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Ciência - Mundo Científico –

A Ciência se aprende dormindo


Por BBC Brasil

26 de dezembro de 2014

A ideia de aprender enquanto dormimos é tão atraente quanto controversa.


Na literatura e no cinema, o mais comum é que ela tome a forma de uma
mente inconsciente absorvendo novas informações a partir de uma
gravação tocando ao fundo.

Hoje, se sabe que este tipo de aprendizado durante o sono é quase certamente
impossível. Embora estudos iniciais tivessem sugerido que as pessoas sejam
capazes de guardar alguns fatos durante o sono, a verdade é que os cientistas
nunca puderam descartar que elas não tivessem simplesmente acordado
levemente e ouvido a gravação.

Para testar essas suspeitas, Charles Simon e William Emmons conectaram


eletrodos ao couro cabeludo de voluntários e se asseguraram de que suas
'cobaias' estavam dormindo no momento em que gravações fossem tocadas. As
pesquisas, feitas nos anos 1950, confirmaram as suspeitas: as pessoas não
aprenderam nada do que foi tocado para elas enquanto dormiam.

Apesar de ser impossível ensinar habilidades do zero a uma pessoa durante o


sono, há muitas maneiras, básicas ou sofisticadas, de ajudá-la a consolidar
conhecimento adquirido enquanto descansa.

Quando dormimos, nosso cérebro pode não enxergar ou escutar novas


informações, mas está absorvendo as experiências do dia anterior, enviando
memórias do hipocampo, onde os cientistas acreditam que elas se formam, para
as várias áreas do córtex, onde são armazenadas a longo prazo.

"O sono ajuda a estabilizar as memórias e a integrá-las a uma rede de


recordações mais antigas", diz Susanne Diekelmann, da Universidade de
Tubingen, na Alemanha.

Dormir também possibilita a generalização daquilo que aprendemos, para


podermos aplicar o conhecimento em novas situações.

'Manipulando' sonhos
Assim, vários experimentos têm buscado estimular o cérebro durante o sono com
a finalidade de ajudá-lo a consolidar fatos e habilidades aprendidos durante o
dia.

Entre os métodos existentes para alcançar esse fim, o mais simples deriva de
uma pesquisa realizada no século 19 pelo nobre francês Marquês d’Hervey de
Saint-Denys.

Explorando maneiras de manipular seus sonhos, ele descobriu que podia evocar
certas lembranças com odores, sabores e sons. E usava esses estímulos
durante o sono para ter noites com sonhos mais prazerosos.

Essa mesma abordagem pode fazer o cérebro reproduzir, durante o sono,


habilidades e fatos adquiridos, reforçando o aprendizado.

Diekelman fez uma experiência com voluntários na qual pediu para eles
memorizarem uma sequência de objetos enquanto inalavam um aroma artificial
e sutil. Quando os voluntários dormiam, a cientista borrifou o mesmo aroma nas
narinas de alguns deles.

Uma tomografia mostrou que eles apresentavam uma comunicação maior entre
o hipocampo e as áreas do córtex. No dia seguinte, esses voluntários lembraram
de 84% dos objetos na sequência, enquanto o grupo que não foi submetido ao
aroma durante o sono lembrou de apenas 61%.

Upgrade tecnológico
Em um futuro próximo, a tecnologia poderá oferecer novas maneiras de
incentivar os ciclos do sono no cérebro. Cientistas acreditam que a consolidação
da memória ocorre durante oscilações específicas e lentas da atividade elétrica
cerebral. Por isso, estão tentando estimular esse tipo de onda no cérebro sem
acordar o paciente.

Jan Born, da Universidade de Tubingen, é um dos pioneiros nesse tipo de


experiência. Recentemente, Born testou uma espécie de touca de eletrodos que
medem a atividade neural enquanto um fone de ouvidos toca sons em sincronia
com as ondas cerebrais.

"O método aprofunda o sono de ondas lentas e o torna mais intenso. É uma
maneira mais natural de fazer o sistema funcionar em um certo ritmo", explica.

Já Miriam Reiner, do Instituto de Tecnologia Technion, em Haifa, em Israel, está


elaborando um tipo de "neurofeedback" que permite aos voluntários controlar
sua atividade neural enquanto estão acordados. Um eletrodo ligado à cabeça
dos voluntários envia sinais a um jogo no qual cada pessoa tem que dirigir um
carro com o poder do pensamento.

Quando o eletrodo registra a frequência correta de ondas cerebrais,


normalmente associada com a consolidação da memória durante o sono, elas
aceleram. A mudança no estado mental é visível. "Me sinto mais relaxada, como
se estivesse em um lugar sereno e bonito", diz Reiner.

A ideia é dar um impulso à consolidação da memória logo após o aprendizado,


o que faz com que o cérebro funcione melhor durante o sono.

Pesquisas
Ainda são necessários testes mais abrangentes e com mais voluntários antes
que essas técnicas sejam adotadas no dia-a-dia. Para Reiner, ainda precisamos
nos perguntar se seria correto começar a manipular as memórias das pessoas,
ainda que com boas intenções.

"O sono é um estado vulnerável", observa ela.

Mas a cientista ressalta que questões como essa não devem conter o interesse
em aprender dormindo.

Em última instância, pesquisas sobre o assunto podem mudar a maneira como


percebemos essa parte tão subestimada de nossas vidas.

Em uma cultura ocidental onde ser workaholic é aceitável, o sono às vezes tende
a ser considerado uma perda de tempo que tentamos vencer com uma boa dose
de cafeína.

Mas quem sabe um dia comecemos a valorizar o dormir como uma parte do dia
rentável na qual não precisamos fazer nada, a não ser relaxar.

Disponível em <
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/12/141219_vert_fut_sono_apren
der > Acesso dia 30 de dezembro de 2014.

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