Você está na página 1de 4

As estratégias sensíveis – afeto, mídia e política

Muniz Sodré
Rio de Janeiro: Mauad X, 2016.

Sentir, comunicar e compreender

- começa o capítulo com uma reflexão de Mario Perniola que afirma que a nossa época
é estética, porque tem o campo da aisthesis, do sentir, como seu campo estratégico.
(p.17)
- Vattimo movido pela ideia de um primado da experiência estética sobre qualquer
outra. A interpretação de Vattimo aos parágrafos 39 e 40 de Crítica do juízo, de Kant.
(p.21)
- “O que Vattimo está afirmando é que, assim como o gozo estético pode ser
compreendido como uma expectativa de compartilhamento (o senso comum kantiano)
do que se experimenta na contemplação de uma obra de arte, por exemplo, o apelo da
comunicação estaria na possibilidade de integrar o sujeito contemporâneo numa
sociedade de iguais, copartícipes de um juízo de gosto.(p. 21-22)
[...] Dessa maneira, um sentimento intenso de comunidade, e não uma razão
universalista, estaria no âmago do processo comunicacional.
- Vattimo e sua preocupação com a comunicabilidade pura e simples, para além de
qualquer conteúdo específico, mais a ver com o sensível do que com a razão.
- “A infinita e imediata expressividade do corpo leva à suposição de que o poder ativo
e passivo das afecções ou dos afetos, além de preceder a discursividade da
representação, é capaz de negar a sua centralidade racionalista, seu alegado poder
único.” (p.23)

Razão e Afeto

- afeto – energia psíquica que se deixa ver nas diferentes modulações da tensão do
corpo (p.25)
-a genealogia da palavra razão – o intellectus e ratio ou dianoia (p. 25)
- pathos (grego) – passio (tradução latina) – na Idade média, os escolásticos
entendiam paixão como qualquer movimento de apetite sensível – albert magno
(professor de São Tomás de Aquino) designaria essa experiência como affectio – para
Santo Agostinho, termos como affectio, affectus, passiones são simplesmente
sinônimos... (p.27)
- os conceitos revelam-se particularmente imprecisos nessa ordem dos fenômenos
humanos, na qual tem primado o sensível ou a sensibilidade (entendida como
propriedade de acolher impressões e excitações, a elas reagindo com operações
distintas dos processos intelectuais) (p.27)
- “Afeto é nome recente para o que antes se designava como afecção, a exemplo da
doutrina de Espinosa: “Entendo por paixões (affectus) as afecções (affectiones) do
corpo que aumentam e diminuem a potência do agir”(ética III, def.3). Registra-se, aqui,
entretanto uma sutil diferença entre afecção, como um conceito referido diretamente
ao corpo e a sua ideia, e afeto (affectus), “que implica tanto para o corpo quanto para
o espírito um aumento ou uma diminuição da potência de agir”. (p.27-28)
- “Pois bem, as afecções equivalem aos modos, que se acham presentes tanto no
corpo como no espírito. Corpo é um modo de extensão, é coisa; espírito é um modo de
pensamento, portanto ideia do corpo que lhe corresponde.”(p.28)

Emoção, paixão e sentimento

- “Hoje, termos como afeição ou afecção, provenientes de affectus e affectio,


entendem-se como um conjunto de estados e tendências dentro da função psíquica
denominada afetividade, mais especificamente uma mudança de estado e tendência
para um objetivo, provocadas por causa externa” (p.28)
- Afeto, por sua vez, com a mesma etimologia, refere-se ao exercício de uma ação no
sentido B, em particular sobre a sensibilidade de B, que é um ser necessariamente
vivo.
- A ação de afetar (no latim clássico, podia corresponder a commuovere) contém o
significado de emoção, ou seja, um fenômeno afetivo que, não sendo tendência para
um objetivo nem uma ação de dentro pra fora, define-se por um estado de choque ou
perturbação da consciência.(p.28)
- Ou seja, em linhas gerais, afeto pode muito bem equivaler à ideia de energia psíquica,
assinalada por uma tensão em campos de consciência contraditórios. Mostra-se,
assim, no desejo, na vontade, na disposição psíquica do indivíduo que, em busca de
prazer, é provocado pela descarga de tensão. (p. 28-29)
- a palavra emoção, muito frequente no vocabulário moderno da afetividade, guarda
um certo consenso teórico no sentido de que dá unidade aos fenômenos sensíveis ( a
emoção é um tremo que confere uma unidade aos fenômenos sensíveis) (p.29)
- “Emoção é um tipo de afeto que se costuma atribuir exclusivamente aos seres
humanos, embora comporte a possibilidade de ser pensada também como traço
animal”(p.29)
-Para Damásio, o erro cartesiano consiste precisamente no enunciado “penso, logo
existo”, que deveria ser corrigido por “existo, e sinto, logo penso” (p. 30 – ver nota de
rodapé 22)
- a partir de Antonio R. Damásio – “Partindo da noção de corpo como organismo vivo
complexo, pleno de processos em constante modificação, ele sustenta que a
capacidade de deliberar está relaciona à capacidade de ordenação de imagens internas
(visuais, sonoras, olfativas, etc). Estas constituem propriamente o pensamento. O
conhecimento assume em grande parte a forma de imagens. Para que se realize o
raciocínio, é preciso que essas imagens estejam ativas e disponíveis, o que supõe
processos ligados a emoções e sentimentos” (p. 30-31)
-“Emoção não é exatamente o mesmo que paixão, embora dela se aproxime o sentido
primal de paixão (ambos os afetos cabem no grego phatos ou paskhein), designando
tudo que acontece de novo a um sujeito. [...] A paixão implica um estado emocional
continuado ou durável, portanto mais persistente do que o instantâneo abalo anímico
da emoção” (p.31)
- “Com Descartes, o primeiro grande filosofo da modernidade, a racionalidade
confirma-se oficialmente como ratio, isto é, medida e norma. “Método” é
precisamente essa modalidade de razão, que agora leva o domínio do ser a passar pelo
controle do sujeito. Em As paixões da alma, Descartes preconiza o controle das
“inclinações animais”, inclusive o medo, por meio do pensamento, da razão e da
vontade.”(p.33)
-“É certo que, antes disso, a estética kantiana havia preparado o caminho para se
acolher o afeto na casa do pensamento. ‘Há, toda vez que nós transmitimos nosso
pensamentos, dois modos (modi) de compô-los, um dos quais se chama maneira
(modus aestheticus) e o outro, método (modus logicus), que se distinguem entre si no
fato de que o primeiro modo não possui nenhum outro padrão que não o sentimento
de que há unidade na apresentação (dos pensamentos), ao passo que o segundo segue
em tudo princípios indeterminados’ (Crítica do juízo, parágrafo 49).
Mas aí ainda é visível a hegemonia do sujeito e da razão.” (p.34)

Iconoclastias do pensamento

A força da estesia

- “A dimensão do afeto sempre foi ideologicamente tratada como o lado obscuro,


senão selvagem, do que se apresenta como o rosto glorioso e iluminado do
entendimento, ou seja, do principal procedimento da razão. Esta, entronizada pelo
ascetismo judaico-cristão e pelo pensamento liberal-utilitário, proclama-se parceira do
espírito e alheia ao corpo. Mas sempre se teve razoável consciência de que a eficácia
da razão, em determinados tipos de ação humana, depende de tal lado obscuro,
portanto dos afetos” (p. 43-44)
- Na dialética platônica ou aristotélica, é perfeitamente lícito apelar-se para as
sensações, portanto para uma retórica que inclui estados ou disposições psíquicas. Às
sensações externas e internas produzidas no corpo e das quais o indivíduo tem
consciência, refere-se o verbo aisthanomai, traduzido pelos latinos como sentire. A
PERCEPÇÃO SENSÍVEL DE ALGO É A FACULDADE ANÍMICA ATINENTE ÀQUELES QUE
PLATÃO E ARISTÓTELES CHAMARAM DE AISTHETA.”(p.45)
- em alguns dos seus diálogos (Íon, Fedro, Ménon), “Platão opõe à episteme o delírio
sagrado ou a faculdade emotiva do ser, que se inscreve num aspecto particular da
aisthesis.” (p.54)

- SOBRE A ESTÉTICA – “É verdade que o conceito de estética pertence à modernidade


europeia. Mas Baumgarten, que o inventou como “ciência do modo sensível do
conhecimento do objeto”, não restringia a ideia de arte ao que depois se passou a
entender por essa palavra ( “artes do belo”, “belas artes”). Ao criar a designação de
“estética” – o conhecimento da estesia -, em vez da também possível “poética
filosófica”, ele pretendia mostrar a existência de uma gnoseologia da sensação ou da
percepção sensível, irredutível ao saber lógico”. (p. 45)
- “Estética os estesia são de fato designações aplicáveis ao trabalho do sensível na
sociedade. É um tipo de trabalho feito de falas, gestos, ritmos e ritos, movido por uma
lógica afetiva em que circulam estados oníricos, emoções e sentimentos. A emoção é o
que primeiro advém, como consequência da ilusão que fazemos de caminho para
chegar à realidade das coisas, “A alma não conhece sem fantasia”, ensina Aristóteles
(Sobre a alma), indicando que inexiste o triunfo absoluto do logos sobre o mythos.
”(p.45)

Você também pode gostar