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Quem é mamãe?

O livro “POR FAVOR, CUIDE DA MAMÃE”, lançado na Coreia em 2009, é uma


obra de sucesso da escritora sul-coreana Shin Kyung-Sook, que a tornou
vencedora da 5ª edição do Man Asian Literary Prize e, consequentemente,
reconhecida internacionalmente por ser a primeira mulher, bem como a
primeira pessoa de nacionalidade coreana, a receber este prêmio na história.
Esta obra é composta por 5 capítulos, contendo um narrador diferente para
cada um deles, porém com foco na personagem Park So Nyo. Assim, o livro
retrata uma temática importante para a sociedade, envolvendo os aspectos da
relação familiar e proporcionando, indiretamente ao leitor, grandes reflexões a
respeito desse tema e de alguns aspectos culturais do país.

No início do livro, nos é apresentado características da personagem Park So


Nyo, frequentemente chamada de “Mamãe", como uma idosa de 69 anos,
casada, mãe de 5 filhos, que viveu grande parte de sua vida em uma aldeia
com o marido e que desapareceu em uma estação de metrô em Seul,
enquanto estava indo à capital para comemorar o aniversário do esposo junto
aos filhos. Com isso, as primeiras páginas tratam de expor todo o empenho
frenético da família na busca por pistas do paradeiro de mamãe, ao mesmo
tempo que nos mostra, mesmo que sutilmente, aspectos que possam fazer o
leitor questionar sobre a real relação familiar entre filhos, pai e mãe.

Assim, no capítulo 1, “Ninguém sabe”, é possível destacar uma estrutura de


escrita instigante da autora, usada também em outros capítulos (3,4 e 5), que
permite a aproximação entre o leitor e os fatos narrados, por meio do
deslocamento da personagem para a pessoa que está lendo. Deste modo,
através dessa transferência, a perspectiva do leitor no capítulo 1 é a mesma
atribuída a personagem Chi-hon, a terceira filha entre os cinco filhos de
mamãe, que se mostra como uma escritora bem sucedida, criativa e
independente, contudo com um grande sentimento de remorso ao reavaliar
suas atitudes anteriores com mamãe após o desaparecimento.

No decorrer da leitura, é destacado por diversos flashbacks, que Chi-hon


acabou se afastando da mãe, bem como todos os outros filhos, após ter saído
de casa. Apesar de não ser apresentado como algo proposital, é perceptível na

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obra que com a independência financeira, ela acabou se tornando distante de
sua progenitora, tanto pelas diversas ocupações que tinha em seu trabalho,
tanto pela divergência de opiniões entre mãe e filha, resultante, principalmente,
da insistência da mãe em convencer Chi-hon a se casar.

Além disso, percebemos que mamãe acabara ficando mais solitária ao longo
dos anos e que ela se sentia no dever de lidar sozinha com suas dificuldades,
escondendo de todos suas fortes dores de cabeça, o derrame que tivera há
muito tempo, a informação de que não sabia ler e outras situações que ela
precisou enfrentar. Todos esses fatos acabam nos mostrando que mamãe,
apesar de muito querida, tinha se tornada apenas uma parente distante, a qual
todos amavam, mas que ninguém realmente conhecia.

No capítulo 2, “Sinto muito, Hyong-chol”, temos o foco voltado para o filho mais
velho de mamãe e seus diversos questionamentos quanto a tudo que estava
ocorrendo. Hyong-chol era o filho por quem mamãe se mostrou mais dedicada,
não só por suas grandes expectativas referentes ao futuro do filho, mas
também pelo costume cultural de maior cuidado com o primogênito da família.
Por meio de pistas, sobre a suposta localização de mamãe, este personagem
acaba regressando a locais que outrora havia habitado e retomando as
lembranças de seu longo passado.

Acompanhando a perspectiva desse filho, é possível notar que desde cedo ele
sempre foi um garoto muito esforçado e inteligente, que apesar de
experimentar situações difíceis em sua infância, como a infidelidade do pai e a
escassez das economias da família, se sentia grato por todo cuidado recebido
de sua mãe e desejava ser bem-sucedido para zelar por ela. Entretanto,
Hyong-chol acabou se tornando o diretor de marketing de uma construtora de
prédios, constituindo sua própria família e esquecendo seus objetivos iniciais
com mamãe, fazendo com que tudo aquilo que ele iniciou visando proporcionar
uma vida mais confortável para ela, se transformasse em uma perfeita
desculpa para deixa-la gradativamente de lado.

Com o desaparecimento de mamãe, questões como “Por que eu não estava lá


para busca-lá?”, “quando foi que passei a me afastar tanto de mamãe?” e “Por
que não fiz o que prometi a ela?” se tornaram cada vez mais frequentes na

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cabeça de Hyong-chol, que começou a perceber o quão valiosa sua mãe era e
o quão difícil foi a vida dela ao priorizar o cuidado de todos, em detrimento de
seu próprio bem-estar. Apesar de realmente estima-la, só com o seu
desaparecimento é que ele percebeu o impacto de sua ausência na vida de
mamãe e como ela poderia se sentir por receber tanta indiferença de seu
marido e filhos durante tantos anos.

O Capítulo 3, “Já cheguei”, nos dá a conhecer o marido de Park e seu ponto de


vista quanto ao matrimônio. Vemos, através da perspectiva do marido, que seu
casamento foi resultado de um acordo e que com a convivência, ele
simplesmente se acostumou em ter “mamãe” ao seu lado, lhe dando suporte e
cuidando da casa, mas não havia um relacionamento de companheirismo ou
amor entre eles, nem mesmo a percepção dos sentimentos de sua parceira.
Além disso, é possível observar que ele tinha condutas machistas e insensíveis
com ela, não respeitando seu casamento ou sua esposa, já que manteve um
relacionamento extra-conjugal por muito tempo e realizou abandono frequente
do lar. Assim, na verdade, vemos que Park tinha apenas uma relação de
cuidado com seu marido, que ele mesmo não retribuía ou valorizava até o
momento do desaparecimento dela, quando ele passou a perceber o quanto
ela era importante e boa para ele.

O capítulo 4, “Uma outra mulher”, definitivamente é o mais revelador de todos,


pois traz os pontos de vista da personagem principal ora se referindo a um
outro personagem, ora mostrando suas percepções referentes a sua própria
vida. De modo geral, vemos que a relação de mamãe com a quarta filha,
personagem apresentada neste capítulo, é uma das melhoras, tendo em vista
que esta filha sempre tentou incluir Park em seu cotidiano e apenas se afastou
quando se tornou mãe. Além disso, Park se sentia muito satisfeita por ter dado
uma educação de qualidade a esta filha, algo que por falta de condições no
passado não conseguira fazer aos outros filhos e que lhe deixava com um
grande sentimento de remorso, entretanto, mamãe acabou se frustrando pelas
oportunidades que a filha deixou quando se tornou esposa e mãe.

Esse pensamento negativo de Park, em relação à decisão da filha, é um reflexo


de si própria quanto as suas oportunidades, pois vemos ao longo do capítulo 4

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que mamãe tinha desejo de continuar estudando e almejava outros sonhos
para a sua vida, porém com a condição de sua família e da localidade em que
vivia foi convencida a um casamento arranjado. Vemos ainda que Park nunca
quis ser a mulher que cuida da casa ou dos filhos, mas precisou se remodular e
se adaptar as novas circunstâncias para dar o melhor possível a seus filhos.

Um outro ponto que pode ser destacado neste capítulo, é o vínculo entre Park
e Lee Eun-gyu, que apesar das tantas controversas, acabaram se tornando
amigos e alguém muito especial para Park, a quem ela recorria frequentemente
em situações desafiadoras. Vemos ainda que essa amizade era um grande
segredo de Park, do qual ninguém nunca sequer desconfiou, simplesmente por
pensarem na “mamãe” como alguém incapaz de fazer algo assim. Neste ponto,
é possível notar que Park era apenas vista como mãe e esposa desde sempre,
sem ambições ou segredos para os outros.

Por fim, ainda observamos neste trecho a caminhada de Park quando estava
perdida e sozinha. Vemos que ela tinha ficado confusa e desorientada, apenas
relembrando da época de sua infância, o que lhe fez caminhar excessivamente
longos percussos para chegar à casa em que morava com seus pais e
prejudicando ainda mais sua saúde. Em sequência, é notado nos diálogos de
Park que ela não está mais no plano humano, mas em uma esfera distinta, o
que lhe permiti narrar sua história sob sua ótica pessoal, sendo este fato
evidenciado quando ela se refere as dificuldades de ser mãe sem nenhum
apoio familiar, a felicidade de ter um amigo em segredo e aos conhecimentos
que aprendeu para educar seus filhos como situações distantes de seu
presente, porém com impressões específicas de sua própria lembrança. Neste
momento, presenciamos a personagem sentir tanto tristeza, como alegria ao
relatar suas memórias, expondo seu passado e transmitindo a ideia de que
apesar de difíceis, conseguiu superar muitas barreiras pelos filhos, finalizando
este capítulo com a revelação clara de que ela já poderia descansar no colo de
sua mãe sem arrependimentos.

O epílogo, “Rosário de pau-rosa”, é o último capítulo do livro e nos traz uma


atualização sobre o rumo da história. Neste, temos novamente a perspectiva de
Chi-hon sobre os fatos e percebemos que já se passaram 9 meses desde que

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Park havia sumido, sem rastros ou notícias. Além disso, percebemos que a
família continuou afetada pela falta de mamãe, mas que lentamente retornaram
aos seus afazeres regulares. Com isso, Chi-hon acabou indo para Roma com
seu namorado, entretanto frequentemente voltava a pensar em mamãe e nas
diversas desculpas que deu para evitá-la anteriormente. Um outro ponto deste
fragmento, foi a carta enviada pela quarta filha para Chi-hon, em que é possível
observar diversos questionamentos referentes a quem realmente mamãe era e
se um dia alguém a encontraria. O livro se conclui com o título da obra, “por
favor, por favor, cuide da mamãe”, dito por Chi-hon após seus momentos de
reflexão, com esperança de que algo bom acontecesse com mamãe.

Realmente conhecemos nossa mãe? A leitura permite a reflexão sobre a


brevidade da vida, sobre os gestos de amor e cuidados que recebemos e não
agradecemos por considerá-los comuns. No livro, não se vê nenhuma intenção
de “enaltecer” a mãe, mas sim de mostra-lá em sua individualidade, com
imperfeições, medos, orgulho e segredos, outrora desconhecidos pela família
por falta de interesse — deixar de dar um telefonema aqui, não fazer uma
pergunta ali, adiar uma visita por meses ou anos.

Além disso, o modo com que os capítulos exibem o arrependimento de todos,


quanto a atenção que davam à protagonista, comove pela forma com que as
personagens assumem terem sido indiferentes a vida daquela que sempre
zelou por eles. Ademais, é fortemente destacado que Park não nasceu uma
mãe ou esposa, mas apenas um ser humano comum, que foi criança, jovem e
adulto, teve sonhos e ambições, e que enfrentou muitos obstáculos para se
tornar uma grande mulher, mãe, esposa e amiga.

Assim, com a leitura do livro, o leitor pode realizar diversas reflexões e


indagações sobre essa tema, tendo como questionamento principal a seguinte
incógnita: “se minha mãe desaparecesse hoje, eu teria algum
arrependimento?”

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