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PRÉ-CINEMA

autor
Pedro Félix
Agrupamento Vertical de Escolas Dra. Laura Ayres de Quarteira

Coordenação
Graça Lobo
Vítor Reia-Baptista
BRINQUEDOS ÓTICOS
Tal como o nome indica, os brinquedos óticos referem-se a um conjunto
de instrumentos mais ou menos lúdicos anteriores ao aparecimento do
cinema, que foram surgindo ao longo de vários séculos e que também
tinham um carácter científico porque criavam ilusões visuais.

A necessidade de reproduzir a realidade, o desejo de contar histórias e o


interesse pela descoberta científica têm acompanhado a humanidade
desde a pré-história, quando surgiram as primeiras manifestações
artísticas. Na tentativa de reproduzir o movimento (o espaço e o tempo)
deve-se ainda ter em consideração a expressão plástica e o contínuo
desenvolvimento tecnológico. Desde que o homem primitivo representou
os animais com oito patas sobrepostas nas grutas de Altamira até às
complexas projecções das “pantomimes lumineuses” do Teatro Ótico de
Émile Reynaud em 1892 em Paris, sucederam-se várias invenções que irão
ser abordadas nas próximas páginas e permitem perceber melhor o
fenómeno do cinema poucos anos antes de 1900.
CÂMARA ESCURA
Se estivermos num compartimento fechado. Onde a única
entrada de luz é um pequeno orifício numa das paredes,
reparamos que na parede oposta se projecta uma imagem
invertida do que está à frente desse orifício. E quanto mais
pequeno for, mais nítida é a imagem projectada. Para estudar
este efeito óptico utilizaram-se caixas de várias dimensões e feitas
em diversos materiais, chegando a ser construídas algumas mais
complexas onde até podia caber uma pessoa.
Foi a relação estabelecida entre a câmara escura e o
desenvolvimento da química (com a revelação e fixação das
imagens reflectidas na câmara) que possibilitou o aparecimento
da máquina fotográfica. A designação de ‘câmara fotográfica’ ou
‘câmara de filmar’ deriva precisamente deste seu antepassado.
HISTÓRIA
O conhecimento do princípio óptico da Câmara Escura
remonta ao século V a.C. ao chinês Mo Tzu, e também ao
grego Aristóteles (século IV a.C.). Apesar de haver
referências à sua utilização ao longo de várias épocas, foi
no período do renascimento que voltou a ser valorizada, Esquema da Câmara Escura e do Olho Humano:
nomeadamente com Leonardo Da Vinci e o seu discípulo
Cesare Cesariano em 1521. O cientista napolitano
Giovanni Baptista della Porta publicou uma descrição
detalhada em 1558 no seu livro “Magia Naturalis sive de
Miraculis Rerum Naturalium” o que veio a contribuir para
a sua utilização como auxílio ao desenho e à pintura de
artistas menos dotados.

Primeira ilustração publicada de uma Câmara escura em 1544 por


Jemme Reinerrszoon Frisius, físico e matemático holandês
LANTERNA MÁGICA
Desde que começou a ser usada no século XVII, a lanterna
mágica continuou a ser desenvolvida, correspondendo no
século XX ao projector de diapositivos, muito comum nas
escolas ou mesmo entre os apreciadores de fotografia.
Este instrumento consiste basicamente numa caixa
contendo uma fonte de luz (inicialmente seria uma chama,
passando depois a ser usada a lâmpada), que projecta uma
imagem impressa ou pintada em vidro ou acetato através
de uma lente convexa.
Ao contrário da ‘Câmara Escura’, não é uma paisagem
luminosa que se projecta do exterior para o interior, mas a
fonte luminosa que sai da caixa e vai projectar uma imagem
numa superfície branca. A Lanterna Mágica é também um
antepassado do projector cinematográfico.
HISTÓRIA
A projecção de imagens através de um foco luminoso, foi
descrita pela primeira vez na obra “Ars Magna Lucis et
Umbrae”, do padre jesuíta Athanasius Kircher, em 1643.
Ainda no século XVII, um outro alemão, Johannes Zahn
aperfeiçoou e desenvolveu o modelo do seu antecessor, Esquema da Lanterna Mágica:
chegando a estabelecer o princípio da combinação de um
projector com uma fita desenhada. Este princípio só seria
posto em prática no século XIX por Émile Reynaud com a
invenção do Praxinoscópio de projecção.
MARIONETAS de SOMBRAS
ou SOMBRAS CHINESAS

Para se perceber a génese do cinema tem que se recuar


milhares de anos, pois já é milenar o interesse do homem
pelo acto de representar associado à animação de figuras. É
dada muita importância ao teatro de sombras chinesas,
tanto pela sua divulgação por todo o mundo, como pela
complexidade e grau de perfeição que atingiu. As
figuras podem ser feitas em diversos materiais, desde papel
até couro e são articuladas para permitir mais
movimento. São projectadas numa tela através de uma
fonte de iluminação e manipuladas por trás com o auxílio
de pauzinhos, fios ou arames. A temática incidia
principalmente na religião, a história, a lenda e a sátira e
eram acompanhadas por canções.
HISTÓRIA
Apesar de serem vulgarmente conhecidas por sombras
chinesas, acredita-se que as primeiras apresentações de
silhuetas projectadas sobre uma parede ou uma tela como fazer:
tenham surgido na ilha de Java (Indonésia). As marionetas
de sombras estenderam-se por toda a Ásia, ao Norte de Fazer ou reutilizar uma caixa de cartão
África no sec. XIII e chegaram à Europa no sec XVII. Em que servirá de cenário. No lado posterior
1784 foi criado por F. D. Séraphin um teatro de sombras (virado para o público) deve-se aplicar uma
fixo em Paris no Palais Royal. Actualmente, é na China que tela em tecido ou papel semitransparente.
continua a ter mais divulgação principalmente nas zonas
rurais, por se tratar de uma arte tradicional.

Fazem-se os cenários e as figuras, que podem


ser articuladas com ‘ataches’ para dar mais
movimento. Podem-se manipular, com
varetas ou fios.

Coloca-se um foco de luz atrás da caixa,


projectando a sombra das figuras na tela.

Depois de se criar a história, pode-se


apresentar juntando a voz e até alguma
Banda sonora.

Representação da companhia de teatro de sombras, Shanhua, da cidade de Zaozhuang,


na China
TAUMATRÓPIO
É o brinquedo óptico mais simples e de menor dificuldade
de execução. Consiste num disco com uma imagem
diferente em cada lado, e um cordel em duas extremidades.
O objectivo é sobrepor as imagens como se fosse só uma,
através da rotação do disco. Para isso, enrolam-se os
cordéis e a seguir puxam-se. Enquanto o disco roda as
imagens fundem-se criando a ilusão de ser apenas um
desenho.
HISTÓRIA
A invenção do Taumatrópio teve como objectivo justificar
um fenómeno de ilusão de óptica denominado
persistência retiniana. O seu autor foi o médico e físico
inglês John Ayron (ou Ayrton) Paris. Há algumas dúvidas
quanto à data do invento, que oscila entre 1824 e 1827. como fazer:
No entanto, o Thaumatrope foi descrito pela primeira vez
por este investigador no livro “Philosoohy in Sport made
Science in Earnest” de 1827.
Fazer um desenho numa forma geométrica
(quadrado ou círculo), que se possa dividir
em duas partes, como no exemplo (gaiola e
pássaro).

Decalcar o desenho para o cartão, em


posições invertidas do lado da frente e
no lado oposto.

Durante muito tempo considerou-se que a ilusão de


movimento consistia na sobreposição de imagens na
retina, chamada de persistência retiniana. Estudos Traçar uma linha leve passando pelo centro.
mais recentes indicam que essa ilusão está
relacionada com a excitação das células do córtex Fazer pequenos orifícios próximo das
cerebral pelos estímulos visuais. Foi designado por extremidades para prender o cordel ou
EFEITO PHI (Ф). o elástico
FENACISTISCÓPIO
O Fenacistiscópio (ou Fenachiscópio) consiste em dois
discos concêntricos montados no mesmo eixo. O primeiro
tem umas ranhuras direccionadas para o centro e no
segundo disco estão as imagens com um sentido de
continuidade desenhadas em círculos concêntrico s.
Quando se espreita pelas ranhuras com o disco em
movimento, com as ilustrações voltadas para um espelho
vê-se o reflexo das imagens que parecem mover-se. Sem o
auxílio do espelho a ilusão do movimento das ilustrações já
não acontece.
Neste objecto, apenas um espectador pode observar a ilusão
de movimento. Outros instrumentos desenvolveram um
sentido colectivo para que vários espectadores possam
assistir a um mesmo espectáculo, tal como acontece nas
salas de cinema, desde que surgiu em 1895.

os alunos observam a animação de imagens


num fenacistiscópio gigante, durante uma
visita à Cinemateca Júnior
HISTÓRIA
Em 1831 o físico Inglês Michael Farady escreveu o seguinte texto
a propósito das suas descobertas sobre os efeitos ópticos:
“Obtém-se uma muito curiosa ilusão quando se faz girar uma roda Descrição de Joseph Plateau
dentada diante de um espelho, colocando-nos a uma certa distância
deste e observando a imagem reflectida através dos dentes da roda.
Vê-se então, no espelho, a imagem de uma roda com o mesmo
número de dentes, aparentemente imóvel; enquanto que se olharmos “Cortar, no cartão, um disco dentado de 25 cm de diâmetro, com
directamente para a roda a girar, nem sequer se lhe distinguem os
dentes”. A roda Faraday, tal como foi conhecida na época, foi 16 ranhuras, ou dentes, de 3 a 4mm de largura e dois cm de
desenvolvida pelo belga J. Plateau adaptando-a a um comprimento. De um dos lados traçar linhas, da imagem até ao
brinquedo com a introdução de ilustrações. Em 1833 chamou-lhe
“Phenakitiscope”. A ilusão de movimento que daí resulta é o centro, a partir de cada uma dessas fendas, o que dividirá o disco
princípio do efeito estroboscópico. Simultaneamente na Áustria, em 16 sectores triangulares. Enfiar um arame ou uma agulha
Simon von Stampfer desenvolvia um brinquedo em tudo
semelhante, que designou precisamente de Estroboscópio. grossa no centro do disco de forma a poder-se fazê-lo girar. Se em

cada um desses sectores se desenhar a mesma figura na mesma

posição e se fizer girar o disco com as figuras voltadas para um

espelho e se olhar, através das fendas do disco, a imagem

reflectida, ver-se-á o disco perfeitamente imóvel, como descobriu

Farady, a quem se deve esta primazia. Mas se a figura de cada

sector tiver sido desenhada em sucessivas posições diferentes,

olhando para o espelho, com o disco a girar, através dos

intervalos entre os seus dentes, ver-se-á, então, a figura a mexer

e executar uma pirueta. É uma ilusão de ótica surpreendente.”


ZOOTRÓPIO
O Zootrópio (ou Zoótropo) é o terceiro maior instrumento
óptico e, tal como o Taumatrópio e o Fenacistiscópio,
também se baseou no conceito persistência retiniana para
dar a ilusão de movimento. Consiste num ‘tambor’ com a
face superior aberta, que roda em torno de um eixo. No
interior são colocadas faixas com ilustrações viradas para o
centro. Os espectadores vêem as ilustrações através de
ranhuras situadas na face cilíndrica do tambor à mesma
distância. Quando este roda, é criada a impressão de
movimento através da sucessão de desenhos.
HISTÓRIA
O Zootrópio é baseado no mesmo princípio do
Fenacistiscópio, mas com uma forma cilíndrica. Permite
que várias pessoas vejam ao mesmo tempo a animação de
imagens. O matemático inglês William G. Horner foi o
como fazer:
primeiro a descrever o Zootrópio, chamando-o
“daedaleum” em 1834. Durante três décadas foi votado ao
esquecimento até que em 1867 foi patenteado em
1
Inglaterra por Milton Bradley e na América por William F.
Numa tira comprida, desenhar
Lincoln, que lhe deu o nome de Zoetrope ou “roda da
uma sequência de figuras.
vida”.
A última imagem da sequência
deve estar relacionada com a
primeira, para permitir um
movimento sempre contínuo.

2
Fazer o tambor onde se recortam
umas ranhuras com uma distância igual.
Pode ser feito em cartolina ou
reutilizar-se uma caixa cilíndrica.

3
Na base do tambor deve-se colocar
uma vareta (de madeira ou metal)
presa no centro, para fazer de eixo
e rodar o Zootrópio.
PRAXINOSCÓPIO
Este ‘brinquedo’ começou por ser uma pequena alteração
do anterior Zootrópio. Em vez de se olhar através de
ranhuras colocadas no face cilíndrica, o espectador vê o
movimento das imagens num jogo de espelhos colocado no
interior do objecto. O número de espelhos é igual ao das
ilustrações. Assim, as imagens ficavam mais nítidas, porque
as ranhuras causam um ligeiro desfoque. Isto fez com que o
interesse pelo zootrópio fosse gradualmente diminuindo.
As posteriores alterações passaram pela inclusão de
cenários em miniatura por onde o espectador podia
espreitar e a associação com um projector (Lanterna
Mágica).
HISTÓRIA
Émile Reynaud foi um inventor, artista e também um
‘entretainer’. Em dezembro de 1877 patenteou um
aparelho que baptizou de Praxinoscope. Começou por
produzir comercialmente a sua invenção tendo recebido
uma Menção Honrosa em 1878 na Exposição de Paris. No
ano seguinte criou o Teatro praxinoscópio (v. ilustração ao
lado) e seguiu-se o praxinoscópio de projecção onde, com
o auxílio de um lampascópio, conseguiu projectar
desenhos animados em tiras maiores
que permitiam apresentar histórias
que duravam entre 8 e 15
minutos. Em Dezembro de
1888 patenteou o Teatro
Óptico e, a partir de 1892 fez
um acordo com o Museu
Grévin para apresentar e
explorar comercialmente a
sua invenção. As primeiras
Pantomimas Luminosas
foram: “Pauvre Pierrot”
(com 500 desenhos), “Clown
et ses chiens” (500 desenhos)
e “Un bom boc” (700
desenhos).
FLIP-BOOK e MUTOSCÓPIO
O Flip-Book é um livro de pequenas dimensões com um O Mutoscópio segue o mesmo princípio do Flip-Book,
conjunto de imagens (em desenho ou fotografia) que contendo uma sequência de fotografias, mas estão
variam ligeiramente de página para página. Quando se colocadas ao longo do perímetro de um tambor. Ao fazer
desfolha rapidamente o livro, as imagens criam um efeito rodar este tambor, as páginas sucedem-se permitindo a
de animação, como se se movessem. ilusão de movimento. O Mutoscópio não necessitava de
Tal como outros brinquedos ópticos, baseia-se no princípio uma fonte de iluminação e os espectadores controlavam o
da “persistência retiniana” para dar uma noção de ritmo ao rodar a manivela e podiam também rodar no
movimento. Esta ilusão só funciona se as páginas mudarem sentido inverso vendo a história ao contrário.
muito rapidamente.
O modo mais comum de ‘ler’ um Flip-Book é segurar o livro
numa mão e desfolhar rapidamente (usando o polegar da
outra mão).
HISTÓRIA
O primeiro Flip-Book (inicialmente chamado
“Kineograph”) surgiu em 1868, e foi a primeira forma de
animação de imagens a usar uma sequência linear,
substituindo a sequência circular dos outros instrumentos
ópticos. Os Flip-books tiveram bastante divulgação,
funcionando também como artigos de marketing para
publicitar os mais variados produtos.
Em 1895, Herman Casler patenteou uma forma mais
complexa, montando as fotografias num cilindro rotativo
dentro de uma caixa, por onde o espectador espreitava,
depois de introduzir uma moeda (tal como no cinescópio
de Edison). Este aparelho de diversão foi denominado
“Mutoscópio” e manteve-se muito popular até meados do
século XX. Nos finais deste ano foi instalado um sistema de
espelhos no Mutoscópio permitindo a
projecção de imagens fotográficas
animadas. O resultado foi um novo
instrumento chamado
Biógrafo. Um grupo de
inventores fundou em 27
de Dezembro de 1895 a
American Mutoscope
Company.
da FOTOGRAFIA ao CINEMA
A fotografia foi determinante para o aparecimento do
cinema não só por questões técnicas: a película é o suporte
onde são registadas as imagens e a câmara fotográfica está
na génese da câmara de filmar, mas também por questões
estéticas: a influência dos enquadramentos fotográficos
para a escala de planos, ou ainda questões temáticas: as
vistas dos primeiros filmes de actualidades têm um óbvio
sentido documental.

Ambas tiveram origem no século XIX, a fotografia na


primeira metade e o cinema na última década. A utilização
da câmara escura remonta ao século XVI e o conhecimento
das propriedades do nitrato de prata que escurecia por
acção da luz, foi revelado pelas experiências de Johann
Heinrich Schulze em 1927. Mas foi apenas em 1839 quando
A primeira fotografia conhecida de Niepce. Vista da janela em Le Gras, 1826.
a invenção da fotografia foi oficialmente anunciada pela
Academia de Ciências de Paris, pela acção de François
Arago na Câmara dos Deputados, que os “daguerreótipos”
começaram a ter uma grande divulgação pública. A
“daguerreotipia” consistia num processo fotoquímico de
registo de imagens em chapas de cobre sensibilizadas com
uma camada fina de prata, desenvolvido por Louis Jacques
Mandé Daguerre, um pintor parisiense interessado na
possibilidade de gravar imagens usando a câmara escura
sem recurso a negativos. O trabalho de Daguerre resultou
Joseph Nicéphore Niépce Louis Jacques Mandé Daguerre William Henry Fox Talbot
n. 7 Março 1765 n. 18 Novembro 1787 n. 11 Fevereiro 1800
f. 5 Julho 1833 f. 10 Julho 1851 f. 17 Setembro 1877
de um acordo que tinha feito com Nicéphore Niépce, que depois em papel sensibilizado e por fim a película, cuja
pertencia à burguesia intelectual e se dedicava às invenção pertence ao americano George Eastman em 1889.
experiências científicas. Por isso, é-lhe atribuída a autoria Um ano antes lançava uma revolução na fotografia, a
da primeira fotografia, uma vista da janela da sua casa em máquina Kodak (palavra que se pronuncia praticamente da
Gras de 1826, que teria levado várias horas de exposição à mesma forma em todas as línguas) que podia tirar 100
luz. Depois do acordo entre Niepce e Daguerre em 1829, fotografias, ser devolvida para revelação do rolo e
este aperfeiçoou os estudos de Niepce e introdução de um novo. A máquina
deu o seu nome ao método fotográfico. Kodak custava 25 dólares e as
impressões 10 dólares. Eastman George Eastman
n. 12 Julho 1859
No mesmo ano em que a academia democratizou a fotografia porque a f. 14 Março 1932
francesa anunciou a novidade, outros tornou acessível à maioria dos
inventores reclamaram a paternidade cidadãos. O número de casas de
do invento, conhecendo-se os êxitos do fotografia e de profissionais também
francês Hippolyte Bayard, ou do se multiplicou rapidamente. A partir
brasileiro Hercules Florence. Mas é ao daqui outro desafio se colocava: como
inglês William Fox Talbot que se deve a reproduzir o movimento através da
criação de uma imagem negativa em imagem fotográfica.
papel semitransparente com adição de
cera, que permitia a reprodução
múltipla. Foi também Fox Talbot quem
publicou pela primeira vez um livro
ilustrado com fotografias: Pencil of
Nature.
exposição de daguerreótipos na
Cinemateca Júnior, Lisboa
Com o desenvolvimento das ópticas das câmaras, a
daguerreotipia foi perdendo sucesso porque era demorada
e não permitia cópias. O tempo de exposição também foi
reduzindo passando de algumas horas, para poucos
segundos. As emulsões sofreram igualmente sucessivos
avanços: o calótipo, o colódio húmido e o gelatino-brometo
de prata. Os suportes em negativo passaram a ser em vidro, primeira máquina fotográfica Kodak de Eastman
Simultaneamente, nos Estados Unidos e em França surgem motor de relojoaria e com uma placa sensível que captava
experiências sobre locomoção animal e humana. É curioso 12 imagens, depois de algumas experiências para registar
que Eadweard Muybridge (nascido Edward Muggeridge em graficamente o movimento (que influenciou a pintura ex.
Inglaterra, mas emigrou em 1851 para a América) e Nu descendo uma escada (1912) de Marcel Duchamp e as
Étienne-Jules Marey tenham nascido e falecido nos mesmos pinturas futuristas de Giacomo Balla). Depois da introdução
anos: 1830-1904. O estudo de Muybridge, um famoso da película no mercado, desenvolveu um sistema na sua
fotógrafo paisagista começou, segundo consta, com uma câmara, patenteando o aparelho cronofotográfico em 3 de
aposta com o ex-governador da Califórnia e presidente da Outubro de 1890, conseguindo assim imagens muito mais
Edward Muggeridge
n. 9 Abril 1830 Central Pacific Railroad, para confirmar se em algum nítidas. Muybridge e Marey admiravam-se mutuamente,
f. 8 Maio 1904 momento um cavalo a trote colocava as quatro patas trocaram correspondência em 1879 e encontraram-se em
simultaneamente no ar. Depois de em 1873 conceber um França em 1881.
sistema de obturação bastante rápido, desenvolveu uma
experiência em 1878, colocando doze máquinas Em 1988 Louis Le Prince registou uma sequência de
fotográficas ligadas a fios e em que as objectivas eram fotografias da ponte de Leeds, Inglaterra, usando uma
abertas co 1/2000 de segundo assim que o cavalo passava máquina de grandes dimensões. Pouco mais se sabe das
em frente das câmaras quebrando o fio. Depois desta suas experiências, porque desapareceu numa viagem de
experiência continuou a registar a locomoção de figuras comboio em 16 de Setembro
animais e humanas em diferentes poses e acções. A partir de 1890, entre Dijon e Paris.
de 1880 ensinou nos Estados Unidos e Europa Le Prince e o pioneiro inglês
Étienne-Jules Marey apresentando os seus resultados em imagens animadas William Friese-Greene terão
n. 5 Março 1830 usando o seu projector Zoopraxinoscópio. Muybridge viria a sido os primeiros a conceber
f. 21 Maio 1904
publicar as suas sequências fotográficas nos livros Animals câmaras que utilizavam
in Motion (1899) e The human figure in Motion (1901). película.
Antes disso já circulavam algumas destas sequências em
tiras zootrópicas na imprensa, que chamaram a atenção do
fisiologista Étienne-Jules Marey, que veio a descobrir o
trabalho de Muybridge na revista Nature de 14 de
Dezembro de 1878. Marey que também tinha publicado
artigos na mesma revista, também se interessou pelo
revólver astronómico do astrónomo Pierre-Jules-César Máquina fotográfica de Le Prince
Janssen. Criou então a espingarda fotográfica com um com rolos fotográficos de papel
Louis Aimé Augustin Le Prince
n. 28 Agosto 1842
16 Setembro 1890 (desapareceu no
Expresso Dijon-Paris)
Em 1889, Edison na sua viagem à Europa tomou
conhecimento do método cronofotográfico de Marey.
Edison preferia a reprodução do movimento a partir de um
cilindro contendo as imagens, tal como experimentara com
o som, mas foi William Dickson que desenvolveu o projecto
do Quinetoscópio que continha um filme numa película
com cerca de 15 metros de comprimento e com 4 espingarda fotográfica de Marey
perfurações de cada lado dos fotogramas de 35mm.

Fotografia de Marey da
trajectória do movimento de
uma pessoa a correr, ilustrando
o seu método gráfico.

Os estudos de Marey foram


aplicados nas artes plásticas,
com a interpretação de Marcel
Duchamp em “Nu descendant un
escalier » (1912)
Um dos exemplos de fotografias sequenciais de Muybridge do cavalo em corrida
e aplicação dos mesmos princípios recentemente no filme Matrix (efeito bullet time)
PIONEIROS
pioneiros

Thomas Alva Edison


É considerado um dos maiores inventores de sempre, A projecção de imagens em movimento era uma
sendo-lhe atribuídas mais de 1300 patentes. Edison será das suas áreas de interesse, que se acentuou em
mais conhecido por invenções como a lâmpada eléctrica Fevereiro de 1888 com a visita do fotógrafo
incandescente ou o fonógrafo (antecessor do gira- Eadweard Muybridge ao seu laboratório de West
Orange. Edison pretendia um instrumento que
discos), mas a sua actividade era muito mais vasta. As
“estivesse para o olho tal como o fonógrafo estava
invenções do “feiticeiro de Menlo Park”, como era para o ouvido”. Em Junho de 1889 contratou
conhecido, alteraram os hábitos de vida em todo o William Dickson, que desenvolveu o Cinetoscópio
mundo e contribuíram definitivamente para a (Kinetoscope – do grego “kineto” = movimento, e
implementação da tecnologia na sociedade. “scopos” = ver), um instrumento que permitia o
Nasceu em: Milan, Ohio, EUA em 11 de Fevereiro de 1847 visionamento individual de imagens em
Faleceu em: West Orange, EUA em 18 de Outubro de 1931
movimento através de um orifício. Os filmes eram
feitos em película de 35 mm adquirida à Eastman
Company usando o Cinetógrafo (Kinetograph). Em
1892 foi construído um estúdio em West Orange
que se movia de acordo com a deslocação do sol e
continha um telhado amovível para possibilitar a
entrada da luz. O primeiro estúdio chamava-se
Black Maria.

A primeira sala com Cinetoscópios (Kinetoscope


parlor) foi inaugurada em 14 de Abril de 1894 em
Nova Iorque, pouco depois de ter sido criado o
Kinetograph Department da Edison Manufacturing
Company.

Após o sucesso dos irmãos Lumière, o Cinetógrafo


tinha os dias contados e Edison sentiu necessidade
de investir nos projectores para um público.
Aproveitou o desentendimento dos inventores do competição desregulada. De fora desta associação Estava assim criado o chamado sistema, que
Phantascope, C. Francis Jenkins e Thomas Armat, ficou uma outra empresa, a Biograph de Dickson, incluía todo o processo cinematográfico desde a
adquriu os direitos de produção deste aparelho e que também formou um grupo rival de produção até à exibição final – começava com o
rebaptizou-o com o nome de Vitascope. A licenciamento de patentes. Da confusão que se fabrico da película da Eastman Kodak Company e
primeira projecção do Vitascope foi em 23 de Abril seguiu, resultou um acordo em 18 de Dezembro, terminava nas salas de projecção. Todos os passos
de 1896 na Koster and Bial’s Music Hall em Nova donde surgiu a Motion Picture Patents Company, eram controlados pela MPPC. No entanto, a
Iorque, já depois de William Dickson ter mais conhecida como “the Trust”, porque passou a Biograph deslocou-se para uma pequena vila
abandonado a companhia. monopolizar o mercado próximo de Los Angeles, Califórnia – Hollywood, e
de cinema americano. em 1913 outras lhe seguiram para escapar ao
Com a proliferação das companhias cerco imposto pela Edison Company. A ascensão
cinematográficas na costa leste dos EUA, a Edison de Hollywood correspondeu ao declínio da
Company criou em 1 de Março de 1908 a produção cinematográfica de Edison.
Association of Edison Licensees,
para trazer alguma ordem à

Black Maria laboratórios de West Orange, New Jersey


pioneiros

William Kennedy Laurie Dickson


William Dickson começou a trabalhar para Thomas Quando John Carbutt apresentou as tiras de
Edison em 1883 e cinco anos mais tarde foi encarregue de película de celulóide com emulsão fotográfica,
desenvolver um projecto de fotografias animadas. As depois desenvolvidas pela Eastman Company,
primeiras experiências com o Cinetógrafo (a câmara de Dickson adquiriu largas quantidades e iniciou os
estudos para um mecanismo onde a película com
filmar de Edison) eram baseadas no método do cilindro
perfurações nos dois lados se deslocava na
fonográfico em que as imagens eram dispostas numa horizontal expondo as imagens. Este dispositivo
sequência em espiral. Ao rodar o cilindro deveria surgir a que chamou Cinetoscópio permitia o
ilusão de movimento tal como acontecia com o som visionamento dos filmes através de um orifício,
gravado. Estes fotogramas seriam visionados por umas depois de introduzir uma moeda de 25 cêntimos.
Nasceu em: Minihic-sur-Rance, França lentes microfotográficas, e ficaram conhecidas por O primeiro protótipo foi apresentado em 20 de
3 de Agosto de 1860
“Monkeyshines”. Os resultados não foram muito Maio de 1891 numa convenção da Federação
Faleceu em: Twickenham, Inglaterra
20 de Setembro de 1935 animadores devido à falta de definição das imagens. Nacional dos Clubes Femininos (a patente do
Cinetógrafo e do Cinetoscópio foi registada em 24
de Agosto), e concluiu o sistema no ano seguinte.
A versão final foi apresentada oficialmente em 9
de Maio de 1893 no Instituto de Artes e Ciências
de Brooklin.

Para a realização dos filmes era necessário


construir um estúdio próximo dos laboratórios em
West Orange. Assim surgiu o “Black Maria”, o
primeiro estúdio cinematográfico, onde foram
convidados a actuar os artistas que se
encontravam em Nova Iorque. Foi também nesta
altura que se iniciaram as primeiras experiências
de sincronização da imagem com o som.
alguns dos primeiros filmes da Edison Co. Palavras-chave
visionados no cinetoscópio, filmados no
estúdio de West Orange e no exterior Cinetoscópio
Kinetoscope Parlour (14 de Abril, 1894, N.Y.)
Vitascope (23 de Abril, 1896)
FILMES EXPERIMENTAIS
Estúdio: Black Maria
1894-95 Cenários neutros
Dickson Experimental Sound Film Câmara fixa
1894 O Trust
Corbett and Courtney before the
Kinetograph

A partir de Abril de 1894, começaram alguns PERSONAGENS DO OESTE


desentendimentos entre Dickson e Edison AMERICANO
inicialmente com a contratação de William E. 1894
Gilmore para gerente das empresas e depois com Annie Oakley
a recusa de Edison em apostar no estudo de um 1894
projector em detrimento do método do visor Buffalo Dance
individual. Paralelamente aos estudos com o
Cinescópio de Edison, começou a trabalhar com A DANÇA
Henry Norton Marvin e Herman Casler num
sistema alternativo. Depois de ser acusado de falta 1894
de lealdade, Dickson abandonou a Edison Annabelle Butterfly Danse
Company a 2 de Abril de 1895. Em 27 de 1895
Annabelle Serpentine Danse
Dezembro fundou a American Mutoscope and
Biograph Company, com Marvin, Casler e Elias 1889-90 Monkeyshines
Hoopman. Esta companhia desenvolveu um O BEIJO
dispositivo que consistia num sistema de espelhos
adaptado a um mutoscópio, e que estava ainda 1894
ligado a um projector que chamaram Biograph. The John Rice / May Irwin Kiss
Mais tarde aderiram à realização de filmes em 1900
película. A Biograph (como era conhecida) tornou- The Kiss
se numa das principais rivais da Edison.
A ACÇÃO DOS BOMBEIROS
Em 1897 Dickson deslocou-se a Londres para
1894 Fire Rescue Scene
formar a filial British Mutoscope and Biograph 1896 Going to the Fire
Company. A partir de 1903 abandonou o cinema e 1899 Firemen rescuing men and
estabeleceu-se como engenheiro eléctrico. Women
AS ACTUALIDADES

1896
American Falls from above
American Slide
1896
Mess Call
pioneiros

Edwin Stanton Porter


Apesar de não ser o mais famoso, é Antes de se juntar à Edison Manufacturing
provavelmente o realizador mais influente do Company em 1899, Porter destacou-se pela sua
‘primeiro cinema’. Além de contribuir para a criatividade na invenção de dispositivos eléctricos
divulgação dos filmes que vinham da Europa, que contribuíram para melhorar os sistemas de
comunicação tendo trabalhado em várias
procurou dar um novo rumo ao cinema,
empresas, como a William Cramp & Sons e a
abrindo o caminho para a ‘entrada em cena’ United States Navy. Além disso, também se
de D. W. Griffith. dedicou à projecção cinematográfica, tendo
contribuído para a primeira sessão pública em
Nova Iorque, a 23 de Abril de 1896, na sala do
Nasceu em: Connellsville, Pennsylvania, EUA Koster e Bial‟s Music Hall. Assim que foi
21 de Abril de 1870 contratado para a empresa de Edison, assumiu
Faleceu em: Nova Iorque, EUA
30 de Abril de 1941 imediatamente a responsabilidade de dirigir a
Faleceu em: Nova Iorque, EUA produção de filmes da companhia nos estúdios de
30 de Abril de 1941 Nova Iorque.

“The Great Train Robbery” (O Grande Assalto ao


Comboio) de 1903 foi o filme americano mais visto
desta década, apenas superado pelos filmes
franceses dos irmãos Lumière e de Méliès. Este
filme foi apresentado na inauguração da maioria
dos „Nickel Odeons‟, o que contribuiu para a
sobrevivência da indústria cinematográfica norte-
americana devido ao seu sucesso. Apesar de seguir
a temática de filmes de perseguição comuns da
época em que as acções de desenvolvem em
planos de conjunto sucessivos, introduz algumas
estreia de David Griffith
como actor em “Rescued inovações como a utilização do corte como um
from na Eagle’s Nest” recurso essencial da linguagem cinematográfica, a
Palavras-chave
No filme “O grande assalto ao comboio”, o Montagem
actor George Barnes disparava em direcção ao Escala de planos
espectador, num plano que podia ser colocado Cenários (interior e exterior)
em qualquer parte da narrativa (pois pertencia
Tempo fílmico
a uma outra bobine). O mesmo plano
aproximado voltaria a ser usado em outros Espaço fílmico
filmes mais recentes, como este em que Intertítulos
Robert de Niro é o taxista em “Taxi Driver” Profundidade de campo
(1976) de Martin Scorcese. Género cinematográfico - Western
famosa cena da saia
de Marilyn Monroe em
“O Pecado mora ao lado”
(1955) realizado por Billy Wilder
para ver:

alteração do ponto de vista, a profundidade de What Happened on What Happened


campo, ou a estranha utilização de um plano 23th Street, N.Y. 1901 in the Tunnel 1903 The Gay Shoe Clerck 1903
médio final já fora da narrativa, onde um dos
bandidos dispara na direcção do público. Depois
de abandonar a companhia de Edison em 1909,
desinteressou-se pela realização e, apesar de ainda
ter desempenhado essas funções na Famous
Players Film Co., voltou a dedicar-se à projecção e
construção de câmaras e projectores. Porter
permanece uma figura enigmática da história do
cinema. The Life of an
American Fireman 1903 The Great Train Robbery 1903 cartaz do filme
Embora a sua importância como realizador de
alguns filmes inovadores dos primórdios do
cinema seja inegável, ele raramente repetiu as
mesmas invenções que resultaram com sucesso,
nunca tendo desenvolvido um estilo de realização
consistente e, já depois de ter abandonado esta
actividade, nunca protestou com os que
posteriormente redescobriram as suas técnicas e
as consideravam como sendo da sua autoria. Rescued from an
Porter era modesto, cuidadoso e tímido, e não se Uncle Tom’s Cabin 1903 Eagle’s Nest 1908
sentia muito à-vontade como director de actores
das vedetas que participaram nos seus filmes a
partir de 1912. Efectivamente, estava mais
vocacionado para controlar as máquinas do que as
pessoas.
pioneiros

Auguste e Louis Lumière


No princípio de 1895, os irmãos Lumière Sociedade para a Promoção da Indústria e, em 10
inventaram uma máquina que simultaneamente de Junho, em Lyon, num congresso de fotógrafos,
para apresentação da nova máquina.
filmava, copiava e projectava. Por influência do
pai Antoine, esteve para se chamar “Domitor”, Além da novidade das imagens em movimento, o
mas em 13 de Fevereiro foi patenteada com o sucesso das primeiras projecções também resultou
nome de Cinematographe/Cinematógrafo. É por das qualidades técnicas e artísticas de Louis
isso que chamamos “cinema” à projecção de Lumière, nomeadamente o seu sentido de
composição e de enquadramento. A temática dos
imagens em movimento para um público. primeiros filmes era essencialmente de situações
Auguste Marie Louis Nicholas Lumière do quotidiano, ou vistas dos locais visitados pelos
Nasceu em: Besançon, 19 de Outubro de 1862
Faleceu em: Lyon, 10 de Abril de 1954 Lumière e pelos seus operadores de câmera. Estes
Louis Jean Lumière filmes de actualidades eram feitos apenas num
Nasceu em: Besançon, 5 de Outubro de 1864 ‘take’ (em que a máquina filmava desde que
Faleceu em:Bandol, de Junho de 1948
começava o rolo até a película chegar ao fim), ou
Em 28 de Dezembro de 1895 foi efectuada a seja, não havia ainda a ideia de montagem que
primeira exibição pública de cinema. Foi em depois iria permitir contar histórias mais
Boulevard des Capucines, Paris, no Grand demoradas e complexas.
Café, que os irmãos Lumière apresentaram
um programa de 25 minutos com 10 filmes. Na primeira sessão dos irmãos Lumière, só se
venderam 33 bilhetes (pelo preço de 1 franco).
O primeiro filme projectado durava menos de um Apenas dois meses depois, vendiam-se cerca de
minuto e chamava-se “A Saída dos Operários da 2000 bilhetes por dia. Os filmes Lumière eram
Fábrica Lumière” (filmado em 19 de Março). No mostrados em teatros adquiridos para o efeito.
entanto, este filme já tinha sido projectado em 22 Nos primeiros meses de 1896 já se projectava em
de Março desse ano, no nº 44 da Rue de Rennes, Londres, Bruxelas, Nova Iorque, Bombaim, Buenos
em Paris, num encontro de industriais da Aires ou Osaka.
Palavras-chave
Cinematógrafo
28 de Dezembro de 1895
(Salon Indien, Grand Café no Boulevard des Capucines, 14, Paris)
“Saída dos Operários da Fábrica Lumière”
Fotografias em movimento – revolução técnica e científica
na projecção de imagens
Filmes de 1 take (sem montagem)
Documentários (“vistas de locais ou acontecimentos”)
Filmagem no exterior
Louis achava, no entanto, que Câmara fixa (esporadicamente surgem travellings)
o cinema era uma invenção Enquadramentos abertos (predominam os planos de conjunto)
sem futuro. Expansão do cinema

1895 1895 1895 1895


La sortie de l’Usine Lumière Repas de bébé L’arroseur arrosé Partie de cartes

1896 1896 1896 1896


Lárrivée d’un Train en Gare à la Ciotat Champs-Élysées Démolition d’un mur Arrivée à Lyon

Lista de filmes da primeira sessão


La sortie de l’Usine Lumière
La voltige
La pêche aux poissons rouges
Le débarquement du Congrés de Photographie à Lyon
Les Forgerons
Le jardiner (L’arroseur)
Le repas (de bebé)
1896 1896 1897 Le saut à la couverture
Arrivée en Gondole à Venice Entrée du Cinématographe Les pyramides (vue générale) La Place dês Cordeliers à Lyon
La Mer (Baignade en mer)
pioneiros

Georges Méliès
Além de ser um dos primeiros realizadores da Méliès foi produtor, operador de câmara, autor e
história do cinema, Méliès notabilizou-se realizador dos seus filmes, e muitas vezes aparecia
pelo carácter inovador dos seus filmes, onde como actor principal. Antes de se dedicar ao
introduziu os efeitos especiais através de cinema, fazia exibições de magia no teatro Robert-
Houdin. Encontrava-se entre os primeiros espectadores
múltiplas exposições da película.
das sessões dos irmãos Lumiére no Grand Café,
tendo ficado fascinado pelo cinematógrafo, o que
o levou a instalar em 1897 um estúdio no quintal
da sua casa em Montreuil (num pavilhão
envidraçado).
Nasceu em:
Paris, 8 de Dezembro de 1861 Entre 1896 e 1914 realizou 531 filmes (com a
Faleceu em:
Paris, 21 de Janeiro de 1938 duração de 1 até 40 minutos). Estes filmes
caracterizavam-se por se aproximarem das ilusões
do teatro de magia, onde os objectos e as pessoas
apareciam ou desapareciam e mudavam de
dimensões. Criava histórias ficcionadas com o
recurso à montagem, onde as personagens
actuavam geralmente à frente de cenários
pintados. A película também era colorida à mão.
Palavras-chave
Videoclip do grupo Smashing Pumpkins Ficção
“Tonight Tonight” Magia
Este é apenas um dos exemplos de como os
Película colorida
filmes de Méliès continuam a influenciar
artistas e realizadores
Cinema e teatro
Filmagem em estúdio
Câmara fixa
Montagem em sequência

As influências do escritor Julio Verne estão para ver:


patentes no seu filme mais conhecido: “A Viagem
à Lua” de 1902, em que uma nave aterra no ‘olho
da face da lua’. Neste filme assiste--se à
introdução da ficção científica como tema ou
Escamotage d’une dame
género em cinema, mas também é possível
observar uma escala de planos ao serviço da Une Partie de cartes 1896 chez Robert-Houdin 1896 L’Homme orchestre 1900
narrativa. Foram feitas centenas de cópias de “Le
Voyage Dans la Lune” por agentes de Thomas
Edison exibidas em Nova Iorque sem que Méliès
recebesse qualquer compensação.

A partir de 1913 começaram a surgir problemas


económicos, tendo levado a sua companhia à
bancarrota. Méliès chegou a vender brinquedos
numa banca da estação de Montparnasse e a
Sociedade de Cinema instalou-o numa casa em
Chateau D’Orly. O seu trabalho voltou a ser
reconhecido mais tarde, tendo vindo a ser Le Voyage de la famille
galardoado com a Legião de Honra. Le Voyage dans la lune 1902 Le Chaudron infernal 1903 Bourrichon 1913

fotografia de Méliès na sua pequena loja na estação de


comboios de Montparnasse, em Paris
pioneiros

pioneiros ingleses
James Bamforth
Os pioneiros no cinema inglês estão ligados aos primeiros ensaios do cinema James Bamforth fundou em
1870, em Holmfirth,
mundial ainda antes das projecções dos irmãos Lumière. Yorkshire, uma empresa
São disso exemplo as experiências com película de William Friese-Greene que se dedicava à
em Londres, ou a câmara com filme de 35 mm de Robert W. Paul e construção de placas
Birt Acres em Fevereiro do 1895. fotográficas para lanternas
Os filmes do primeiro cinema nas ilhas britânicas mostram que mágicas e postais
ilustrados. Na transição do
alguns temas são comuns em vários países, e que o cinema século, iniciou uma pequena actividade de
já circulava no mundo ocidental. Mas, foi sobretudo na produção de filmes, na sua maioria remakes de
região de Brighton e Hove, no sul de Inglaterra, que outros filmes ou de actualidades. Depois de algum
surgiu o maior foco de inovação desta época. Os sucesso com a série Winky, a Bamforth and Co.
assuntos e modos de filmar de Williamson e deixou de produzir durante a primeira grande
guerra.
Smith foram seguidos por realizadores de
outros locais e ajudaram a criar novas
técnicas narrativas, desenvolvendo para visionar
a arte cinematográfica. The kiss in the tunnel 1899

YYYooorrrkkkssshhhiiirrreee

The bitter bit


Londres 1900 Comparar com os
filmes dos Lumiére:
Hove/Brighton “Arrivée d’un train à la Ciotat”
e “L’arroseur arrosé”
Palavras-chave
Escala de planos
Planos de pormenor

os fotógrafos de Brighton Passeio Fantasma


Avanço de foco (desfocar)

James Williamson George Albert Smith


Amigo e vizinho de Smith, Foi um dos pioneiros
J. Williamson James tinha britânicos mais inventivos e
uma farmácia e um contribui decisivamente para
negócio de fotografia em o desenvolvimento do
Hove, junto a Brighton. primeiro cinema. G. A.
Começou também com Smith procedeu a diversas
filmes de actua-lidades experiências nos seus
locais e depois dedicou-se filmes, inovando a forma de
às comédias. Nos seus filmes seguintes “Ataque a contar as histórias, usando os planos aproximados,
uma Missão chinesa” de 1900 e, sobretudo, “Fire / o desfoque e outros truques. As mudanças do
Fogo” de 1901, revelam alguma originalidade no ponto de vista com a alteração da posição da
desenvolvimento da montagem narrativa. câmara, fizeram com que o cinema se começasse a
afastar dos enquadramentos teatrais que outros
realizadores da época ainda usavam.

para visionar para visionar

Fire 1901 The kiss in the tunnel 1899 Grandma’s reading Glass 1900

Let me dream again 1900 As seen through a Telescope 1900


Comparar com o Comparar com os
filme de Edwin Porter: filmes de Edwin Porter:
“The life of na American “What Happened in the
Fireman” Tunnel” e
“The Gay Shoe Clerck”
pioneiros

os irmãos Skladanowsky
Foi no Wintergarten em Berlim, situado na Martin Max e o irmão Emil acompanhavam o seu pai Carl em
Luther Strasse, que se realizaram as primeiras espectáculos itinerantes de instrumentos ópticos,
projecções de cinema para um público pagante. A 1 de principalmente com Lanternas Mágicas. Este interesse
Fevereiro de 1907, o jornal alemão Der Komet atribuiu pela projecção de imagens levou a que estudassem a
possibilidade de animar fotografias e no verão de 1892
a invenção do cinema a Max Skladanowsky iniciando
desenvolveram uma máquina de filmar e projectar
uma polémica com os jornalistas franceses sobre a utilizando a nova película de celulóide Kodak
data do seu início. inventada por Eastman. O Bioscópio (Bioskop) é um
Max Skladanowsky
Nasceu em: Berlim, 30 de Abril de 1863 dispositivo de projecção desenvolvido a partir das
Faleceu em: Berlim, 30 de Novembro de 1939 lanternas mágicas de dupla lente (biunial).
Skladanowsky utilizava duas tiras de película (de
54mm de largura), projectando alternadamente 16
fotogramas por segundo.
Em 1 de Novembro de 1895 (cerca de dois meses
antes dos irmãos Lumière) conseguiram finalmente
apresentar os primeiros filmes em Berlim
Wintergarten. Esta apresentação, que não durou mais
do que 15 minutos e que era composta por apenas 8
pequenos filmes, foi entusiasticamente recebida,
como foi descrito por um jornal local. Um mês depois,
em 21 de Dezembro, iniciaram-se as projecções em
Hamburgo e foi realizado um contrato para a sua
apresentação em Folies Bergere, Paris em Janeiro. Este
não se concretizou devido ao recente sucesso dos
irmãos Lumière, que em 28 de Dezembro de 1895
Eugen e Max fizeram a sua primeira apresentação pública do
Skladanowsky Cinematógrafo, um projector com um sistema mais
Palavras-chave
Para ver:
Bioscópio (projector de dupla lente)
1 de Novembro de 1895
(Berlin Wintergarten, Martin Luther Strasse)

simples do que o Bioscópio. Supõe-se que também


teria sido acordado e não concretizado um show em
Leicester Square, Londres, no Empire Theatre.
Restava a Max e Emil a divulgação do seu projector na
Alemanha e países vizinhos (Noruega, Suécia, Holanda
e Dinamarca). A última apresentação dos filmes dos
irmãos Skladanowsky foi em 30 de Março de 1897 em
Stettin, Alemanha, porque foi cancelada a licença de
Max para projectar filmes. Dedicou-se então à Truque de luz / Die Gerbrüder Skladonowsky
Documentário de Wim Wenders com os
produção e venda de flip-books, câmaras de filmar e
estudantes da HFF, sobre os irmãos
de projectar e ao estudo da fotografia a três Skladanowsky, pioneiros do cinema mudo.
dimensões. Criou a
companhia Projektion fur
Alle (projecção para todos)
destinada à projecção e
distribuição de lanternas
mágicas com diapositivos em para reflectir: Lista de filmes (selecção)
3D. A companhia também
Se os Skladanowsky 1895
produziu alguns filmes . Lutte
realizados por Eugen em projectaram filmes antes . Serpentinen Tanz
1913-14, mas que não dos Lumiére, por que razão . Das Boxende Känguruh
obtiveram grande sucesso. é atribuído o início do
1896
Max voltou a usar cinema aos franceses? . Unter den Linden
o Bioscópio nas . Akrobatisches Potpourri
Porque decidiram chamar . Alarm der Feuerwehr
comemorações do 40º
aniversário do cinema em “Bioscópio” à sua máquina 1897
Postdam, no Filmuseum. de projectar? . Eine Moderne Jungfrau von Orleans
DESENVOLVIMENTO
do CINEMA

Os estúdios e Hollywood exemplo mais significativo) e os filmes de perseguição


(chase films). Nota-se já uma pequena preocupação com
Depois do interesse inicial pelas projecções de a escolha e organização dos planos para que a trucagem
imagens em movimento, o sucesso dos primeiros tivesse o efeito de surpresa esperado ou para que se
filmes deveu-se sobretudo à sua exibição nos criasse alguma continuidade nas pequenas narrativas.
vaudeviles, que no final do século XIX era a forma
mais popular de diversão da população dos bairros Além dos espectáculos de vaudevile nos grandes centros
operários. Na primeira década do cinema eram urbanos, o cinema também teve alguma divulgação
sobretudo os filmes de actualidades ou os devido à acção de exibidores itinerantes. A acção destes
pequenos gags que atraíam a atenção do público. showmen era muito importante porque também
Entre os filmes de ficção que divertiam o povo, participavam como comentadores ou narradores,
estavam os trick films (de que Méliès foi o contribuindo para o sucesso, ou não, do programa.
cartaz, 1899.
Os espectáculos de vaudeville foram muito populares nos EUA no final do século XIX e primeiras décadas do século XX.
Incluíam vários géneros de variedades, desde as acrobacias até ao teatro popular de apenas um acto.
Nesta época em que o cinema dava os primeiros passos Novembro na Smithfield Street, Pittsburgh, um grande
estes elementos foram fundamentais, juntando-se a centro industrial. Funcionava 8 horas por dia sem
utilização da música que acompanhava as projecções. Só interrupções até à meia-noite e as projecções eram
mais tarde, em 1903 com o filme “Uncle’s Tom Cabin” de acompanhadas por um pianista. Da variedade de filmes
Edwin Porter se começaram a usar os intertítulos como apresentados, constava “The Great Train Robbery” (1903),
complemento das imagens, apesar de muitos dos de Edwin Porter, o maior sucesso de bilheteira da época. O
espectadores serem analfabetos. nome destas salas, derivava do facto de na entrada ser
cobrado um nickel (cinco cêntimos).

A existência de salas de cinema com exibições permanentes


deu um grande impulso económico a esta actividade,
O primeiro programa de Film
enriquecendo os exibidores e possibilitando o nascimento
d’Art foi apresentado em 17 de
de uma nova actividade com carácter industrial, composta
Novembro de 1908 em Paris e
por produtores, distribuidores e exibidores. À sua volta
contava com os filmes “O
floresceram outras, como os fabricantes de películas, os
Segredo de Myrto”, “A
actores, os estúdios e os técnicos que lhes estavam
associados. Impressão” e “O Assassinato
os irmãos Warner: Harry, Jack, Sam e Albert
do Duque de Guise”
No entanto, as gentes do teatro, da
Em meados de 1904 Harry Warner, e os literatura e da música erudita, olhavam
seus irmãos adquiriram o teatro com desconfiança para o novo
Cascade na Pensilvânia. Nos finais de fenómeno de massas, frequentado
1905, nos Estados Unidos, começaram sobretudo pelo proletariado,
a surgir os “Nickelodeons”, as primeiras espiritualmente e culturalmente pouco
salas de cinema, resultando da evoluído. A partir do momento em que
adaptação de armazéns para se o cinema se começou a tornar num
poderem assistir a projecções de filmes sério concorrente, roubando público
e que vieram substituir os pequenos das salas, começaram a surgir alguns
Penny Arcades. O primeiro foi filmes com outras pretensões
inaugurado por Harry Davies e o seu artísticas. Os chamados Films d’art, que
cunhado John P. Harris, em 6 de surgiram sobretudo em França,
interior do primeiro Nickelodeon cartaz do filme “L’assassinat du duc de Guise”
realizado por André Calmettes em 1908 e com
música original do compositor Saint-Saëns
Em 4 de Maio de 1897 em Paris, levaram para o cinema todo um modo de representação a forma como o cinema se foi desenvolvendo. Foi possível
aconteceu a primeira grande teatral, excessivamente maneirista e de tal forma recuperar alguns dos filmes porque com as guerras de
tragédia ligada ao cinema. A nata da exagerado, que o seu sucesso foi muito breve e patentes e direitos de autor, começaram a ser feitas cópias
sociedade parisiense assistia a uma
rapidamente se percebeu que o cinema tinha que criar as dos fotogramas em papel, um suporte mais duradouro e
sessão do cinematógrafo num Bazar
suas próprias regras. cujas cópias ficaram guardadas durante décadas em cofres.
de Caridade, na rua Jean-Goujon,
Só a partir de 1940 se começaram a estudar esses paper
quando deflagrou um incêndio
provocado pela lâmpada do
Estes acontecimentos permitiram a adesão de uma classe prints descobertos na Biblioteca do Congresso onde tinham
projector. Após a explosão da
média mais culta e como consequência, uma mudança na sido registados, e se iniciou a transferência novamente para
película, o fogo alastrou a todo o narrativa e estética dos filmes. Lentamente foram surgindo película.
edifício, pelas paredes e tecto de os primeiros sinais da construção de uma linguagem
madeira e pela tela do ecrã. cinematográfica: a montagem paralela e alternada, a escala A recuperação desses milhares de rolos permitiu confirmar
Morreram 121, sobretudo senhoras de planos e também os temas abordados, mais familiares, que a maioria dos filmes das duas primeiras décadas do
(110) transformadas num instante educativos e sérios para as salas frequentadas pelos cinema (até 1912) se dividia entre filmes de ficção, com
em tochas humanas. O cinema foi cidadãos mais respeitáveis e os temas mais vulgares para as predominância das narrativas cómicas em relação às
considerado uma obra diabólica, por classes operárias na sua grande maioria analfabetas. Por dramáticas, e as actualidades, onde também havia as
ser uma conquista científica que isso, a criação de heróis os melodramas e o surgimento de chamadas “actualidades reconstruídas”. Nestes casos
ousava desafiar Deus. alguns valores no cinema, como a honestidade e o faziam-se as reconstituições em estúdio de
trabalho que resultavam em histórias com finais acontecimentos onde tinha sido impossível estar
felizes, tinham como objectivo aceder a tipos presente. Seriam provavelmente a origem dos
de público mais educado ou mesmo instruir documentários dramáticos.
os restantes.
Enquanto alguns pioneiros do cinema não
O interesse do público cada vez mais acreditavam no seu futuro e abandonaram essa
numeroso nos dois lados do Atlântico, actividade, outros e principalmente alguns
provocou o desenvolvimento de homens de negócios que se tornaram nos
experiências na forma de contar primeiros industriais profetizavam um grande
histórias. Apesar de muitos dos filmes sucesso. Thomas Edison nos Estados Unidos e
deste período se terem perdido devido à Charles Pathé em França, adivinhavam um papel
fragilidade da película por acção dos determinante do cinema na sociedade, e a sua
compostos químicos, chegaram até hoje influência como meio de comunicação e no ensino.
alguns bons exemplos que testemunham Estes visionários vinham sobretudo do meio

paper-print de um filme de Méliès


industrial, artístico ou comerciantes ligados à fotografia, O crescimento da actividade cinematográfica na América e
teatro ou artigos ópticos, mas alguns também surgiam de a convicção no futuro do cinema provocou guerras de
outras áreas. Em 1897 em Inglaterra, os fotógrafos James patentes. Lentamente foram surgindo produtoras e
Williamson e George Albert Smith começaram a realizar os distribuidoras e a competição tornou-se inevitável. William
seus filmes e Robert Paul fundava a Paul Animatograph Dickson depois da desavença com Edison criou ainda em
Company. Neste mesmo ano Léon Gaumont adquiria a 1895 a concorrente American Mutoscope & Biograph
Comptoir Générale de Photography, que produzia câmaras Company. Dois anos depois, Stuart Blackton e Albert Smith,
e projectores de excelente qualidade, tal como se iniciava outros dissidentes de Edison, fundaram a Vitagraph
na produção de filmes. Charles e Emile Pathé em Paris Company. É neste ano que Edison aproveita a dissolução
fundavam a sua companhia investindo 1 milhão de francos. das actividades da International Film Company de Charles
No espaço de uma década, a Pathé tornava-se o maior Webster e Edward Kuhn, onde também se juntara Edwin
produtor mundial e abria escritórios na América, Rússia, Porter e apodera-se do seu sistema de projecção,
Polónia, Holanda, Hungria, Alemanha, Índia, Itália, Espanha, registando a patente do Vitascope. Em 1908, o número de O Trust era constituído pelas
e muitos outros locais. produtoras e distribuidoras já tinha ultrapassado a centena companhias Edison, Biograph,
e as salas já se contavam aos milhares. Edison tentou Vitagraph, Essenay, Selig,
monopolizar toda a actividade cinematográfica registando, Lubin, Kalem, o distribuidor
não a película cuja invenção pertencia a Eastman, Kleine e os importadores
mas a perfuração dos rolos de 35mm que todos franceses Pathé e Méliès.
os estúdios usavam. Associou-se a outras
companhias e formou nesse ano a Motion
Picture Patents Company (MPPC) conhecida
como Trust, que empreendeu uma
autêntica guerra de mercado
contra as companhias
independentes, lideradas por
Carl Laemmle. Para fugir ao
monopólio da MPPC, estas
companhias compravam a
película francesa mais barata
fabricada pela Pathé.

projector Vitascope de Edison


Outras formas de evitar a asfixia era criando associações à Gish, Theda Bara, Rudolph Valentino ou Charlie Chaplin.
margem do Trust como a Independent Film Productive Com todo o envolvimento mediático que envolvia a vida
Association ou a Independent Motion Picture Company of destas novas vedetas, nascia o star system. Mas esta
America (IMP), ou então deslocando-se para longe da área promoção do estrelato no cinema não era um exclusivo da
de Nova Iorque e Chicago, onde o controle era mais América. Já antes o cinema italiano tinha criado as suas
efectivo. D W Griffith que pertencia à Biograph, começou a divas, como Pina Menichelli, Lydia Boreli, Francesca Bertini,
fazer filmes na California a partir de 1910. Outras pequenas entre outras, em produções com mais de 1500 metros. Aliás
companhias independentes seguiram o exemplo montando a Itália foi pioneira nas super-produções, depois de em
os seus estúdios perto de Los Angeles, numa localidade 1904 Arturo Ambrosio ter construído o primeiro estúdio em
chamada Hollywood rodeada por campos agrícolas e Turim e em 1907 ter sido fundada a Cines (a marca do Lobo)
colinas. especializada em filmes épicos com
A inscrição da palavra HOLLYWOODLAND numa cenários monumentais como “Quo
colina próximo de Los Angeles resultou de uma Vadis” ou “Cabíria”. Foi também em
acção de promoção de uma urbanização, por Itália que surgiram algumas das
empresários do ramo do cinema em 1923. Hoje primeiras revistas sobre cinema.
resta apenas HOLLYWOOD, porque as restantes Entretanto, nos países
letras foram sendo destruídas depois de um escandinavos, nomeadamente
período de abandono. As letras têm cerca de 15 Dinamarca e Suécia surgia um novo
metros de altura e já foram palco de alguns
fenómeno, com uma inovadora
trágicos acidentes, sendo mais conhecido o caso
da actriz Peg Entwistle, “A miúda do letreiro de visão do papel feminino de sedução
Hollywood”, que se suicidou atirando-se da e fatalidade, em dramas psicológicos
letra H. encarnados por Asta Nielsen, a
primeira actriz internacionalmente
Enquanto a MPPC centrava a sua propaganda nos filmes, os famosa. Depois do escândalo provocado pela “Deusa do
independentes iniciaram uma nova estratégia promovendo Norte” logo no seu primeiro filme “O Abismo” (1910)
os actores, até então desconhecidos. A primeira grande realizado pelo seu marido Urban Gad, surgiram as actrizes
estrela foi Florence Lawrence, chamada “Rapariga IMP” suecas como Greta Garbo ou alemãs, como Marlene
(Independent Motion Picture Girl of America), ou a Dietrich e Pola Negri, que depois emigraram para a
“Biograph Girl”, antes de um golpe de teatro com que América. Em França surgia o conceito de “vamp” com a
Laemmle a fez sair do anonimato. Outros nomes se actriz Musidora na série de 10 filmes Les Vampires de Louis
seguiram, como, Douglas Fairbanks, Mary Pickford, Lillian Feuillade. A personagem provocante Irma Vep, vestida de
negro, surge nas sombras como um felino para roubar e novidade suscitada pelas imagens em movimento, os textos
matar. Por outro lado, o burlesco também era do agrado do a partir da segunda década do cinema começam-se a
grande público e a Pathé lançou o actor cómico Max Linder debruçar sobre a sua dimensão artística. Alguns desses
(Gabriel Leuvielle Maximilien), que iria tornar-se uma das textos foram escritos pelos próprios realizadores, como o
grandes influências de Chaplin. Outras personagens e precursor Méliès que inicia a tradição dos manuais sobre a
diferentes narrativas foram surgindo dos dois lados do prática cinematográfica. Seguem-se Abel Gance e Jean
Atlântico, confirmando a vitalidade e expansão do cinema. Cocteau em França, D. W. Griffith e Charlie Chaplin na
América, Paul Wegener e Walter Ruttmann na Alemanha ou
Não tardou muito que começassem a surgir as primeiras Urban Gad na Dinamarca que foi um dos maiores teóricos
teorias sobre cinema. Depois dos escritos iniciais sobre a da sua época. Entretanto, o intelectual italiano Ricciotto
algumas das
primeiras
estrelas de
Florence
Lawrence
Lilian
Gish
Asta
Nielsen Musidora
Francesca
Bertini
cinema

Douglas Rudolph Greta Theda Lydia


Fairbanks Valentino Garbo Bara Borelli

Mary Max Charlie Pola Pina


Pickford Linder Chaplin Negri Menichelli
Canudo radicado em França, O início da guerra que devastou a Europa a partir de 1914,
publicou em 28 de Março de marcou o declínio económico do cinema europeu e o
1911 o “La Naissance d’un definitivo domínio do cinema americano. Um realizador
sixième art. Essai sur le assume uma posição marcante na gramática
cinématographe” e em 1923 o cinematográfica que iria dar um novo rumo nas longas-
texto “Manifeste des sept metragens durante o período mudo: David Wark Griffith.
Arts”. Considera o cinema Na Alemanha, as marcas da guerra também se irão
como a sétima arte, na manifestar numa nova dimensão psicológica onde impera o
confluência das chamadas pessimismo, relacionando o cinema a outras expressões
artes do espaço (arquitectura, escultura e pintura) e as artísticas. A revolução bolchevique em Outubro de 1917 na
artes do tempo (música, dança e poesia), promovendo Rússia marcará igualmente o percurso do cinema com a
definitivamente o cinema a uma dimensão artística que criação de uma grande produção teórica com reflexos
ultrapassa o seu sentido industrial. Canudo propôs estéticos, pedagógicos e também de propaganda,
igualmente uma primeira associação para esta reflexão: O destacando-se os realizadores Lev Kuleshov, Dziga Vertov,
clube dos amigos da 7ª arte. Vsevolod Pudovkin e sobretudo, Sergei Eisentein.

1894
Beijo de John Rice – May irwin
1895 alguns acontecimentos históricos nas
Primeira projecção dos irmãos Lumière 1902 “Viagem à Lua” de Méliès
1896
Primeira projecção em Portugal de 1903 “The Great Train Robbery” de Edwin Porter
duas primeiras décadas do cinema
Aurélio da Paz dos Reis 1897
Incêndio no Bazar de Caridade em Paris Criação da Ford Motor Company
Aspirina Beyer 1899 1904 O primeiro carro Rolls Royce
Tratado de Windsor entre Portugal e Inglaterra 1899 1905 Revolta contra o Czar na Rússia
Feira Mundial de Paris1900 Primeiros Nickelodeons em Pittsburg
Dirigível do Conde Ferdinand von Zeppelin Teoria da relatividade de Einstein
Alemanha declarou
Guerra a Portugal
1910 Pintura de José malhoa “O Fado” 1916
Implantação da República em Portugal
Declaração de Guerra da Revolução Bolchevique
1912 Naufrágio Áustria-Hungria à Sérvia na Rússia
do Titanic (Primeira Grande Guerra) 1917
Cubismo1907 1914
Primeira sessão dos Films d’Art em Paris1908
manifesto futurista em Itália1909
Griffith começou a filmar em Hollywood, Califórnia
“O Abismo” do dinamarquês Urban Gad

“O Nascimento de uma Nação” de Griffith1915


MONTAGEM
A montagem narrativa e a afirmação do cinema

A montagem consiste na organização dos fragmentos do filme Os primeiros filmes feitos pelos pioneiros europeus e norte-
segundo uma determinada ordem, de forma a criar uma americanos nos finais do século XIX não utilizavam a
montagem. A duração do filme dependia da quantidade de
história. Como no cinema se torna difícil se não impossível,
película que estava na bobine. Os seus autores chamavam-
relatar situações reais ou ficcionadas em tempo real, foi lhes “vistas” porque filmavam quase como se estivessem a
necessário estabelecerem-se algumas regras para organizar as tirar fotografias, sobretudo de paisagem: os mesmos
imagens de forma a tornar essas histórias compreensíveis para enquadramentos e a câmara fixa. Quando se começaram a
o espectador. A montagem possibilitou o desenvolvimento do juntar diferentes filmagens para contar histórias, nasceu
também a ficção. Nesta fase inicial, destaca-se Georges
cinema e a criação dessas regras contribuiu para a construção
Méliès que nos seus filmes originais e cheios de fantasia,
de uma linguagem cinematográfica, fazendo com que o cinema deu um grande impulso para o sucesso do cinema. No
atingisse o estatuto de uma expressão artística. entanto, apresentava uma montagem linear limitando-se a
uma sucessão de planos de conjunto (semelhante a um
palco) e a câmara de filmagem estava fixa (tal como um
espectador na plateia de um teatro).
No início do século XX,
“A proximidade entre Dickens e os traços do cineasta no método, na forma,
surgiu em Brighton,
Inglaterra, um grupo de nas particularidades de condução e exposição do enredo, é realmente
fotógrafos que nos seus espantosa.
filmes introduziram E realmente talvez sejam estes traços, comuns a Dickens e a Griffith, os
grandes inovações na responsáveis por parte do segredo do enorme sucesso de ambos. Este sucesso
montagem e no modo de foi-lhes trazido não só pelos temas e assuntos, mas também pela forma de
filmar, através da
exposição e de escrita.
utilização de diferentes
pontos de vista (com a aplicação do plano de pormenor), O que significavam os romances de Dickens para o seu tempo?
nos movimentos de câmara com o “passeio fantasma” e, O que significavam eles para os seus leitores?
principalmente, alternando acções que acontecem em A resposta é a mesma:
lugares diferentes ao mesmo tempo. Nos Estados Unidos, Significavam o mesmo que agora significa o cinema para pessoas das
Edwin Porter, ao serviço dos estúdios de Thomas Edison mesmas classes.
fazia experiências semelhantes organizando os planos
Forçavam o leitor a viver o mesmo tipo de paixões, chamavam o leitor para
relativos a espaços distintos para criar uma continuidade
narrativa. Desta forma, o cinema distanciava-se o mesmo tipo de bondade sentimental, como nos filmes – para o mesmo
definitivamente do teatro, mas mantinha uma relação tremor ante os vícios, para a mesma fuga para o extraordinário, para o
muito próxima de uma narrativa literária. singular, para o fantástico, para a mesma fuga do aborrecido, do prosaico,
do quotidiano. E isto é feito com base no mesmo quotidiano e no mesmo
Mas foi David W. Griffith quem, a partir da segunda década prosaísmo.
do século XX, reuniu todas as experiências cinematográficas
Iluminada pelo reflexo proveniente das páginas dos romances, esta rotina
contribuindo para que se tornassem nas regras básicas da
forma de contar histórias com imagens em movimento: a começou a parecer romântica e, aborrecidas pela rotina do quotidiano, as
escala de planos, utilizando o grande plano e o plano pessoas ficavam agradecidas ao autor por este as incluir no grupo das
americano quando aproxima a personagem do espectador, figuras potencialmente românticas.
o flashback, a montagem alternada, o salvamento no último A atracção exercida pelos romances de Dickens é semelhante à que agora é
minuto, a definição dos ritmos no filme através da duração provocada pelos filmes. É daqui que surge o sucesso dos seus romances,
dos planos, etc.
igualmente arrebatador e extraordinário.”
Sugestões de visionamento: in “Dickens, Griffith e nós”, Sergei Eisenstein
“Grandma’s reading glass”, 1900 – George Albert Smith Este texto está incluído no catálogo publicado pela Cinemateca Portuguesa sobre D. W. Griffith em 2004.
“Fire”, 1901 – Williamson’s Kinematograph O texto original foi escrito em 1943 e editado no ano seguinte em Moscovo numa colectânea de textos sobre o cinema americano.
“Life of American Fireman”, 1903 – Edwin Porter
Ao sistematizar a montagem narrativa, Griffith criou as
bases da montagem que marcaram o período clássico de
Hollywood após o advento do sonoro e que estava assente
em códigos de raccord, onde se destacava o conceito de
corte invisível – a acção é contínua e fluida sem que o
espectador tenha a percepção do corte ou da mudança de
Quatro fotogramas da sequência final do episódio “A mãe e a lei”, de “Intolerância”, 1916.
Enquanto um grevista (Robert Harron) injustamente condenado à forca já se encontra no cadafalso, a sua noiva (Lilian Gish) tenta planos. Na narrativa clássica, a mais comum no cinema,
chegar a tempo de o salvar. Acentuando o suspense através do ritmo e da montagem alternada, Griffith aplica com mestria o conceito pretende-se o envolvimento do espectador, através de uma
de last minute rescue que iria ser muito aplicada no cinema narrativo americano.
fácil compreensão do encadeamento da história e de uma
lógica de continuidade de espaços e diálogos. A repetição
destas fórmulas levou à adesão do público em massa e ao
sucesso comercial.

Mas Griffith não desenvolveu apenas a montagem


narrativa, como foi o impulsionador da montagem
expressiva. Começou por explorar a montagem alternada
nos finais das suas curtas-metragens para a Biograph, para
acentuar a emoção do público, justapondo duas (ou várias)
acções que decorrem ao mesmo tempo mas em espaços
diferentes, e que no fim podem confluir no mesmo espaço
(ex: a sequência final do episódio “A Mãe e a lei” de
“Intolerância, 1916). Desenvolveu então a montagem
paralela que, apesar de também justapor acções
alternadamente, não tem uma função narrativa pois não se
centra na questão temporal. Pretende-se que o espectador
estabeleça uma relação simbólica do confronto das
situações a partir da sua comparação ou contraste. (os 4
episódios de Intolerância)
Dois exemplos da montagem de Eisenstein
“A greve” 1924 – O massacre dos grevistas é associado ao degolar de bovinos no matadouro.
“Outubro 1917” 1927 – A pose autoritária do odiado primeiro-ministro Alexandre Kerenski é montada em paralelo com um pavão.
Novos caminhos e outras geografias – o efeito Kuleshov intelectual. Aplicou estes princípios nos seus filmes, sendo a
sequência da escadaria de Odessa no acto IV do filme “O
Os princípios da montagem expressiva foram adoptados couraçado Potiomkin” o exemplo mais famoso da
pelos cineastas russos desenvolvendo estudos que montagem eisenstiniana. A tensão é marcada pela
promoveram a integração do cinema nos ideais da expansão do tempo, recorrendo à escala de planos e
revolução bolchevique de 1917. A mais famosa destas angulações e à oposição de movimentos ascendentes e
experiências foi o chamado “efeito-Kulechov” que consistiu descendentes, e ainda pelo ritmo definido pela duração dos
na justaposição de um grande plano do famoso actor russo planos acentuado pelo compasso dos passos dos cossacos.
Ivan Mozjuguin com outros 3 planos aproximados de um A sequência termina com os tiros dos canhões do
prato de sopa, uma mulher sobre um caixão e uma criança couraçado como resposta ao massacre dos cossacos na
com um peluche1. Pôde-se concluir então que o rosto escadaria de Odessa, seguidos de três planos sucessivos de
inexpressivo do actor passava a adquirir expressões de esculturas de um leão, que parece acordar e erguer-se,
desejo/fome, compaixão e ternura, respectivamente. Este simbolizando o despertar do povo para a revolução contra
poder da justaposição através da imagem é ‘construído’ as injustiças.
pelo espectador. A ideia de que o público pode atribuir um
novo significado, ou de que o cinema recria a realidade em
vez de a reproduzir, foi continuada por outros realizadores
que desenvolveram a ideia da montagem como um produto
– daí que o cinema tenha a sua própria linguagem.

As pesquisas soviéticas foram ainda mais longe com a noção


de choque, e o principal teórico deste período foi o
realizador Sergei Eisenstein. Começou por recuperar a
noção de montagem das atracções que tinha aplicado no A montagem intelectual usada pelos soviéticos foi adaptada
teatro Prolekut “que submete o espectador a uma acção pelo sistema americano, não com objectivos
sensorial ou psicológica (…) com o propósito de nele revolucionários, mas para acentuar o sentido emotivo do
produzir certos choques emocionais”2 . A montagem é uma filme com os efeitos de choque no público ao serviço da
forma de colisão/conflito da qual o espectador é narrativa. Estas técnicas continuaram a ser utilizadas
confrontado de forma a tirar conclusões durante a II Guerra Mundial com objectivos de propaganda
Na continuação dos seus estudos atribui diferentes sentidos e mesmo depois, em Hollywood manteve-se um sistema
à montagem: métrica, rítmica, tonal, harmónica e rígido de regras que não podiam ser quebradas.

1 - são conhecidas várias versões desta experiência


2 - o texto “Montagem de atracções” de Eisenstein foi publicado inicialmente em 1923 na revista LEF
Contra o sistema clássico exclusivamente aos videoclips, depois da criação da
televisão por cabo que possibilitou a existência de canais
Na década de 1960 surgiram rupturas a este princípio de temáticos, veio revolucionar novamente a relação do
narrativa em continuidade, através da mistura de ângulos e espectador com a obra cinematográfica. Mais uma vez, o
de ritmos, da câmara em movimento começando-se a ritmo acelerado, por vezes agressivo, provocava estímulos
promover a utilização das câmaras portáteis e, sobretudo, visuais mais excitantes, principalmente a um público mais
do falso raccord (ou jump cut). As cenas sofriam cortes para jovem, que rapidamente se adaptou a esta velocidade de
“O Acossado”, 1959
Jean-Luc Godard
que a transição entre os planos provocasse uma sensação processamento das imagens. Não só a percepcionava como
França de estranhamento nos espectadores quebrando a sua era aquela que passava a exigir. O estilo MTv voltava a pôr
adesão ao sentido dramático ou emocional. O desafio à de lado a narrativa linear e o foco na história, e começou a
montagem invisível alertava o público para a manipulação usar um método de montagem que diminuía as questões
no cinema, lembrando que estão a assistir a um filme, não temporais e espaciais, através do recurso a planos mais
estão dentro do filme. As técnicas de descontinuidade aproximados em detrimento de planos abertos, e também
também serviam para afirmar uma política de autor no do jump-cut, do ritmo acelerado, da iluminação artificial e
cinema. Os responsáveis por esta revolução visual e de um conjunto de técnicas de justaposição aparentemente
conceptual foram os realizadores da chamada Nouvelle anárquicas, mas bastante criativas, e que dispensavam as
Vague, ex-críticos de cinema ligados à Cinemateca de Paris. regras clássicas. E se antes existiam convenções específicas
Mas também foi utilizada pelos cineastas do Neorealismo para os géneros cinematográficos, passava-se então a
“Psycho”, 1960 italiano, do cinema novo brasileiro ou nas incursões utilizar a mistura dos géneros.
Alfred Hitchcock
EUA cinematográficas dos movimentos artísticos da pop-art
americana, revelando uma influência das experiências das A introdução do computador marca o derradeiro passo da
vanguardas artísticas no cinema principalmente na década tecnologia ao serviço da montagem. Possibilita a utilização
de 1920. de efeitos especiais antes impensáveis e a colaboração na
fase de pós-produção com equipas e companhias
Esta década foi também marcada pela entrada em cena do especializadas em softwares gráficos. Também pode
fenómeno televisivo. A montagem foi influenciada pelas contribuir para facilitar o trabalho do montador, que deixa
reportagens dos noticiários e pelos anúncios publicitários, de trabalhar directamente na película. Por outro lado, as
que ampliou a já muito elaborada paleta de técnicas de novas técnicas de filmagem com maior recurso à câmara
edição. Os efeitos mais imediatos foram a alteração do em movimento, e os novos estilos narrativos não-lineares,
ritmo, mais rápido, e o sentido de imediatismo. O podem fornecer ao público novas e inesperadas
aparecimento do canal MTv em Agosto de 1981 dedicado experiências. Ao montador colocam-se novos desafios da
Genérico do canal temático MTv
forma de compor a história, acrescidos de novas Durante muitos anos, o trabalho de montador era
possibilidades estéticas de composição, com a segmentação absolutamente secundário no processo de execução de um
do plano ou outras formas de manipulação da imagem no filme e não se colocava a questão de ser um parceiro
enquadramento. Mas, a construção peça a peça da versão criativo nesse processo. No período áureo do sistema
final do filme caberá sempre ao montador. industrial de Hollywood, as salas de montagem estavam
praticamente vedadas aos realizadores pois esta era uma
área controlada pelos estúdios. O seu trabalho era
O papel do montador altamente mecânico e por isso pouco visível. Depois da
introdução do som no fim da década de 1920 passou a ser
Actualmente o montador pode ser considerado o principal realizado sobretudo por homens enquanto que antes era
colaborador do realizador, pela sua acção determinante na considerada uma tarefa mais feminina (como a tapeçaria ou
última versão do filme. No entanto, nem sempre foi assim. o tricotar de peças de tecido). Só depois da II Guerra
Nas primeiras projecções de cinema, no final do século XIX, Mundial, quando surgiram os sindicatos, é que começaram
os filmes tinham apenas um take, ou seja, não havia a ser vistos como profissionais especializados apesar de
montagem. Por isso não havia montadores. Quando se ainda serem equiparados a mecânicos sujeitos a regras
começaram a fazer as primeiras experiências juntando estabelecidas. Como a acção do montador pode ser
diferentes planos para contar histórias de ficção, eram os determinante na reacção do público, é fundamental que o
próprios realizadores que colavam as películas ou usavam o montador se guie por padrões éticos.
truque de parar a filmagem sempre que mudavam de
enquadramento. Alguns montadores começam a sua acção ainda durante a
produção, consultando os rushes (filmagens do dia). Devido
à sua intervenção privilegiada junto do realizador,
sobretudo na fase de pós-produção, o montador pode
apresentar opções, detectar situações confusas ou outras
situações que podem alterar a estrutura inicial. Assim, o
ritmo do filme, o dramatismo, o suspense e as situações de
comédia ou descompressão dependem do modo como o
montador combina as imagens e a banda sonora.

Da esquerda para a direita:


Margareth Both (Metro-Goldwyn-Mayer); Barbara McLean (20th Century-Fox Film Studios);
Anne Bauchens (Paramaount Pictures) – responsáveis pelos gabinetes de montagem.
FILMES
REALIZADORES E GÉNEROS
QUE FICARAM
NA HISTÓRIA
CABÍRIA
(Itália) 1914
Real: Giovanni Pastrone
n. 11, Setembro, 1883, Montechiaro d’Asti, (Itália)
f. 27, Junho, 1959, Turin

PALAVRAS-CHAVE A partir de 1908 o cinema italiano especializou-se nos grandes


Cinema épico épicos, filmes históricos baseados na antiguidade clássica. Cabíria
Grandiosos cenários é o nome de uma jovem raptada por piratas cartagineses que,
Primeiros travellings de estúdio depois de tornada escrava seria salva quando estava prestes a ser
Iluminação em cenário de estúdio sacrificada ao deus Moloque. Este filme foi uma super-produção
que custou à data 1.250.000 liras, utilizou milhares de figurantes,
mas destaca-se sobretudo pela grandiosidade dos cenários e pela
utilização de técnicas de estúdio inovadoras: o travelling (da
responsabilidade do fotógrafo/realizador espanhol Segundo de
Chomon) e a iluminação.
A personagem do gigante Maciste seria mais tarde associada a
Mussolini.

cartazes
o NASCIMENTO de uma NAÇÃO
(EUA) 1915
Real: David Wark Griffith
n. 22, Janeiro, 1875, La Grange, Kentucky (EUA)
f. 23, Julho, 1948, Los Angeles

Baseado no conto “The Clansman”, relata a aproximação de duas PALAVRAS-CHAVE


famílias: os Stoneman e os Cameron, que estão em lados opostos Escala e alternância de planos (grande plano)
durante a ”guerra da secessão” (entre 1861-1865) - entre os Plano de pormenor
estados esclavagistas do sul, aos Unionistas da América do Norte Montagem paralela
que pretendiam o fim da escravatura. O filme causou grande
Montagem em continuidade (corte invisível)
polémica porque Griffth foi considerado racista (e até responsável
pelo ressurgimento do Ku Klux Klan), mas a sua importância na
história do cinema resulta principalmente do carácter inovador
desta grande produção. Numa longa-metragem surgiam pela
primeira vez: grandes planos, flashbacks, montagem alternada, Para lá do cinema:
acção contínua, etc., que iriam definir uma nova linguagem
cinematográfica. 1.
Em 2008 o artista Banksy, conhecido pelos
seus graffitis, pintou esta imagem num
posto de abastecimento de combustível
abandonado, em Alabama.
Representa um elemento do Ku Klux Klan
enforcado.

2.
Em 4 de Março de 1861, 11 estados do sul
recusaram pertencer à União e declararam a
secessão, formando os Estados Confederados
da América. A guerra começou quando tropas
confederadas atacaram o Forte Sumter na
Carolina do Sul. Iria seguir-se mais cinco
anos de guerra e quase 1 milhão de mortos.

fotografia de vítimas da guerra civil americana e capa da 1ª edição do livro de Thomas F. Dixon
INTOLERÂNCIA
(EUA) 1916
Real: David Wark Griffith

PALAVRAS-CHAVE Este filme foi incompreendido, daí o seu fracasso de bilheteira,


Escala e alternância de planos principalmente pela estrutura do seu argumento em quatro
episódios intercalados: dramas sociais na América da época
Grande plano
também designado por “a Mãe e a Lei”, a crucificação de Cristo, o
Plano de pormenor
massacre de S. Bartolomeu em França em 1572, e a queda de
Montagem paralela Babilónia pela traição do rei Baltazar. O público não percebeu
Montagem alternada esta noção de montagem paralela (v. capítulo sobre a montagem),
Montagem em continuidade (corte invisível) em que diferentes acontecimentos de períodos históricos
Flashback distintos se unem num conceito comum.
‘Last minute rescue’ Inspirado nos épicos italianos, mandou construir cenários
gigantescos e contratou milhares de figurantes elevando o
orçamento em centenas de milhares de dólares. Após o sucesso e
polémica de “O Nascimento de una Nação”, D. W. Griffith
conseguiu alguma autonomia, mas este filme apenas contribuiu
para elevar novamente a importância dos produtores face aos
realizadores.
Desvalorizado nos EUA, “Intolerância” viria a influenciar vários
cineastas europeus.

A figura de uma mulher


(Lillian Gish) embalando
um berço, funciona como
elemento de união entre
os quatro episódios de
“Intolerância”.
cartazes
o LÍRIO QUEBRADO
(EUA) 1919
Real: David Wark Griffith

Depois de Griffith ter sido acusado de racista em 1915, na


sequência da sua primeira longa-metragem “O Nascimento de PALAVRAS-CHAVE
uma Nação”, este filme com uma produção mais modesta que os Escala e alternância de planos (grande plano)
anteriores, faz uma crítica social da sua época parecendo Plano de pormenor
promover precisamente a tolerância entre diferentes raças. Um Montagem paralela
monge budista chinês, Cheng Huan protege a jovem Lucy Montagem em continuidade (corte invisível)
maltratada pelo seu pai, um jogador de boxe decadente, que não
aceita a amizade entre a sua filha e o amigo estrangeiro e, num
ataque de fúria mata-a. Huan, não consegue resistir à injustiça e
suicida-se. Esta história trágica assemelha-se ao romance Romeu
e Julieta, com uma amor impossível entre um imigrante oriental e
uma jovem americana.

cartaz
EXPRESSIONISMO
O cinema expressionista alemão concentra-se sobre as

o possibilidades de radicalização da forma e do fundo que a


pintura e os outros media oferecem. Para compreender,
basta comparar os cenários do “Gabinete do Doutor
Caligari”, realizado em 1919, e um quadro de Meidner, por
exemplo, cujas linhas mergulhantes traem, entre outras, as
influências cubistas e futuristas. Não é o realizador Robert
Wiene, mas os arquitectos do cinema (à partida estava
previsto ser Alfred Kubin) que são responsáveis pelos
cenários estilizados expressivos: perspectiva deformada das
ruelas oblíquas inclinadas para a frente como se fossem
desmoronar-se; reflexos de luz dos candeeiros escondidos.
O filme segue em muitos pontos encenações de teatro da
época. Com efeito, a partir de 1906, numa cena dos
“Fantasmas de Ibsen, Max Reinhardt (1873-1943) faz passar
dois intérpretes diante se uma fonte de luz; as sombras
aterradoras que projectam atrás de si dão a impressão de
que eles são perseguidos por demónios. Nos filmes
alemães, a sombra torna-se, de maneira semelhante, o
símbolo do destino a que nunca ninguém escapa. No
célebre filme de Friedrich Wilhelm Murnau (1922), vemos
primeiro a sombra do vampiro Nosferatu a subir a escada. O
filme alemão expressionista faz em grande parte sensação
devido ao exagero dos seus contrastes de claro-escuro, da
colisão gritante entre a luz e a sombra, e da iluminação
pontual de um personagem ou de um objecto enquanto
que o que o rodeia está mergulhado numa escuridão
abissal. Este princípio, que evoca tão bem os desenhos dos
expressionistas, conhecerá a sua apoteose no “Fausto” de
A casa da esquina, 1913
L. Meidner Murnau em 1926.

in, “Expressionismo”, Norbert Wolf


ed. Tachen, 2005
o GABINETE do Dr. CALIGARI
(Alemanha) 1919
Real: Robert Wiene

n. 27, Abril, 1873, Breslau (Wroclaw), Alemanha (Polónia)


f. 17, Julho, 1938, Paris, França

1919 é o ano em que termina a primeira Grande Guerra que PALAVRAS-CHAVE


assolou a Europa e que resultou numa humilhação da Alemanha. Cenografia (jogos de luz e sombra)
As várias manifestações artísticas procuram novas abordagens Personagens perturbadas
estéticas, entre elas estava a deformação da realidade e a Expressividade dos actores
representação subjectiva: o expressionismo. Os cenários Montagem alternada
desconstruídos, a iluminação contrastada, as personagens loucas,
e a ambiguidade do argumento (afinal trata-se de um sonho de
Francis e Caligari é um médico do hospício onde o narrador está
internado), revelam o caos social e político em que a Alemanha
está mergulhada. Feito com um orçamento reduzido e filmado em
apenas três semanas, “O Gabinete do Dr. Caligari”
continua um marco na história do cinema, não só pelo
que representou na época, mas sobretudo pela sua
influência em realizadores de todo o mundo.

cartaz
NOSFERATU
(Alemanha) 1922
Real: Friedrich Wilhelm Murnau

n. 28, Dezembro, 1888, Bielefeld, (Alemanha)


f. 11, Março, 1938, Santa Barbara (EUA)

PALAVRAS-CHAVE O filme “A Sombra do Vampiro” (2000) de E. Este filme é baseado no livro “Drácula” de Bram Stoker (1897),
Elias Merhige, apresentou uma reconstrução mas as personagens têm outros nomes porque a família do
Cenografia (jogos de luz e sombra) ficcionada do filme de Murnau. O actor Max
Personagens perturbadas escritor não autorizou que Murnau fizesse a sua adaptação para
Schreck era visto como um verdadeiro vampiro
Expressividade dos actores que Murnau contratara por amor à arte e à sua cinema. Já depois de estar em exibição, foi proibido e as cópias
Montagem alternada obsessão pela representação da realidade. Em mandadas destruir por uma acção judicial. Apesar de não seguir
troca, podia ir sugando o sangue dos outros completamente os padrões expressionistas (Murnau utiliza com
actores enquanto duravam as filmagens.
frequência a paisagem), o filme mantém uma atmosfera opressiva
e perturbadora. No final, quando Ellen se prepara para se
sacrificar às mãos (e dentes) do vampiro, apenas se vê a sombra e
não o próprio Conde Orlock a aproximar-se do quarto – é a
sombra do destino a que nunca ninguém escapa. Muitos outros
realizadores retomaram o tema do vampiro, como Tod Browning,
Para lá do cinema: Werner Herzog, ou Francis Ford Coppola.

O grupo inglês Bauhaus formado em 1978


traduz a influência do movimento gótico
na música popular urbana. O seu primeiro
single “Bela Logusi
is Dead”,refere-se
ao actor húngaro
que personificou o
Conde Drácula no
filme de 1931 de
Tod Browning.

No filme português “Corrupção” (2007) é usado um plano que faz uma clara referência ao filme de Murnau, quando a sombra
do vampiro Orlok (Max Schreck) ataca o indefeso Hutter (Gustav von Wangenheim) e depois Ellen (Greta Schöder)
TARTUFO HERR TARTÜFF
(Alemanha) 1926
Real: Friedrich Wilhelm Murnau

PALAVRAS-CHAVE
Trata-se de uma adaptação de “Tartufo” de Molière, uma crítica Escala e alternância de planos (grande plano)
mordaz das relações humanas assentes na hipocrisia e que usa o poder
Plano de pormenor
da religião para ascender socialmente. Conta com a presença do
grande actor Emil Jannings (vencedor do primeiro Óscar de Hollywood) Montagem paralela
vestindo a personagem do charlatão Tartuffe, um falso sacerdote e Montagem em continuidade (corte invisível)
hóspede que subjuga Herr Orgon para o roubar. Após várias tentativas
Elmire, a esposa de Orgon consegue desmascarar o hipócrita. Trata-se
de um filme dentro de um filme, uma vez que a história se inicia com
um jovem que propõe ao seu avô milionário que assista à projecção do
filme Tartufo para evitar que o seu mordomo fique com a herança.
Não sendo um dos filmes mais citados do realizador alemão, apresenta
mais uma vez personagens perturbadas muito comuns no
expressionismo. Murnau teve uma grande educação artística, que se
revela neste filme, nomeadamente na estrutura rítmico-musical da
abertura e fecho das portas à noite.

A partir do texto de Molière foram feitas diversas


adaptações, sendo a versão cinematográfica de A coméddia de Molière foi
Murnau a mais célebre. A personagem Tartüff foi escrita e apresentada em
representada por Emil Jannings que viria a ganhar um 1664, não tendo sido bem
Oscar de representação na primeira edição dos recebida pelo rei Louis XIV na
prémios da Academia em 1928. corte de Versalhes.
METROPOLIS
(IAlemanha) 1927
Real: Fritz Lang

n. 5, Dezembro, 1890, Viena (Austria)


f. 2, Agosto, 1976, Los Angeles (EUA)

Metropolis é uma cidade do futuro dividida em dois níveis: em baixo


PALAVRAS-CHAVE vivem e trabalham os operários escravizados, o topo é destinado a
Cenografia (jogos de luz e sombra) uma elite que dirige a cidade e se diverte. Quando Freder, o filho do
Personagens perturbadas director se aproxima de Maria, a jovem que prega a resignação aos
Expressividade dos actores operários, é necessário evitar essa relação a todo o custo. O sábio e
Montagem louco Rotwang irá criar um robot igual a Maria, provocando o caos e
Géneros: ficção científica quase destruir a cidade. A Primeira longa-metragem de ficção científica
alemã é ao mesmo tempo uma crítica social e uma visão pessimista
sobre a evolução tecnológica. Apesar desse sentido crítico, o filme foi
um dos eleitos de Hitler e Goebbels (a estrela na porta de Rotwang é
igual à que seria utilizada para identificar os judeus). O facto de Lang
ter formação em arquitectura contribuiu para a idealização dos
cenários futuristas, que foram referência para filmes recentes: Blade
Runner, Batman, O Quinto Elemento, Imortal…

Durante a rodagem do filme,


com Maria (Brigitte Helm) e
Joh Freder (Gustav Frölich)
protegendo as crianças
Naqueles primeiros dias, uma mistura da mais ampla variedade de filmes foi projectada em
nossas telas. Desta estranha mistura de velhos e novos filme russos que tentavam manter as
“tradições”, filmes novos que ainda não podiam ser chamados de soviéticos, e filmes estrangeiros que
haviam sido importados promiscuamente, ou retirados de prateleiras empoeiradas – duas correntes
principais começaram a emergir.
De um lado havia o cinema de nosso vizinho, a Alemanha do pós-guerra. Misticismo,
decadência, fantasia lúgubre seguiram a onda da revolução fracassada de 1923, e o cinema
rapidamente reflectiu este estado de espírito. Nosferatu, o vampiro, A rua, as misteriosas Sombras, o
criminoso místico Mabuse, o jogador, lançaram-se entre nós, a partir de nossas telas, atingindo o auge
do horror, mostrando-nos o futuro como uma noite escura replete de sombras sinistras e crimes…
O caos de exposições múltiplas, de dissoluções superfluidas, de imagens divididas, foi mais
característico do final dos anos 20 (como em Lançando o laço ou Segredos de uma alma, mas os
primeiros filmes alemães continham mais do que indícios desta tendência. No uso exagerado desses
truques também era refletida a confusão e o caos da Alemanha do pós-guerra.
Todas essas tendências de estado de espírito e método haviam sido pressagiadas por um dos
primeiros e mais famosos desses filmes, O gabinete do Dr. Caligari, esta bárbara orgia da destruição do
saudável princípio humano de nossa arte, este túmulo comum das origens do cinema normal, esta
combinação de histeria silenciosa, barracas multicoloridas, apartamentos pintados grosseiramente,
rostos pintados, e os gestos e ações quebrados e não naturais de monstruosas quimeras.
O expressionismo quase não deixou vestígio em nosso cinema. Este “São Sebastião do Cinema”
pintado, hipnótico, era muito estranho ao espírito e corpo jovens e robustos da classe em ascensão.
É interessante que, durante aqueles anos, as deficiências no campo da técnica cinematográfica
desempenharam um papel positivo. Ajudaram a evitar que dessem um passo em falso aqueles cujo
entusiasmo poderia tê-los inclinado a essa dúbia direção. Nem as dimensões dos nossos estúdios, nem
nosso equipamento de iluminação, nem o material disponível para maquilhagem, figurino ou cenário,
nos dava a possibilidade de jogar na tela fantasmagoria semelhante. Mas foi principalmente uma
outra coisa que nos segurou: o nosso espírito nos impelia em direção à vida – no meio do povo, na
realidade efervescente de um país em recuperação. O expressionismo passou pela história da formação
do nosso cinema como um poderoso fator – de repulsa.

in “Dickens, Griffith e nós”, Sergei Eisenstein, 1943


Este texto está incluído no catálogo publicado pela Cinemateca Portuguesa sobre D. W. Griffith em 2004.
a GREVE
(URSS) 1924
Real: Sergei Eisenstein

n. 23, Janeiro, 1898, Riga (Letónia)


f. 11, Fevereiro, 1948, Moscovo (URSS)

PALAVRAS-CHAVE “A Greve” foi a primeira longa-metragem de Eisenstein recriando


o ambiente conturbado que se vivia no período revolucionário da
Montagem intelectual
Rússia. Este filme revela algumas influências da sua formação
Cinema e política
teatral e, até de Buster Keaton (que era muito apreciado pelos
realizadores russos) pelo seu sentido burlesco e excentricidade
das personagens. Utiliza muitos efeitos visuais, comuns nos filmes
vanguardistas da época, e tal como outros filmes soviéticos,
revela uma faceta propagandística. Em Eisenstein, não é o
indivíduo mas sim o grupo que atinge o estatuto de herói da
revolução, apesar dos grevistas tomarem a sua decisão depois do
sacrifício de um colega seu. Para acentuar as suas ideias não
contratou actores profissionais, mas sim a gente do povo.

associação de imagens
entre o matadouro e o
massacre dos grevistas
o COURAÇADO POTIOMKIN
(URSS) 1925
Real: Sergei Eisenstein

Este filme contém uma das mais famosas cenas da história do PALAVRAS-CHAVE
cinema, relatando o episódio do massacre da escadaria de Montagem (das atracções e rítmica)
Odessa, após a rebelião do couraçado Potiomkin em 1905. Ao Cinema e propaganda
contrário de outros filmes soviéticos da mesma época, o herói da Angulação
revolução não é uma personagem, mas a multidão. A aparente Escala de planos
teatralidade marcada pela montagem também é acentuada pela
estrutura da narrativa em 5 actos. Por um lado, Eisenstein
colocava em prática as suas teorias sobre a montagem e a noção
de que o cinema seria “a mais importante das artes”, por outro,
transmitia uma mensagem sobre os ideais da revolução
bolchevique à população rural maioritariamente analfabeta,
recorrendo aos meios audiovisuais.

cartazes
OUTUBRO 1917
(URSS) 1927
Real: Sergei Eisenstein

Estaline encomendou esta pérola do cinema a Eisenstein, a


PALAVRAS-CHAVE propósito do décimo aniversário da revolução de Outubro na
Montagem intelectual Rússia. Para reconstruir os factos ocorridos em 1917, foram
Cinema e política utilizadas imagens de arquivo. Eisenstein pretendia evocar o
massacre de São Petersburgo desde a queda do Czar até à
captura do Palácio de Inverno, entre Fevereiro e Março de 1917.
Contudo o seu sentido lírico e épico, mais ficcional que
documental, foram contrariados por Estaline que censurou a
montagem. O realizador russo utilizava o choque entre os planos
Para lá do cinema: para criar um conflito no espectador, de acordo com princípios
teóricos por ele desenvolvidos. Este experimentalismo formalista
O Czar Nicolau II e a sua família foram era demasiado ousado para os padrões socialistas e teria os dias
assassinados na madrugada de 16 para 17 de Julho contados.
de 1918 depois da revolução bolchevique do ano
anterior. Os revolucionários já não suportavam a
situação política, a
miséria e atrocidades
praticadas pelo
regime, depois do
“domingo sangrento” de
1905 e, principalmente
com a entrada na
primeira grande guerra
em 1914. Foi o fim da comício de Lenin
dinastia Romanov. em Petrogrado,
actualmente
S. Petersburgo.
O auge da realização do cinema mudo foi obtido sob o amplamente
difundido slogan da massa, “o herói de massa” e métodos de
representação cinematográfica directamente derivados dele,
rejeitando conceitos estritamente dramatúrgicos em favor da epopeia
e do lirismo, com protagonistas típicos e episódios no lugar de
heróis individuais; e em consequência disto tornou-se inevitável o
uso do princípio de montagem como um princípio guia de
expressividade do cinema.

Como uma arte genuinamente maior, o cinema é único porque, no


sentido pleno do termo, é um filho do socialismo. As outras artes
têm séculos de tradição atrás de si. Os anos cobertos por toda a
história da cinematografia são menos do que os séculos durante os
quais as outras artes se desenvolveram. Porém, mais essencial é que
o cinema como uma arte em geral e, além disso, como uma arte não
apenas igual, mas em muitos aspectos superior às suas artes
companheiras, começou a ser considerado seriamente apenas com o
início da cinematografia socialista.
in “A forma do filme”, Sergei Eisenstein, 1949 (páginas 120 e 164)
Edição de 2002, Jorge Zahar Editor Ltda

Aqui, pela primeira vez, o movimento de massas assume o carácter


totalmente arquitectónico, e por isso nada monumental (como nas
produções da UFA), que lhe dá o direito de ser tratado pelo cinema.
Nenhum outro meio poderia representar este colectivo em movimento. E
mais: nenhum outro poderia comunicar a beleza do movimento do terror
e do pânico que há nele. Tais cenas são, desde o Poteomkin,
privilégio indestrutível da arte cinematográfica russa. Do mesmo
modo que este filme mostra o bombardeamento de Odessa, um outro mais
recente («A Mãe»), regista, através de um pogrom contra operários de
uma fábrica, os sofrimentos das massas urbanas como se fossem os
passos inscritos no asfalto das ruas.
in “Sobre a situação da arte cinematográfica russa”, Walter Benjamin
Este texto foi publicado em 1927 no semanário Die literarische Welt e posteriormente na colectânea
“A obra de arte na época da sua possibilidade de reprodução técnica” entre 1934-37.
Esta tradução de João Barrento foi editada em 2006 pela assírio & Alvim
MÃE
(URSS) 1926
Real: Vsevolod Pudovkin

n. 16, Fevereiro, 1893, Penza (Rússia)


f. 20, Junho, 1953, Riga (Letónia)

PALAVRAS-CHAVE Baseado no romance de Maximo Gorki, a “Mãe”, revela-nos uma


Montagem heroína, uma personagem que se destaca na multidão, ao
Cinema e propaganda contrário de Eisenstein em que o herói é a massa humana e não o
Angulação indivíduo. Durante a revolução de 1905, Pavel, filho de Vlassova é
Escala de planos preso após a morte de seu pai. A viúva foi responsável pela prisão
do seu próprio filho mas arrepende-se e adere aos grevistas,
chefiando uma manifestação de solidariedade que acabará numa
chacina. Uma das imagens que marca o filme é a sucessão de
grandes planos da mãe. Influenciado por Lev Kuleshov, pôs em
prática os conceitos que estudou sobre a montagem,
principalmente as suas possibilidades de transmitir a mensagem
da ideologia socialista a um público maioritariamente analfabeto.

cartaz
a GENERAL PAMPLINAS MAQUINISTA
(EUA) 1926
Real: Buster Keaton

n. 4, Outubrol, 1895, Piqua (USA)


f. 1, Fevereiro, 1966, Woodland Hills (USA)

Tal como “O Nascimento de uma Nação” de D. W. Griffith, a PALAVRAS-CHAVE


guerra da secessão é o motivo do filme, só que neste caso Buster
O burlesco (gag)
Keaton foi inspirado por uma história verídica. Johnnie Gray o
Mímica
maquinista, é confrontado pela sua noiva que o incita a alistar-se. Realizador/Actor/Duplo
A sua aventura começa quando é recusado no exército do sul e Cinema e História
para não ser considerado cobarde, recupera sozinho uma
locomotiva que tinha sido roubada pelos unionistas. A exigência
de realismo de Keaton levou-o a destruir uma ponte arrastando
um comboio verdadeiro em vez de recorrer a maquetas. A
perigosidade de algumas cenas, associada a apuradas técnicas de
filmagem, fizeram deste filme uma das obras marcantes da
sétima arte. No entanto, na altura não foi bem recebido pela
crítica e pelo público.
o CIRCO
(EUA) 1928
Real: Charlie Chaplin

n. 16, Abril, 1889, Londres (Inglaterra)


f. 25, Dezembro, 1977, Corsier-sur-Vevey (Suiça)

PALAVRAS-CHAVE O filme inicia-se com Charlot envolvido com um gatuno numa


feira da variedades, onde se pode ver ainda um peep-show de
O burlesco (gag) v. drama
mutoscópios (antecessores das projecções cinematográficas).
Mímica
Realizador/Actor/Duplo/Compos Como era hábito nas curtas protagonizadas pelo Vagabundo, ele
itor está mais uma vez metido em confusões, que levam o público de
um circo a pensar que Charlot é uma estrela, quando afinal está a
ser perseguido por um polícia que o confunde com um carteirista.
De imediato é contratado tornando-se num herói que resiste a
leões, macacos que o despem quando está na corda bamba e até
a uma paixão pela filha do dono do circo. Chaplin consegue
provocar momentos hilariantes ao mesmo tempo que revela toda
a sua sensibilidade quando defende e protege o amor entre um
na famosa cena
do leão, Chaplin malabarista e a sua ex-pretendida. No ano seguinte, na primeira
não recorreu a Gala da Academia, Charles Chaplin
um duplo nem a recebeu um Oscar especial por
efeitos especiais
“versatilidade e génio
demonstrados no argumento,
representação, realização e
produção de O Circo”.

nesta época os
mutoscópios ainda
permaneciam nas
diversões ambulantes,
apesar de o cinema já
ter mais de 30 anos
cartaz
TEMPOS MODERNOS
(EUA) 1936
Real: Charlie Chaplin

Apesar de ser realizado quando o sonoro já estava consolidado, PALAVRAS-CHAVE


“Tempos Modernos” manteve os padrões do cinema mudo com a O burlesco (gag) v. drama
excepção de pequenos pormenores e uma famosa canção. Pela Mímica
primeira vez utiliza os gags sonoros. Chaplin ter-se-á inspirado na Realizador/Actor/Duplo/Comp
obra “Viva a Liberdade” de René Clair, para fazer uma crítica ositor
social à América da época, onde as novas técnicas de produção Cinema Mudo/Sonoro
em série promovem a desumanização no trabalho e sobretudo, o
desemprego. O vagabundo, personagem que Chaplin deu vida
durante vários anos, volta a oferecer grandes momentos de
humor a par de uma enorme humanidade, quando protege a
jovem órfã (Paulette Goddard), que o irá acompanhar no final
pela estrada fora até ao infinito, e também na vida real (casaram
secretamente em 25 de Junho desse ano).

cartaz
MONTAGEM
A montagem narrativa e a afirmação do cinema

A montagem consiste na organização dos fragmentos do filme Os primeiros filmes feitos pelos pioneiros europeus e norte-
segundo uma determinada ordem, de forma a criar uma americanos nos finais do século XIX não utilizavam a
montagem. A duração do filme dependia da quantidade de
história. Como no cinema se torna difícil se não impossível,
película que estava na bobine. Os seus autores chamavam-
relatar situações reais ou ficcionadas em tempo real, foi lhes “vistas” porque filmavam quase como se estivessem a
necessário estabelecerem-se algumas regras para organizar as tirar fotografias, sobretudo de paisagem: os mesmos
imagens de forma a tornar essas histórias compreensíveis para enquadramentos e a câmara fixa. Quando se começaram a
o espectador. A montagem possibilitou o desenvolvimento do juntar diferentes filmagens para contar histórias, nasceu
também a ficção. Nesta fase inicial, destaca-se Georges
cinema e a criação dessas regras contribuiu para a construção
Méliès que nos seus filmes originais e cheios de fantasia,
de uma linguagem cinematográfica, fazendo com que o cinema deu um grande impulso para o sucesso do cinema. No
atingisse o estatuto de uma expressão artística. entanto, apresentava uma montagem linear limitando-se a
uma sucessão de planos de conjunto (semelhante a um
palco) e a câmara de filmagem estava fixa (tal como um
espectador na plateia de um teatro).
No início do século XX,
“A proximidade entre Dickens e os traços do cineasta no método, na forma,
surgiu em Brighton,
Inglaterra, um grupo de nas particularidades de condução e exposição do enredo, é realmente
fotógrafos que nos seus espantosa.
filmes introduziram E realmente talvez sejam estes traços, comuns a Dickens e a Griffith, os
grandes inovações na responsáveis por parte do segredo do enorme sucesso de ambos. Este sucesso
montagem e no modo de foi-lhes trazido não só pelos temas e assuntos, mas também pela forma de
filmar, através da
exposição e de escrita.
utilização de diferentes
pontos de vista (com a aplicação do plano de pormenor), O que significavam os romances de Dickens para o seu tempo?
nos movimentos de câmara com o “passeio fantasma” e, O que significavam eles para os seus leitores?
principalmente, alternando acções que acontecem em A resposta é a mesma:
lugares diferentes ao mesmo tempo. Nos Estados Unidos, Significavam o mesmo que agora significa o cinema para pessoas das
Edwin Porter, ao serviço dos estúdios de Thomas Edison mesmas classes.
fazia experiências semelhantes organizando os planos
Forçavam o leitor a viver o mesmo tipo de paixões, chamavam o leitor para
relativos a espaços distintos para criar uma continuidade
narrativa. Desta forma, o cinema distanciava-se o mesmo tipo de bondade sentimental, como nos filmes – para o mesmo
definitivamente do teatro, mas mantinha uma relação tremor ante os vícios, para a mesma fuga para o extraordinário, para o
muito próxima de uma narrativa literária. singular, para o fantástico, para a mesma fuga do aborrecido, do prosaico,
do quotidiano. E isto é feito com base no mesmo quotidiano e no mesmo
Mas foi David W. Griffith quem, a partir da segunda década prosaísmo.
do século XX, reuniu todas as experiências cinematográficas
Iluminada pelo reflexo proveniente das páginas dos romances, esta rotina
contribuindo para que se tornassem nas regras básicas da
forma de contar histórias com imagens em movimento: a começou a parecer romântica e, aborrecidas pela rotina do quotidiano, as
escala de planos, utilizando o grande plano e o plano pessoas ficavam agradecidas ao autor por este as incluir no grupo das
americano quando aproxima a personagem do espectador, figuras potencialmente românticas.
o flashback, a montagem alternada, o salvamento no último A atracção exercida pelos romances de Dickens é semelhante à que agora é
minuto, a definição dos ritmos no filme através da duração provocada pelos filmes. É daqui que surge o sucesso dos seus romances,
dos planos, etc.
igualmente arrebatador e extraordinário.”
Sugestões de visionamento: in “Dickens, Griffith e nós”, Sergei Eisenstein
“Grandma’s reading glass”, 1900 – George Albert Smith Este texto está incluído no catálogo publicado pela Cinemateca Portuguesa sobre D. W. Griffith em 2004.
“Fire”, 1901 – Williamson’s Kinematograph O texto original foi escrito em 1943 e editado no ano seguinte em Moscovo numa colectânea de textos sobre o cinema americano.
“Life of American Fireman”, 1903 – Edwin Porter
Ao sistematizar a montagem narrativa, Griffith criou as
bases da montagem que marcaram o período clássico de
Hollywood após o advento do sonoro e que estava assente
em códigos de raccord, onde se destacava o conceito de
corte invisível – a acção é contínua e fluida sem que o
espectador tenha a percepção do corte ou da mudança de
Quatro fotogramas da sequência final do episódio “A mãe e a lei”, de “Intolerância”, 1916.
Enquanto um grevista (Robert Harron) injustamente condenado à forca já se encontra no cadafalso, a sua noiva (Lilian Gish) tenta planos. Na narrativa clássica, a mais comum no cinema,
chegar a tempo de o salvar. Acentuando o suspense através do ritmo e da montagem alternada, Griffith aplica com mestria o conceito pretende-se o envolvimento do espectador, através de uma
de last minute rescue que iria ser muito aplicada no cinema narrativo americano.
fácil compreensão do encadeamento da história e de uma
lógica de continuidade de espaços e diálogos. A repetição
destas fórmulas levou à adesão do público em massa e ao
sucesso comercial.

Mas Griffith não desenvolveu apenas a montagem


narrativa, como foi o impulsionador da montagem
expressiva. Começou por explorar a montagem alternada
nos finais das suas curtas-metragens para a Biograph, para
acentuar a emoção do público, justapondo duas (ou várias)
acções que decorrem ao mesmo tempo mas em espaços
diferentes, e que no fim podem confluir no mesmo espaço
(ex: a sequência final do episódio “A Mãe e a lei” de
“Intolerância, 1916). Desenvolveu então a montagem
paralela que, apesar de também justapor acções
alternadamente, não tem uma função narrativa pois não se
centra na questão temporal. Pretende-se que o espectador
estabeleça uma relação simbólica do confronto das
situações a partir da sua comparação ou contraste. (os 4
episódios de Intolerância)
Dois exemplos da montagem de Eisenstein
“A greve” 1924 – O massacre dos grevistas é associado ao degolar de bovinos no matadouro.
“Outubro 1917” 1927 – A pose autoritária do odiado primeiro-ministro Alexandre Kerenski é montada em paralelo com um pavão.
Novos caminhos e outras geografias – o efeito Kuleshov intelectual. Aplicou estes princípios nos seus filmes, sendo a
sequência da escadaria de Odessa no acto IV do filme “O
Os princípios da montagem expressiva foram adoptados couraçado Potiomkin” o exemplo mais famoso da
pelos cineastas russos desenvolvendo estudos que montagem eisenstiniana. A tensão é marcada pela
promoveram a integração do cinema nos ideais da expansão do tempo, recorrendo à escala de planos e
revolução bolchevique de 1917. A mais famosa destas angulações e à oposição de movimentos ascendentes e
experiências foi o chamado “efeito-Kulechov” que consistiu descendentes, e ainda pelo ritmo definido pela duração dos
na justaposição de um grande plano do famoso actor russo planos acentuado pelo compasso dos passos dos cossacos.
Ivan Mozjuguin com outros 3 planos aproximados de um A sequência termina com os tiros dos canhões do
prato de sopa, uma mulher sobre um caixão e uma criança couraçado como resposta ao massacre dos cossacos na
com um peluche1. Pôde-se concluir então que o rosto escadaria de Odessa, seguidos de três planos sucessivos de
inexpressivo do actor passava a adquirir expressões de esculturas de um leão, que parece acordar e erguer-se,
desejo/fome, compaixão e ternura, respectivamente. Este simbolizando o despertar do povo para a revolução contra
poder da justaposição através da imagem é ‘construído’ as injustiças.
pelo espectador. A ideia de que o público pode atribuir um
novo significado, ou de que o cinema recria a realidade em
vez de a reproduzir, foi continuada por outros realizadores
que desenvolveram a ideia da montagem como um produto
– daí que o cinema tenha a sua própria linguagem.

As pesquisas soviéticas foram ainda mais longe com a noção


de choque, e o principal teórico deste período foi o
realizador Sergei Eisenstein. Começou por recuperar a
noção de montagem das atracções que tinha aplicado no A montagem intelectual usada pelos soviéticos foi adaptada
teatro Prolekut “que submete o espectador a uma acção pelo sistema americano, não com objectivos
sensorial ou psicológica (…) com o propósito de nele revolucionários, mas para acentuar o sentido emotivo do
produzir certos choques emocionais”2 . A montagem é uma filme com os efeitos de choque no público ao serviço da
forma de colisão/conflito da qual o espectador é narrativa. Estas técnicas continuaram a ser utilizadas
confrontado de forma a tirar conclusões durante a II Guerra Mundial com objectivos de propaganda
Na continuação dos seus estudos atribui diferentes sentidos e mesmo depois, em Hollywood manteve-se um sistema
à montagem: métrica, rítmica, tonal, harmónica e rígido de regras que não podiam ser quebradas.

1 - são conhecidas várias versões desta experiência


2 - o texto “Montagem de atracções” de Eisenstein foi publicado inicialmente em 1923 na revista LEF
Contra o sistema clássico exclusivamente aos videoclips, depois da criação da
televisão por cabo que possibilitou a existência de canais
Na década de 1960 surgiram rupturas a este princípio de temáticos, veio revolucionar novamente a relação do
narrativa em continuidade, através da mistura de ângulos e espectador com a obra cinematográfica. Mais uma vez, o
de ritmos, da câmara em movimento começando-se a ritmo acelerado, por vezes agressivo, provocava estímulos
promover a utilização das câmaras portáteis e, sobretudo, visuais mais excitantes, principalmente a um público mais
do falso raccord (ou jump cut). As cenas sofriam cortes para jovem, que rapidamente se adaptou a esta velocidade de
“O Acossado”, 1959
Jean-Luc Godard
que a transição entre os planos provocasse uma sensação processamento das imagens. Não só a percepcionava como
França de estranhamento nos espectadores quebrando a sua era aquela que passava a exigir. O estilo MTv voltava a pôr
adesão ao sentido dramático ou emocional. O desafio à de lado a narrativa linear e o foco na história, e começou a
montagem invisível alertava o público para a manipulação usar um método de montagem que diminuía as questões
no cinema, lembrando que estão a assistir a um filme, não temporais e espaciais, através do recurso a planos mais
estão dentro do filme. As técnicas de descontinuidade aproximados em detrimento de planos abertos, e também
também serviam para afirmar uma política de autor no do jump-cut, do ritmo acelerado, da iluminação artificial e
cinema. Os responsáveis por esta revolução visual e de um conjunto de técnicas de justaposição aparentemente
conceptual foram os realizadores da chamada Nouvelle anárquicas, mas bastante criativas, e que dispensavam as
Vague, ex-críticos de cinema ligados à Cinemateca de Paris. regras clássicas. E se antes existiam convenções específicas
Mas também foi utilizada pelos cineastas do Neorealismo para os géneros cinematográficos, passava-se então a
“Psycho”, 1960 italiano, do cinema novo brasileiro ou nas incursões utilizar a mistura dos géneros.
Alfred Hitchcock
EUA cinematográficas dos movimentos artísticos da pop-art
americana, revelando uma influência das experiências das A introdução do computador marca o derradeiro passo da
vanguardas artísticas no cinema principalmente na década tecnologia ao serviço da montagem. Possibilita a utilização
de 1920. de efeitos especiais antes impensáveis e a colaboração na
fase de pós-produção com equipas e companhias
Esta década foi também marcada pela entrada em cena do especializadas em softwares gráficos. Também pode
fenómeno televisivo. A montagem foi influenciada pelas contribuir para facilitar o trabalho do montador, que deixa
reportagens dos noticiários e pelos anúncios publicitários, de trabalhar directamente na película. Por outro lado, as
que ampliou a já muito elaborada paleta de técnicas de novas técnicas de filmagem com maior recurso à câmara
edição. Os efeitos mais imediatos foram a alteração do em movimento, e os novos estilos narrativos não-lineares,
ritmo, mais rápido, e o sentido de imediatismo. O podem fornecer ao público novas e inesperadas
aparecimento do canal MTv em Agosto de 1981 dedicado experiências. Ao montador colocam-se novos desafios da
Genérico do canal temático MTv
forma de compor a história, acrescidos de novas Durante muitos anos, o trabalho de montador era
possibilidades estéticas de composição, com a segmentação absolutamente secundário no processo de execução de um
do plano ou outras formas de manipulação da imagem no filme e não se colocava a questão de ser um parceiro
enquadramento. Mas, a construção peça a peça da versão criativo nesse processo. No período áureo do sistema
final do filme caberá sempre ao montador. industrial de Hollywood, as salas de montagem estavam
praticamente vedadas aos realizadores pois esta era uma
área controlada pelos estúdios. O seu trabalho era
O papel do montador altamente mecânico e por isso pouco visível. Depois da
introdução do som no fim da década de 1920 passou a ser
Actualmente o montador pode ser considerado o principal realizado sobretudo por homens enquanto que antes era
colaborador do realizador, pela sua acção determinante na considerada uma tarefa mais feminina (como a tapeçaria ou
última versão do filme. No entanto, nem sempre foi assim. o tricotar de peças de tecido). Só depois da II Guerra
Nas primeiras projecções de cinema, no final do século XIX, Mundial, quando surgiram os sindicatos, é que começaram
os filmes tinham apenas um take, ou seja, não havia a ser vistos como profissionais especializados apesar de
montagem. Por isso não havia montadores. Quando se ainda serem equiparados a mecânicos sujeitos a regras
começaram a fazer as primeiras experiências juntando estabelecidas. Como a acção do montador pode ser
diferentes planos para contar histórias de ficção, eram os determinante na reacção do público, é fundamental que o
próprios realizadores que colavam as películas ou usavam o montador se guie por padrões éticos.
truque de parar a filmagem sempre que mudavam de
enquadramento. Alguns montadores começam a sua acção ainda durante a
produção, consultando os rushes (filmagens do dia). Devido
à sua intervenção privilegiada junto do realizador,
sobretudo na fase de pós-produção, o montador pode
apresentar opções, detectar situações confusas ou outras
situações que podem alterar a estrutura inicial. Assim, o
ritmo do filme, o dramatismo, o suspense e as situações de
comédia ou descompressão dependem do modo como o
montador combina as imagens e a banda sonora.

Da esquerda para a direita:


Margareth Both (Metro-Goldwyn-Mayer); Barbara McLean (20th Century-Fox Film Studios);
Anne Bauchens (Paramaount Pictures) – responsáveis pelos gabinetes de montagem.
CRONOLOGIA NO
-1900
1889 Bridge of Leeds (Ing) Louis Le Prince
1889-90 Monkeyshines (EUA) Edison Co.
1894-95 Dickson Experimental Sound Film (EUA) Edison Co.
1894 Corbett and Courtney before the Kinetograph (EUA) Edison Co.

CINEMA MUDO 1894 Annie Oakley (EUA) Edison Co.


1894 Buffalo Dance (EUA) Edison Co.
1894 Annabelle Butterfly Danse (EUA) Edison Co.
1894 The John Rice - May Irwin Kiss (EUA) Edison Co.
1894 Fire Rescue Scene (EUA) Edison Co.
1895 Annabelle Serpentine Danse (EUA) Edison Co.
1895 La sortie de L’Usine Lumière (Fra) Lumière
1895 Repas de bébé (Fra) Lumière
1895 L’arroseur arrosé(Fra) Lumière
1895 Partie de cartes (Fra) Lumière
1895 Lutte (Alem) Skladanowsky
1895 Serpentinen Tanz (Alem) Skladanowsky
1895 Das Boxende Känguruh (Alem) Skladanowsky
1896 L’arrivée d’un Train en Gare à la Ciotat (Fra) Lumière
1896 Champs-Élysées (Fra) Lumière
1896 Démolition d’un Mur (Fra) Lumière
1896 Arrivée à Lyon (Fra) Lumière
1896 Arrivée en Gondole à Venice (Fra) Lumière
1896 Entrée du Cinématographe (Fra) Lumière
1896 Unter den Linden (Alem) Skladanowsky
1896 Akrobatisches Potpourri (Alem) Skladanowsky
1896 Alarm der Feuerwehr (Alem) Skladanowsky
1896 Going to the Fire (EUA) Edison Co.
1896 Une Partie de cartes (Fra) G. Méliés
1896 Escamotage d’une dame chez Robert-Houdin (Fra) G. Méliés
1896 American Falls from above American Slide (EUA) Edison Co.
1896 Mess Call (EUA) Edison Co.
1897 Les Pyramides (vue générle) (Fra) Lumière
1897 Eine Moderne Jungfrau von Orleans (Alem) Skladanowsky
1899 The Kiss in the Tunnel (Ing) James Bamforth
1899 The Bitter Bit (Ing) James Bamforth
1899 The Kiss in the Tunnel (Ing) George Albert Smith
1899 Firemen rescuing Men and Women (EUA) Edison Co.
1900-1909 1920
1900 Grandma’s reading Glass (Ing) George Albert Smith 1922 Nosferatu, eine Symphonie des Grauens (Alem) F. Murnau
1900 Let me dream again (Ing) George Albert Smith 1925 Броненосец «Потёмкин» (Bronienossets Potiomkin) (URSS)
1900 As seen through a Telescope (Ing) George Albert Smith Sergei Eisenstein
1900 The Kiss (EUA) Edison Co. 1926 Herr Tartüffe (Alem) F. Murnau
1900 L’Homme orchestre (Fra) G. Méliès 1926 The General (EUA) Buster Keaton
1901 What Happened on 23th street, NY (EUA) Edwin Porter 1926 Мать (Mat) (URSS) Vsevolod Pudovkin
1902 Le Voyage dans la lune (Fra) G. Méliès 1927 Metropolis (Alem) Fritz Lang
1903 Le Chaudron infernal (Fra) G. Méliès 1927 Октябрь-Десять дней, которые потрясли мир (Octiabre)
1903 What Happened in the Tunnel (EUA) Edwin Porter (URSS) Sergei Eisenstein
1903 The Gay Shoe Clerck (EUA) Edwin Porter 1928 The circus (EUA) Charlie Chaplin
1903 The Life of an American Fireman (EUA) Edwin Porter
1903 The Great Train Robbery (EUA) Edwin Porter 1936 Modern Times (EUA) Charlie Chaplin
1903 Uncle Tom’s Cabin (EUA) Edwin Porter
1908 Le secret de Myrto (Fra)
1908 L’Empreinte (Fra) Henry Burguet
1908 L’Assassinat du Duc de Guise (Fra) André Calmettes
1908 Rescued from an Eagle’s Nest (EUA) Edwin Porter

1900-1909
1
1910-1919
900-1909
1910 Afgrunden (Din) Urban Gad
1913 Le Voyage de la famille Bourrichon (Fra) G. Méliès
1913 Quo Vadis (Ita) Enrico Guazzoni
1914 Cabíria (Ita)
1915 The Birth of a Nation (EUA) D. W. Griffith
1916 Intolerance (EUA) D. W. Griffith
1919 Broken Blossoms (EUA) D. W. Griffith
1919 Das Kabinett des Doktor Caligari (Alem) Robert Wien
GLOSSÁRIO CINEMATOGRÁFICO
Actor / Actriz
Elementos fundamentais na história porque têm o papel Bobina Cortina

CABÍRIA
de encarnar as personagens. No sistema clássico Rolos cilíndricos contendo a película enrolada vedada à Por vezes nos filmes mudos surgiam duas barras negras
americano, o star system foi essencial como estratégia luz. Cada bobina contém uma quantidade de película verticais à volta das imagens para destacar um pormenor.
publicitária para garantir o sucesso do filme, o que ainda equivalente a 20 minutos de filme. A cortina também servia para a transição de cenas
hoje acontece. quando se deslocava lateralmente criando uma mancha
Campo intermédia entre os planos.
Argumento Espaço visível no enquadramento (no rectângulo da tela).
Texto preparatório da história do filme. Difere do guião O campo também sugere um espaço ou uma acção fora Diegese
pela técnica de escrita. Há escritores que se dedicam dessa ‘janela’: o fora-de-campo. A narrativa que se desenvolve no filme. É o espectador
exclusivamente à escrita de argumentos. Os quem constrói o universo de ficção dos filmes, a partir da
argumentistas lidam essencialmente com cenas e Cena forma como são combinados os elementos (planos,
sequências (não com planos). É constituída por vários planos, ligados por uma ângulos, sons, etc.)
continuidade temporal e espacial.
Bioscópio Dolly
O Bioskop foi a máquina de projectar dos irmãos Cinematógrafo Plataforma com rodas ou sobre carris, onde se pode
Skladanowsky. Era constituída por duas lentes, por isso Do francês Cinematograph. Foi a máquina inventada por colocar uma pequena grua suportando o operador de
tinha que haver duas tiras de película, o que tornava o Auguste e Louis Lumière e apresentada em 28 de câmara e que permite maior mobilidade na filmagem.
processo mais complexo. A sua primeira apresentação Dezembro de 1895, em Paris, naquela que foi
pública foi em Berlin Wintergarten, em 1 de Novembro de considerada a primeira sessão pública de cinema. Duplo
1895. É provavelmente uma das profissões mais difíceis e
Corte perigosas no cinema. Consiste em substituir o actor
Banda Sonora Do inglês cut, que significa a transição entre planos principal nas cenas mais arriscadas. Actualmente em
Conjunto de elementos auditivos que compõem o filme: quando não há efeitos de ligação (fundidos, encadeados, muitas dessas cenas perigosas começa-se a recorrer à
diálogos, música, ruídos de ambiente, etc. etc.) computação gráfica.
Elipse criando imagens circulares rodeadas por uma mancha Montagem
Técnica narrativa muito usada no cinema que significa um negra indicando o início ou fim de uma sequência. Organização dos planos e dos sons segundo uma lógica
salto no tempo diegético, ou seja, cortam-se factos coerente definida na planificação e ajustada na pós-
temporais que não têm importância para a história. Género cinematográfico produção. No sistema americano o montador segue as
Refere-se a grupos de filmes com características orientações dos estúdios ou dos produtores. Em outros
Estúdios semelhantes ou códigos, que fazem com que o casos, o montador e o realizador trabalham em conjunto.
Espaços fechados de grandes dimensões onde se espectador reconheça o ambiente narrativo do filme
constroem cenários para simular outros espaços (histórico, dramático, romântico, de ficção-científica, etc.) Panorâmica
exteriores ou interiores (ruas, salas, etc). Os estúdios Movimento de câmara feito em torno de um eixo, como
permitem simular o tempo e a hora do dia, facilitando o Guião por exemplo quando a câmara está assente num tripé. Tal
trabalho da rodagem e reduzindo os gastos com a Como o nome indica é o texto que guia os elementos da como no travelling, a panorâmica permite acompanhar o
produção. Este método iniciado nos Estados Unidos com equipa durante as filmagens. É elaborado segundo movimento que se passa na cena ou apresentar um
o Black Maria (1892) e em França com o estúdio de códigos de escrita muito precisos para facilitar o trabalho espaço amplo quando a câmara não pode recuar.
Méliès (1897) deu origem aos grandes estúdios de dos actores e do realizador.
Hollywood pertencentes a companhias como a MGM, Plano
Paramount, Warner Bros., 20th Century Fox, e outras. Intertítulos Imagem que surge no enquadramento quando se filmam
Texto que surge durante poucos segundos entre os os takes ou quando se projecta na tela. Pode ter
Figurante planos, nos filmes mudos, para ajudar o público a diferentes escalas, consoante a distância da câmara ao
Os figurantes podem ser actores ou não, que não perceber melhor a história. Surgem sob a forma de assunto ou à personagem quando foi filmada. O plano
representam papéis determinantes na cena a não ser de diálogos ou pequenas indicações narrativas. pode ser mais aberto, quando se filma a grande distância
suporte à acção das personagens principais. (uma paisagem) ou mais fechado quando se filma um
Kinetoscópio (ou Cinetoscópio) pormenor.
Flashback Sistema de visionamento individual de imagens em
Processo narrativo utilizado para fazer recuar a história movimento inventado por William Dickson para a Edison Película
no tempo. É o contrário de Flash-forward. Co., que continha uma tira de película de 35mm. Tira de celulóide coberta de emulsão fotográfica, onde se
registam as imagens. As máquinas de filmar gravam 24
Fotograma Last minute rescue fotogramas por segundo. O formato mais usado é de
Cada uma das imagens gravadas na película. No cinema, Expressão inglesa que significa salvamento no último 35mm.
um segundo de filme corresponde a 24 fotogramas. minuto. Trata-se de uma técnica narrativa que visa
acentuar o suspense até ao limite. Plot
Íris Expressão inglesa cuja tradução em português é enredo e
É uma forma em círculo a partir do diafragma nas Mise-en-scène que se refere a situações ou eventos que definem a
objectivas das máquinas de filmar. O fechamento ou Expressão francesa que designa a colocação em cena dos narrativa.
abertura de íris era muito usado nos filmes mudos actores, objectos e iluminação, para definir como irão
surgir no enquadramento.
Ponto de vista subjectivo Rodagem Take
Quando a câmara se coloca no mesmo lugar da O mesmo que filmagem. Filmagem um excerto de uma cena, desde que a câmara
personagem. Como o espectador vê o mesmo que essa começa a registar as imagens na película até parar. A
personagem, parece que entra no universo do filme. Este Rushes quantidade de takes de uma cena define o seu ritmo.
efeito ajuda a prender a atenção do público. Termo inglês que designa as últimas filmagens reveladas
no set. Assim que estão disponíveis os rushes, muitas Travelling
Pós-produção vezes a equipa onde se inclui o realizador e o montador Movimento de câmara feito geralmente sobre carris,
Corresponde à fase de execução de um filme posterior às avaliam essas imagens com vista à preparação das pós- acompanhando o movimento dos actores ou de objectos
filmagens. Destina-se a concluir o processo, com a produção. Também pode ser necessário repetir cenas que rodeando-os (travelling circular), em paralelo (travelling
montagem e os efeitos especiais, preparando-o para a não ficaram bem filmadas. lateral) aproximando-se ou afastando-se (travelling para a
distribuição e exibição. frente ou para trás), para cima ou para baixo (travelling
Sequência vertical).
Pré-produção É constituída por uma ou várias cenas, que além da
Fase de planificação no processo de execução, anterior às relação temporal e espacial também tem uma unidade Trick-film
filmagens. temática com um princípio, meio e final definidos. Expressão inglesa que se refere a filmes de truques muito
comuns no primeiro cinema, nomeadamente nas
Produção Set paragens da acção e substituição da imagem, atribuídas e
Consiste em reunir as condições necessárias para a Local onde foram feitas as filmagens. muito exploradas por Georges Méliès.
execução do filme, envolvendo uma equipa “acima da Os trick-films estão na base dos efeitos especiais.
linha”, coordenada pelo produtor. A produção Sinopse
cinematográfica também pode ser considerada a fase Resumo do filme em que se apresentam as personagens, Voz off
intermédia que corresponde à acção de filmar. o tema e a história, mas que não revela a sua conclusão Equivale ao narrador no cinema. É quando se ouve a voz
para criar alguma expectativa. de uma personagem mas esta está fora de campo.
Profundidade de campo
Espaço nítido (ou focado) registado pela câmara de
filmar. Story-Board Zoom
Fase preparatória anterior às filmagens, que corresponde Efeito óptico de aproximação ou afastamento da cena
Raccord a um esquema em desenho dos vários planos que vão ser através da manipulação da objectiva e não do movimento
Ligação entre os planos que possibilita a continuidade utilizados. O story-board é muito útil porque facilita o da câmara. Por vezes é chamado de travelling óptico.
diegética. É a base da montagem do sistema clássico trabalho do realizador e da sua equipa, e até do
americano, também conhecido como montagem montador. Permite organizar melhor a ordem das
contínua. O espectador prende-se à história e não se filmagens, nem sempre coincidente com a montagem
apercebe dos cortes. Na Nouvelle Vague rompeu-se com final, mas ajudam a ganhar tempo.
o princípio de raccord, fazendo-se experiências de
montagem usando o jump-cut ou falso raccord.

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