Você está na página 1de 3

DEFINIÇÃO: GOLPE

SILVA, Kalina & SILVA, Maciel (org). – Dicionário de conceitos históricos (pp. 173-177).

Golpe de Estado
Durante os séculos XIX e XX, tornou-se comum uma forma específica de insurreição política, o golpe de
Estado.
Golpe de Estado passou então a denominar todo movimento de subversão da ordem constitucional, toda
derrubada de um regime político, em geral por elementos de dentro do Estado, principalmente as Forças
Armadas.
Nesse sentido, golpe de Estado é um movimento realizado contra uma Constituição, e como tal está
bastante atrelado ao Ocidente contemporâneo, visto ser nesse contexto histórico que predominam os
regimes constitucionais.
De forma geral, o golpe de Estado é um fenômeno político quase sempre de caráter violento, uma ação
radical contra a ordem vigente. Uma outra importante característica do golpe de Estado é o fato de que ele
está frequentemente associado ao estabelecimento de uma ditadura.
O objetivo de todo golpe de Estado é tomar o poder, derrubando o governo em exercício. Mas o golpe não
é um regime de governo, não é governo. Ele é um movimento político de contestação da ordem que
prepara o caminho para outra forma de governo, em geral uma ditadura.
Existem várias expressões utilizadas como sinônimos de golpe de Estado na História: na América Latina
e Espanha é o “pronunciamiento” ou quartelada, o golpe militar clássico. Na Alemanha, é o putsch.
Termos correlatos para o golpe de Estado de tipo militar, com finalidades políticas.
Por outro lado, existem os golpes não militares. Por exemplo, o chamado golpe branco, que acontece
quando grupos políticos e sociais usam de pressão – e não de força – para forçar uma decisão
governamental ou impor um governante. Um caso de golpe branco aconteceu após a renúncia do
presidente brasileiro Jânio Quadros, em 1961, quando os militares e as elites se recusaram a aceitar a
posse do vice-presidente, o esquerdista João Goulart, e pressionaram politicamente, conseguindo
transformar o regime de governo de presidencialismo em parlamentarismo.
No entanto, a crise gerada pelo governo de João Goulart, que conseguiu a volta do presidencialismo um
ano depois, terminou por levar ao golpe de 1964, desfechado por militares de direita. Enquanto o golpe do
parlamentarismo foi um golpe branco, realizado pelo Congresso, o movimento de 1964, por sua vez, foi
um pronunciamiento típico, ou seja, um exemplo de golpe de Estado militar clássico.
O golpe de Estado como conceito se aproxima de outros, como revolução: em comum, ambos se
apresentam como rupturas bruscas da ordem institucional. Além disso, o objetivo dos dois é derrubar um
governo e instituir outro, mas enquanto a revolução é uma modificação radical das estruturas econômicas
e sociais, o golpe, em geral, é apenas a substituição pura e simples das elites no poder, quase sempre
levado a cabo pelas chamadas elites orgânicas, ou seja, as elites inseridas no próprio Estado, como os
burocratas e os militares.
Quanto à historicidade do golpe de Estado, ou seja, sua delimitação temporal, alguns pensadores
defendem que esse movimento político é uma característica específica do Estado nacional com
Constituição, e logo existe apenas na Idade Contemporânea. Outros afirmam que o golpe de Estado pode
ser definido, de forma mais ampla, como um meio político para derrotar inimigos dentro do Estado, pela
utilização da força, e nesse caso pode ser visto desde as mais antigas civilizações.
Um golpe de Estado é por natureza subversivo, construído na clandestinidade, preparado com
considerável antecedência e planejamento. Não podemos, assim, estudar o golpe simplesmente a partir da
tomada do poder. Sua preparação talvez diga mais sobre seus objetivos e componentes do que o golpe em
si.
Além disso, é comum que antes mesmo da tomada de poder, os golpistas iniciem um processo de
destruição da legitimidade do governo junto ao povo, atacando politicamente e por meio da mídia. Não é
incomum também que no período de preparação os golpistas invistam na cooptação de aliados, de
lideranças políticas e sociais.
O golpe de 1964, no Brasil, pode ser tomado como exemplo em que os militares golpistas se preocuparam
de antemão em constituir alianças e conseguir apoio social antes do golpe, nesse caso, o apoio da Igreja e
do empresariado.
Durante o século XX, uma importante característica do golpe de Estado foi a ligação entre os golpistas e
uma ideologia internacional.
Se definirmos o golpe de Estado como um fenômeno da História contemporânea, ligado à existência do
Estado nacional constitucional, podemos entender melhor a razão da grande incidência de golpes na
América Latina entre os séculos XIX e XX, pois nessa região e nesse momento o próprio Estado nacional
era não só recente como importado de modelos externos europeus, e como tal tinha pouca ou nenhuma
base na sociedade.
O Brasil, a exemplo de muitos outros países na região, teve sua vida política e social no século XX
grandemente influenciada por diversos golpes de Estado, o último dos quais, em 1964, levou um governo
militar ao poder por vinte anos, com consequências visíveis até hoje na vida do país.

LOURENÇO NETO, Sydenham. Golpe de Estado (pp. 72-73).


O consenso mínimo atual sobre o que caracteriza um golpe de estado é que ele significa uma violação das
regras constitucionais conduzida por agentes que fazem parte da burocracia estatal, sejam governantes,
parlamentares, militares ou juízes.
Golpes de estado normalmente são realizados contra opositores que também estão na estrutura do poder,
mas são minoritários, ou contra grupos sociais que podem ser potencialmente perigosos para aqueles que
governam.
De certa forma, todo golpe de estado é uma ação preventiva, realizada pelos que participam da estrutura
do estado, para impedir a perda do poder que possuem e pode estar ameaçado por setores da oposição ou
por outros grupos dentro do próprio estado.
A origem da expressão vem do francês. Para Naudé, coup d’état pode ser utilizado para caracterizar
“aquelas ações arrojadas e extraordinárias que os príncipes são forçados a tomar em situações difíceis e
desesperadas, contrariamente à lei comum, sem manter qualquer forma de ordem ou justiça, colocando de
lado o interesse particular em benefício do bem público”. Percebe-se que, para o autor, o golpe de estado
parte do governante e pode ser justificado por uma espécie de “razão de estado” que legitimaria ações
violentas e contra os costumes legais.
Os estudos de casos que ocorreram no século XX e XXI deixaram claro que golpes de estado também
podem derrubar governantes, mas sempre com a participação de outros grupos inseridos na máquina
estatal que conseguem apartar o governante do controle dos aparatos do estado.
De modo geral, para que um golpe de estado seja bem sucedido precisa contar com o apoio, ou pelo
menos com a omissão, das forças do estado que contam com o direito constitucional do uso da violência.
Isto é, forças policiais e/ou militares.
No Brasil, golpes de estado têm sido extremamente frequentes na nossa história. Segundo alguns
especialistas a própria independência do país pode ser caracterizada como um golpe tipicamente
palaciano, comandado pela própria família do governante contra outros setores da sua família. Mas,
aqueles que conduziram o golpe da Independência precisaram conduzir outro golpe, pouco mais de um
ano depois, contra a Assembleia Constituinte, para impor seu projeto político autoritário. A Proclamação
da República foi claramente um golpe de estado. O movimento de 1930, que levou Getúlio Vargas ao
poder pela primeira vez, causa um pouco mais de polêmica, porque embora tenha contado com o apoio de
alguns setores militares, basicamente oficiais de baixas patentes, foi liderado por políticos de oposição e
contou com certo apoio popular. Contudo, o mesmo Vargas liderou um golpe de Estado clássico com a
decretação do Estado Novo, em 1937. O fim do primeiro governo Vargas, em 1945, também foi resultado
de um golpe de estado liderado por militares. Mas, os militares que lideraram este golpe aceitaram se
submeter às regras constitucionais e a democracia foi reestabelecida, inclusive com a convocação de uma
Assembléia Nacional Constituinte. Durante a experiência democrática que começou em 1945, houve
várias tentativas de golpes de estado contra governos constitucionalmente legítimos. Mas, só em 1964,
grupos golpistas liderados por militares obtiveram sucesso e derrubaram um governo legítimo, dando
início ao regime militar. A transição para a democracia aconteceu de forma pactuada, dando início ao que
ficou conhecido como Nova República. Embora o tema ainda seja polêmico nos debates políticos
contemporâneos, já se acumula uma extensa bibliografia que qualifica o afastamento de Dilma Rousseff
como um golpe de estado, como exemplificam os livros “A resistência ao golpe de 2016” e “A
radiografia do golpe”.

Você também pode gostar