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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ

CURSO: LICENCIATURA EM QUÍMICA

ENSAIO SOBRE O “SABER PENSAR”

TERESINA – PI

2019
ENSAIO SOBRE O “SABER PENSAR”

Segundo Pedro Demo, “saber pensar é, assim, habilidade difícil, exigente, sempre
incompleta, frágil” (2008, p.57), isso implica dizer que o ato de pensar não corresponde à uma
capacidade inata do indivíduo, apesar de os sentidos intrínsecos a esse permitirem a
concretização dessa ação, mas uma atitude de intensa construção e reconstrução.

É imprescindível considerar que essa capacidade se relaciona diretamente à noção de


poder, o qual, em inúmeros casos, é empregado para dominar os que ainda permanecem em
um estado alienante. Isso deriva da tendência humana de substituir a autoridade do argumento
pelo argumento de autoridade, o primeiro centra-se na mensagem principal do discurso,
enquanto o segundo atribui o fator convincente à posição hierárquica do emissor da ideia.
Essa situação é um pretexto para que o enunciador se ausente dos alvos de questionamento,
uma forma de manter intactas as suas ideias fixas.

Nesse viés, percebe-se a dificuldade das pessoas de lidarem com a noção de


questionamento, uma vez que esse é, majoritariamente, atribuído ao outro e não a si, essa
segunda colocação é, na medida do possível, evitada pois o autoquestionamento é
desconcertante. Esse sentimento resulta da certeza de contestação da tese apresentada, o que
implica na instabilidade da ideia exposta, logo, necessita-se de fundamentos mais
aprofundados e lógicos para defender a mensagem apontada. Todavia, não é essa a conduta do
cidadão mediano, por essa razão o receio pela crítica.

Entende-se por crítica a possibilidade de desconstrução da mensagem para, na


sequência, uma reestruturação, papel que durante séculos é efetivado pela Filosofia.
Entretanto, na contemporaneidade, não se desenvolveu a cultura de separar o conceito de
crítica do de ofensa, desse modo, torna-se difícil ultrapassar a superficialidade dos debates.
Como produto dessa deficiência, estabeleceu-se o dizer “sobre religião, política e futebol não
se discute”, essa mensagem está arraigada no senso comum, pois na percepção de grande
parte da população, só há comunicação produtiva se houve consenso unânime quanto ao
argumento em pauta.

Esse problemática deve-se à inabilidade de ouvir o outro, o que decorre da pressa de


impor os posicionamentos pessoais em detrimento da opinião do interlocutor. Ademais, a
falsa percepção de competição também fomenta as discussões acaloradas, nelas a
racionalidade é substituída pelos ânimos alterados, haja vista que o crítico, nessa ocasião, é
associado à imagem de rival. Logo, para o bom desenvolvimento de um debate, é fulcral
analisar sistematicamente a crítica emitida pelo outro, ouvir com atenção as considerações
realizadas e não se aprisionar às ideias fixas, mas se dispor a flexibilizar um conceito quando
necessário. De acordo com Pedro Demo, “é preciso negociar ideias, o que implica também
saber ceder” (2008, p.58), isto é; para o bom convívio, deve-se estabelecer consensos, mas
esse é apenas provisório, até que outra discussão se inicie.

Essa postura de crítica é importante para a sociedade, pois só quando há


questionamento o bem comum estará mais próximo da realidade. Considerando que as
decisões políticas tendem a se ajustar aos interesses da classe dominante, os manifestos e
contestações são os meios de flexibilizar os atos públicos para que esses, de fato, atendam a
população de modo mais abrangente, ou seja, ultrapassando o âmbito particular para alcançar
o coletivo. A adoção desse comportamento questionador é fundamental, principalmente no
Brasil, pois, como afirma Sergio Buarque de Holanda na obra “Raízes do Brasil”, a cultura
nacional é pautada na imagem do “homem cordial”, conceito que se refere ao modo de tratar o
que é público como se fosse privado.

Entretanto, antes de desenvolver o comportamento questionador, torna-se


indispensável aperfeiçoar o autoquestionamento, pois quem questiona, por conseguinte, deve
está apto a ser questionado. Para que isso ocorre, é necessário não relacionar a ideia de
autoquestionamento com o desprezo da própria mensagem, pelo contrário, essa conduta
viabiliza uma socialização mais sadia, na qual os pontos de vista são tratados como objetos
maleáveis, isto é, não há problema em reestruturar um argumento a favor da lógica e da
coerência. Em outras palavras; “o autoquestionamento é remédio santo contra ideias fixas”
(2008, p.67), como afirma Pedro Demo.

Nessa perspectiva, pode-se declarar que a habilidade humana de pensar se relaciona


diretamente à ideia de questionamento e, principalmente de autoquestionamento, haja vista
que esses são os impulsos para o desenvolvimento de fundamentos mais concisos. Logo,
permitir a discussão aberta das ideias em pauta é o pré-requisito para o avanço do
conhecimento, uma vez que o posicionamento de opiniões contrárias é natural, tanto que
Friedrich Hegel – filósofo alemão – considerava a dialética como a própria estrutura da
realidade histórica, ou seja, baseada na constante contradição do meio, assim implicando na
ininterrupta mudança da consciência, das ideias e da própria existência.
Infere-se, portanto, que o ato de pensar pode ser otimizado, para isso, deve-se
primeiramente compreender a importância do autoquestionamento como condição inicial para
o desenvolvimento de debates saudáveis e construtivos. Ademais, torna-se fulcral promover
uma maior aceitação às críticas, tomando-as como meio para o aprimoramento do próprio
argumento, e não como uma ofensa ou rivalidade pessoal. Além disso, é importante salientar
que tanto o questionamento, como o autoquestionamento, são resultados de um trabalho árduo
de estudo e pesquisa, ou seja, não se fundamentam unicamente na rebeldia, mas em
referências comprováveis, desse modo, possibilitando a formulação da autoridade do
argumento, em detrimento do argumento de autoridade. Pois como afirma Pedro Demo,
“saber pensar é questionar”. (2008, p.60)

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