teve alguma
mulher que, assim, na hora de fazer o exame especular, por exemplo, já que você tá falando da
ginecologia, ela não quis fazer com você por você ser homem?Estudante 4: Desse jeito não. Não
chegou… não precisou chegar nesse ponto. Mas já teve um movimento meu, de chamar alguém pra
fazer comigo…por entender que a pessoa não tava confortável. Aí, acho que duas coisas, uma é a
questão do vínculo, no atendimento que eu falei, então, muitas vezes, por exemplo, na gineco;
poderia ser em qualquer área, né, a pessoa vai estar desconfortável no início da consulta, você vai
criando um vínculo…… por exemplo, esse estigma do tipo “ai, a mulher tem que estar super bem
cuidada e cheirosa pra uma consulta, e, se não for assim, tá tudo errado”, e ela, vai se sentir mal por
isso. Por exemplo, teve uma vez, não sei nem se pode falar…Teve uma paciente que ela… acho que
não tinha tomado banho de manhã, pra ir pra consulta e não tinha se depilado. Por exemplo, era um
dia quente, ela se suou e tudo mais, e ela imaginava que não fosse fazer o exame naquele dia e ela
tinha indicação de fazer o exame ginecológico. E aí, quando chegou nesse momento, deu pra ver
que ela ficou muito desconfortável, muito sem graça, se culpando…e ela pediu pra ir no banheiro. E
aí, olha que maluco, né gente, tipo… mesmo ali, com vínculo maior e tudo mais, ela não se sentiu
confortável pra falar “olha, eu não tô confortável, eu não me preparei, tô me culpando por isso e tudo
mais. E o que ela fez, foi se limpar no banheiro ali…com papel, por exemplo, tipo, uma atitude que
vai melhorar alguma coisa. E aí, na hora do exame, ela tava… com muito papel por ter tentado
limpar.Esses momentos, fazem a gente refletir. Por que isso aconteceu? Eu percebi, por exemplo,
que essa foi uma situação que eu chamei uma colega pra fazer junto comigo e aí, eu não fiquei no
exame, eu fiquei do lado dela, segurando a mão dela, conversando…e a colega fez o exame…e aí,
depois, ela ficou muito à vontade, assim, confortável. Por exemplo, né, não é… não tem uma receita
de bolo.

Entrevistadora: Estudante 4, como você sente que o projeto pedagógico de ensino do seu curso, ele
pode ter influenciado na sua percepção de violência doméstica e na prática médica?

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Estudante 4: Resumindo, eu sou uma pessoa que, minimamente entende um pouco sobre isso,
entende o que são as diretrizes curriculares nacionais e o projeto político pedagógico de curso, né,
que é nessa linha do macro pro micro. Então, existem diretrizes estabelecidas sobre o que precisa
ser ensinado no currículo das faculdades de medicina do Brasil, e o projeto político pedagógico é um
movimento que a universidade vai fazer para concretizar isso. E aí, ele pode ser particular, ele pode
mudar de um lugar pro outro e ele tem meio que a cara da FMB, porque são as pessoas que tão aqui
que constroem, né, esse projeto político pedagógico. É… o que eu acho… difícil hein, difícil essa
pergunta, mas assim, eu acho, eu acho que sim, houve avanços, não à toa aí, dez anos discutindo o
currículo para tentar alguma mudança e, antes disso, acho que também, pessoas que participaram
da construção desse projeto, eram bem intencionadas e objetivavam, buscavam isso, igual eu falei,
se na construção do SUS, teve pessoas militantes que participaram dessa luta e levantaram essas
pautas das mulheres, eu acho o nosso projeto político pedagógico também, com muitas limitações,
eu acho, né, e que ainda são muitos presentes. Eu acho que a concretude disso, é quando a gente
olha pro nosso currículo e pros seis anos que a gente passa aqui. Não adianta ter um projeto político
pedagógico que não se concretize, porque é isso, não depende de uma pessoa que redigiu o projeto
político, né…e não adianta também não ter, é preciso ter. mas é um movimento mais amplo, de estar
na escrita do projeto e de ter um movimento ativo, a praxes que a gente fala, né, disso, no nosso dia
a dia, um incentivo, uma cobrança até dos órgãos colegiados. O conselho de curso, estar sempre
atento, o conselho de classe sobre isso… “ah, isso tá sendo feito?”. Fazer repasses dos
departamentos sobre isso. Porque isso é a universidade, gente, isso é lidar profissionalmente com as
coisas. Eu sinto que, muitas vezes, e acredito que, em outros lugares isso aconteça também, a gente
lida de uma forma nada profissional sobre esses assuntos, muito amigável, muito baseada em ah…
disputinha, não quero ficar mal com aquela pessoa… mano, é universidade, é ciência, leis, política,
tem que… tem que concretizar essas coisas. Então, eu acho que não. Teve movimentos no sentido
de melhorar, com certeza, mas, na prática nossa, são pequenos, são mínimos, por mais que eu cite,
né, que a gente, recapitulando, você resgata momentos que aconteceram isso, mas é a minoria,
dentro de um currículo de seis anos, de período integral, que você é massacrado dentro do hospital e
dentro da universidade, você, pontualmente, discutir sobre isso, né. Então, acho que falta avançar
muito.
Entrevistadora: Então, você acha que essa percepção de violência doméstica e a sua prática médica
que você tem hoje…você acha que o projeto político pedagógico do curso, ele foi de um lado e você
foi do outro?

Estudante 4: É. Eu tenho uma visão, de que as coisas, também, elas são contraditórias, contradição
pura, né, a realidade e, às vezes, é… coisas negativas, acontecem, através delas, que acontece algo
positivo também. Então, não… não que eu gostaria que fosse assim, né, mas é a realidade,
contradição. Tendo contato com tanta coisa ruim, é… escória mesmo, de comentários de professores
e essas deficiências de currículo, surge essa necessidade de buscar, de se informar e de entender
melhor. Isso, é uma contradição que eu vejo presente, então, essas deficiências do projeto político,
que as diretrizes nacionais e que as disciplinas que não conseguiram passar pra gente, no meu caso,
específico, eu busquei, de outras formas, preencher esses vazios.Infelizmente eu sei que isso não
acontece isso pra todo mundo, pelo contrário, é a minoria das pessoas que vão fazer esse
movimento, né, e é por isso que eu acho que tem que ter um movimento maior, tem que ser uma
coisa da universidade, do currículo, né, não depender da vontade de cada um.

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ENTREVISTA V

Entrevistadora 1: Então, a gente vai gravar a entrevista, com a Isabela, que tá no quinto ano, né, e o
objetivo dessa… do estudo da Entrevistadora 2, é compreender as percepções de alunos que já
estão finalizando o curso médico, né, sobre, justamente a formação que você teve na graduação, em
relação ao tema da violência doméstica contra a mulher, tá. É… eu vou pedir, Isa, pra você se
apresentar um pouquinho, falando pra gente, seu nome completo, idade, um pouco da sua trajetória
como estudante de medicina, tá. E, você pode ficar tranquila, a gente não vai usar nada que você
falar que você não quer que a gente use, no estudo, e também, a gente não vai citar seu nome em
momento nenhum, de forma alguma, tá bom?
Estudante 5: Tá bom.
Entrevistadora 1: E também, tudo o que a Entrevistadora 2 gravar, é… depois de estar transcrito, ela
vai desprezar a gravação, e também, ninguém vai ver, isso é uma coisa que fica só entre ela, a
transcrição, e depois ela despreza essa gravação.
Estudante 5: Tá bom. Então, meu nome é Estudante 5, eu tenho vinte e três anos, tô no quinto ano,
primeiro ano de internato, é… passei aqui na Unesp em 2018, aí a gente começou fazer iniciação
científica desde o primeiro ano, é… e sempre procurei saber bastante questões de saúde da mulher,
tanto para uma questão de autoconhecimento, mas porque é uma coisa que tem muita… eu acho
que ainda é muito pouco falado, né, então, eu sou monitora de obstetrícia, fiz parte da Liga de
ginecologia e obstetrícia, sempre tentando estar mais por dentro do assunto.
Entrevistadora 1: Ah, muito bom.
Entrevistadora 2: Você fez algum projeto de extensão, Isa?
Estudante 5: Fiz. Fiz vários projetos de extensão.
Entrevistadora 2: Conta aí.
Estudante 5: Eu fiz parte da Biblioteca sobre rodas por dois anos, e fiz muitos projetos com a
professora Dionísia, desde o primeiro ano.
Entrevistadora 2: Legal.
Estudante 5: Fiz um projeto que… é… envolvia a inserção de jovens no mundo do trabalho, e
também fiz dois anos sobre saúde mental dos professores no contexto da pandemia.
Entrevistadora 1: Que bacana.
Entrevistadora 2: Bem interessante.
Entrevistadora 1: Professores da rede pública?
Estudante 5: É. Era da rede pública, mas aí, com o distanciamento, a gente abriu pra rede pública e
privada também.
Entrevistadora 1: Tá.
Estudante 5: Fiz parte do projeto do Origami também, com a professora Kika...e … acho que tem
mais coisas que eu não consigo lembrar, mas tem mais projetos.
Entrevistadora 2: Tá ótimo
Entrevistadora 1: Então assim, é… a gente vai tentar focar primeiro numa coisa mais geral, e depois
a gente vai focando, tá?
Estudante 5: Hum hum.
Entrevistadora 1: Então, assim, você já tem alguma ideia, assim, do que você quer fazer depois de
você formar… depois que você se formar… você tem alguma ideia?
Estudante 5: Eu pretendo fazer alguma especialização. Eu quero continuar meus estudos, fazer
residência, se eu tiver oportunidade, eu seguiria a carreira acadêmica, mas não só ela. Mas, qual
especialidade seguir, eu ainda não sei.
Entrevistadora 1: Você tem alguma ideia?
Estudante 5: Eu acho que eu vou mais pra alguma área clínica, talvez, oncologia, endocrinologia,
algo assim, que não seja cirúrgico.
Entrevistadora 1: Tá. E, assim, é… essa ideia de ser professora… como é isso?
Estudante 5: É mais um… na verdade é mais uma questão de… de gostar de pesquisa, de estudar e
de entender como chegam nos protocolos e nas… nas novas descobertas que a gente tem na
medicina. Seria mais nesse… nesse contexto.Entrevistadora 1: Tá legal. E assim, como é que você
poderia contar pra gente, um pouco assim, como é que você avalia, como é que você descreve a …
o aprendizado que você teve, em relação à saúde da mulher, na sua graduação?

Estudante 5: Tá. Eu lembro que, na minha graduação, a saúde da mulher, ela foi abordada em
diversos momentos, é… e eu lembro que, desde o primeiro ano, eu tinha um pouco de acesso com
isso, graças ao IUSC. No IUSC, eu comecei a ter contato, porque a gente acabava tendo é…
acompanhando algum paciente que tinha alguma questão relacionada à saúde da mulher, e aí, a

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gente acabava tendo essa discussão. Então, eu lembro que meu primeiro contato foi assim. Depois,
pela Liga, né, de ginecologia e obstetrícia, foi quando eu também tive contato...

Entrevistadora 2: Isso, no primeiro ano, né?

Estudante 5: No primeiro ano, isso. E aí, depois, foi mais… é… foi mais assim, pela questão da grade
curricular mesmo, quando eu comecei a ter a semiologia, e depois, quando eu entrei pra monitoria de
obstetrícia também, que a gente acaba querendo ou não, abordando, porque os assuntos aparecem,
né.

Entrevistadora 1: E como que… nessa monitoria, como que aparece a saúde da mulher? É mais num
contexto biológico, mais na integralidade do cuidado? Como é que você poderia me dizer um pouco?

Estudante 5: Eu acho… eu acho que surgem mais na… na… acho que é os dois, mas pra mim evolui
mais a integralidade, porque é a visão que eu tenho de quando eu tô lá, porque, nessa monitoria, nós
damos plantões, né, e aí, quando você tá no plantão, embora seja de obstetrícia e, normalmente
você vai ter uma gestante ou puérpera, tem muitas outras questões que estão envolvidas, por ela ser
mulher, então, a gente acaba avaliando, aproveita aquele momento, é como se fosse uma janela de
oportunidade, então, por mais que ela esteja lá porque ela é uma gestante, a gente aborda todos os
outros aspectos que forem possíveis no momento.

Entrevistadora 1: Teve alguma situação, na monitoria, ou nos estágios, que você considera que foi
falado sobre violência obstétrica, sobre alguma questão de violência contra a mulher?

Estudante 5: Eu lembro que eu já tive… é… alguns assim… alguns encontros, assim, informais,
nunca foi algo formal, nunca tive uma aula sobre isso, mas, num plantão que eu já dei na monitoria,
tinha um caso que elas suspeitavam que, talvez pudesse estar envolvendo uma violência… é… um
caso de violência doméstica contra a mulher que a gente tava atendendo.E ai, acabou que, a
professora abordou e discutiu com a gente, eu vi toda a conduta que ela foi tomando, então, foram
mais assim pontos de, na prática, se surgia o tema, tinha uma discussão mais informal.

Entrevistadora 1: E em relação à violência obstétrica? Foi tratado com vocês, foi discutido?

Estudante 5: Pra mim, também sempre foi mais informal, sabe, assim, porque varia muito de… é…
do… de médico pra médico, né, o que uns consideram como violência, outros já banalizam mais,
então, aí, depende muito de cada um, mas sempre foi mais informal.

Entrevistadora 1: Tá. E, assim, é… com relação à questão de gênero, você lembra se teve alguma
aula, alguma discussão?

Estudante 5: Nunca.

Entrevistadora 1: Não? Tá. E, assim, alguma questão que te marcou, que… você lembra de algum
caso que envolvia violência doméstica contra a mulher?

Estudante 5: Ah, o único… a única vez, mesmo, de que eu vi, na prática, que era uma suspeita
mesmo, foi esse caso que eu acompanhei, era uma mulher que chegou no pronto atendimento da
maternidade, e ela tava acompanhada do… do esposo dela, naquele momento, e aí, a médica que
atendeu ela, sentiu, teve a sensação de que, durante a consulta, ele dava sinais de que… é… tava
reprimindo ela, tentando é… ele tentava guiar a consulta, uma situação assim. E aí, foi pedido pra ele
sair da sala pra fazer o exame, aí conversaram com ela e perguntaram “você tá sofrendo violência?
Tem alguma coisa que você quer falar, que não seja na frente dele?”. Foi a única…

Entrevistadora 1: E como foi a reação da mulher?

Estudante 5: Eu lembro que, ela tava muito abalada psicologicamente, eu não lembro o motivo dela
ter ido até lá, mas eu não sabia se esse abalo era relacionado a uma possível violência ou não, mas
ela negou, ela falou que não tava acontecendo nada, que tava tudo bem, que ela só tava muito
ansiosa, que ela tava emotiva, mas que não tinha nada a ver com ele.Daí, eu lembro que depois a
médica discutiu com os chefes, daí os chefes foram lá, “reconversaram” com ela de novo pra… pra

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ver se ela se sentia mais confortável, falando com outra pessoa, talvez, mas aí, eu lembro que ela
negou tudo, mas, na percepção deles, poderia ter alguma coisa ali.

Entrevistadora 1: Tá. Teve alguma sensação de ter…

Estudante 5: Isso.

Entrevistadora 1: Fora esse caso, teve alguma outra vez?

Estudante 5: Aí, eu não acompanhei nenhum outro.

Entrevistadora 1: Tá. E assim, quando você… essa vez, ou alguma situação, que você sentiu que…
em alguma outra área eles precisaram abordar o tema da saúde mental, pra ver se abria um pouco
esse espaço pra falar da violência contra a mulher?Ou mesmo quando você passou na psicologia?
Você lembra, assim, dessa abordagem mais da saúde mental, para captar alguma questão?

Estudante 5: Ah, na verdade assim, eu tenho a sensação que, muito quem traz esse aspecto, são os
internos, né, nós, quando estamos, por exemplo, passando no estágio de ginecologia e obstetrícia,
ou qualquer outro estágio, quando a gente atende uma mulher, ou qualquer mesmo outro paciente,
trazer a questão, né, de… do estado mental e como isso interfere, né, pensando na integralidade, eu
sinto que é mais um movimento dos internos, que a gente traz, aí nós vamos discutir os casos com
os chefes, aí nós levamos, e aí eles falam, “ah, mas esse ambulatório não é disso, é disso aqui”, mas
aí a gente fala “tá, mas é um todo”.

Entrevistadora 1: Tá. E aí, quando vocês falam isso…

Estudante 5: Aí tem uma abordagem.

Entrevistadora 1: Você sentiu que dá pra discutir?

Estudante 5: Sim, dá.

Entrevistadora 1: Dá pra trazer?

Estudante 5: A maioria dos médicos com quem eu chequei, sempre dá.

Entrevistadora 1: Tá.

Estudante 5: E aí, quando tem um serviço de psicologia ali no… associado ao serviço que a gente tá
disponível, a gente encaminha, quando é necessário o envolvimento da psiquiatria, a gente pede a
inter consulta, quando precisa, ou quando não, a gente encaminha com uma cartinha pra UBS,
pedindo que faça o acompanhamento também.E conversa, lógico, com a paciente.

Entrevistadora 1: E teve algum caso que você lembra?

Estudante 5: De que…
Entrevistadora 1: De saúde mental, violência?
Estudante 5: Envolvendo violência não.
Entrevistadora 1: Não?
Estudante 5: Nenhum outro que eu tenha acompanhado.
Entrevistadora 1: Tá certo. E assim, é… você acha que faltou alguma aprendizagem sobre esses
temas? Você gostaria que no seu curso tivesse sido falado mais sobre violência contra a mulher?
Estudante 5: Com certeza.
Entrevistadora 1: Tem algum momento que você acha que isso tava certo... se você pensar, do
primeiro ao quinto ano, tem algum momento que você acha que isso precisaria ser trazido de uma
forma mais… completa… mais…
Estudante 5: Eu acho que entre o quarto e quinto ano, quando a gente tem a semiologia ginecológica
obstétrica, e depois a gente vai… é… literalmente pro internato, acho que seria importante, porque,

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é… não aconteceu comigo, mas outras pessoas no estágio, podem ter se deparado com situações
como essa e eu, não me sentiria segura para abordar isso sozinha…
Entrevistadora 1: Entendi.
Estudante 5: … eu não saberia como conduzir, sabe, e, é lógico que, não tem como preparar a gente
pra tudo, né, mas eu sinto que, talvez, ter conversas sobre isso e, talvez, até compartilhar, sabe,
experiências, como eu fiz quando eu lidei com um caso desses, sabe, talvez, preparasse a gente,
porque tornaria isso mais real, porque a gente ouve muito, mas é muito pouco, é tudo muito
superficial.
Entrevistadora 1: Tá.
Estudante 5: Essa é mais… é como eu penso assim, que poderia ser.
Entrevistadora 1: E aí, você acha que isso seria entre o quarto e quinto ano?
Estudante 5: É.
Entrevistadora 1: E em qual área especificamente, você acha que esse tema deveria ser trazido?
Estudante 5: Como… é… eu acho que o melhor, talvez, lugar, é que eu não sei, talvez o mais fácil
fosse quando a gente tem psicologia. No quarto ano, a gente tem psicologia médica, né…e aí, eu
acho que, talvez, seja um espaço que… é… esteja mais aberto pra incluir um tema assim, porque,
por mais que…
Entrevistadora 1: E você não teve esse tema na psicologia?
Estudante 5: A gente teve, mas pra mim, é tudo uma coisa assim, muito mais superficial…muito mais
teórica. Eu acho que o que me faltou, é uma coisa mais voltada pra nossa realidade, sabe, e aí, eu
acho que, talvez, trazer um pouco isso, é... tornar mais real o que é falado, seria…
Entrevistadora 1: E assim, como é que você vê o papel do médico pra ele abordar alguns problemas
da vida cotidiana das mulheres, assim? Como é que você enxerga assim? Você como médica,
assim? Como é que você consegue pensar, se você acha que esse é um papel do médico e s você,
consegue se ver, assim, abordando um pouco mais essa integralidade no cuidado da mulher?
Estudante 5: Eu prezo muito a autonomia, mas eu sinto que, pra ter autonomia, o meu papel é passar
informação e garantir que aquela informação esteja sendo bem compreendida. Então, o meu papel
como médica, na verdade, é tentar entender qual o conhecimento daquela pessoa sobre si mesmo,
por exemplo, no caso, estamos falando dessa mulher, sobre sua condição como mulher e tentar ver o
que ela precisa de informação de mim, que eu possa dar pra ela, pra que ela possa ter qualidade de
vida, sabe, então, eu penso assim, que eu não posso tornar ela dependente de mim ou de qualquer
outra medida médica, mas eu tenho que dar informação pra que ela tenha autonomia pra ter uma
qualidade de vida. Eu me vejo pensando em abordar assim.
Entrevistadora 1: Tá. E como que você acha que você pode abrir essa conversa pra mulher abrir um
pouco o coração sobre esses temas?
Estudante 5: Ah, eu acho que, quando a gente se mostra disposto a ouvir desde o começo… é… eu
sinto muito pela prática que a gente teve até agora, assim, se você chega, se mostra com respeito,
disposto a ouvir, que realmente ouve com atenção e pergunta assim, várias vezes, em diferentes
momentos da consulta e de diferentes formas para uma mulher sobre como ela se sente, é… eu
acho que é como se a gente fosse comendo pelas bordas, sabe, você pergunta de um jeito aqui, e aí
você sentiu alguma coisa, teve alguma intuição com aquela resposta, e você faz uma outra pergunta
um pouco diferente, tentando, é… criar um vínculo com aquela pessoa e aí, depois, ir abordando os
assuntos conforme a complexidade dele, sabe…Então, eu penso que eu faria assim, eu acho que,
demonstrando respeito, e que… estar cem por cento presente ali, naquele momento e, interesse no
que a pessoa está me contando, eu acho que isso me ajuda criar um vínculo e com esse vínculo ela
vai se abrir comigo.

Entrevistadora 1: E assim, é… pra te ajudar, você acha que teriam alguns sinais, alguma situação
que te deixaria um pouco em alerta pra pensar em violência?

Estudante 5: Com certeza.

Entrevistadora 1: Quando você tá atendendo uma mulher ou uma adolescente ou até uma criança?

Estudante 5: Com certeza.

Entrevistadora 1: Teriam alguns sinais que te chamariam a atenção?

Estudante 5: Tem, tem, com certeza. Tem.. é… são sinais quando eu tô conversando com ela, se ela
mudar de voz, se ela desviar o olhar, conforme eu abordar a violência com ela, se ela tiver sinais de

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lesão pelo corpo, ou se, quando eu abordar é… é… o tema, ela ficar muito emotiva, ou se exaltar, ou
ter alguma resposta que eu não esperava pra aquilo, sabe, que eu teria como normal, natural, se eu
perceber que a resposta que ela me deu, fosse contrária àquilo, ou se ela tiver uma resistência ao
exame, se ela… é… por qualquer violência que ela tenha sofrido, por exemplo, uma criança, né, uma
menina, ela pode ter muita resistência ao exame se ela já tiver, por exemplo, sofrido uma violência
física e sexual, por exemplo. Então, eu pensaria mais nesses sinais.
Entrevistadora 1: Isso você aprendeu na faculdade?
Estudante 5: Hum… de modo informal, assim, não foi uma coisa assim, que tava na minha grade,
que sentaram comigo e me ensinaram aquilo de um modo mais acadêmico, assim, tradicional, foi
uma coisa mais informal, que a gente acaba conversando nos plantões e você aprende observando e
ouvindo relatos de outras pessoas. Mas foi da faculdade.

Entrevistadora 1: Hã hã. Tá certo. É… me fala uma coisa… durante a graduação, você contou que
você teve esse episódio, né?

Estudante 5: Hum hum.

Entrevistadora 1: Hã… como é que foi essa experiência pra você, assim, ter vivenciado, a médica
que tinha atendido, achou, mas a paciente não afirmou? Como é que foi isso pra você, assim, como
é que você sentiu essa… essa vivência com o caso, né, que vocês suspeitaram?

Estudante 5: Sim. Eu lembro que… que quando eu tava nesse plantão, acompanhando, no final, eu
me senti assim, um tanto quanto impotente, sabe, porque era como se nada tivesse ficado resolvido,
eu não lembro mesmo o motivo que foi que a… que a paciente dizia que tava emotiva, ansiosa, como
ela se sentia, mas eu lembro que… que não fechava, sabe, as coisas… que os pontos não se
ligavam, e aí, como tinha essa suspeita, ela negava, eu lembro que o chefe também foi lá e abordou
e resolveu que era melhor não aprofundar mais no assunto, e aí, eu fiquei assim, tá, mais e aí? É
isso, sabe, você levantou a suspeita, mas você não… não sentiu abertura para agir com isso e aí fica
nisso? Então, eu tive mais essa sensação nesse momento, e aí eu lembro que até depois eu cheguei
a falar “nossa, mas é assim mesmo?”, tipo, não vai fazer nada? E eles falaram “ah, não tem muito o
que fazer em alguns casos”. Então, aí, eu tive mais esse sentimento, de que eu estava me sentindo
impotente por não ter conseguido fazer nada pra… não resolver, porque era uma suspeita, não sabia
se tinha ou não, mas pra poder dizer o que é que tava acontecendo ali e realmente ver o que
precisava.
Entrevistadora 1: E você acha que poderia ter sido feito mais alguma coisa?
Estudante 5: Eu… eu tendo a pensar que sim, mas se você me perguntar o que poderia ter sido feito
naquele momento, hoje, eu não sei te dizer o que teria feito. Eu não sei se antes eu saberia, tipo,
diria alguma coisa que eu achava que deveria ser feito, porque eu lembrasse mais da situação, mas
agora eu só tenho essa lembrança de que ficou mal resolvido, mas eu não sei o que fazer, sabe, o
que eu faria agora.
Entrevistadora 1: É… se a gente pensar, poderiam ter chamado um retorno breve, né, ter entrado em
contato com o posto de saúde onde ela vai, né…
Estudante 5: Sim.
Entrevistadora 1: Quer dizer, me parece que não foi… não foi feito isso, né?
Estudante 5: Sim. Entrevistadora 1: E você, hoje assim, né, quase se formando, você se sente apta a
prestar um atendimento humanizado, integral e conseguir abordar essa questão da violência contra a
mulher com uma mulher?
Estudante 5: Eu nunca tive a oportunidade de tentar, mas eu acho que, se eu me ver nessa situação,
eu vou tentar fazer o máximo pra… pra conseguir abordar isso com integralidade a consulta com ela,
porque, independente de ter ou não sido tão abordado a questão de violência doméstica contra a
mulher, a integralidade no nosso atendimento, foi uma coisa que sempre foi muito abordada, então,
eu acho que eu consigo transferir isso pras situações mais específicas, sabe, aí, talvez, eu não saiba,
dependendo da gravidade do caso, eu não saiba como proceder, qual é a conduta, mas eu espero,
talvez, ter a oportunidade ainda na graduação, pra ter um chefe pra me guiar, sabe, e depois, na
minha prática, no futuro, já saber o que fazer.
Entrevistadora 1: Você acha que isso podia ter sido mais trabalhado?
Estudante 5: Sim, eu acredito…
Entrevistadora 1: Você consegue me falar um pouco como?
Estudante 5: Eu acho que, justamente, é… porque eu sou uma pessoa que aprende muito com o
ensino prático, eu sou mais prática do que teórica. E eu aprendo muito com relatos, então, eu acho

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que, você não precisa me dar uma aula necessariamente sobre violência doméstica, mas conversar
sobre isso, me conta as suas experiências como médico, como que foi com você e como que você
abordou, o que você teria feito de diferente naquele caso e como que ele terminou, sabe, porque eu
acho que, compartilhando essas experiências, eu poderia me lembrar dela em algum momento que
eu precisar e me inspirar pra eu ter a minha conduta.
Entrevistadora 1: Bacana. Bem bacana. E isso não aconteceu?
Estudante 5: Não.
Entrevistadora 1: Não? Tá. É… quando você pensa assim, numa mulher em situação de violência
doméstica, você acha que tanto faz ela ser atendida por um médico homem ou ser atendida por uma
médica mulher? A questão do gênero, na hora de atender? Você acha que isso é uma coisa que
importa ou você acha que isso pouco importa?
Estudante 5: Ah, eu tendo a pensar que o gênero, importa menos do que o respeito, porque eu posso
ter tanto uma mulher com uma postura… uma médica com uma postura desrespeitosa frente a essa
paciente, quanto a um médico com a mesma postura. É lógico que tem algumas pacientes que elas
se sentem mais confortáveis quando elas são atendidas por um médico… por um profissional do
gênero feminino, mas na minha visão, eu acho que não, eu acho que tendo o respeito com a
paciente, o gênero não importaria.
Entrevistadora 1: Tá. Legal. E como que você sente, assim, né, o nosso projeto pedagógico da nossa
instituição, é… você acha que ele poderia ter trabalhado mais essa questão da percepção da
violência, é… no sentido de… de formar vocês pra uma certa qualificação nesse campo?
Estudante 5: Com certeza. É justamente por essa situação de que… eu acho que, faltou realmente
esse preparo, porque eu tenho, por mais que eu saiba que, se eu estiver frente a essa situação, eu
vou tentar abordar ela da melhor maneira possível, eu não tenho um respaldo que me dê a
segurança pra fazer isso. Então, eu acho que isso que faltou.
Entrevistadora 1: Hã hã. Tá. É… se eu te perguntasse assim, se hoje você tivesse participando do
núcleo de processo estruturante de alguma instância na universidade, ou do conselho de curso, e
fosse esse o tema em discussão, como abordar a questão da violência contra a mulher na
graduação, que questões você traria para ajudar a gente a pensar no projeto pedagógico? Que
trouxe essa questão? Como é que você acha que isso deveria ser feito?
Estudante 5: Eu… a melhor maneira assim, que eu consigo pensar mesmo, é incluindo como um
tema a ser abordado, por exemplo, na… na… é que no nosso currículo tem psicologia médica,
né…nas outras eu não sei como é, porque… é… mas abordado, por exemplo, no ciclo de saúde da
mulher, então você vai ter esse tema pra ser abordado; a violência doméstica, então, você vai
abordar desde as questões sociais, as questões culturais aqui do nosso país, até a conduta médica
final, sabe, do atendimento; quais os sinais de alerta pra você… é… como que você vai proceder na
sua consulta e qual é a conduta depois, quais as questões legais envolvidas com isso, quais os seus
limites, até onde você vai e até onde você não vai, quando que essa paciente tá com risco de vida
que você tem que ter mais dominância nessa situação e quando você pode ter uma… uma atitude
com… é… assim, com mais cautela; não expectante, mas que você pode, por exemplo, dar um
retorno próximo pra ela ir à unidade ou quando você tem que agir ali, na hora, sabe? Então, seriam
mais esses assuntos para abordar.
Entrevistadora 1: E quando você passou na atenção primária, não teve nenhuma situação que te fez
pensar nesse campo?
Estudante 5: Que eu me lembre, não.
Entrevistadora: Não tem nenhuma experiência fora essa que você contou pra gente, do IUSC?
Estudante 5: Não, no IUSC, eu lembro que não comigo, eu lembro que surgiu a discussão, porque
outros alunos tinham levantado essa questão no meu grupo do IUSC, mas que eu tenha visto, não.
Entrevistadora 1: Não?
Estudante 5: Foi só esse caso.
Entrevistadora 1: Tá certo. Amor, você gostaria de falar mais alguma coisa?
Estudante 5: Acho que não.
Entrevistadora: É… trazer alguma questão que a gente não falou, não abordou?
Estudante 5: Não, acho que tá tudo bem.
Entrevistadora 1: Então, muito obrigada viu.
Estudante 5: Eu que agradeço.

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ANEXO III

Parecer do Comitê de Ética da FMB/UNESP

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ANEXO IV

Painel de apresentação no XXXIV Congresso de Iniciação Científica da UNESP

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ANEXO V

Pôster de apresentação no 60º Congresso Brasileiro de Educação Médica (COBEM)

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