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Transferência e Contratransferência:

uma visão comportamental


Jan Luiz Leonardi

Transferência e contratransferência são conceitos centrais na compreensão da relação


terapêutica nas diversas vertentes da psicanálise. Cunhados por Sigmund Freud, criador
da teoria psicanalítica, os termos transferência e contratransferência foram empregados
de maneira diferente pela Psicoterapia Analítica Funcional, uma forma de terapia
comportamental fundamentada no behaviorismo radical de B.F. Skinner. Assim, o
objetivo deste texto é apresentar uma breve explicação dos conceitos freudianos de
transferência e contratransferência e explicitar sua aplicação na Psicoterapia Analítica
Funcional.
Em psicanálise, a transferência é “um processo constitutivo do tratamento psicanalítico
mediante o qual os desejos inconscientes do analisando concernentes a objetos
externos passam a se repetir, no âmbito da relação analítica, na pessoa do analista,
colocado na posição desses diversos objetos” (ROUDINESCO & PLON, 1998, p. 766-
767). Em outras palavras, a transferência é um conjunto de sentimentos positivos ou
negativos que o paciente dirige ao psicanalista, sentimentos estes que não são
justificáveis em sua atitude profissional, mas que estão fundamentados nas experiências
que o paciente teve em sua vida com seus pais ou criadores. Portanto, a característica
da transferência é repetir padrões infantis num processo pelo qual os desejos
inconscientes se atualizam na pessoa do analista (FREUD, 1916/1976). Inicialmente, a
transferência era considerada um impedimento ao processo analítico, na medida em
que o conjunto de sentimentos do paciente dirigido ao seu analista teria por objetivo
colocar um obstáculo ao processo de análise ao tirar o profissional de sua função e dar
a ele outro papel em sua vida (por exemplo, torná-lo seu amante).
Desta forma, a transferência seria um mecanismo de resistência que se manifesta pela
tentativa de impedir que a análise continue. Em resumo, neste primeiro entendimento, a
finalidade inconsciente da atitude transferencial seria, ao tirar o psicanalista de sua
função, tornar o prosseguimento da análise impossível. Contudo, a transferência passou
a ser entendida, posteriormente, como peça fundamental na terapia psicanalítica, pois
seria ela que permitiria e sustentaria a relação terapêutica; de fato, os psicanalistas
passaram a utilizar o campo transferencial como instrumento de tratamento. Neste
sentido, a superação da transferência ocorreria quando o analista apontasse os
sentimentos transferenciais que se originaram em acontecimentos anteriores e que
agora estão sendo repetidos.
A contratransferência, na psicanálise freudiana, é compreendida como o “conjunto das
reações inconscientes do analista à pessoa do analisando e, mais particularmente, à
transferência deste” (LAPLANCHE & PONTALIS, 2001, p. 102), que, segundo Freud,
seria um obstáculo à análise que deveria ser neutralizado e superado. É importante
observar que Freud utilizou o termo “contratransferência” apenas três vezes ao longo
dos 23 volumes de suas obras completas, o que demonstra a concepção negativa que
ele tinha acerca deste fenômeno (FREUD, 1910/1970; FREUD, 1915, 1969; SANCHES,
1994). Embora a transferência e a contratransferência tenham recebido
desenvolvimentos ulteriores no âmbito psicanalítico (por exemplo, com Sándor Ferenczi,
Melanie Klein e Heinrich Racker), uma visão anti-mentalista destes fenômenos foi
proposta na década de 1980 por Robert Kohlenberg e Mavis Tsai, criadores da
Psicoterapia Analítica Funcional – FAP (do inglês, Functional Analytic Psychotherapy).
A FAP é uma forma de terapia comportamental fundamentada na filosofia do
Behaviorismo Radical e nos princípios da Análise do Comportamento. Segundo a FAP,
a relação interpessoal entre cliente e terapeuta é o único instrumento de atuação, ou
seja, é somente através dela que as mudanças comportamentais são possíveis. Por
isso, as subjetividades (sentimentos, emoções, volições, etc.) do cliente e do terapeuta
são centrais no manejo terapêutico. Neste sentido, a relação terapêutica pode ser
compreendida como uma dinâmica de transferência e contratransferência
(VANDENBERGHE, 2006). Entretanto, na Psicoterapia Analítica Funcional, a
transferência não é compreendida como um processo inconsciente que ocorre dentro da
mente do cliente, mas é vista como a ocorrência de Comportamentos Clinicamente
Relevantes – CRBs (do inglês, Clinically Relevant Behaviors).
Os Comportamentos Clinicamente Relevantes (ou CRBs) são os comportamentos-
problema e os comportamentos finais desejados que ocorrem durante a sessão
(KOHLENBERG & TSAI, 2001). Isto quer dizer que os padrões de interação do cliente
com seu mundo cotidiano certamente repetir-se-ão de forma muito semelhante no
ambiente clínico. Os CRBs são de três tipos: a) os comportamentos referentes “aos
problemas vigentes do cliente e cuja frequência deveria ser reduzida ao longo da
terapia” (KOHLENBERG & TSAI, 2001, p. 20); b) as melhoras ao vivo da problemática
que ocorrem dentro da sessão e que podem ser generalizadas para os ambientes extra
consultório onde os problemas do cliente ocorrem e c) a análise funcional que o cliente
faz das contingências mantenedoras dos seus padrões de interação com o mundo ou,
dito de outra forma, é a observação e interpretação que ele faz dos seus próprios
comportamentos (KOHLENBERG & TSAI, 2001).
Consequentemente, o objetivo do psicoterapeuta é observar, evocar e consequenciar
CRBs. Por exemplo, imagine um cliente com problemas de assertividade que seja
frequentemente desrespeitado e explorado pelas pessoas, o que certamente lhe traz
sofrimento. O terapeuta, então, deve estar atento para os comportamentos inassertivos
que ocorrem espontaneamente ou então evocá-los na sessão para poder consequenciá-
los, visando promover melhoras nestes comportamentos, melhoras estas que devem
sempre ser reforçadas. Além de observar, evocar e consequenciar CRBs, o terapeuta
deve promover ativamente a generalização, ou seja, deve engendrar maneiras para que
as melhoras que ocorreram ao vivo durante a sessão também possam ocorrer na vida
cotidiana do cliente (KOHLENBERG & TSAI, 2001; VANDENBERGHE, 2006).
A contratransferência, por sua vez, também não é conceituada como algo que ocorre na
mente do psicólogo, mas é compreendida como os efeitos que os CRBs têm sobre a
pessoa do terapeuta. Desta forma, é fundamental que o terapeuta observe seus
sentimentos em relação ao cliente, uma vez que estes sentimentos são subprodutos da
interação que ocorre durante a sessão. Na medida em que o profissional tenha
identificado a relação entre o que o cliente faz com o que ele sente, este pode fazer uma
comparação com os efeitos que o cliente tem sobre outras pessoas em sua vida
cotidiana, o que é um poderoso instrumento de atuação.
É importante observar que muitos comportamentalistas criticam o uso dos termos
transferência e contratransferência, na medida em que estão bem estabelecidos em
uma abordagem teórica com bases epistemológicas absolutamente diferentes da do
Behaviorismo Radical, apontando, com razão, que o mais importante é descrever os
processos comportamentais que ocorrem em uma relação terapêutica. Contudo, a
Psicoterapia Analítica Funcional, embasada na filosofia do Behaviorismo Radical e nos
princípios da Análise do Comportamento, emprega os conceitos freudianos de
transferência e contratransferência de forma anti-mentalista ao explicitar que a relação
interpessoal entre cliente e terapeuta é um poderoso instrumento de atuação nos
processos de mudança comportamental.
Referências:
FREUD, S. (1910/1970). As perspectivas futuras da terapêutica psicanalítica. In:
Coleção standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (vol.
11, pp. 143-156). Rio de Janeiro: Imago.
FREUD, S. (1915/1969). Observações sobre o amor transferencial. In: Coleção standard
brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (vol. 12, pp. 208-221).
Rio de Janeiro: Imago.
FREUD, S. (1916/1976). Conferências introdutórias sobre psicanálise. Conferência
XXVII – Transferência. In: Coleção standard brasileira das obras psicológicas completas
de Sigmund Freud (vol. 16, pp. 503-521). Rio de Janeiro: Imago. SANCHES, G.P.
(1994). Sigmund Freud e Sándor Ferenczi. In: S.A. FIGUEIRA (org),
Contratransferência: de Freud aos contemporâneos (pp. 33-59). São Paulo: Casa do
Psicólogo.
KOHLENBERG, R. J., TSAI, M. (2001). Psicoterapia analítica funcional: criando relações
terapêuticas intensas e curativas. Santo André: ESETec.
VANDENBERGHE, L. M. A. (2006). Psicoterapia Analítica Funcional – FAP. Curso
ministrado no XV Encontro da Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina
Comportamental.

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