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As duas estruturas da missão

redentora de Deus 34
Numa palestra apresentada à Consulta M issionária Pan-Asiática, rea­
lizada em agosto de 1973, em Seul, na Coreia do Sul, R alph W inter
descreveu as form a s que as duas “estruturas redentoras" de Deus, existen­
tes em cada sociedade hum ana, têm assum ido no decorrer da H istória.
Sua tese consta de duas im plicações principa is: l) devem os aceitar ambas
as estruturas, representadas na Igreja da atualidade p o r m eio da igreja
local e da sociedade missionária, como legítim as e necessárias; 2) as igre­
ja s não ocidentais d evem organizar e em pregar sociedades m issionárias
caso desejem se desin cum bir de sua responsabilidade nesse setor.

J T'intenção deste artigo demonstrar que ainda haverá dois ti-


JL„<fpos básicos de estruturas no movimento, quer o cristianismo
adote uma forma ocidental, quer uma feição asiática. Daremos
maior destaque à existência dessas duas estruturas conforme vêm
se apresentando através dos séculos. Isso servirá para definir, ilus­
trar e comparar sua natureza e importância. Explicaremos também
a razão pela qual nossos esforços em qualquer parte do mundo
hoje só terão mais eficácia se ambas as estruturas estiverem plena
e devidamente envolvidas neles.

Estruturas redentoras no período do Novo Testamento


Em primeiro lugar, vamos reconhecer a estrutura tão carinho­
: - foi convidado para samente intitulada “a Igreja do Novo Testamento” como sendo
se' professor de missões na School of
basicamente uma sinagoga cristã.1 A obra missionária de Paulo
I'.orid Mission, do Fuller Theoiogicai
Seminary, após trabalhar dez anos
consistia principalmente em visitar as sinagogas espalhadas pelo
:cnio missionário entre os índios Império Romano, a começar pela Ásia Menor, tornando claro aos
-alas nos planaltos da Guatemala. crentes judeus e gentios daquelas sinagogas que o Messias viera em
r-52 anos depois, ele e sua esposa, Jesus Cristo, o Filho de Deus; que em Cristo existia uma autori­
; :oerta, fundaram uma sociedade
dade final ainda maior que a de Moisés; que isso tornava possível
- ssionária denominada Frontier
Vssion Fellowship, em Pasadena, na
1 M al podemos imaginar meios fornecidos mais providencialmente para a missão
Zs >ornia. Essa empreitada deu origem
cristã alcançar a comunidade gentia. Onde quer que a comunidade de Cristo se
K S. Center for World Mission e à apresentasse, encontrava à mão os instrum entos necessários para alcançar as
.V =m Carey International University, nações: um povo vivendo sob a promessa da aliança e sob uma eleição responsável
: . e cooperam com outras missões em e as Escrituras, a revelação de Deus a todos os homens. Essas coisas convergiam
j-e^as pioneiras no campo missionário, na sinagoga aberta. Os cristãos tinham na sinagoga livre acesso às comunidades
í ~ e diretor geral da Frontier Mission judaicas. Foi na sinagoga que os primeiros convertidos gentios declararam sua fé
H c.vship. Veja nota biográfica cm Jesus. V. Richard R. DeRidder, T he D ispersion o f the P eople o f G od (Kampen:
s c.= “dida no final do livro. Kok, 1971), p. 87.
ganhar os gentios sem forçar sobre eles qualquer sélitos, sabemos, como já foi mencionado, que
adaptação cultural às determinações rituais da eles atuavam em todo o Império Romano. Seria
lei mosaica. A inovação da obra de Paulo re­ surpreendente se Paulo não seguisse de modo
sultou na criação de sinagogas que não eram geral o mesmo processo, e temos muito mais
apenas cristãs, mas também gregas. conhecimento sobre o modo em que o após­
Muito poucos cristãos, lendo casualmente tolo operava. Na verdade, ele foi enviado pela
o Novo Testamento ou tendo apenas o Novo igreja de A ntioquia, mas depois que saiu de
Testamento à disposição, imaginariam quantos Antioquia parece ter atuado por conta própria.
evangelistas judeus andaram por todo o império Quando necessário, a pequena equipe por ele
antes de Paulo, pessoas que, segundo o próprio organizada tinha autossuficiência econômica.
Jesus, rodeavam “o mar e a terra para fazer um Ele recebia seu sustento não só da igreja de
prosélito”. Paulo seguiu os passos deles, edificou Antioquia, mas, de vez em quando, de outras
sobre os esforços deles e foi além deles com o igrejas surgidas como resultado de seu esforço
novo evangelho que pregava, o qual permitia evangelístico. A equipe de Paulo pode ser consi­
que os gregos permanecessem gregos, sem a derada uma estrutura. Embora sua estruturação
necessidade de circuncidar-se ou de assimilar e forma não estejam explicadas em detalhes nos
o estilo de vida judeu. documentos existentes, verificamos que a Igreja
Ao que parece, Paulo, além de percorrer neotestamentária também não aparece defini­
todas as sinagogas da A sia,2 após o que decla­ da em termos concretos nas páginas do Novo
rou que “todos os habitantes da Ásia” ouviram Testamento. Em ambos os casos, a ausência de
o evangelho, também criou, quando a ocasião qualquer definição desse tipo implica a preexis­
exigiu, novas comunidades de crentes, seme­ tência de um padrão de relacionamento geral­
lhantes às sinagogas, como unidades básicas de mente aceito, tanto para a Igreja quanto para a
sua atividade missionária. A primeira estrutura equipe missionária formada por Paulo.
no cenário do Novo Testamento é, portanto, A estrutura que chamamos “Igreja neotes­
o que geralm ente chamamos “Igreja neotes- tamentária” é, portanto, um protótipo de todas
tam entária”. E la foi estruturada segundo o as comunidades cristãs subsequentes: jovens e
modelo das sinagogas judaicas,3 reunindo a velhos, homens e mulheres reuniam-se da mes­
comunidade dos fiéis em qualquer lugar. A ma forma em que famílias biológicas normais
característica m arcante dessa estrutura é a se agregam. No entanto, o g r u p o m issionário
inclusão de velhos e moços, homens e m u­ de Paulo pode ser considerado um protótipo
lheres. Observe também que Paulo desejava de todos os esforços missionários posteriores
formar essas com unidades com ex-judeus e organizados por obreiros fiéis e experimentados,
com não judeus de fala grega. que tomaram uma segunda decisão: participar
O contexto do Novo Testamento contém da segunda estrutura, embora continuassem a
ainda outra estrutura, totalmente diversa. Em­ ser membros da primeira.
bora saibamos muito pouco sobre a estrutura Observe bem o compromisso adicional. Veja
do trabalho evangelístico pelo qual os judeus, também que a estrutura resultante foi definitiva­
antes da época de Paulo, tentavam fazer pro­ mente maior que o amplo esforço evangelístico

2No tempo de Paulo,A sia significava o que hoje entendemos por Ásia Menor, a Turquia da atualidade. Naquele tempo,
ninguém imaginava o alcance que esse termo viria a ter mais tarde.
3Fica evidente, pela designação de anciãos e pelo culto de oração, que os cristãos de Jerusalém se organizavam para prestar
culto conforme o padrão da sinagoga. A provisão de uma distribuição diária de alimento para as viúvas e os necessitados
reflete a prática corrente nas sinagogas (At 2.42; 6 .1 ).É possível que a epístola de Tiago reflita a situação predominante em
Jerusalém. Em Tiago 2.2, a referência é a um homem rico que entra “na vossa sinagoga”. O termo empregado por Tiago
nessa passagem é literalmente “sinagoga”, e não a palavra mais costumeira, “igreja”. V. Glenn W . Barker, W illiam L. Lane
& J. Ramsey M ichaels, The N ew T estam ent Speaks (New York: Harper and Row Co., 1969), p. 126-7.
da igreja de Antioquia. Opiniões pessoais sobre e culturas existentes na comunidade humana de
a estrutura de Antioquia não importam. O fato todo o mundo mais que qualquer outra religião
é que não se tratava simplesmente da igreja de e, ao fazê-lo, ter abandonado todos os esforços
A ntioquia agindo a distância, era algo dife­ de canonizar como universal qualquer expansão
rente. Consideremos a equipe missionária como formal e mecânica da Igreja do Novo Testamen­
a segunda das duas estruturas redentoras no to. Como diz Kraft, procuramos a equivalência
período do Novo Testamento. din âm ica, e não a cópia exata.4
Em resumo, é importante observar que
nenhuma das duas estruturas, por assim dizer, O desenvolvimento inicial das estruturas
“desceu do céu”. A princípio, pode parecer cho­ cristãs na cultura romana
cante que Deus fizesse uso do padrão judaico Vimos que o movimento cristão foi edificado
de sinagoga ou de evangelismo, mas isso não sobre dois tipos diferentes de estruturas, que
deve surpreender mais que o fato de Deus haver já existiam na tradição cultural judaica. Nossa
empregado a língua pagã grega, guiando os escri­ tarefa agora é verificar se os equivalentes prá­
tores bíblicos pelo Espírito Santo a empregar ticos dessas duas estruturas se manifestaram na
termos como kurios (originariamente um termo tradição cultural romana quando o evangelho
pagão) e moldando-os de forma a transmitir a invadiu aquele mundo mais vasto.
revelação cristã. O Novo Testamento refere-se Como é natural, o padrão primitivo da sina­
a uma sinagoga dedicada a Satanás, mas isso goga manteve-se como estrutura cristã durante
não significa que os cristãos, para fugir a tal algum tempo. A rivalidade entre cristãos e ju ­
padrão, não pudessem se reunir de acordo com deus tendia, entretanto, a enfraquecê-la como
o modelo da sinagoga. Essas considerações nos padrão cristão e, em alguns casos, a eliminá-la,
preparam para o que vem a seguir na história da especialmente onde havia o risco de as con­
expansão do evangelho, porque vemos em data gregações judaicas da Dispersão instigarem a
posterior outros padrões escolhidos pelos cris­ perseguição pública contra as sinagogas cristãs,
tãos, cujas origens foram igualmente “padrões supostamente desviadas. Ao contrário dos ju ­
tomados de empréstimo”, como no período do deus, os cristãos não tinham autorização oficial
Novo Testamento. para uma alternativa ao culto imperial romano.’
Na verdade, a implicação missiológica pro­ Assim, enquanto cada sinagoga era considera­
funda de tudo isso é que o Novo Testamento velmente independente das outras, o padrão
está tentando nos mostrar como tom ar emprestado cristão foi em seguida assimilado pelo contex­
padrões eficazes e libertar os futuros missionários to romano, e os bispos receberam autoridade
da necessidade de seguir afo r m a exata da sina­ sobre mais de uma igreja, com uma jurisdição
goga judaica e da equipe missionária judaica, territorial em nada diferente do modelo do go­
permitindo que escolham estruturas autóctones verno civil romano. Essa tendência ficou bem
equivalentes nas inúmeras situações com que confirmada quando o reconhecimento oficial
irão deparar ao longo da história da Igreja e ao do cristianismo causou impacto total: a própria
redor do mundo. Essas estruturas irão corres­ palavra latina usada para designar a região sob a
ponder fielmente àfunção dos padrões que Paulo autoridade de um juiz romano foi tomada por
empregou, se não à sua forma! Não é de admirar empréstimo: “diocese”, que delimitava a área
que um volume considerável de literatura mis­ das paróquias.
siológica dos dias de hoje ressalte o fato de o De qualquer modo, embora o padrão mais
cristianismo ter empregado as diversas línguas “congregacional” da sinagoga independente

' Dynamic Equivalence Churches, M issiology: An In tern a tion a l R ev iew , v. 1, n. 1,1973, p. 39ss.
r Os cristãos, como se diz, recorriam à formação de “clubes de sepultamento”, que eram legais como meio para comu­
nhão e culto.
fosse cada vez dando lugar ao modelo romano Apresentarei apenas um exemplo de como
“associativo”, a nova igreja p a roq u ia l cristã ain­ nossos estereótipos protestantes podem estar
da mantinha a organização básica da sinagoga, errados. Ouvimos falar com frequência de que
isto é, a mescla de jovens e velhos, homens e os monges “fugiam do mundo”. Compare essa
mulheres — a saber, um organismo biologica­ ideia com a descrição a seguir, feita por um
mente autoperpetuante. erudito missionário batista:
Enquanto isso, a tradição monástica, em
diversas formas prim itivas, desenvolveu-se A regra beneditina e as muitas outras deriva­
como uma segunda estrutura. A nova e pro­ das dela provavelmente ajudaram a dignificar
lífera estrutura não tinha ligação alguma com o trabalho, até mesmo o trabalho braçal nos
a equipe missionária de que Paulo participou. campos. Esse conceito representava o con­
Na verdade, era baseada substancialmente na traste absoluto com a ideia aristocrática da
estrutura militar romana, mais que em qualquer condição servil do trabalho manual, predomi­
outra fonte isolada. O ex-militar Pacômio con­ nante em grande parte da sociedade antiga e
quistou 3 mil discípulos e atraiu a atenção de adotada também pelos guerreiros e pelos re­
indivíduos como Basílio de Cesareia e, a seguir, ligiosos não monásticos, os quais constituíam
por meio de Basílio, a de João Cassiano, que tra­ a classe média alta da Idade Média [...]. Aos
balhou no sul da Gália em data posterior.6 Esses mosteiros [...] obviamente se devia grande
homens desenvolveram uma estrutura discipli­ parte do cultivo das terras e o desenvolvi­
nada, tomada principalmente de empréstimo mento dos métodos agrícolas. No ambiente
dos militares, que permitia aos cristãos nomi­ do barbarismo, os mosteiros eram os centros
nais uma segunda escolha — um compromisso da vida ordeira e organizada, e os monges
adicional específico. eram incumbidos da construção e reparos
Talvez seja prudente fazer uma pequena das estradas. Até o advento das cidades, no
pausa aqui. Qualquer referência aos mosteiros século XI, eles foram os pioneiros da indús­
produz um choque cultural nos protestantes. tria e do comércio. As oficinas dos mostei­
A Reforma protestante lutou desesperadamente ros preservaram as atividades industriais do
contra certas condições infames predominantes Império Romano [...]. O uso primitivo do
no fim do período medieval, que durou mil anos. calcário argiloso para melhoria do solo é atri­
Não é nosso desejo negar o fato de as condições buído a eles. As grandes ordens monásticas
nos mosteiros nem sempre serem ideais. O que francesas lideraram a colonização agrícola da
os protestantes em geral sabem acerca dos mos­ Europa ocidental. Os cistercienses, em espe­
teiros talvez seja correto no que diz respeito a cial, fizeram de suas casas centros de agricul­
certas situações, mas o estereótipo protestante tura e contribuíram para o desenvolvimento
popular certamente não pode descrever com dessa ocupação. Com seus irmãos leigos e
precisão tudo que aconteceu naqueles mil anos! trabalhadores contratados, eles se tornaram
No decorrer dos séculos houveram períodos grandes proprietários de terras. Na Hungria
distintos e uma larga variedade de movimen­ e na fronteira alemã, os cistercienses foram
tos monásticos radicalmente diversos uns dos particularmente importantes na conversão do
outros, conforme veremos a seguir. Qualquer solo em terra cultivável e no incremento à co­
generalização sobre um fenômeno tão vasto está lonização. Na Polônia, também os mosteiros
fadada a ser mera caricatura, preconceituosa e germânicos estabeleceram padrões avançados
indigna de confiança. na agricultura e introduziram o artesanato.7

6Kenneth Scott Latourette, A H istory o f C hristian ity (New York: Harper and Brother, 1953), p. 181, 221-34.
' Kenneth Scott Latourette, op.cit. (New York: Harper and Brothers, 1938), v. 2, p. 379-80.
Para os líderes missionários, o desmoronar E ainda mais importante para nosso pro­
do estereótipo “os monges fugiam do mundo” é pósito observar que, embora as duas estruturas
ainda mais dramática e decisivamente fortalecido medievais sejam fo rm a lm en te diversas das duas
pelo magnífico registro dos peregrinos irlande­ estruturas da época do Novo Testamento e his­
ses, monges celtas que fizeram mais para conver­ toricamente não tenham relação com estas, ain­
ter os anglo-saxões que a missão de Agostinho da assim sãofu n cion a lm en te as mesmas. A fim
e contribuíram mais para a evangelização da de analisar convenientemente as semelhanças
Europa ocidental e até mesmo da Europa cen­ de funcionamento que continuam a existir, va­
tral que qualquer outra força cristã. mos chamar “modalício” a sinagoga e a diocese,
Desde o princípio, essa segunda estrutura enquanto à equipe missionária e ao mosteiro
foi significativa para a expansão do movimento chamaremos “sodalício”. Modalício é a comu­
cristão. Embora os protestantes tenham adqui­ nidade estruturada na qual não há distinção de
rido um preconceito inato contra ela, por di­ sexo ou de idade, enquanto sodalício é a comu­
versos motivos, como já vimos, não podemos nidade estruturada da qual só pode ser mem­
negar o fato de que sem essa estrutura seria bro o adulto que tomou uma segunda decisão,
difícil imaginar até mesmo a continuidade vital além da que o tornou membro do modalício.
da tradição cristã através dos séculos. Os pro­ A filiação ao sodalício, portanto, está limitada
testantes ficam igualmente consternados com à idade, ao sexo ou ao estado civil. Nesses ter­
a outra estrutura — paroquial e diocesana. Na mos, tanto a denominação quanto a igreja local
verdade, a relativa fraqueza e a superficialidade são modalícios, enquanto a agência missioná­
da estrutura diocesana é que tornam a estrutu­ ria ou o grupo de homens crentes que se reúne
ra monástica tão significativa. Homens como regularmente com determinado propósito são
Jerônimo e Agostinho, por exemplo, não são sodalícios.8
considerados monges pelos protestantes, e sim Nesse período pós-bíblico inicial havia pou­
grandes eruditos, e teólogos como João Calvi- ca relação entre modalício e sodalício, enquanto
no apoiaram-se fortemente nas obras desses na época de Paulo sua equipe missionária espe­
monges. Entretanto, os protestantes em geral cificamente nutria as igrejas, o que constituiu
não dão qualquer crédito à estrutura na qual uma simbiose bastante significativa. Veremos
Jerônimo e Agostinho e muitos outros mestres agora como o período medieval recuperou o
monásticos trabalharam, sem a qual o labor pro­ saudável relacionamento neotestamentário en­
testante teria muito pouco alicerce sobre que tre o modalício e o sodalício.
edificar, pois nem mesmo teria a Bíblia.
Acompanhemos agora o desenrolar des­ A síntese medieval do modalício
ses acontecimentos no período seguinte, onde e do sodalício
examinaremos o advento formal das principais Podemos dizer que o período medieval teve
estruturas monásticas. Basta por ora observar início quando o Império Romano do ocidente
que já havia, lá pelo século IV, dois tipos muito começou a desmoronar. Até certo ponto, o pa­
diferentes de estruturas — a diocese e o mos­ drão diocesano, pelo fato de seguir o modelo do
teiro — , ambos significativos na transmissão e governo civil de Roma, tendia, à mesma épo­
expansão do cristianismo. Ambas as estruturas ca, ao desmoronamento. O padrão monástico
são padrões do contexto cultural da época, exa­ (sodalício) revelou-se muito mais duradouro e,
tamente como a sinagoga cristã primitiva e o como resultado, conquistou maior importância
grupo missionário. no início do período medieval do que obteria

- Ralph D. W inter, T he W arp and the W oof of the Christian M ovement, in: Ralph D. W in ter & R. Pierce Beaver
Org.), T he Warp a n d the Woof: o r g a n m n g fo r C hristian m ission (South Pasadena: W illiam Carey Library, s.d.), p. 52-62.
de outra forma. A sobrevivência do modalício forma beneditina do monasticismo. O rema­
(cristianismo diocesano) ficou mais comprome­ nescente da “igreja” celta na Inglaterra era uma
tida porque os invasores do primeiro período rede de sodalícios, uma vez que simplesmente
medieval geralmente pertenciam a um ramo não existia o sistema paroquial na área celta.
diferente da fé cristã — eram arianos. Assim, Agostinho foi à Inglaterra a fim de estabelecer
em muitos lugares eram encontrados os dois o cristianismo diocesano, embora ele mesmo
tipos de igreja cristã: a “ariana” e a “católica”, não fosse um sacerdote diocesano.
em esquinas opostas na rua principal — algo Esse tipo de trabalho é bem característico.
parecido com o que acontece hoje, quando te­ Durante um longo período de tempo, talvez mil
mos igrejas metodistas e presbiterianas, uma anos, a construção e a reconstrução dos moda-
diante da outra na mesma rua. lícios foram quase sempre obra de sodalícios.
Repetimos, no entanto, que não pretende­ Equivale a dizer que os mosteiros foram a fonte
mos desmerecer a forma paroquial ou diocesana e o ponto real de convergência da nova energia
do cristianismo, apenas destacar que nesse pe­ e da vitalidade que fluíam para o lado diocesano
ríodo da época medieval as casas especializa­ do movimento cristão. Pensamos na momentosa
das chamadas “mosteiros”, ou seus equivalentes, reforma de Cluny, depois na dos cistercienses,
vieram a ser muito mais importantes na per­ então na dos frades e, por fim, na dos jesuítas
petuação do movimento cristão que o sistema — todas promovidas por sodalícios, mas que
organizado de paróquias, que frequentemente contribuíram maciçamente para a construção
chamamos “igreja”, como se não houvesse nenhuma e reconstrução do corpus christianum , a rede de
outra estrutura constituindo a igreja. dioceses que os protestantes costumam iden­
Talvez a ilustração mais notável da impor­ tificar como “o” movimento cristão.
tância do relacionamento entre o modalício e Havia rivalidade entre as duas estruturas,
o sodalício do primeiro período medieval seja em muitos pontos: entre o bispo e o abade, a
a colaboração entre Gregório, o Grande, e o diocese e o mosteiro, o modalício e o sodalício.
homem mais tarde chamado Agostinho de A grande conquista do período medieval foi
Cantuária. Embora Gregório, como bispo da a síntese definitiva, delicadamente elaborada,
diocese de Roma, fosse o dirigente de um mo­ mediante a qual as ordens católicas podiam fun­
dalício, tanto ele quanto Agostinho eram pro­ cionar lado a lado com as paróquias e dioceses
duto de casas monásticas — fato que reflete a católicas, sem que as duas estruturas entrassem
predominância já existente do padrão do so­ em conflito e causassem algum recuo no movi­
dalício na estrutura cristã. De qualquer modo, mento. A harmonia entre o modalício e o soda­
Gregório pediu ao seu amigo Agostinho que lício, alcançada pela Igreja Romana, talvez seja
aceitasse uma missão importante na Inglaterra: a característica mais significativa dessa fase do
implantar ali a estrutura diocesana, pois o cris­ movimento mundial cristão, e continua sendo
tianismo celta fora profundamente prejudicado a mais importante vantagem organizacional de
pela invasão dos guerreiros saxões. Roma até os dias de hoje.
Por mais forte que fosse Gregório em sua Observe, entretanto, que não é intenção
diocese, ele não dispunha de nenhuma estru­ nossa sugerir que alguma organização, seja do
tura para realizar essa missão, a não ser o so­ modalício, seja do sodalício, fosse a campeã pe­
dalício, na época um mosteiro beneditino. Por rene de vitalidade durante a época medieval.
isso, pediu a Agostinho e a outros membros do Na realidade, não existe nenhuma continuidade
mesmo mosteiro que empreendessem a viagem, organizacional impressionante no movimento
bastante perigosa, a fim de cumprir aquela im ­ cristão, quer na forma de modalício, quer na de
portante missão em nome do papa. O curioso sodalício. (A lista dos bispos em Roma é, em
é que o propósito da missão não era ampliar a muitos aspectos, uma construção pouco con­
fiável e, infelizmente, não apresenta um ponto tomaram apenas a “primeira decisão”, são em
sequer de convergência para o movimento cris­ geral menos exigentes.
tão como um todo.) No entanto, está claro que Não podemos deixar o período medieval
o sodalício, conforme recriado muitas e muitas sem nos referirmos aos muitos movimentos não
vezes por diferentes líderes, foi quase sempre a oficializados e geralmente perseguidos que tam­
força motriz, a fonte de inspiração e renovação bém caracterizaram essa época. A Bíblia talvez
que transbordou do papado e criou os movi­ seja nisso tudo o primeiro e principal propulsor,
mentos reformistas que abençoaram o cristia­ como vemos no caso de Pedro Valdo. Sua obra
nismo diocesano de tempos em tempos. permanece como uma demonstração poderosa
O exemplo mais significativo é a subida de do poder simples de uma tradução vernacular
Hildebrando (Gregório VII) ao trono papal, que da Bíblia, numa situação em que o povo era
introduziu no próprio Vaticano os ideais, a de­ incapaz de compreender a tradução clássica de
dicação e a disciplina do movimento monástico. Jerônimo ou a celebração da missa em latim.
Nesse sentido, não seria então o papado, com o Havia muitos grupos chamados “anabatistas”
Colégio dos Cardeais, a diocese e a estrutura em muitas partes da Europa. Uma das carac­
paroquial da Igreja Romana, em alguns aspec­ terísticas principais desses movimentos de re­
novação é que eles não tentavam produzir uma
tos, um elemento secundário, uma derivação da
simples participação celibatária, embora fosse
tradição monástica, e não o contrário? Seja qual
uma de suas características ocasionais, mas em
for o caso, parece apropriado que os sacerdotes
geral apenas desenvolviam comunidades “no­
da tradição monástica sejam chamados “padres
vas” de crentes e suas famílias, tentando, pela
regulares”, enquanto os sacerdotes da diocese e da
transmissão biológica e cultural, preservar uma
paróquia sejam denominados “padres seculares”.
forma elevada e esclarecida de cristianismo.
Aqueles são voluntariamente regidos por uma
Esses grupos enfrentavam oposição tão forte
r;g u la , enquanto estes constituem um grupo
e limitações tão sérias que seria injusto julgar
diferente, “fora de” ou “cortado de”, algo infe­
seu vigor pelo seu progresso. Contudo, é impor­
riores às comunidades de pessoas que tomaram tante observar que as comunidades menonitas
uma segunda decisão e são regidas pelas regras. comuns ou do Exército de Salvação, em que
Sempre que uma casa, um projeto ou uma pa­ famílias inteiras eram membros, tipificavam o
róquia sob direção do clero regular passa para o desejo de uma igreja “pura”, do que geralmente
domínio do clero secular, tem-se uma forma de é chamado “uma igreja de crentes" e constitui
"secularização” dessa entidade. Na prolongada um experimento significativo na estrutura cristã.
Controvérsia da Investidura, o clero regular con­ Essa estrutura, em certo sentido, fica a meio
quistou finalmente autoridade explícita para uma caminho entre o modalício e o sodalício, uma
administração semiautônoma pelo menos, e a vez que apresenta a constituição do modalício
secularização das ordens ficou afastada. (envolvendo famílias inteiras) e, ainda assim,
Podemos observar que o perigo estrutu­ em seus primeiros anos, pode ter a vitalidade
ral da secularização ainda existe. Está presen­ e a seletividade de um sodalício. Retornaremos
te sempre que os interesses especiais de uma a esse fenômeno na próxima seção.
associação religiosa missionária de elite (sodalí­ Temos aqui espaço apenas para destacar
cio >passa para o domínio total de um governo que o período medieval de mil anos não pode
eclesiástico, uma vez que o modalício cristão ser considerado à parte do papel desempenha­
as igrejas) inevitavelmente representa os in ­ do pelos sodalícios, em termos de durabilida­
teresses mais amplos e, sem dúvida, internos de e qualidade da fé cristã. O que aconteceu
de um grande grupo composto por todos os em Roma é apenas a ponta do iceberg, quando
::oos de cristãos, os quais, como membros que muito, e representa um nível bem superficial e
político. Ele apresenta marcante contraste com contra esse movimento têm sido grandemente
as fontes fundamentalistas de estudo bíblico abençoadas por ele.
e obediência radical encontradas nos diversos O movimento pietista e as novas comunida­
sodalícios desse milênio momentoso. des anabatistas, contudo, acabaram retornando
ao nível do crescimento biológico, revertendo
A redescoberta protestante dos sodalícios o modelo comum de vida congregacional. Ele
Em sua fase inicial, o movimento protestante regrediu do nível do sodalício para o do mo­
tentou sobreviver sem qualquer tipo de estrutura dalício e na maioria dos casos tornou-se muito
de sodalício. Desagradava a M artinho Lutero depressa ineficiente como estrutura missionária
a visível polarização existente entre a vitalida­ ou como força de renovação.
de que descobrira em sua ordem monástica e a O que mais nos interessa é o fato de que,
vida paroquial insincera de sua época. Insatis­ falhando na exploração da potencialidade dos
feito com essa separação, ele abandonou o so­ sodalícios, os protestantes não dispuseram de
dalício no qual encontrara a fé e aproveitou-se nenhum mecanismo para as missões por qua­
das forças políticas de seu tempo para lançar se trezentos anos, até que W illiam Carey pro­
um movimento de renovação integral da vida pusesse “o uso de meios para a conversão dos
eclesiástica. A princípio, ele até tentou omitir a pagãos”. A palavra-chave “meios” refere-se à
estrutura característica da diocese romana, po­ necessidade de um sodalício, de uma iniciativa
rém o movimento luterano acabou produzindo organizada, mas não eclesiástica, de pessoas
uma estrutura diocesana que representou, em interessadas. Assim, a Sociedade M issionária
grande parte, o reaproveitamento da tradição Batista, resultante dessa iniciativa, constitui um
diocesana romana. O movimento luterano, en­ dos avanços organizacionais mais significativos
tretanto, não restaurou os sodalícios, isto é, as da tradição protestante. Ela desencadeou o uso
ordens católicas, que haviam sido tão proemi­ cada vez maior de “meios” para a conversão de
nentes na tradição romana. pagãos e encontramos nos anos que se segui­
Creio que essa omissão representa o maior ram um grupo de sociedades organizadas em
erro da Reforma e a maior fraqueza da tradição moldes semelhantes: L M S e N M S em 1795,
protestante que dela resultou. Não fosse o mo­ C M S em 1799, CFBS em 1804, A B C FM em
vimento pietista, os protestantes teriam ficado 1810, A BM B em 1814, G M S em 1815, D M S
desprovidos de qualquer estrutura organizada em 1821, FEM em 1822 e BM em 1924 — 12
dentro de sua tradição. A tradição pietista, em sociedades em 32 anos! Depois que esse mé­
cada nova manifestação de sua força, foi sem todo de atuação foi claramente compreendido
dúvida alguma um sodalício, visto que era um pelos protestantes, 300 anos de energias latentes
caso de adultos se reunindo e se dedicando a explodiram no que veio a ser, na expressão de
novos começos e a objetivos mais elevados como Latourette, “o Grande Século”.
cristãos, sem entrar em conflito com as reuniões O século XIX marca o início das ativida­
já programadas da igreja existente. O fenômeno des missionárias dos protestantes. Por motivos
do sodalício que alimenta o modalício é notá­ que o espaço não permite explicar, foi também
vel no caso do trabalho inicial de John Wesley. o século de maré mais baixa da energia mis­
Ele proibiu de maneira absoluta o abandono sionária católica. De modo espantoso, os pro­
das igrejas paroquiais. Um exemplo contem­ testantes, nesse único século, edificando sobre
porâneo é o amplo e influente a v iv a m en to da a expansão mundial sem precedentes do Oci­
A frica O riental, que já envolveu até agora um dente, igualaram-se aos 18 séculos de esforços
milhão de pessoas, mas que tem evitado qual­ missionários anteriores. Não há dúvida de que
quer choque com o funcionamento das igrejas as realizações nesse século fizeram a corrente
locais. Por sua vez, as igrejas que não lutaram protestante transformar-se de simples remanso
europeu, impotente e fechado, em potência cris­ dos líderes denominacionais, principalmente
tã mundial. Olhando para trás, do ponto em os presbiterianos, que ganharam terreno quase
que nos encontramos hoje, é difícil crer que o sem nenhum contratempo nos últimos 65 anos
movimento protestante tenha começado a se do século XIX. No começo do século XX, por­
destacar há tão pouco tempo. tanto, as estruturas antes independentes, apenas
Contudo, em termos de organização, o ve­ ligadas às denominações, passaram a ser grada-
ículo que permitiu ao protestantismo tornar- tivamente dom inadas pelas igrejas. Como resul­
se vital foi o desenvolvimento da estrutura dos tado parcial, lá pelo fim do século XIX, houve
sodalícios, que aproveitou o “voluntarismo” vital uma nova explosão de sodalícios, totalmente
latente no protestantismo, vindo à superfície na separados, chamados “missões de fé”, com a
forma de novas agências missionárias de todos Missão ao Interior da China de Hudson Taylor
os tipos, nacionais e estrangeiras. Verdadeiras na liderança. Esse padrão foi principalmente
ondas de iniciativas evangélicas transforma­ um ressurgimento do modelo estabelecido no
ram o mapa do cristianismo, especialmente nos início do século, antes da tendência que levou
Estados Unidos, mas também na Inglaterra e à formação das juntas denominacionais, mas
em grau menor na Escandinávia e no continente isso não é totalmente reconhecido.
europeu. Por volta de 1840, o fenômeno dos so­ Todas essas mudanças aconteceram lenta­
dalícios missionários era tão notável nos Estados mente. É sempre difícil impor atitudes, mas
Unidos que a expressão “império evangélico” e parece claro que os protestantes sempre se sen­
outras equivalentes foram usadas para se refe­ tiram um tanto inseguros quanto à legitimidade
rir a ele, dando início a uma pequena oposição da segunda estrutura, o sodalício. A tradição
eclesiástica contra essa nova e luminosa mani- anabatista enfatizava de modo consistente o
restação da segunda estrutura. Isso nos leva ao conceito de uma comunidade pura de crentes
rróximo ponto. e não se interessou então pelo voluntarismo que
viesse a envolver apenas parte da comunidade
O mal-entendido contemporâneo crente. As denominações americanas, por sua
acerca do sodalício vez, que não recebiam a verba dos impostos re­
Quase todos os esforços missionários do sé­ ligiosos, como ocorria no continente europeu,
culo XIX, patrocinados por juntas interde- eram geralmente comunidades mais seletivas e
r.ominacionais ou denom inacionais foram mais vigorosas que as igrejas estatais europeias.
substancialmente fruto de iniciativas no geral Pelo menos em sua exuberância juvenil, sen­
independentes das estruturas clericais ligadas tiam-se muito capazes, como denominações, de
a elas. Na metade final do século XIX, duas proporcionar toda a iniciativa necessária para as
tradições estruturais separadas pareciam des­ missões estrangeiras. Essa é a razão de as muitas
tacar-se cada vez mais. denominações novas dos Estados Unidos se
De um lado, surgiram homens como Henry inclinarem a agir como se o controle eclesiástico
\ enn e Rufiis Anderson, pensadores estratégicos centralizado dos esforços missionários fosse o
a rrente das sociedades mais antigas — a Church único padrão correto.
Missionary Society, da Inglaterra, e a American Em vista disso, uma reformulação quase to­
Board of Commissioners for Foreign Missions, tal ocorreu na maioria dos esforços missionários
respectivamente. Estes homens foram os gran­ relacionados com as estruturas denominacionais,
des defensores dos sodalícios semiautônomos, por ocasião da Segunda Guerra Mundial. Isto
acotando uma atitude que não foi a princípio é, quase todas as juntas denominacionais mais
j i-ntestada por nenhum grupo significativo de antigas, embora antes semiautônomas ou qua­
lideres das estruturas eclesiásticas. Do outro se independentes, passaram a fazer parte das
lado. achava-se a perspectiva centralizadora provisões orçamentárias unificadas, e assim por
diante. Ao mesmo tempo, em parte como resul­ de, muitas das agências missionárias fundadas
tado dessa mudança, um novo grupo de estru­ após a Segunda Guerra M undial, em vista de
turas missionárias independentes brotou outra sua extrema deferência para com os movimentos
vez, principalmente depois da Segunda Guerra eclesiásticos já existentes em países estrangei­
Mundial. Como no caso anterior das missões de ros, nem sequer tentaram estabelecer igrejas e
'fé, as novas missões tendiam a dar pouca atenção durante muitos anos trabalharam apenas como
aos líderes denominacionais e às suas aspirações pontos de apoio nas diversas áreas de serviço,
para a centralização das missões na igreja. tentando ajudar as igrejas que já existiam.
A Igreja A nglicana, com suas sociedades A pergunta a ser feita é: quanto tempo irá
missionárias, representa a síntese medieval e se passar até que as igrejas mais jovens dos cha­
assim, quase inconscientemente, também as so­ mados territórios missionários do mundo não
ciedades americanas batistas de linha conserva­ ocidental cheguem a essa conclusão memorável
dora. Até hoje, existe grande confusão entre os (à qual o movimento protestante na Europa
protestantes a respeito da legitimidade e do re­ chegou tarde demais)? Isto é, quando irão perce­
lacionamento das duas estruturas manifestadas ber a necessidade de estruturas sodalícias, como
através da história do movimento cristão. o “uso de meios” de W illiam Carey, para que
A cegueira protestante quanto à necessida­ os membros da igreja participem de iniciativas
de de sodalícios missionários exerceu trágica missionárias vitais, especialmente das missões
influência nos campos missionários, piorando transculturais? Alguns sinais de esperança já
ainda mais a situação. As missões protestantes, surgiram, indicando que essa trágica demora
por serem adeptas do modalício, inclinaram-se não será muito maior. Temos u m exemplo disso
a presumir que apenas esse modelo deveria ser na obra notável da Fraternidade Melanésia, nas
estabelecido, isto é, igrejas. Mesmo nos casos em ilhas Salomão.
que a obra missionária é realizada por sodalícios
semíautônomos, é o modalício, e não o sodalício, Conclusão
que constitui o único alvo. As agências missioná­ Este artigo não constitui de maneira alguma uma
rias (até mesmo aquelas que em casa eram mais depreciação ou uma crítica à igreja organizada.
independentes das denominações) inclinam-se, Ele presume a necessidade e a importância da
em sua obra missionária, a estabelecer igrejas, e estrutura paroquial, da estrutura diocesana, da
não a plantar, além delas, sodalícios missionários estrutura denominacional e da estrutura ecle­
nas chamadas terras missionárias.9 siástica. A estrutura do modalício é significativa
Quando fazemos um retrospecto, surpre­ e absolutamente essencial. Nosso propósito foi
endemo-nos ao ver que a maioria dos missio­ tão-somente explorar alguns padrões históricos
nários protestantes, operando com estruturas que tornam claro que Deus, por meio de seu
(missionárias) que não fizeram parte da tradição Santo Espírito, clara e consistentemente usou
protestante durante séculos e sem as quais não outra estrutura além do modalício (e, às vezes,
teria havido iniciativa missionária, mesmo assim apesar dele). Tentamos ajudar aqui os líderes
parece não perceber o significado da própria eclesiásticos e outros a entender a legitim i­
estrutura em que trabalham. Nessa cegueira, dade de am bas as estruturas e a necessidade
eles simplesmente fundaram igrejas, mas não não só de existirem, mas de trabalharem jun­
se preocuparam o bastante para garantir que o tas e em harm onia, para o cum primento da
tipo de estrutura missionária no qual trabalham Grande Comissão e de tudo que Deus deseja
também seja estabelecido no ca m p o. Na verda­ para nossa época.

9 Ralph D. W inter, The Planting of Younger M issions, in: Peter C . W agner (Org.) Church/ M issions T ensions Today
(Chicago: M oody Press, 1972).
Perguntas para estudo

1. Defina “modalício” e “sodalício” e dê exemplos de cada um.

2. Você concorda c o m a te s e d e W in ter d e q u e as estru tu ra s d e so d a lício d e n tr o das igrejas são


legítimas e necessárias? Qual o significado prático de sua resposta?

3. Explique a importância de se saber distinguir entre fo r m a e fu n çã o.

4. De acordo com W inter, qual foi “o maior erro da Reforma e a maior fraqueza da tradição
protestante que dela resultou”?
£' % uinze séculos de ação missionária precederam o aparecimen-
\ , £ to das missões mundiais protestantes. A ação missionária
não começou, portanto, d e n o v o e, de acordo com a teoria católi­
ca romana moderna, constitui apenas o último capítulo de uma
longa história. Estas páginas apresentam um resumo histórico da
estratégia missionária antes de surgirem os esforços protestantes
e traçam rapidamente o curso da estratégia protestante. Infeliz­
mente, por falta de espaço, omitiremos por completo as missões
católicas romanas modernas.

Bonifácio
O primeiro exemplo de uma estratégia missionária bem desenvol­
vida, de acordo com a interpretação do termo no século XX, foi a
empregada na missão inglesa ao continente europeu por Bonifácio,
no século VIII. Bonifácio pregou aos pagãos germânicos numa
língua parecida com a deles, de modo que puderam entendê-lo.
Ele foi bastante agressivo: desafiou os deuses deles, destruiu seus
santuários, cortou as árvores sagradas e edificou igrejas em locais
sagrados. Contudo, teve seus convertidos e os educou e civilizou.
Bonifácio fundou mosteiros que não só tinham instituições aca­
dêmicas, como também programas para ensinar agricultura, pas­
toreio e economia doméstica ao povo.
Isso tornou possível a existência de uma sociedade estável, de
uma igreja bem fundamentada e de um bom sistema de forma­
ção cristã. Numa segunda linha de instituições educacionais e de
R. PÍER/.'; EtW /EK foi professor ciências domésticas, Bonifácio trouxe freiras da Inglaterra. Esse
emérito da Universidade de Chicago. foi o primeiro caso de mulheres formal e ativamente engajadas na
Ele se especializou em história das
obra missionária. O clero e os monges foram recrutados do meio
missões nos Estados Unidos e, durante
do povo. Toda essa atividade foi apoiada pela igreja da Inglaterra.
15 anos, atuou como diretor formativo
da Missionary Research Library, na Bonifácio enviava relatórios e pedidos. Ele discutia estratégia com
cidade de Nova York. Beaver é autor os que haviam ficado em sua pátria. Os bispos, os monges e as f r e i*
de vários livros, entre eles, All Loves enviavam, por sua vez, pessoal, dinheiro e suprimentos a Bonifácio.
Excelling [Todos os amores excede], Também envolveram a missão em orações intercessórias.
um registro da iniciativa de mulheres
Essa verdadeira obra missionária infelizmente deixou de existir
americanas na evangelização mundial.
Extraído de Southwestern Journal o f
por causa da devastação que invasores causaram ao povo da Ingla­
Theology, v. 13, n. 2, primavera 1970. terra. A missão no continente transformou-se num verdadeiro ins­
Usado com permissão. trumento de expansão imperial, tanto política quanto eclesiástica,
pois foi empregada pelos reis francos, por seus aos monarcas a evangelização dos povos daque­
sucessores germânicos, pelo imperador bizan­ las terras, bem como a obrigação de estabelecer a
tino e pelo papa. Em razão disso, os reis escan­ Igreja e mantê-la. As missões transformaram-se,
dinavos não permitiam que os missionários do portanto, numa função governamental.
continente entrassem em seus países. Preferiam Os portugueses construíram um império
confiar a evangelização aos missionários ingle­ comercial e, com exceção do Brasil, mantive­
ses, que eram seus súditos ou não tinham co­ ram sob seu domínio direto apenas pequenos
nexões políticas. territórios. A li suprimiram as religiões étnicas,
expulsaram a classe alta, que opunha resistência,
As Cruzadas e criaram uma comunidade cristã composta dos
A série de guerras europeias contra os mu­ descendentes mestiços e convertidos das classes
çulmanos, as Cruzadas, dificilmente pode ser inferiores da sociedade.
considerada uma forma de verdadeira missão. A Espanha empenhou-se em transplantar
Elas tomaram as missões junto aos muçulmanos o cristianismo e a civilização, ambos de acordo
quase impossíveis até o dia de hoje por causa com o modelo espanhol. A exploração cruel
da herança de ódio que deixaram em terras acabou com os indígenas do Caribe e estimu­
islâmicas. Mesmo assim, antes de as Cruzadas lou uma luta heróica pelos direitos dos indíge­
acabarem, Francisco de Assis falou com amor nas remanescentes, por parte de Bartolomeu de
ao sultão e criou uma força missionária a fim las Casas e outros missionários. Desde então,
de pregar em amor e paz. Raimundo Lúlio, a defesa do povo primitivo contra a explora­
o grande franciscano, desistiu de seu status na ção pelos brancos e pelos governos coloniais
nobreza da corte de Aragão e dedicou sua vida tem sido uma importante função das missões.
à obra missionária entre os muçulmanos, co­ Depois que aquele poderoso esforço aboliu a
nhecido como Louco de Amor. Ele convencia escravidão e o batismo forçado, os missionários
e convertia pela razão, usando o instrumento foram transformados em civilizadores e prote­
do debate. Para esse fim, escreveu o seu Ars tores dos indígenas. A missão era estabelecida
M agna, com a intenção de responder de ma­ em regiões remotas, tendo um posto central
neira convincente a qualquer pergunta ou obje­ ao redor do qual se formava uma cidade, para
ção que pudesse ser feita pelos muçulmanos ou onde os indígenas se dirigiam a fim de fixar
pagãos. Idealizou uma espécie de computador residência. A li havia, quase sempre, uma pe­
intelectual, em que os diversos fatores podiam quena guarnição de soldados a fim de proteger
ser registrados, e a resposta certa aparecia. Lúlio os missionários e os indígenas cristãos. Postos
implorou incessantemente, durante muitas dé­ avançados e cidades menores eram ligados ao
cadas antes de seu martírio, a papas e reis que posto central. Os indígenas recebiam instru­
criassem colégios para o ensino da língua árabe ção de catequistas e eram supervisionados por
e outras para treinamento de missionários e re­ sacerdotes na vida cultual da igreja. Eram ati­
comendou-lhes muitos esquemas para o envio vamente envolvidos na participação dos cultos,
deles ao estrangeiro. servindo como acólitos, cantores e músicos. As
festas populares foram cristianizadas, e as fes­
A expansão colonial tas e jejuns cristãos, introduzidos. Oficiais civis
O cristianismo só veio a ser uma religião mun­ nativos ocupavam diversas funções de supervi­
dial por estar ligado à expansão dos impérios são sob o controle cuidadoso dos missionários.
português, espanhol e francês no período do Fazendas e sítios foram formados, e os indí­
século XVI ao XVIII. Quando o papa dividiu as genas recebiam as instruções necessárias sobre
terras não cristãs, já descobertas ou a descobrir, pastoreio e agricultura. Os indígenas, portanto,
entre as coroas de Portugal e Espanha, impôs foram preservados, civilizados e cristianizados,
e não mortos ou desalojados, como aconteceu das igrejas, em vez de se tornarem missionários.
mais tarde nos Estados Unidos. Infelizmente, Essa política obteve enorme sucesso.
quando o governo percebeu que as missões ha­
viam civilizado os indígenas, elas foram “secu- As estratégias missionárias do século XVII
larizadas”. Os missionários foram substituídos Os primeiros teóricos das missões modernas
pelo clero diocesano, geralmente de qualidade surgiram no século XVII, associados àquela
inferior e pequeno em número. As autorida­ grande expansão da fé, entre eles José de Acos­
des governamentais passaram a dirigir tudo, ta, Brancati eThom as a Jesu. Eles escreveram
mas sem ter amor pelo povo. As terras foram manuais de princípios e práticas missionárias,
distribuídas entre os colonizadores espanhóis, descreveram as qualificações dos missionários
e os indígenas, aos poucos, foram relegados à e os ensinaram a trabalhar com o povo. Em
condição de peões. 1622, foi criada em Roma a Sagrada Congre­
A política francesa no Canadá contrastou gação para a Propagação da Fé. Essa entidade
com a da Espanha. Apenas uma pequena colô­ passou então a dar orientação central às missões
nia foi criada para servir de base para o comércio católicas romanas e criou colégios e institutos
e como fortaleza contra os ingleses. Os franceses para treinamento missionário.
queriam as peles e outros produtos das flores­ Os corajosos inovadores desse período fo­
tas e, consequentemente, perturbaram o menos ram os jesuítas, que seguiram para o Oriente
possível a civilização indígena. Os missionários através dos canais portugueses, mas desafiaram
tiveram de desenvolver um a estratégia con­ as restrições de Portugal. Eram homens de vá­
soante com essa política. Por isso, conviveram rias nacionalidades e foram os pioneiros mo­
com os indígenas em suas vilas, adaptando-se às dernos na acomodação, aculturação, adaptação
condições na medida do possível, pregando, ensi­ ou autoctonia — como queiram chamar esse
nando, batizando, realizando os rituais da igreja, processo. A primeira tentativa deu-se no Japão,
permitindo que os convertidos continuassem a onde os missionários adaptaram casas, trajes, a
ser índios. Algumas cidades permanentes foram maioria dos costumes e a etiqueta do convívio
fundadas, com igreja e escola, nas regiões fron­ social japonês. Eles não usaram, no entanto, os
teiras ao território francês, mas a maioria dos termos, conceitos, formas ou rituais xintoístas e
habitantes viviam ali temporariamente. budistas na apresentação do evangelho nem no
Do outro lado do globo, no que veio a ser estabelecimento de igrejas. Fizeram grande uso
a Indochina francesa, atual Vietnã, região que do modo de falar japonês na produção da litera­
passou para o domínio francês bem mais tar­ tura cristã, impressa na gráfica da missão pelos
de, uma estratégia evangelística radicalmente convertidos japoneses. A parte mais pesada da
nova foi idealizada por Alexandre de Rhodes. A evangelização e do ensino foi assumida por di­
inovação foi necessária porque os missionários áconos e catequistas nativos. Alguns poucos fo­
franceses foram perseguidos e expulsos da região ram admitidos no sacerdócio. Logo surgiu uma
por longos períodos. A evangelização só poderia grande comunidade cristã. Quando o xógum, no
ser realizada por agentes nativos. Rhodes criou século XVII, temendo agressão estrangeira, fe­
uma ordem de evangelistas nativos leigos que chou o Japão a todos os estrangeiros e perseguiu
viviam sob voto e conquistavam convertidos aos o cristianismo, milhares de cristãos sofreram o
milhares. Animados com a experiência, Rhodes martírio. O cristianismo ocultou-se e sofreu até
e seus companheiros fundaram a Sociedade de que o Japão se abriu para o intercâmbio com o
Missões Estrangeiras de Paris, dedicada à política Ocidente, dois séculos mais tarde.
de recrutar e treinar um clero diocesano, cujos Em Madurai, no sul da índia, uma segunda
membros constituiriam os agentes principais experiência foi muito além. Roberto de Nobili
na evangelização do país e no cuidado pastoral acreditava que a casta dos brâmanes tinha de
ser conquistada para que o cristianismo obti­ familiares e cívicos. Tornou-se assim impossível
vesse sucesso na índia. Ele se tornou então um que um cristão fosse ao mesmo tempo cristão
cristão brâmane. Vestia-se como guru (mestre genuíno e chinês verdadeiro. A profissão da fé
religioso), observava as leis e os costumes da cristã parecia atacar as raízes da piedade filial, que
casta e aprendeu o sânscrito. De Nobili estudou era o próprio fundamento da sociedade chinesa.
as principais escolas da filosofia hindu e apre­ Dois séculos depois, o juramento foi abolido, e os
sentou a doutrina cristã tanto quanto possível rituais modificados, permitidos. Os jesuítas per­
em termos hindus. Ele é um dos pouquíssimos deram a batalha, mas venceram a guerra. Hoje,
evangelistas a levar um grande número de brâ­ quase todos os missionários de todas as igrejas
manes à conversão. reconhecem a necessidade da acomodação.
A tentativa de acomodação mais notável
foi na China. M atteo Ricci estabeleceu uma Os puritanos da Nova Inglaterra: missões
estratégia, e ela foi desenvolvida por Schall e aos índios americanos
Verbiest, seus sucessores como dirigentes da A participação dos protestantes em missões
missão. Assim como no Japão, os missionários mundiais começou cedo no século XVII, si­
adotaram o estilo de vida do país e os funda­ multaneamente com a obra evangelística dos
mentos da civilização chinesa, mas foram mui­ capelães da Companhia das índias Orientais
to além e aos poucos introduziram princípios Holandesas e as missões da Nova Inglaterra en­
e doutrina cristãos por meio de conceitos con- tre os indígenas americanos. As missões eram
fucionistas. Eles permitiam que os convertidos uma atividade da companhia comercial, porém
se envolvessem em rituais relacionados com os muitos de seus capelães foram autênticos missio­
ancestrais e com o Estado, considerando-os nários. Eles tiveram pouca influência na estraté­
de caráter social e civil, em vez de religioso. gia missionária posterior, mas foram as missões
Os missionários exerceram tremenda influência dos puritanos entre os índios que forneceram
como matemáticos, astrônomos, cartógrafos e às missões posteriores inspiração e exemplos. O
mestres em diversas ciências, apresentando assim alvo dos missionários era pregar o evangelho de
o conhecimento ocidental aos chineses, fazendo maneira tão efetiva que os indígenas se conver­
amizade com pessoas influentes e descobrindo tessem, aceitassem a salvação individualmente
oportunidades de apresentar a fé. Eles serviram e se reunissem em igrejas onde pudessem ser
o imperador em muitos ofícios. Tudo isso tinha alimentados na fé debaixo de uma disciplina
um único propósito: abrir o caminho para o evan­ estrita. A intenção era transformar o indígena
gelho. A estratégia foi coroada de êxito, e desen­ num cristão do mesmo tipo e com o mesmo ca­
volveu-se ali uma grande comunidade cristã, da ráter do puritano inglês, membro de uma igreja
qual faziam parte até mesmo pessoas influentes congregacional. Isso implicava civilizar o indíge­
que ocupavam cargos importantes. na de acordo com o modelo britânico.
Outros missionários, entretanto, não con­ A evangelização foi o primeiro item na estra­
seguiam valorizar nada que não fosse europeu e tégia. A pregação constituía o “grande meio” e
eram totalmente apegados à terminologia e às era suplementada pelo ensino. A maioria dos
práticas tradicionais católicas romanas. Motiva­ missionários seguia o exemplo de John Eliot
dos por ciúmes nacionalistas e partidários, ata­ e começava com a pregação pública, embora
caram os jesuítas e os acusaram em Roma, que Thomas M ayhew jr. obtivesse muito êxito em
finalmente se pronunciou contra os princípios M arthas Vineyard, começando com uma apro­
iesuítas, proibiu suas práticas e exigiu que todos ximação lenta e individual. Pesados sermões
os missionários que seguissem para o Oriente doutrinários sobre a ira de Deus e os sofrimentos
iurassem conformidade a essas determinações. do inferno, iguais aos que seriam apresentados a
Os cristãos foram proibidos de praticar rituais uma igreja inglesa, eram dirigidos aos indígenas.
David Brainerd, porém, à semelhança dos mo­ constante movimento entre a cidade e a floresta,
rávios, pregava o amor de Deus mais que sua até mesmo de grandes distâncias. Os cristãos de
ira. Seu ministério conduziu muitos homens e Stockbridge podiam ser, portanto, agentes evan-
mulheres ao arrependimento. gelísticos em seus relacionamentos naturais.
O segundo ponto da estratégia consistiu em Não importa o que tenha sido alcançado no
reunir os convertidos em igrejas, mas os novos desenvolvimento do caráter cristão nas primei­
cristãos tinham de passar por longos anos de ras cidades, o fato é que nenhuma influência
experiência antes que as primeiras igrejas fossem evangelística podia ser exercida por seus ha­
organizadas, mas na segunda fase das missões bitantes, pois estavam separados dos outros
indígenas, na década de 1730, essa demora já indígenas. Durante o século XIX e início do
não era mais imposta, e as igrejas foram rapida­ XX, os missionários entre os povos primitivos
mente reunidas e organizadas. Antes e depois da da Africa e das ilhas continuavam enamorados
organização das igrejas, os convertidos recebiam da ideia de garantir a pureza da fé e da con­
instruções e eram disciplinados na fé. duta dos convertidos por meio da segregação
A terceira ênfase estratégica foi o estabe­ em vilas e distritos cristãos. Essa prática teve
lecimento de cidades cristãs. John Eliot e seus como efeito alienar os cristãos de seu próprio
colegas missionários acreditavam que a segre­ povo, criando uma espécie de sociedade “mes­
gação e o isolamento eram necessários para que tiça”, nem nativa nem europeia, e impedindo
os convertidos crescessem na graça. Eles tinham qualquer impacto evangelístico sobre o restan­
de ser removidos da influência perniciosa de te da população. Um povo separado não pode
seus irmãos pagãos e dos homens brancos ruins. contagiar os outros com sua fé.
Pensava-se que em “cidades puramente cristãs No centro de cada cidade ou posto missio­
de índios fiéis” os novos membros poderiam nário havia uma igreja com uma escola ao lado.
conviver em harmonia sob a disciplina estrita Os sermões aos domingos e as reuniões de ora­
e a educação cuidadosa dos missionários bran­ ção, a catequização e a educação elementar em
cos e dos pastores e professores indígenas. Isso geral, tudo se inclinava a educar o convertido
garantia o que Cotton M ather chamava “um na fé e na civilização.
modo de vida mais decente e inglês”. O In dian Catechism [Catecismo indígena],
A cristianização e a civilização seriam si­ de John Eliot, foi o primeiro livro publicado
multâneas e indistinguíveis. Eliot implantou numa língua indígena am ericana. Usava-se
em suas cidades uma forma bíblica de governo tanto o vernáculo quanto a língua inglesa. O
baseada em Exodo 18, mas a Corte Geral de inglês facilitava aos indígenas o ajustamento à
Massachusetts, que deu a terra e construiu a sociedade dos brancos, enquanto o idioma na­
igreja e a escola, em 1658 designou comissários tivo era mais eficiente para a compreensão das
para supervisionarem as cidades. Dentro delas, verdades cristãs. Eliot criou livros de texto em
os indígenas viviam sob uma aliança firmada ambos os idiomas.
entre eles e o Senhor, e tanto a vida pessoal Os índios aprenderam a ler e escrever e a
quanto a vida comunitária eram reguladas por fazer as operações mais simples de aritmética,
leis influenciadas pelos ensinos bíblicos. além de receberem instrução bíblica e religiosa.
A maior parte das cidades dos índios cris­ Técnicas agrícolas e artesanato doméstico tam­
tãos não conseguiu sobreviver à devastação da bém foram introduzidos para que os índios
Guerra do Rei Filipe, em 1674, mas a estraté­ pudessem obter sustento num estilo de vida esta­
gia da cidade cristã especial ressurgiu quando belecido e civilizado. No segundo século dessa
John Sergeant fundou a missão de Stockbridge, missão, considerações estratégicas levaram John
em 1734. Stockbridge não era um lugar tão fe­ Sergeant a introduzir o colégio interno, a fim de
chado quanto aquelas primeiras cidades. Havia que os jovens pudessem ser totalmente separados
da velha vida e criados dentro da nova. Essa meio da pregação, organização de igrejas, educa­
instituição também viria a ser também um re­ ção com vistas ao crescimento cristão, processo
curso estratégico importante para as missões de civilização em termos europeus, tradução de
do século XIX. Bíblias, produção de literatura, uso da língua
Os puritanos da Nova Inglaterra merecem o vernácula e recrutamento e treinamento de pas­
crédito de nunca ter duvidado do poder trans­ tores e professores nativos.
formador do evangelho nem da capacidade em
potencial dos indígenas. Eles esperavam que A Missão Dinamarquesa de Halle
pelo menos alguns alcançassem o padrão dos As missões americanas entre a população indí­
ingleses. Por isso, foi preciso mais que a edu­ gena foram sustentadas por sociedades missio­
cação rudimentar das cidades. Alguns jovens nárias organizadas na Inglaterra e na Escócia,
promissores foram enviados à Boston Latin mas os missionários não foram enviados a partir
Grammar School e uns poucos foram m atri­ da Grã-Bretanha. A primeira missão a enviar
culados na Faculdade Indígena da Universidade missionários da Europa foi a Missão Dinamar­
Harvard. O colégio interno de Sergeant, em quesa de Halle. Em 1705, o rei da Dinamarca
Stockbridge, e a escola de Eleazer W heelock, começou a enviar missionários luteranos ale­
em Lebanon, Connecticut foram alguns dos mães à colônia de Tranquebar, no litoral do
esforços mais bem elaborados em prol de uma sudeste da índia. O líder pioneiro Bartolomeu
educação em alto nível. Ziegenbalg desenvolveu uma estratégia que se
O culto, a educação espiritual e a educação tornou um legado para as futuras gerações de
secular, tudo exigia uma literatura vernácula de missionários. Contudo, ele estava muito à frente
dimensões mais ou menos extensas. Para isso, de seu tempo, sob muitos aspectos. Ele destaca­
Eliot produziu uma Bíblia e criou uma biblio­ va o culto, a pregação, a catequese, a educação, o
teca variada, para a qual alguns de seus colegas trabalho de tradução e a produção de literatura
contribuíram. vernácula. Ziegenbalg foi pioneiro no estudo
O recrutamento e treinamento de pasto­ da filosofia e da religião hindu, percebendo a
res e professores nativos foram absolutamente grande importância desse conhecimento para
fundamentais para a estratégia missionária da a evangelização e para o crescimento da igreja,
Nova Inglaterra. Tanto os missionários quanto mas as autoridades na Alemanha negaram o va­
seus patrocinadores perceberam que apenas os lor dessa atividade. Essa missão logo acrescen­
ia;entes nativos podiam evangelizar com eficiên­ tou o trabalho médico ao programa. Também
cia e proporcionar cuidado pastoral ao seu povo. foi a primeira a usar a poesia tâmil no culto.
Em 1700, havia 37 pregadores indígenas em O mais famoso dentre os missionários de
Massachusetts. Infelizmente, as antigas cidades H alle, depois de Ziegenbalg, foi um dos últi­
indígenas cristãs entraram em decadência por mos: Christian Frederick Schwartz, que dedi­
causa da contínua pressão dos brancos. Com cou sua vida ao ministério na parte sul da índia
isso, diminuiu também a oferta de pastores e controlada pelos ingleses. Ele exerceu enorme
professores até a extinção. influência sobre os indianos de todas as reli­
Os efeitos mais duradouros das missões in­ giões e europeus de diversas nacionalidades,
dígenas dos séculos XVII e XVIII talvez fossem militares e civis. Sua estratégia era singular e
dois. Primeiro: inspiraram numerosas vocações não planejada. Embora fosse um europeu na
missionárias, quando as histórias de Eliot e de aparência, Schwartz realmente se transformou
Brainerd foram lidas. Segundo: proporciona­ num guru amado e respeitado por todos. Pes­
ram ao grande empreendimento protestante no soas de todas as religiões e castas reuniam-se à
estrangeiro seu programa estratégico inicial. sua volta como discípulos, sem levar em conta
Constava desse programa evangelização por as diferenças sociais que havia entre elas.
As missões morávias inicial na Inglaterra com a fundação da Socie­
A estratégia mais notável aplicada no século dade M issionária Batista por W illiam Carey,
XVIII foi a da Igreja Morávia, desenvolvida em 1792. A organização havia começado nos
sob a direção do conde Zinzendorf e do bispo Estados Unidos em 1787, e agora havia cerca
Spangenberg. Em 1734, começou-se a enviar de duas dezenas, todas tendo por objetivo a
missionários aos povos mais desprezados e evangelização mundial. Contudo, os assenta­
negligenciados. Esses missionários deviam mentos nas regiões recém-desbravadas do ter­
sustentar-se por conta própria. A proposta le­ ritório americano e os índios absorviam todos
vou à criação de indústrias e negócios que não os seus recursos. Um movimento estudantil,
só mantinham a obra, mas também coloca­ em 1810, resolveu finalmente o problema e se
vam os missionários em íntimo contato com lançou às missões estrangeiras com a formação
o povo. Esse sistema de automanutenção, po­ da Junta A m ericana de Comissionados para
rém, não podia ser aplicado aos índios ame­ M issões Estrangeiras. A Convenção Trienal
ricanos, por isso as colônias comunais, como da Denominação Batista para Missões Estran­
as de Bethlehem, na Pensilvânia, e Salém, na geiras foi organizada a seguir, em 1814, e de­
Carolina do Norte, foram fundadas com base pois, em 1816, a Sociedade Unida de Missões
numa grande variedade de atividades artesanais, Estrangeiras.
cujo lucro sustentava a missão. As novas sociedades e juntas começaram seu
Os missionários morávios foram instruídos trabalho com pressuposições e métodos estraté­
a não aplicar a “medida de Herrnhut” (isto é, os gicos herdados das missões entre os indígenas
padrões dos morávios alemães) aos outros povos americanos e da Missão Dinamarquesa de Halle.
e a ficar alertas para reconhecer as principais qua­ D urante muitos anos, os diretores nacionais
lidades e características concedidas por Deus a pensaram saber tudo sobre o trabalho a ser exe­
esses povos. Além disso, os missionários deviam cutado, e instruções detalhadas eram passadas às
atuar como cooperadores do Espírito Santo. mãos de cada missionário que embarcava para
Deviam ser principalmente mensageiros, evan­ o campo. Cerca de meio século depois, desco­
gelistas e pregadores. Em vez de destacar as pe­ briu-se que os experimentados missionários no
sadas doutrinas teológicas, estavam incumbidos campo podiam formular melhor a estratégia e a
de contar a história simples do evangelho do política, que podiam ser então ratificadas pela
amor de Deus e agir para conciliar os nativos junta no país de origem. Em 1795, houve um
em Cristo, nosso Salvador, que viveu e mor­ choque de estratégias entre dois homens de for­
reu por toda a humanidade. Na providência te personalidade na Sociedade Missionária de
de Deus, chegaria a época em que o Espírito Londres. Um deles queria enviar missionários
Santo introduziria convertidos na Igreja em ordenados e de elevado nível cultural a países
grande quantidade. Enquanto isso, os mensa­ de civilização e religiões desenvolvidas. O outro
geiros missionários iriam colher os primeiros queria enviar missionários artesãos, submissos
frutos. Se não fossem ouvidos, deveriam partir a um superintendente ordenado, aos povos dos
para outro lugar. Na verdade, os missionários só mares do Sul, para cristianizá-los e civilizá-los.
iam embora quando perseguidos ou expulsos. Os dois objetivos acabaram sendo aceitos.
Eram notavelmente pacientes e não desistiam Mesmo em países de cultura elevada, como
com facilidade. a índia e a China, os missionários acentuaram
o objetivo “civilizador”, como seus colegas em
O Grande Século das missões protestantes regiões primitivas, por considerarem a cultura
Dessas iniciativas pioneiras, surgiu o grande local degenerada e supersticiosa — uma barreira
empreendimento missionário protestante no à cristianização. Durante as primeiras décadas
estrangeiro do século XIX. Ele tomou forma não houve qualquer debate sobre a legitimidade
da ênfase na função civilizadora das missões. Esses homens foram influentes na abolição do
Houve debate apenas acerca das prioridades: o suttee (ato em que a viúva era queimada viva na
que vem primeiro, cristianização ou civilização? pira crematória de seu marido), da prostitui­
Alguns argumentavam que um certo grau de ção nos templos e outros costumes desumanos.
civilização era necessário para ajudar o povo a Carey também introduziu o jornalismo moder­
entender e aceitar a fé. Outros argumentavam no, publicando jornais e revistas em bengali e
que se podia começar com a civilização, uma vez inglês. Ele estimulou o renascimento da litera­
que o evangelho inevitavelmente produzia um tura bengali. Sem dúvida, a tarefa da missão com
desejo de civilização. Muitos acreditavam que base em Serampore foi bastante abrangente.
os dois itens interagiam mutuamente e podiam A semelhança de Roberto de Nobili antes
ser igual e simultaneamente destacados. dele, o escocês Alexander D uff acreditava que
A Índia logo recebeu o maior grau de aten­ o povo indiano em geral só poderia ser ganho
ção das juntas e sociedades missionárias, e a para Cristo se a casta brâmane fosse a primeira a
estratégia e táticas ali desenvolvidas foram co­ ser levada a nosso Senhor. Ele tentou ganhar os
piadas e aplicadas em outras regiões. O trio ba­ jovens brâmanes por meio de um programa de
tista “Serampore” de Carey, Marshman e Ward, educação superior na língua inglesa. Onde ele
teve grande influência no período inicial. Embo­ obteve amplo sucesso, outros falharam, porém
ra procurasse conversões individuais, Carey de­ sua iniciativa resultou numa forte tendência de
sejava também promover o crescimento de uma se criar escolas e faculdades em língua inglesa.
igreja independente, bem sustentada por leigos Elas produziram poucos convertidos, mas deram
■alfabetizados que lessem a Bíblia e administra­ aos cristãos das classes inferiores uma oportu­
da e pastoreada por um ministério nativo cul­ nidade de progresso social e econômico que
to. Esse gênio autodidata não se contentou em contribuiu para o bem-estar das igrejas. Para
criar escolas elementares, mas fundou uma fa­ satisfação do governo colonial, produziram
culdade. O rei da Dinamarca (Serampore era também funcionários que falavam inglês, uti­
uma colônia dinamarquesa) deu-lhe licença lizados no serviço civil e nas casas comerciais.
para a criação de uma faculdade, que permitia Essa educação logo consumiu grande parte dos
o funcionamento de cursos superiores de teo­ recursos das missões.
logia, cujos diplomas seriam reconhecidos. Em Ao mesmo tempo, sem qualquer planeja­
Serampore, havia escolas para os indianos e as mento estratégico, desenvolveram-se imensos
crianças estrangeiras. O vasto programa de tra­ postos missionários centrais bem povoados,
dução e impressão da Bíblia — não apenas nas onde os convertidos se aglomeravam na depen­
línguas vernáculas indianas, mas até em chinês dência econômica e social dos missionários. Se
— ressaltava a alta prioridade dessa obra entre alguém aceitasse o cristianismo sem que hou­
todos os protestantes. Outras publicações foram vesse a conversão de todo o seu grupo social,
produzidas para as igrejas. O trio também de­ ele era expulso da família e perdia seus meios
monstrou a importância da pesquisa acadêmica de sobrevivência. Para manter tais pessoas vivas,
para ação e a estratégia missionárias, produzindo elas eram empregadas como funcionários, pro­
materiais linguísticos necessários a todos e assu­ fessores e evangelistas do centro. A igreja tomou
mindo a liderança no estudo do hinduísmo. um aspecto de superprofissionalização, e os lei­
Além disso, os três homens trabalharam pela gos eram pagos para desempenhar tarefas que
transformação da sociedade com o impacto do cabiam a voluntários. Essa prática defeituosa foi
evangelho e criaram um poderoso método de repassada a missões de outras localidades. No
reforma social, que pressionava o governo colo­ posto principal, ficavam a igreja-mãe, as escolas,
nialista e conduzia os hindus a considerações o hospital e geralmente a gráfica. Um missio­
esclarecedoras sobre velhos erros e sua eliminação. nário era o pastor e dirigente da comunidade.
Esse sistema tinha pouco espaço para um pastor tava contra o destaque dado à “civilização” e
nativo, como queria W illiam Carey, e não havia contra a tentativa de reformar a sociedade da
igrejas organizadas nas vilas situadas a mais de noite para o dia. Para ele, essa mudança deveria
80 quilômetros interior adentro, apenas pontos ser resultado da ação do fermento do evangelho
de pregação. Em 1854-1855, Rufus Anderson na vida da nação. Ele fundamentou sua estra­
realizou uma viagem de verificação à ín d ia e tégia nos métodos de Paulo, conforme registra
ao Ceilão (atual Sri Lanka). Ele levou os mis­ o Novo Testamento.
sionários da Junta Americana com a tarefa de De acordo com Anderson, a tarefa do
acabar com os imensos postos centrais, organi­ missionário era pregar o evangelho e reunir os
zar igrejas nas vilas e ordenar pastores nativos convertidos em igrejas. Ele seria sempre um
para essas igrejas. Determinou também que a evangelista, e nunca um pastor ou dirigente.
educação na língua vernácula fosse a regra geral, As igrejas tinham de ser organizadas im edia­
e a educação em inglês, a exceção. tam ente com os convertidos que dem ons­
trassem mudança de vida em relação a Cristo,
Os estrategistas missionários do século XIX sem aguardar que atingissem o padrão espe­
Os dois maiores teóricos e estrategistas de rado dos cristãos americanos com 2 m il anos
missões do século XIX também foram os direto­ de passado cristão. Essas igrejas tinham de ser
res executivos das maiores agências missionárias. dirigidas por pastores nativos e desenvolver uma
Henry Venn ocupou o cargo de secretário geral política própria, local e regional. Os missionários
da Sociedade M issionária Londrina, e Rufus seriam os conselheiros, irmãos mais velhos na
Anderson, o de secretário para o estrangeiro fé para os pastores e o povo.
da Junta A m ericana de Comissionados para Anderson e Venn ensinavam que, quando as
Missões Estrangeiras. A estratégia missioná­ igrejas estivessem funcionando bem, os missioná­
ria de Anderson dominou a obra missionária rios deveriam partir para “regiões mais remotas”
americana por mais de um século, enquanto a e recomeçar o processo evangelístico. A ques­
de Venn se destacou no cenário britânico. Os tão principal da fundação de igrejas deveria ser
dois homens chegaram, cada um por sua vez, evangelização e missões. As igrejas se engaja­
praticamente aos mesmos princípios básicos e riam espontaneamente na evangelização local e
nos anos posteriores acabaram influenciando na missão de enviar missionários a outros povos.
um ao outro. Juntos, eles estabeleceram como Uma missão deveria produzir outra missão. No
objetivo estratégico reconhecido da missão conceito de Anderson, a educação na língua
protestante a famosa “tríplice fórmula da auto­ vernácula teria apenas o propósito de servir a
nomia”, com a qual as missões britânicas e ame­ igreja ou desenvolver um grupo de leigos de
ricanas consentiram desde meados do século alta qualidade e um ministério adequadamente
XIX até a Segunda Guerra M undial. O alvo treinado. Todas as formas auxiliares de trabalho
das missões era fundar igrejas e patrocinar seu deveriam ser apenas para a evangelização e para
desenvolvimento, a fim de que viessem a ser a edificação da igreja.
autogovernadas, autossuficientes e autônomas As missões britânicas resistiram à opinião
na propagação do evangelho. de Anderson sobre a educação no idioma ver­
Rufus Anderson era congregacionalista, e náculo. Todavia, de modo oficial ou não, as
Venn, episcopal anglicano, mas ambos edifica­ missões americanas adotaram a estratégia dele
ram a igreja regional de baixo para cima. Venn e na teoria se apegaram ao seu sistema por mais
queria que a nomeação de um bispo fosse o de um século. Contudo, depois de sua morte
remate do processo do desenvolvimento, pois passou-se a enfatizar a educação secundária e
assim haveria um clero nativo adequado e uma superior em língua inglesa num grau ainda maior.
igreja sustentada pelo povo. Anderson protes­ Isso se deu em parte por causa do darwinismo
social, que converteu os americanos à doutrina liderança ministerial, tendo esta de ser então
do progresso inevitável e levou à substituição indefinidam ente m antida pelos europeus. O
da antiga escatologia pela ideia de que o Reino intelectual e o homem de negócios da classe
de Deus chegaria por influência de institui­ média africana foram desprezados. Essa opinião
ções cristãs, como as escolas. Também no fim imperialista constituiu uma variante eclesiás­
do século XIX, um segundo grande objetivo tica do apego crescente à teoria da “responsa­
estratégico foi acrescentado, de maneira mais bilidade do homem branco” e reduziu a igreja
ou menos explícita, à tríplice fórmula da auto­ nativa a uma colônia da igreja estrangeira que
nomia, a saber, a fermentação e transformação a implantara.
da sociedade por efeito dos princípios cristãos Algo muito semelhante ocorreu na índia, na
e do espírito cristão do serviço, infundidos na década de 1880. Os americanos e outros foram
vida comum. Os colégios e faculdades seriam contagiados pela mentalidade colonialista dos
essenciais para se atingir esse objetivo. britânicos. As missões germânicas, sob a orien­
John L. Nevius, missionário presbiteriano tação de seu principal estrategista, o professor
em Shantung, idealizou uma estratégia que mo­ GustavW arneck, desejavam simultaneamente
dificou um pouco a de Anderson, dando mais a criação das Volkskirchen, as igrejas nacionais,
responsabilidade aos leigos. Ele defendia a ideia mas até que seu desenvolvimento pleno fosse
de deixar o leigo em sua profissão ou negócio atingido, as igrejas seriam mantidas sob a auto­
e em seu lugar costumeiro na sociedade. Ele ridade dos missionários. O paternalismo defor­
devia ser encorajado a participar como volun­ mou o desenvolvimento. Desse modo, todas as
tário, um evangelista não remunerado. Nevius missões, na passagem do século, eram paterna­
também defendia um estudo bíblico constan­ listas e colonialistas. Essa infeliz situação durou
te e uma mordomia rigorosa em combinação até que alguns estudos e pesquisas realizados
com o trabalho voluntário e propôs um gover­ para a Conferência M issionária M undial de
no eclesiástico simples e flexível. Seus irmãos Edimburgo, em 1910, subitamente destruíram
na China não adotaram seu sistema, porém os a complacência e a inércia. Eles revelaram que a
missionários na Coreia fizeram uso dele com igreja nativa era um fato e se mostrava indócil sob
espantoso sucesso. o domínio paternalista. Em razão disso, depois
da conferência houve um tremendo impulso no
Uma mentalidade colonialista sentido de a organização missionária devolver a
Apesar da adesão permanente declarada à fór­ autoridade para a igreja, e praticamente todas
mula de Anderson-Venn, houve uma grande as juntas e sociedades pelo menos se compro­
mudança na mentalidade missionária e, conse­ meteram com esse ideal.
quentemente, na estratégia do último quarto
do século XIX. Sob a influência de Venn, as Evangelismo, educação e medicina
missões britânicas na África Ocidental busca­ Em resumo, a estratégia missionária do sécu­
ram: 1) a criação de uma igreja independente, lo XIX (até a Conferência de Edimburgo, em
com clero próprio, que evangelizasse o interior 1910), tinha por alvo as conversões individuais,
do continente; 2) a criação de uma elite africana, a fundação de igrejas e a transformação social
isto é, uma intelectualidade e uma classe média com base em três tipos principais de ação, que
que formasse uma sociedade e uma economia vieram a ser conhecidos como evangelização,
que sustentassem essa igreja e sua missão. Quase educação e medicina. A evangelização incluía
imediatamente após o fim da liderança de Venn, a pregação em todas as suas formas, a organi­
os missionários executivos e de campo adota­ zação de igrejas e o apoio a estas, tradução de
ram o ponto de vista de que os africanos eram Bíblias, produção de literatura e distribuição
inferiores e não conseguiriam fornecer um a de Bíblias e literatura.
Na área da educação, as escolas industriais missionários esforçaram-se por criar escolas
destacaram-se no começo, mas acabaram aban­ para meninas e penetrar nos lares, aposentos
donadas por causa do desejo de uma educação de mulheres e haréns, mas não tinham liber­
acadêmica. Por volta do final do século, um vasto dade suficiente por causa dos próprios afazeres
sistema educacional existia nos países asiáticos, domésticos e filhos e não podiam viajar. Uma
indo do jardim de infância à faculdade — até estratégia realista exigia que se cuidasse ade­
mesmo de medicina e de teologia. A Africa, quadamente das mulheres e crianças, porém
no entanto, foi negligenciada no que se refere as juntas e sociedades resistiam tenazmente
à educação secundária e superior. ao envio de mulheres solteiras ao estrangeiro.
Os primeiros médicos que seguiram para o Finalmente, em desespero de causa, na década
estrangeiro foram enviados a missão principal de 1860 as mulheres começaram a organizar suas
de cuidar das famílias dos outros missionários, sociedades e a enviar mulheres solteiras. Uma
mas logo se descobriu que o serviço médico dimensão totalmente nova foi assim acrescentada
junto ao povo em geral despertava boa vontade à estratégia missionária: o vasto empreendimento
e abria as portas para a evangelização. Por isso, de alcançar mulheres e crianças com o evange­
ele veio a tornar-se um ramo importante da lho, educar meninas e proporcionar cuidados
obra missionária. Só em meados do século XX médicos adequados às mulheres.
é que os serviços de saúde prestados em nome As mulheres então começaram a frequentar
e no espírito do Médico dos médicos passaram as reuniões da igreja, e seus filhos menores as
a ser considerados em si mesmos uma forma acompanhavam. A educação feminina provou
dramática de pregar o evangelho. M uito antes ser a força mais eficaz para a libertação e eleva­
disso, porém, até mesmo o missionário evan­ ção social da mulher. A dedicação das missio­
gelístico rural já levava consigo uma maleta de nárias aos serviços médicos obrigou as juntas
médico em suas andanças. que mantinham diferentes trabalhos a elevar o
Com esse mesmo espírito de ajuda geral nível de qualidade do serviço médico e a des­
e cultivo da boa vontade, além de querer me­ tacar mais ainda o conhecimento de medicina.
lhorar a base econômica da igreja, os missio­ Em vista desses dois grandes empreendimentos
nários introduziram aves domésticas, gado de das mulheres americanas, no que foram segui­
melhor qualidade e sementes selecionadas em das pelas britânicas e europeias, abriu-se para
novos tipos de plantação. A grande indústria as mulheres do Oriente o campo que constitui
da fruticultura foi introduzida em Shantung hoje suas profissões de maior prestígio: o ser­
desse modo. viço na área de saúde (médicas e enfermeiras)
Quanto às outras religiões, a estratégia e o magistério.
missionária mostrou-se agressiva, procurando
sua substituição pela conversão total das pessoas. Boa vizinhança
Esse espírito agressivo diminuiu no final do sé­ E preciso citar outro aspecto da estratégia
culo, e uma espécie de apreciação pela obra de missionária do século XIX: a prática da cor­
Deus nas outras religiões desenvolveu-se len­ tesia. Os missionários enviados pelos batistas
tamente até que, em 1910, muitos passaram a do sul dos Estados Unidos foram alguns dos
considerá-las “luzes defeituosas”, que precisa­ que estabeleceram e praticaram a política de boa
vam ser consertadas em Cristo e usadas como vizinhança. A boa mordomia de homens e de
pontes para o evangelho. recursos financeiros era objeto de alta priori­
Os costumes dos povos do Oriente torna­ dade entre as juntas e sociedades missionárias.
vam quase impossível aos missionários do sexo O desperdício era detestado, e havia um forte
masculino falar às mulheres e por isso também desejo de aproveitar ao máximo os recursos. A
era difícil chegar às crianças. As esposas dos prática da boa vizinhança tinha o objetivo de
fazer com que alguma agência se responsabi­ estabelecidos, em parte, os rumos da estratégia
lizasse pela evangelização de cada pedaço de que foi então aplicada a nível local, por meio
território ainda não explorado e de cada pessoa. de estudos e discussões mais aprofundados nas
Era igualmente intenção deles evitar a ocupação organizações nacionais e regionais. O Concílio
duplicada de uma região (exceto nas grandes ci­ M issionário Internacional foi organizado em
dades), sobrepondo programas missionários, de 1921 e englobava as conferências missionárias
modo que a competição fosse eliminada com as nacionais (como a C onferência de M issões
diferenças denominacionais, que confundiriam Estrangeiras da América do Norte, em 1892) e
os habitantes e atrapalhariam a evangelização. os concílios cristãos nacionais (como o Concílio
Respeitavam-se os territórios ocupados, e as Nacional de Igrejas, da China). Assim, esta-
missões recém-chegadas procuravam uma área beleceu-se um sistema universal em diversos
não explorada. Esse costume produziu o “deno- níveis para o estudo voluntário de problemas
minacionalismo geográfico”, mas a expectativa e planejamento de estratégia em comum, rea­
çeral era que, no momento em que os missioná­ lizado por um exército de juntas missionárias
rios partissem para as “regiões mais remotas”, os soberanas. Em 1961, o Concílio M issionário
nacionais juntassem os diferentes pedaços numa Internacional veio a se transformar na Divisão
igreja nacional diferente de qualquer uma das de Missão M undial e Evangelização, do Con­
igrejas fundadoras. cílio M undial das Igrejas.
As missões concordavam que todas se re­ De 1910 até a Segunda Guerra M undial, o
conhecessem como ramos válidos da Igreja mais notável desenvolvimento de estratégia foi
única de Cristo, no batismo, na transferência colocar cada vez mais a igreja nacional numa
de membros, na disciplina, nos salários e na posição-chave, dando-lhe total independência
mudança de obreiros nacionais. Esses acordos e autoridade e desenvolvendo a colaboração
levaram a uma cooperação maior no estabe­ entre as igrejas ocidentais e as mais novas. “A
lecimento de juntas regionais e nacionais que igreja autóctone” e a “cooperação na obediên­
atuariam no arbitramento de conflitos entre as cia” foram lemas que expressaram o impulso
missões e para a união de projetos de tradução da estratégia predominante. Os participantes da
da Bíblia, casas publicadoras, escolas secundá­ Conferência de Jerusalém, em 1928, definiram
rias, faculdades, escolas normais e escolas de a igreja autóctone, destacando a acomodação
medicina. Uma estratégia eficiente exigia cada cultural. A Conferência de M adras, em 1938,
vez cooperação em tarefas que seriam reali­ reafirmou a definição e enfatizou o testemunho
zadas com mais eficácia por meio de esforço de Cristo num “relacionamento direto, claro e
conjunto. Conferências missionárias urbanas, íntimo com a herança cultural e religiosa do
regionais e nacionais em quase todos os países país”. W hitby, em 1947, apresentou o ideal da
proporcionavam ocasiões para a discussão e o “cooperação na obediência”.
planejamento das parcerias.
Da Segunda Guerra Mundial em diante
Consultas e conferências Uma estratégia missionária radicalmente di­
A colaboração nos campos missionários deu ori­ versa, baseada no apóstolo Paulo, foi apresenta­
gem a consultas e planejamento em escala cada da por Roland Allen em seus livros M issionary
vez maior nos países que enviavam missioná­ M ethods: St. P a u l’s or Ours? [Métodos missio­
rios. A Conferência M issionária M undial de nários: o de Paulo ou os nossos?] e The Spon­
Edimburgo, em 1910, inaugurou uma série de taneous E xpansion o f the C hurch [A expansão
grandes conferências: Jerusalém (1928),Madras espontânea da Igreja], mas ele não conquistou
1 1938), W h ítb y (1947), W illin gen (1952) e seguidores, a não ser depois da Segunda Guerra
Gana (1957-1958). Nessas conferências, foram M undial, quando os missionários das missões
de fé passaram a adotar de modo especial o ciente. Essa foi a etapa final de uma missão que
padrão de Allen. Esta é, em resumo, sua estra­ estivera em progresso por 300 anos. Agora, o
tégia: o missionário comunica o evangelho e mundo já não se achava mais dividido entre
transmite à nova comunidade de convertidos os cristianismo e paganismo. Já não podia mais
ensinos mais simples acerca da fé, da Bíblia, dos haver uma missão unilateral do Ocidente para
sacramentos e do princípio do ministério. Em o resto do mundo. A base para uma missão já
seguida, ele se coloca de lado, como um irmão foi estabelecida em quase todos os países, pois
mais velho, um conselheiro, enquanto o Espírito neles existe uma igreja e comunidade cristãs
Santo orienta a nova igreja autogovernada e au- com a obrigação de levar o evangelho a todo
tossubsistente para desenvolver formas próprias o mundo. Chegou a hora de uma nova missão
de política, ministério, culto e vida. Uma igreja mundial com uma estratégia radicalmente nova.
assim é espontaneamente missionária. A teoria A revolução que varreu as regiões não ocidentais
de Allen era aplicável a trabalhos pioneiros. As do mundo durante e depois da Segunda Guerra
antigas juntas e sociedades ocupavam de igre­ Mundial inequivocamente acabou com o antigo
jas antigas e acomodadas, raramente buscando regime das missões protestantes.
campos novos e não alcançados. Chegou uma nova era de missões mundiais,
As organizações missionárias nos campos uma era na qual as outras religiões também
foram sendo dissolvidas uma após outra. Os estão ocupadas em missões mundiais. Uma nova
recursos foram colocados à disposição de igre­ compreensão de missão, uma nova estratégia,
jas e do pessoal missionário designado para di- uma nova organização, novos meios, caminhos
rigi-las. e métodos são as necessidades desta hora na
As juntas e sociedades ocidentais quase não tarefa central da Igreja, tarefa que jamais ter­
produziram algo novo em termos de estratégia, minará até que o Reino de Deus se manifeste
porém muito fizeram para desenvolver novos em toda a sua glória. Enquanto oramos, estu­
métodos: missões agrícolas ou de desenvolvi­ damos, planejamos e experimentamos, será de
mento rural, algumas indústrias urbanas, meios grande ajuda conhecer a história passada da
de comunicação de massa, literatura mais efi­ estratégia missionária.

Perguntas para estudo

1. Desde que este artigo foi escrito, cristãos evangélicos têm realizado consultas, reconhecendo
que “chegou uma nova era de missões mundiais”. Dentre esses encontros, os mais notáveis fo­
ram os de Berlim (1966), Lausanne (1974), Pattaya (1980) e Edimburgo (1980). Que “novos
meios, caminhos e métodos” você espera que esses encontros ofereçam? Dados apresentados
e discutidos nas três consultas mencionadas estão registrados em outro parte desta obra.

2. Descreva com suas próprias palavras as estratégias missionárias empregadas por três indiví­
duos e três organizações.

3. Beaver descreve com detalhes as missões puritanas entre os índios da Nova Inglaterra, nos Estados
Unidos. Que efeitos esses esforços tiveram sobre as iniciativas missionárias posteriores?
í 7 l m todo o mundo, os alunos de faculdade estão sendo domi-
JlL^rnados pelo pensamento marxista. Uma forte razão para isso
é que o comunismo tem uma “explicação melhor”. Os comunistas
alegam saber para onde a História está caminhando e que estão
apenas seguindo tendências inevitáveis. Eles “nunca desistem”,
apesar dos reveses momentâneos, porque “sabem” que o tempo
trabalha a favor deles.
Recentemente, os evangélicos também começaram a refletir
sobre as tendências da História e sobre o relacionamento deles com
acontecimentos vindouros. A enorme receptividade aos livros de
Hal Lindsey e os recentes filmes sobre possíveis acontecimentos
futuros revelam que a humanidade está disposta a encarar a vida
que lhe proponha algo do tipo “para onde vamos?”.
Comparados com os comunistas, os cristãos têm uma explicação
ainda melhor, apoiada por grande número de fatos. Todavia, por
alguma razão, os cristãos não costumam vincular o debate sobre
profecias e eventos futuros ao debate sobre missões. Eles veem
a Bíblia como um livro de profecia, tanto em relação ao passado
quanto no que diz respeito ao futuro. Ainda assim, conforme Bruce
Ker expressa tão bem, “a Bíblia é toda ela um livro missionário
[...]. O ponto principal do enredo, que une todas as suas partes,
é a execução de um propósito missionário, a qual é progressiva e
SALPH 0, W IN T íR foi convidado para
se revela aos poucos”.
ser professor de missões na School of
Será que já não ouvi isso na escola dominical? Talvez. Só recen­
World Mission, do Fuller Theological
Seminary, após trabalhar dez anos
temente, porém, passei a ter uma nova apreciação do fato de que
como missionário entre os índios a história das missões começa bem antes da Grande Comissão. A
•naias nos planaltos da Guatemala, Bíblia é bem clara ao dizer que Deus falou a Abraão que ele seria
je z anos depois, ele e sua esposa, abençoado e que seria uma bênção para todas as famílias da terra
Roberta, fundaram uma sociedade
(Gn 12.1-3). Pedro citou essa passagem no dia em que pregou seu
missionária denominada Frontier
Mission Fellowship, em Pasadena, na
sermão no templo (At 3.25). Paulo citou a mesma ordem em sua
Califórnia. Essa empreitada deu origem carta aos Gálatas (3.8).
ao U. S. Center for World Mission e à No entanto, alguns comentaristas da Bíblia interpretam que
'.Villiam Carey International University, a prim eira parte do versículo pode ter começado a se cumprir
;ue cooperam com outras missões
imediatamente. Eles concordam em que Abraão começou a ser
e~i tarefas pioneiras no campo
"issionário. Ele é diretor geral da
imediatamente abençoado, mas por alguma razão entendem que
-'ontier Mission Fellowship, Veja nota se passariam 2 m il anos até que Abraão e seus descendentes
: cgráfica expandida no final do livro. começassem a ser uma bênção para “todas as famílias da terra”.
Eles acreditam que Cristo precisava primeira­ preocupando-se apenas consigo mesmo — e
mente instituir a Grande Comissão (chamo essa com as bênçãos que ia receber (à semelhança
ideia “teoria do mandato em hibernação”.) de Israel do passado) — , até que um jovem de
U m a interpretação mais recente e mais grande fé e de incrível capacidade de suportar
otimista observa que Israel, desde Abraão, era provações surgiu no cenário.
responsável por repartir aquela bênção com as
outras nações. Da mesma forma, desde a épo­ O primeiro período
ca do apóstolo Paulo, cada nação que tenha no Um homem de menos de 30 anos de idade,
meio de seu povo um número significativo de W illiam Carey, meteu-se em problemas quan­
“filhos de Abraão pela fé” se torna igualmente do começou a levar a sério a Grande Comissão.
responsável (mas tanto Israel quanto as demais Ele teve a oportunidade de falar a um grupo de
nações descumprem esse mandato). pastores e desafiá-los a lhe apresentarem pelo
O maior escândalo no Antigo Testamento menos uma justificativa para a ideia de que a
é que Israel tentou ser abençoado sem se esfor­ Grande Comissão não se aplicava a eles. Entre­
çar para ser um a bênção. Contudo, não nos tanto, eles o repreenderam, dizendo: “Q uan­
precipitemos: o cidadão comum em Israel não do Deus decidir ganhar os pagãos, ele o fará
era mais omisso em relação à segunda parte sem a sua ajuda ou a nossa”. Carey não teve
de Gênesis 12.1-3 que o cristão de hoje que se outra oportunidade para falar outra vez sobre
esquece da Grande Comissão! Com que faci­ o assunto. Assim, pacientemente, registrou por
lidade nossas Bíblias de estudo ignoram a se­ escrito o resultado de suas conclusões sobre a
quência inquestionável de passagens-chaves questão, numa obra in titu lad a^ « E n q u iryln to
no Antigo Testamento, as quais existem para th e O bligations o f C hristians to Use M e a n sfo r
lembrar Israel (e a nós) do mandato missionário the C onversion o f the H eathens [Uma investiga­
(Gn 12.1-3; 18.18; 22.18; 28.14; Êx 19.4-6; ção sobre o dever dos cristãos de empregarem
Dt 28.10; 2Cr 6.33; SI 67; 96; 105; Is 40.5; 42.4; meios para a conversão dos pagãos] — conhe­
49.6; 56.3,6-8; Jr 12.14-17; Zc 2.11; M l 1.11). cida como In vestigação.
De modo semelhante, as nações que hoje são O livreto convenceu uns poucos amigos a criar
abençoadas por Deus de modo especial preferem uma pequena agência missionária, o “meio” ao
resistir ou abafar qualquer ideia sobre a obriga­ qual se referia. A estrutura era frágil e podia forne­
ção de ser uma bênção a outras nações, mas essa cer apenas o apoio mínimo de que ele necessitava
não é a vontade de Deus. “Aquele a quem muito para ir chegar à índia. O impacto de seu exemplo,
se confia, muito mais lhe pedirão”. todavia, ecoou por todo o mundo de fala inglesa,
Dessa forma, quantas vezes se menciona a e seu livreto tornou-se a carta magna do movi­
Grande Comissão numa igreja hoje em dia? mento missionário protestante.
Com muito menos frequência do que é men­ W illiam Carey não foi o primeiro missioná­
cionada no Antigo Testamento! De qualquer rio protestante. Havia muitos anos, os morá­
maneira, a comissão é válida. Era válida naquela vios enviavam missionários para a Groenlândia,
época e é válida hoje. Creio que ela é aplicável Estados Unidos e Africa, mas o livreto de Carey,
desde sua primeira menção (Gn 12.1-3). Quer aliado ao avivamento evangélico, fortaleceu a
como cristão individual, quer como nação cris­ visão missionária e transformou vidas dos dois
tã, temos a responsabilidade de ser uma bênção lados do Atlântico. A reação favorável foi quase
para “todas as famílias da terra”. instantânea: fundou-se em Londres uma segun­
Esse mandato tem sido ignorado a maior da sociedade missionária, duas na Escócia, uma
parte do tempo, desde os apóstolos. Mesmo um na Holanda e ainda outra na Inglaterra. A essa
país de tradição protestante como a Inglaterra altura, ficou patente a todos que Carey estava
reprimiu o mandato durante mais de 250 anos, certo ao insistir em que os esforços na forma
de sociedades missionárias eram essenciais ao missionários. A Africa era, de um modo espe­
sucesso do empreendimento. cial, um continente proibido. Todos os esforços
Nos Estados Unidos, cinco universitários, missionários anteriores a 1775 e destinados a
despertados pelo livro de Carey, reuniram-se atingir a África fracassaram. Nada restou dos
para orar e pedir a Deus uma direção para a vida vários empreendimentos católicos nem dos esfor­
deles. Aquela reunião de oração, que na hora ços dos morávios. No limiar do primeiro perí­
passou despercebida, mais tarde ficou conhe­ odo, não existia ali um único missionário, de
cida como a Reunião de Oração do Monte de nenhum grupo ou igreja. As terríveis estatísticas
Feno e teve como consequência a criação de um de doenças, algumas delas fatais e quase inevi­
“meio” nos Estados Unidos: a Junta Americana táveis, embora não fossem motivo de desânimo,
de Comissionados para Missões Estrangeiras. marcaram as décadas posteriores a 1790, período
M ais importante: os cinco jovens deram início em que os missionários para lá partiram numa
a um movimento missionário estudantil que se corrente quase suicida. Tais estatísticas não têm
tornou um exemplo e um precursor, até hoje, de igual em qualquer outro período nem são igua­
outros movimentos estudantis ligados a missões. ladas por qualquer outra causa. Pouquíssimos
De fato, nos primeiros 25 anos depois que Carey dos missionários, que foram para a Africa nos
embarcou para a índia, 12 agências missionárias primeiros 60 anos do primeiro período, sobre­
foram formadas nos dois lados do Atlântico, viveram por mais de dois anos. Quando medito
e o primeiro período das missões protestantes na medida dessa devoção, humilho-me até as
teve um bom começo. Contudo, numa análise lágrimas, pois fico a imaginar se eu mesmo ou
realista, as missões desse período, comparadas meu povo nos dias atuais desejaríamos igualar
com as grandes preocupações da maioria dos esse recorde. Você consegue imaginar os estu­
europeus e americanos da época, representaram dantes que participam do congresso missionário
um trabalho muito pequeno, e a carência finan­ trienal de Urbana, nos Estados Unidos, partindo
ceira era de causar dó. A ideia de que é preciso para o campo missionário depois de saber que
organizar-se para enviar missionários não foi durante décadas 19 dentre cada 20 daqueles que
muito bem recebida, mas finalmente se tornou os precederam morreram pouco depois chegar
o padrão aceito. ao seu destino?
A influência de Carey mobilizou algumas A segunda característica notável do primeiro
mulheres de Boston, importante cidade na costa período é o desenvolvimento de uma reflexão
leste dos Estados Unidos, a organizar grupos perspicaz e valiosa sobre a estratégia missionária.
compostos apenas por mulheres com a finali­ O movimento produziu grandes missiólogos.
dade de orar por missões, tendência que fez Com referência à estrutura no país-sede, per­
das mulheres as principais guardiãs do conhe­ ceberam o valor de sua autossuficiência. Por
cimento e da motivação missionários. Depois exemplo, lemos que a Sociedade M issionária
de alguns anos, elas mesmas — as solteiras — Londrina experimentou um sucesso sem prece­
começaram a partir para o campo missionário. dentes e inigualado, “em parte por estar livre de
Finalmente, em 1865, foram organizadas nos supervisão eclesiástica e em parte por haver um
Estados Unidos juntas missionárias femininas, equilíbrio entre o número de pastores e o de lei­
que, à semelhança das ordens católicas romanas gos que a compunham”. Com relação à estrutura
de mulheres, enviavam apenas mulheres soltei­ no campo missionário, podemos citar a obser­
ras como missionárias. Essas instituições eram vação de Henry Venn, o qual estava ligado aos
dirigidas inteiramente por mulheres solteiras. evangélicos de Clapham e era o único filho de
H á duas características notáveis no pri­ um dos fundadores da Sociedade Missionária
meiro período. Uma delas é a surpreendente da Igreja. Um dos mais íamosos parágrafos de
demonstração de amor e sacrifício por parte dos sua autoria soa estranhamente atual:
Do ponto de vista do resultado eclesiástico e seu trabalho deixe de existir. A missão, então,
considerando o objetivo final de uma missão passa a ser uma igreja cristã estabelecida. A
como sendo o estabelecimento de uma igreja partir desse momento, o missionário e todas
nativa, pastoreada por pastores nativos, com as agências missionárias devem ser transferi­
um sistema de autossustento, deve-se ter em dos para regiões ainda não alcançadas.
mente que o progresso de uma missão de­
pende principalmente da formação de pasto­ Esses missiólogos reconheciam etapas da
res nativos e da função que irão desempenhar. atividade missionária que só em tempos recen­
Tenha-se também em mente que, como já tes foram descritas numa sequência em forma
foi dito com muito acerto, a “eutanásia de aliterada.
uma missão” ocorre quando o missionário,
cercado por igrejas nativas bem treinadas e Primeira etapa: uma etapapioneira — o pri­
dirigidas por pastores nativos, pode renun­ meiro contato com um povo.
ciar aos poucos o trabalho pastoral que está Segunda etapa: um a etapa p a t e r n a l — o
em suas mãos, transferindo a supervisão aos missionário estrangeiro treina a lide­
pastores locais até que, imperceptivelmente, rança nacional.

0 relacionamento entre a missão e a igreja — quatro etapas de desenvolvimento

Primeira Etapa: Pioneiro


É necessário o dom de liderança, além de outros dons. Ainda
não há crentes — o missionário deve liderar e fazer grande
parte do trabalho sozinho.

Segunda Etapa: Pai


É necessário o dom de ensino. A jovem igreja tem com a
missão o relacionamento de uma criança em crescimento,
mas o "pai" deve evitar o "paternalismo".

igreja
Terceira Etapa: Parceiro
Faz-se necessária uma mudança, do relacionamento pai-filho
para o relacionamento adulto-adulto. A mudança é difícil
para ambos, mas é essencial para que a igreja se torne um
"adulto" maduro.

Quarta Etapa: Participante


A igreja plenamente madura assume a liderança. Durante o
tempo em que a missão continuar nesse lugar, ela deve usar
seus dons para fortalecer a igreja, a fim de que esta alcance
os objetivos originais de Mateus 28.19,20. Nesse ínterim, a
missão deve começar a primeira etapa em outro lugar.

igreja missão
Terceira etapa: uma etapa de p a rceria — os surpreende que uma retirada literal ocorresse
líderes nacionais trabalham em pé de primeiramente no caso de não haver territórios
igualdade com os missionários estran­ a explorar no interior. Por isso, uma espécie
geiros. de símbolo das etapas posteriores do primeiro
Quarta etapa: uma etapa d e p a rticip a çã o período foi a retirada de todos os missionários
— os missionários estrangeiros já não do arquipélago do Havaí, na época um país
trabalham em pé de igualdade com os independente. Esse acontecimento deu ensejo
nacionais, só participam a convite deles. a um orgulho legítim o, muito festejado, que
satisfazia às mais altas expectativas, tanto da­
Embora o trabalho realizado durante o pri­ quela época quanto de agora, de um trabalho
meiro período fosse vagaroso e resultasse em missionário bem-sucedido através das etapas
muito sofrimento, alguns frutos foram produ­ de plantar, regar e colher.
zidos. Pode-se observar uma sequência familiar
de etapas, que vai desde a inexistência de igreja O segundo período
na etapa pioneira, passa pela igreja recém-nas­ Um segundo fato ocorrido em 1865 é ainda
cida na etapa paternal e chega à igreja amadu­ mais significativo, pelo menos como ponto de
recida e de estrutura mais complexa nas etapas partida para o segundo período. Um jovem, de­
de parceria e participação. pois de uma breve experiência como missionário
Samuel Hoffman, representante da Igreja e, tal como Carey, ainda na casa dos 20 anos,
Reformada na Junta Americana, expressa mui­ contrariando os conselhos dos que o cercavam,
to bem a questão: “O missionário cristão que estabeleceu uma agência missionária de um tipo
toi amado como evangelista e apreciado como inteiramente novo, que dava ênfase aos territó­
professor, talvez descubra que é rejeitado como rios do interior, longe do litoral. Esse segundo
administrador”. jovem, que se tornou famoso de repente recebeu
Feliz o missionário cuja carreira passa por quase que apenas críticas negativas, mas como
todas essas etapas. O mais provável é que a se­ W illiam Carey refletiu longamente debruçado
quência represente o trabalho realizado num sobre estatísticas, quadros e mapas. Quando su­
campo específico por uma sucessão de missio­ geriu que os povos do interior da C hina pre­
nários ou o histórico de uma agência que em cisavam ser alcançados, disseram-lhe que ele
seu período inicial trabalhe em vários lugares não conseguiria ir tão longe e indagaram-lhe
diferentes e depois de alguns anos se aperceba se gostaria de ter nas mãos o sangue dos jovens
de que a maioria dos campos está amadurecendo que ele desejava enviar para a morte.
à mesma época. Certo ou errado, esse tipo de Com um conhecimento apenas técnico de
sucessão é visível no movimento missionário em medicina, sem nenhuma vivência universitária,
todo o mundo, quando a febre de mudanças e sem formação missiológica e com uma expe­
de nacionalização atinge a maneira de pensar riência no campo missionário cheia de altos e
dos executivos e passa de um continente para baixos por causa de seu comportamento indi­
outro, afetando os novos campos missionários, vidualista, ele foi uma daquelas coisas frágeis
cue ainda se encontram nas etapas iniciais, e os que Deus usa para confundir os sábios. Até
rr.ais antigos, que estão nas etapas finais. mesmo sua estratégia missionária inicial, con­
Por essa ou por outra razão, já em 1865 havia trária à plantação de igrejas, era equivocada,
um forte consenso nos dois lados do Atlântico de acordo com os padrões atuais. Ainda assim,
de que o missionário deveria voltar ao seu país Deus estranhamente o exaltou porque seu olhar
depois de concluir seu trabalho. Uma vez que o estava fixado nos povos mais negligenciados do
orimeiro período concentrou sua atenção basi­ mundo. Por detrás de si, Hudson Taylor tinha
camente no litoral da Asia e da África, não nos o sopro divino. O Espírito Santo poupou-o de
perigos inesperados, e sua organização, a Missão Igreja. Nos Estados Unidos, entre 1880 e 1890,
para o Interior da China, a organização mais o número de estudantes universitários era 37
cooperativa e serviçal que já apareceu. Durante vezes menor que nos dias de hoje, mas aquele
sua existência ela prestou assistência, de uma movimento reuniu 100 mil voluntários que de­
maneira ou de outra, a mais de 6 mil missioná­ dicaram a vida às missões. Vinte mil deles tor-
rios, predominantemente no interior da China. naram-se missionários. Como agora podemos
Levou 20 anos para outras missões começarem perceber, os outros 80 mil tiveram de permane­
a se unir aTaylor em sua meta principal: as re­ cer para reconstruir as bases do empreendimen­
giões do interior ainda não alcançadas. to missionário. Eles deram início ao Movimento
Uma razão de o segundo período ter co­ Missionário Leigo e fortaleceram as sociedades
meçado vagarosamente é que muitas pessoas femininas missionárias existentes.
se sentiam confusas. Já existiam tantas missões! No entanto, durante o segundo período,
Por que mais ainda? Todavia, conforme Taylor os estudantes recém-saídos da faculdade que
ressaltava, todas as agências existentes lim ita­ chegavam ao campo missionário no estrangeiro
vam suas atividades ao litoral da A frica e da nem sempre compreendiam inteiramente como
Ásia ou às ilhas do Pacífico. Seus representantes os missionários do primeiro período puderam
indagavam: “Por que ir para o interior, se ainda transferir a responsabilidade da liderança para os
não se completou a tarefa no litoral?”. nativos menos instruídos da sociedade. Acontece
Não sei se a comparação com a realidade de que os missionários do primeiro período eram
hoje seria válida, mas o segundo período apa­ minoria, e a sabedoria que obtiveram pela expe­
rentemente não necessitava apenas de uma nova riência foi ignorada por grande parte dos recrutas
visão, mas de inúmeras organizações novas. de formação universitária. Dessa maneira, nas
Taylor não apenas deu início na Inglaterra etapas iniciais do segundo período os novos
a um a missão destinada a evangelizar re­ missionários, em vez de partir para regiões ainda
giões ainda não alcançadas, mas também via­ não alcançadas, às vezes assumiam a liderança
jou a outros países da Europa, inclusive na das igrejas existentes, forçando os missionários
Escandinávia, a fim de desafiar os cristãos a do primeiro período e a liderança nacional (for­
criarem novas agências. Como consequência, mada com muito sacrifício) a uma posição se­
direta ou indireta, mais de 40 novas agências cundária. Em alguns casos, isso significou um
foram formadas, dando origem às “missões de grande retrocesso na estratégia missionária.
fé”, as quais com toda propriedade devem ser Em 1925, no entanto, o maior movimento
chamadas “missões pioneiras” ou “missões de missionário da história da Igreja estava em ple­
fronteiras”, como o nome de muitas delas indi­ na atividade. A essa altura, os missionários do
cam: Missão para o Interior da China, Missão segundo período haviam finalmente aprendi­
para o Interior do Sudão, Missão para o Interior do as lições básicas que haviam ignorado no
da África, M issão para o Coração da África, início e atingiram um recorde incrível. Eles
Missão para os Campos Não Evangelizados e haviam plantado igrejas em milhares de loca­
União Missionária para as Regiões Remotas. A lidades, principalmente em regiões no interior,
exemplo do que aconteceu na etapa inicial do e até 1940 a realidade das “igrejas jovens” ao
primeiro período, quando as coisas começaram redor do mundo era reconhecida amplamente
a acontecer, Deus despertou um movimento estu­ como o “grande fato novo de nossa época”. A
dantil. Esse movimento teve a participação de força dessas igrejas levou os líderes nacionais e
um número ainda maior de pessoas que o ante­ os missionários a concluir que todas as regiões
rior. Foi o Movimento de Estudantes Voluntários ainda não alcançadas pelo evangelho podiam
para Missões Estrangeiras, a organização mis­ ser atingidas pelo evangelismo normal por parte
sionária individual mais poderosa da história da das igrejas espalhadas pelo mundo. Em pouco
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tempo, passou-se a cogitar se os missionários Townsend estava com tanta pressa de ir para
eram mesmo imprescindíveis! De novo, como o campo missionário que não se preocupou em
em 1865, pareceu lógico enviar missionários terminar a faculdade. Foi para a Guatemala na
alocados em diversas áreas do mundo de volta condição de missionário do segundo período,
aos respectivos países de origem. continuando o trabalho que já se havia iniciado.
Para nós, é importante observar a sobreposi­ Naquele país, como nos demais campos missioná­
ção desses dois primeiros períodos. Os 45 anos rios, havia muito a ser feito pelos missionários
transcorridos entre 1865 e 1910 (compare com que trabalhavam com as igrejas nacionais.
o período de 1934 a 1980) foram de transição Townsend, todavia, estava alerta o bastante
entre a estratégia apropriada para as etapas finais para perceber que a maioria da população guate­
do primeiro período, o da evangelização das áreas malteca não falava espanhol. Em suas andanças
litorâneas, e a estratégia apropriada para as etapas de vila em vila para distribuir porções bíblicas
iniciais do segundo período, o da evangelização impressas em espanhol, começou a notar que
de áreas no interior. Pouco depois da Conferência o evangelismo em espanhol jamais alcançaria
Missionária M undial de Edimburgo, em 1910, o povo da G uatem ala como um todo. Ficou
ocorreram duas guerras mundiais extremamen­ ainda mais convicto disso quando um índio
te destrutivas, e ocorreu também o colapso do lhe perguntou: “Se seu Deus é tão inteligente
sistema colonial. Em 1945, muitas igrejas no e capaz, por que ele não pode falar em nossa
campo missionário já estavam preparadas não língua?”. Townsend tinha apenas 23 anos de
apenas para a saída das potências colonialistas, idade quando começou a agir com base nessa
como também para a ausência dos missioná­ nova perspectiva.
rios. Embora manifestações públicas exigindo Em nossa época, sem nenhuma dúvida,
a saída dos missionários não fossem comuns, Cameron Townsend é alguém comparável a
ainda que alguns tenham imaginado que sim, W illiam Carey e a Hudson Taylor. À semelhan­
de qualquer maneira as coisas haviam mudado, ça de Carey e Taylor, Townsend notou que ainda
como até mesmo as igrejas americanas final­ existiam regiões não alcançadas e por quase meio
mente passaram a perceber. As etapas pioneira século ele desfraldou a bandeira da evangelização
e paternal já não eram mais relevantes, apenas das tribos esquecidas do mundo. No início, ele
as de parceria e participação. esperava ajudar as juntas missionárias existen­
Em 1967, o número total de missionários tes a evangelizar as tribos, mas, a exemplo de
norte-americanos de carreira começou a de­ Carey e Taylor, ele acabou fundando sua própria
clinar (e essa tendência continua até hoje). Por missão, a Associação Wycliffe de Tradutores da
quê? Os cristãos foram levados a crer que todas Bíblia, que realiza um trabalho pioneiro para
as cabeças de praia já haviam sido estabelecidas. atender esses grupos. No início ele imaginou
Naquele ano, mais de 90% de todos os missio­ existirem no mundo cerca de 500 grupos tribais
nários dos Estados Unidos estavam trabalhando não alcançados. (Ele chegou a esse número com
com igrejas nacionais fortes, as quais existiam base no significativo número de línguas tribais
havia algum tempo. do México.) M ais tarde, refez os cálculos, che­
Os fatos, todavia, não eram assim tão sim­ gando a mil línguas, depois a 2 mil e por fim
ples. Despercebido por quase todos, um terceiro a quase 5 mil. À medida que se conscientizava
período na história de missões havia começado. da imensidão da tarefa, aumentava também o
tamanho de sua organização. Hoje, ela ultrapassa
O terceiro período o número de 4 mil obreiros adultos.
Esse período teve início com dois jovens Na mesma época em que Townsend refle­
do M o v im e n to de Estudantes V olu n tários: tia sobre essas questões na Guatemala, Donald
Cameron Townsend e Donald M cG avran. M cG avran estava começando a aceitar a
seriedade não das barreiras linguísticas, mas das Como ocorreu nas etapas iniciais dos dois
incríveis barreiras sociais da índia. Townsend primeiros períodos, o terceiro período deu ori­
"descobriu” as tribos, McGavran descobriu uma gem a inúmeras agências missionárias. A lgu­
categoria de natureza mais universal, a qual ele mas, como a Missão Novas Tribos, revelam no
denominou “unidades homogêneas”, hoje comu- próprio nome essa nova perspectiva. Outras,
mente chamados “grupos de pessoas”. como a Asas de Socorro, missão especializada
Assim que se penetra num desses grupos, no transporte de missionários por aviões, re-
pelo aproveitamento diligente das descobertas ferem-se às novas tecnologias necessárias para
missiológicas dos relacionamentos dentro dele, alcançar as tribos e povos isolados do mundo.
estabelece-se uma estratégica “ponte de Deus”. Algumas agências surgidas durante o segundo
O corolário dessa verdade é o fato de que a té período, como a União Missionária para as Re­
que se faça essa descoberta, a evangelização e a giões Remotas, jamais deixaram de destacar o
plantação de igrejas costumeiras não tem con­ trabalho pioneiro e aumentaram o número de
dições de acontecer. missionários de modo a poder avançar ainda
McGavran não fundou uma nova missão. mais, alcançando grupos até então ignorados.
(Townsend o fez apenas quando as missões exis­ Em tempos mais recentes, muitos começa­
tentes não correspondiam mais à magnitude do ram a perceber que os povos tribais não são os
desafio das tribos não alcançadas.) Os enérgicos únicos esquecidos. Muitos outros grupos, alguns
esforços e escritos de McGavran atingiram não bem no meio de regiões parcialmente cristia­
apenas o movimento de crescimento da igreja, nizadas, têm sido completamente ignorados.
mas também o movimento de missões pionei­ Esses povos são chamados “povos ocultos”, defi­
ras, um dedicado à expansão do evangelho den­ nidos com base em traços étnicos e sociológicos
tro de grupos já alcançados e o outro dedicado como um povo tão diferente em relação às tra­
a encontrar métodos para alcançar os grupos dições culturais de qualquer igreja existente que
ainda não alcançados. são necessárias estratégias missionárias (em vez
Como aconteceu com C arey e Taylor, de evangelísticas) para a implantação de igrejas
Townsend e McGavran durante vinte anos quase autóctones dentro das tradições qualquer uma
não atraíram a atenção de ninguém. Todavia, na dessas culturas.
década de 1950 ambos tiveram grande audiência. Se o primeiro período foi caracterizado
Em 1980,46 anos depois, realizou-se uma con­ por alcançar os povos de regiões litorâneas e o
ferência nos moldes da de 1910, voltada exata­ segundo por alcançar os povos residentes em
mente para os grupos esquecidos, que era a ênfase regiões interioranas, o terceiro período deve
desses dois homens. A Consulta M undial so­ ser caracterizado pela categoria mais difícil de
bre Missões Pioneiras, realizada em Edimburgo, definir, de natureza não geográfica, os chama­
em 1980, foi o maior encontro missionário já do “povos ocultos”, a saber, grupos humanos
realizado. É o que se pode inferir do número socialmente isolados. Pelo fato de esse concei­
de agências missionárias ali representadas. O to ser de definição tão difícil, o terceiro perí­
mais notável é que 57 agências missionárias do odo tem sido ainda mais lento em seu início
Terceiro Mundo também enviaram represen­ que o segundo. Há mais de 40 anos, Cameron
tantes. Nisso se encontra o grande fundamento Townsend e Donald McGavran começaram a
do terceiro período! Concomitantemente com chamar a atenção para os povos esquecidos, mas
essa consulta, ocorreu também um encontro de só recentemente se passou a dar a devida atenção
jovens, a Consulta Estudantil Internacional so­ a eles. Alais trágico, porém, é que esquecemos
bre Missões Pioneiras, o que indica que os fu­ as técnicas de trabalho pioneiro utilizadas du­
turos encontros missionários terão significativa rante os dois primeiros períodos, de maneira
participação da juventude. que quase temos de reinventar a roda enquanto
reaprendemos a alcançar os grupos ainda sem eles preferem cristãos consagrados a ocidentais
contato com o evangelho! alcoólatras, mulherengos e secularizados.
Sabemos que existem pelo menos 16.750 Por isso, certos encontros animadores realiza­
grupos de pessoas na categoria “povos ocultos”. dos em 1980 — o Congresso sobre Evangelização
Cada um deles irá requerer uma nova e especí­ Mundial, na Tailândia, a Consulta Mundial sobre
fica cabeça de praia missionária. Será essa uma Missões Pioneiras, em Edimburgo, e a Consulta
meta alcançável? Estudantil Internacional sobre Missões Pionei­
ras, na mesma cidade — podem ser considera­
Conseguiremos fazê-lo? dos novos pontos de partida na retomada do
Por várias e surpreendentes razões, a tarefa não é terceiro período.
tão difícil quanto parece. Em primeiro lugar, não Nesse ínterim , im portantíssim as agên­
é uma responsabilidade americana, nem mesmo cias missionárias do segundo período, como a
ocidental. Ela irá envolver cristãos de todos os Missão para o Interior do Sudão, buscam novos
continentes. Em 1980, o número de agências campos missionários. Gerald Swank, da Missão
missionárias do mundo não ocidental era su­ para o Interior do Sudão, identificou mais de
perior a 400, as quais enviaram mais de 13 mil uma dúzia de novas cabeças de praia nas quais
missionários, e esse número está crescendo. sua missão pensa em patrocinar novos traba­
Mais significativo é o fato de que quando uma lhos. A Igreja Luterana, Sínodo do Missouri,
cabeça de praia se estabelece dentro de uma cultura decidiu triplicar seu contingente missionário
o processo evangelístico normal em que Deus até 1990 a fim de abrir dez importantes campos
espera que cada cristão se envolva substitui a missionários entre povos ocultos. Dezenas de
estratégia missionária, pois a tarefa de penetrar outros exemplos podem ser citados.
na cultura está terminada. Por essa razão, estabe­ Nosso trabalho no terceiro período apresen­
lecer uma cabeça de praia no meio de cada povo ta ainda muitas vantagens. H á uma rede mun­
oculto nos próximos anos é um objetivo que está dial de igrejas que pode ser despertada para a
bem dentro de nosso alcance. realização de sua missão principal. A cim a de
Além do mais, os “países fechados” são cada tudo, nada é capaz de obscurecer o fato de que
vez menos um problema, pois o mundo moderno este pode e deve ser o período fin a l. Hoje em
está se tornando cada vez mais interdependente. dia, nenhum crente consciencioso ousa ignorar
Hoje, não há país algum que seja inteiramente que Deus, quando ordenou que alcançássemos
fechado a estrangeiros. M uitos dos países con­ todas as nações, tribos e línguas com o evange­
siderados “totalmente fechados”, como é o caso lho, teve a intenção de que de fato cumprísse­
da Arábia Saudita, na verdade desejam ansiosa­ mos essa tarefa. Nenhuma outra geração tem
mente recrutar milhares de profissionais espe­ menos desculpas que a nossa para não cumprir
cializados de outras nações, e a verdade é que a ordem divina.
mmmmmsssmÊ smmmrnss^msêmmssm!M mss:íM mitsmsim

Perguntas para estudo

1. Descreva a principal característica de cada um dos três períodos e explique a tensão inerente
à transição de um período para outro.

2. Cite o nome da personagem central e a data aproximada de cada período, bem como o movi­
mento estudantil relacionado com cada um.

3. Explique as quatro etapas da atividade missionária.


A necessidade e os clamores
espirituais da China

J. H udson T aylor escreveu C hinas Spiritual Need and Claim s [A


necessidade e os clam ores espirituais da C hina] com o consequência da
decisão crucial que tom ou em B righton: recrutar obreiros para sua agência
m issionária. Nos anos seguintes, outras ediçõesforam impressas e os p a ­
rágrafos a seguirforam extraídos de uma dessas edições posteriores. Taylor
conclui aqui o p a n fleto com um a retrosp ectiva dos efeitos da p rim eira
edição e dos p rim eiros anos da M issão p a ra o In terio r da China. Sua
vid a e a agência que ele organizou são testem unhas daquilo que costu­
m ava afirm ar: “H á um D eus vivo. Ele se pron u n ciou em sua Palavra.
E le quer d iz er exatam ente o que diz e fa r á tudo que p rom eteu .

Livra os que estão sendo levados para a morte e salva os que cam­
baleiam indo para serem mortos. Se disseres: Não o soubemos,
não o perceberá aquele que pesa os corações? Não o saberá aquele
que atenta para a tua alma? E não pagará ele ao homem segundo
as suas obras? (Pv 24.11,12).

uma verdade solene e grave que cada ato nosso na vida pre-
JL..,sísente— e também cada omissão nossa — tem um resultado
direto e importante tanto em nosso bem-estar futuro quanto no
de outros. Na condição de crentes, convém que tudo que venhamos
a fazer seja feito em nome de nosso Senhor Jesus Cristo. Em seu
nome e com sincera oração, pedindo sua bênção, é que estas pá­
ginas foram escritas; em seu nome e com sincera oração, pedindo
a sua bênção, que sejam lidas. O escritor sente profundamente
que tem a obrigação de apresentar os fatos contidos nestas pági­
nas ao coração e à consciência do povo do Senhor, na qualidade
de mordomo fiel. Ele crê também que os fatos relatados devem
produzir a lgum fruto no coração de cada leitor cristão. O fruto
legítimo indubitavelmente será não palavras vãs de simpatia oca,
mas oração fervorosa e eficaz e um esforço extenuante e altruísta
para a salvação dos chineses ignorantes. Se em qualquer caso dei­
xarem de produzir esse fruto, o autor insiste na consideração das
solenes palavras citadas no cabeçalho deste artigo: “Livra os que
estão sendo levados para a morte e salva os que cambaleiam indo
para serem mortos. Se disseres: Não o soubemos, não o percebe­
rá aquele que pesa os corações? Não o saberá aquele que atenta
para a tua alma? E não pagará ele ao homem justiça. Ao ressuscitar dos mortos, antes de subir
segundo as suas obras?”. ao céu, ele comissionou seu povo a proclamar
Logo no início de seu ministério, o Senhor em todos os lugares as boas novas da salvação
Jesus ensinou ao povo que eles deviam ser a — plena e livremente — pela fé em sua obra
luz — não de Jerusalém, nem da Judeia, nem consumada. Esse dever ele transmitiu a nós da
mesmo da nação judaica, mas do m undo. Ele maneira mais inequívoca e exata: “Ide por todo
também os ensinou a orar — não como pagãos, o mundo e pregai o evangelho a toda criatura”.
que usam repetições vãs e sem significado; nem Infelizmente, a Igreja falhou no cumprimento
como aqueles que primeiro pedem (quando não dessa ordem. E triste observar que, tão perto do
é só o que fazem) solução para as próprias ne­ fim do século XIX da era cristã, ainda existem
cessidades e beneíícios pessoais: “Deus, o vos­ porções imensas do globo terrestre totalmente
so Pai, sabe o de que tendes necessidade, antes destituídas ou mal providas dos meios da graça
que lho peçais. Portanto, vós orareis assim: Pai e do conhecimento da salvação.
nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu Para que nossos leitores possam perceber
nome; venha o teu reino; faça-se a tua vontade, a vasta extensão dos distritos mais remotos
assim na terra como no céu”. do Império Chinês, sugerimos um a compa­
Só depois desses pedidos é que devem ser ração desses distritos com os países próximos
apresentadas, em segundo plano, as petições de nós.
pessoais. Até mesmo o comedido “o pão nosso Todo o continente europeu tem uma área
de cada dia dá-nos hoje vem a seguir. Não tem de 9.607.749 quilômetros quadrados; a área
sido essa ordem invertida com demasiada fre­ da M anchúria, a M ongólia, os territórios do
quência em nosso dias? Não sentem — e agem Noroeste e oTibete juntos somam 10.233.380
— os cristãos quase sempre como se tivessem quilômetros quadrados. Essas extensas regiões
sido incumbidos de com eçar com “o pão nosso contêm muitos milhões de seres que são nossos
de cada dia dá-nos hoje” para então concluir: semelhantes, mas, à exceção de nossos quatro
“Se for consistente com isso, que teu nome seja obreiros em Yingkou, eles não têm nenhum
santificado também”? Será que M ateus 6.33 missionário. Estão perecendo, e ninguém os
— “Buscai [...] em primeiro lugar, o seu reino e a socorre. Nenhum missionário reside entre eles
sua justiça, e todas estas coisas vos serão acres­ para revelar aquela sabedoria, o bem do qual se
centadas” — não tem sido praticado assim, até diz que “melhor é o lucro que ela dá do que o da
mesmo entre os discípulos professos de Cristo: prata, e melhor a sua renda do que o ouro mais
buscar primeiro todas estas coisas (alimento e fino”. Por todo esse imenso território, maior que
roupa, saúde, riqueza e conforto) e só depois o o continente inteiro da Europa, com a exceção
Reino de Deus e sua justiça? Em vez de hon­ mencionada acima, não há um só embaixador
rá-lo com as primícias de nosso tempo e energia, de Cristo enviado por qualquer igreja protes­
será que não nos contentamos em lhe oferecer tante da Europa ou da A m érica para levar a
as migalhas, depois que nossas supostas neces­ palavra da reconciliação e falar aos homens, em
sidades já foram supridas? Se nos recusamos a nome Cristo: “Rogamos que vos reconcilieis
levar os dízimos à casa do tesouro e, dessa forma, com Deus”. Quanto tempo esse estado de coi­
a fazer prova do Senhor, como podemos nos sas vai continuar?
admirar de que ele não abra as janelas do céu e Pense nos mais de 80 milhões que estão fora
não derrame sobre nós a plenitude da bênção do alcance do evangelho nas sete províncias
que desejamos? em que os missionários estão há mais tempo.
Temos na vida e na morte de nosso Senhor Pense nos mais de 100 milhões nas outras 11
Jesus Cristo um exemplo notável de como po­ províncias da China propriamente dita, fora do
demos buscar primeiro o Reino de Deus e sua alcance dos poucos missionários que lá estão.
Pense nos mais de 20 milhões que habitam as alcance do evangelho. Mostramos que há outras
vastas regiões daM anchúria, Mongólia, Tibete 11 províncias ainda mais carentes, das quais a
e dos territórios do Noroeste, que excedem toda menor excede a população da Birmânia ou da
a extensão da Europa — um total de mais de Escócia e Irlanda juntas. Que dizer então das
200 milhões fora do alcance de todas as agências vastas regiões da Tartária e do Tibete — mais
existentes — e diga como poderá o nome de extensas que todo o continente da Europa, sem
Deus ser santificado por eles, seu Reino che­ nenhum missionário protestante, a não ser os
gar a eles e sua vontade ser cumprida por eles? quatro em Yingkou? As reivindicações de um
O nome e os atributos de Deus são coisas que império como este deveriam não só ser consi­
eles nunca ouviram. O Reino não está sendo deradas, mas também satisfeitas! Será que os
proclamado entre eles. A vontade divina não interesses eternos de um quinto da raça huma­
lhes tem sido revelada! na não conseguem despertar as mais profundas
Você crê que desses milhões cada um tem simpatias de nossa natureza, os mais extenuan­
uma alma preciosa? E que “não existe nenhum tes esforços de nossas habilidades, que foram
outro nome, dado entre os homens, pelo qual compradas com sangue? Será que os gemidos
importa que sejamos salvos” além do nome de da miséria desamparada e sem esperança, que
Jesus} Você crê que só ele é “a porta no aprisco”, se levantam da metade do mundo pagão, não
“o caminho, e a verdade, e a vida”? Que ninguém penetram em nossos ouvidos lentos em ouvir e
vem ao Pai senão por Ele? Nesse caso, pense no não são capazes de despertar nosso espírito, alma
estado daqueles que não estão sendo salvos e e corpo para um grande, contínuo e insuperável
examine solenemente o coração à vista de Deus, esforço de salvar a China? Que na força e no
para ver se você está fazendo o máximo que pode poder de Deus, possamos arrebatar a presa das
para torná-lo conhecido entre eles. mãos dos poderosos; que possamos arrancá-la
Apresentam os um panoram a resumido do fogo eterno e salvar aqueles escravos do pe­
e superficial da situação e das necessidades cado e de Satanás, para exaltar o triunfo do Rei
da C hina. Para apresentar em detalhes cada soberano e reluzir para sempre como estrelas
província, teríamos de dedicar mais tempo e em sua coroa!
espaço que à consideração de todo o império. Não podemos deixar de crer que a contem­
Já vimos que Deus abençoou os esforços des­ plação desses fatos solenes já despertou muitas
pendidos e tentamos apresentar as facilidades orações sinceras: “Senhor, o que queres que eu
que hoje existem para uma evangelização mais fa ça para que teu nome seja santificado, teu Reino
extensa deste país. Temos buscado obedecer venha a nós e tua vontade possa ser cumprida na
à grande ordem de nosso Salvador ressuscitado: China?”. E o meditar nesses fatos, com oração
“Ide por todo o m undo e pregai o evangelho a e a percepção cada vez maior dos terríveis pro­
toda cria tu ra '. Destacamos que, em Mateus 25, blemas da China, destituída de tudo que pode
na parábola do Senhor, não foi um estranho, tornar o ser humano verdadeiramente feliz, que
mas um serv o; não um im oral, mas um inútil constrange o autor colocar suas reivindicações
que foi lançado nas trevas exteriores, onde há como um pesado fardo sobre o coração daqueles
choro e ranger de dentes. “Se me amais”, disse que já experimentaram o poder do sangue de
nosso Mestre, “guardareis os meus mandamen­ Cristo, e buscar, primeiro com o Senhor e em
tos”, e um deles foi: “De graça recebestes, de seguida com seu povo, os homens e os meios
graça dai”. Mostramos que nas sete províncias para levar o evangelho a todas as partes desta
da China propriamente dita, havendo para os terra não civilizada. Temos de nos haver com
missionários protestantes e seus assistentes ele, que é o Senhor de todo poder, cujo braço
nativos muito mais do que eles podem reali­ não foi encurtado, cujo ouvido não está surdo;
zar, existe uma multidão imensa ainda fora do com aquele cujas palavras imutáveis levam-nos
a pedir e a receber, para que nossa alegria seja declarado na primeira edição deste apelo, ele
completa. Temos de abrir bem a boca, para que não hesitou em pedir ao grande Senhor da se­
ele possa enchê-la. Faríamos bem em lembrar ara que chamasse, que en via sse 24 europeus e
que esse Deus gracioso, que condescendeu em 24 evangelistas nativos, a fim de implantarem
colocar seu poder excelso às ordens da oração o símbolo da cruz em todos os distritos não
da fé, não olha com leviandade para a culpa de evangelizados da C hina propriamente dita e
sangue dos que negligenciam o bem-estar dos da Tartária chinesa.
que perecem, pois ele disse: “Livra os que estão As mesmas considerações levam-nos hoje a
sendo levados para a morte e salva os que cam­ clamar a Deus por muito mais. Quem nunca foi
baleiam indo para serem mortos. Se disseres: chamado para provar a fidelidade do Deus que
Não o soubemos, não o perceberá aquele que cumpre as alianças no suprimento, na resposta
pesa os corações? Não o saberá aquele que aten­ às orações e nas necessidades financeiras de seus
ta para a tua alma? E não pagará ele ao homem servos, talvez considere o envio de evangelistas
segundo as suas obras?”. a uma terra pagã distante uma experiência peri­
Tais considerações levaram o autor a sentir, gosa, tendo “apenas Deus para cuidar deles”. Já
em 1865, de tal modo a imensa necessidade de para aquele que há muitos anos tem o privilégio
mais obreiros para a China, que, conforme ficou de experimentar a fidelidade de Deus em diversas

Proporção de missionários em relação à população das 18 províncias da China


Número de Ou um missionário para uma população
Província População * missionários ** Proporção maior que a de
KWANGTUNG 17,5 milhões 100 1:170.000 Huddersfield e Halifax (166.957)
FUKIEN 10 milhões 61 1:163.000 Newcastle (155.117)
CHEKIANG 12 milhões 58 1:206.000 Hull (191.501)
KIANGSU 20 milhões 85 1:227.000 Bristol (220.915)
SHANTUNG 19 milhões 60 1:316.000 Sheffield (310.957)
CHIHLI 20 milhões 68 1:294.000 Newcastle e Portsmouth (291.395)
HUPEI 20,5 milhões 43 1:476.000 Nottingham e Edimburgo (472.324)
KIANGSI 15 milhões 12 1:1.250.000 Nova York (1.207.000)
GANNWUY 9 milhões 15 1:600.000 Liverpool (586.320)
SHANSI 9 milhões 30 1:300.000 Salford e Huddersfield (299.911)
SHENSI 7 milhões 13 1:530.000 Glasgow (521.999)
KANSU 3 milhões 9 1:333.000 Sheffield (310.957)
SICHWAN 20 milhões 17 1:1.176.000 Glasgow e Liverpool (1.108.319)
YUNAN 5 milhões 10 1:500.000 Sheffield e Newcastle (466.074)
KWEICHOW 4 milhões 2 1:2^000.000 Glasgow, Liverpool, Birmingham e Manches­
ter (1.919.595)
KWANGSI 5 milhões 0 0:5.000.000 Irlanda (sem missionário)
HUNAN 16 milhões 3 itinerantes 0:16.000.000 Quatro vezes a Escócia
HONAN 15 milhões 3 1:5.000.000 Londres
* A estimativa da populaçao é a encontrada na últim a edição de China \ SpiritualNeed and Claims.
*'* 0 número de missionários foi corrigido em março de 1887.
circunstâncias — em casa e no estrangeiro, por servo da epidemia que se propaga nas trevas e
terra e por mar, na enfermidade e na saúde, da destruição que ataca ao meio-dia. Por mais
nas necessidades, nos perigos e diante da morte de 27 anos, ele tem experimentado a fidelidade
— tais apreensões são indesculpáveis. O autor de Deus em suprir os meios financeiros para
tem visto Deus, em resposta às orações, acalmar as necessidades pessoais e para as necessidades
tempestades, alterar a direção do vento e enviar da obra da qual se ocupa. Ele tem visto Deus,
chuva no meio de prolongada seca. Ele tem visto em resposta às orações, suscitar muitos obrei­
Deus, em resposta às orações, acalmar os impul­ ros, não apenas uns poucos, para este imenso
sos irados e as intenções assassinas de homens campo missionário, suprir os meios necessários
violentos e reduzir a nada as maquinações dos para roupas, passagens e sustento e abençoar os
inimigos de seu povo. Ele tem visto Deus, em esforços de muitos deles, tanto entre os cristãos
resposta às orações, restaurar moribundos quan­ nativos quanto entre os chineses pagãos nas 14
do todo auxílio humano era vão e preservar seu das 18 províncias mencionadas.

Perguntas para estudo

1. A semelhança de Carey, Taylor é profundamente tocado pelos dados estatísticos que tem diante
de si. Que “fruto” ele acha que deve ser resultado da consideração dos “fatos”?

2. Que comentários Taylor faz acerca da natureza e do propósito da oração?

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