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Doutoranda no Programa de Pós Graduação em Psicologia na Universidade Federal Fluminense.
Mestre em Relações Étnico-Raciais no Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckuow da
Fonseca (CEFET/RJ). Graduada em Psicologia (PUC-Rio). Curso de formação clínica em psicologia
integrativa na Accelereted Experiential dynamics Psychotherapy (AEDP- neuropsicoterapia).
subjetividade, vontade, força e nobreza. Assim acredito na importância desse resgate de
nossa memória ancestral, como possibilidade de acesso a autoestima, orgulho,
segurança e pertencimento. Sendo assim, Recuperar a memória ancestral do negro faz
parte de um processo de cura.
Introdução
Sankofa: Não é tabu voltar para trás e recuperar o que
você perdeu.
Como pensar uma relação de prazer e de autoestima com o corpo negro, se nossa
memória é construída através de aspectos negativados que atravessaram a colonização,
escravização e pós-abolição?
A memória não deve ser pensada apenas como um fenômeno individual, mas
também em sua dimensão social. Nesse sentido, também está intimamente relacionada
ao momento presente, ou seja, é no momento presente que as memórias do passados
são acessadas. Nesse processo, esses mesmos elementos são ressignificados, ou seja,
adquirem um novo sentido, à luz das novas situações, interesses e emoções. A esse
processo, denominamos de memória coletiva. Essa memória diz respeito a
conhecimentos e práticas culturais mantidas, acumuladas e produzidas por um grupo
social específico.
O autor Wilson (1993) ressalta que a história do negro, não foi contada pelo
negro, e quando alguém ‘aceita’ que outra pessoa lhe diga e defina sua essência e
trajetória, permite ao outro o domínio e controle si. A auto narrativa orienta a forma que
cada ser humano se coloca no mundo. Há, então, uma relação íntima entre a história e a
personalidade. Não conhecer a própria história, ou conhecer uma versão distorcida dela,
é ter roubado de si um pilar da própria identificação. E se a única história conhecida é
narrada por um outro - outro este que tem seu discurso legitimado na sociedade, e
portanto parte da cultura - a personalidade passa a ser influenciada por essa narrativa.
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Sobre esse conceito, ver HALL, Stuart. A identidade cultura na pós-modernidade. 10. ed. Rio de Janeiro:
DP&A, 2005.
(aqui eu englobo também a memória corporal, pois advém de experiências que
atravessam nosso corpo, como, por exemplo, o eixo deste trabalho, as experiências
raciais que são atribuídas ao o corpo negro) está relacionada com atividade do sistema
nervoso que permite ao sujeito registrar, conservar e evocar os dados aprendidos da
experiência.
O corpo e a mente interagem entre si; nossa mente integra diferentes
informações intelectuais e “mesmo em suas manifestações mais abstratas, não é
separada do corpo, mas sim nascida dele e moldada por ele” (CAPRA, 2002, p. 79).
Não obstante, o corpo é o lugar em que recolhe as histórias vividas, sendo elas
experiências emocionais e experiências físicas. “O corpo sente, aprende, se disciplina,
se condiciona e toda vez que isso acontece, as células do cérebro sofrem uma alteração e
essa alteração irá refletir em nosso comportamento” (VOLPI, 2004, p. 2).
As narrativas sobre o quanto corpo negro é sentido e memorizado como algo que
está o tempo todo sendo perseguido, sendo olhado e, por isso, necessariamente vigilante
e tenso, apareceram em diversos momentos. Este aspecto me chamou atenção e me
levou a pensar o conceito Foucaultiano de panopticon, algo que permite
a vigilância e controle social de alguns corpos de forma mais eficientes. Parece que
internalizamos o medo de ser constantemente vigiados pelo colonizador. Os corpos
negros sentem que estão o tempo todo sendo vigiados, como se ainda de alguma forma
restassem resquícios do olhar e perseguição da colonização. Isso retrata o quanto o
racismo pode aprisionar o sujeito ainda que não tenha grilhões. O racismo é algo tão
estruturante e estrutural que condiciona o sujeito negro a uma realidade de não
liberdade. De não cidadania.
Memória e Ancestralidade
Não bastava arrancar o negro de suas terras, também queriam tira-lhes sua
subjetividade. Matar os guerreiros, reis, mulheres, homens e crianças que existiam
dentro de cada negro, tentaram minar qualquer impossibilidade de autoconfiança, de
existência, autenticidade e de luta. No entanto, apesar dos esforços, estamos resistimos.
Não conseguiram nos extinguir. Aqui estamos, seguimos reinventando, ainda possuímos
elementos que usamos para construção da memória e também para a construção de
nossa identificação, como as tranças, a capoeira, os tecidos, as religiões de matrizes
africanas e alguns objetos.
Considerações Finais
Todas essas experiências, que até hoje acontecem, ficam guardadas na memória.
Infelizmente, várias pessoas negras experimentam situações como estas, então, podemos
pensar em uma memória coletiva, uma memória histórica em que as vivências são
partilhadas.
Não há como pensar as memórias sem pensar que elas estão situadas em
contextos históricos. Por exemplo, antes de nascer, o sujeito negro já havia vivenciado
várias humilhações durante sua vida. Nascemos em um contexto em que já existem
verdades sobre nós e que adsorvemos. Muitas dessas memórias históricas podem levar o
negro a depreciar a sua constituição e tudo aquilo que se relaciona com o negro.
Certa vez, ouvi um psicólogo afirmar que não tem como eu atender, na clínica,
um sujeito sem conhecer a sua história, pois não faz sentido um psicóloga atender um
paciente sem entender que de alguma forma o seu contexto histórico engendrou a sua
constituição como indivíduo. No caso do negro, o racismo, comum em nossa sociedade,
molda sua identificação e por isso é necessário entender como lhe foi imputado ao longo
de sua vida. O esclarecimento é de que há um desprezo histórico dos soberbos pelos
subordinados, algo que ainda que silencioso pode deixar marcas psíquicas profundas.
Referências Bibliográficas:
BAKTHIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. A ARTE DE SISTO, Celso. A arte de
contar histórias e sua importância no desenvolvimento infantil. São Paulo: Martins
Fontes, 1992.
COSTA, Jurandir Freire. Da cor ao corpo: a violência do racismo. In: SOUZA, Neuza
Santos. Tronar-se Negro: as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em
ascensão social. 2ª edição. Rio de Janeiro. Editora graal, 1983.
FANON, Frantz. Pele negra máscaras brancas. Salvador. Editora EDUFBA. 2008.
POLLAK, Michael. Memória e identidade social. IN: Estudos Históricos, 5 (10). Rio
de Janeiro, 1992.