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Amarga Ilusão

Anne Mather

Copyright: ANNE MATHER

Título original:
“SEEN BY CANDLELIGT”.

CAPÍTULO I

Karen Stacey deixou o assento do motorista de seu pequeno automóvel e jogou sobre os
ombros um casaco de pele de carneiro antes de trancar a porta do carro. Tiritando no ar
gelado de março, cruzou a calçada e abriu a porta do chalé estilo georgiano que sua mãe
possuía em uma tranqüila vila.
Do lado de dentro a casa estava aquecida e Karen abrigou-se com prazer naquela
atmosfera acolhedora. Liza, a governanta de sua mãe, recebeu-a calorosamente, pegando
seu casaco e colocando-o no cabide do vestíbulo. Liza trabalhava para sua mãe desde que
Karen era criança, e mesmo assim, para Karen, ela parecia não envelhecer.
- Onde está minha mãe, Liza?
- Na sala de estar, senhorita Karen - respondeu Liza, revelando em seus olhos
desaprovação pelas roupas informais de Karen. Calças apertadas e um pulôver grosso
eram algo inconcebível para Liza. Você realmente precisa usar estas calças horrorosas,
querida? - perguntou. - Elas não ficam bem para uma jovem senhora!
Liza era incrivelmente conservadora. Nunca tinha se casado e sempre cuidara das crianças
da família Stacey como se fossem suas. E com a confiança adquirida nestes anos todos, ela
invariavelmente dizia o que pensava. Karen achou divertido e respondeu:
- Ora, Liza, meu amor, eu acabei de sair da prancheta. Você queria que eu me arrumasse
toda só para vir até aqui? mais quando eu tenho que voltar e continuar a trabalhar, como
hoje. Além disso, as calças compridas são bem quentes e estão na última moda.
Liza encolheu os ombros, fazendo uma careta, e com uma risadinha deixou Karen entrar
na sala de estar. Este aposento dava de frente para a vila de Masewood e era muito
agradável. O chalé era muito confortável, sem ser luxuosamente mobiliado, e a sra. Stacey
ali vivia com sua filha mais nova. Sandra. Karen não as visitava tanto quanto deveria, era
verdade, mas seu trabalho e a pintura, seu passatempo nas horas vagas, a mantinham
muito ocupada, e além do mais esta casa trazia de volta lembranças dolorosas que ela
preferia esquecer.
Sua mãe estava sentada na escrivaninha escrevendo cartas. Quando Karen entrou ela se
levantou para cumprimentar sua filha mais velha. As duas se pareciam muito pouco, pois
Karen era loura acinzentada e sua mãe tinha sido ruiva. A sra. Stacey atravessou a sala e
deu um beijo nas faces geladas de sua filha mais velha. Então, ela sentou e observou-a
detalhadamente.
- É bom vê-la -, disse Karen, sorrindo. - Faz tanto tempo que isto não acontece!
- Sim, querida -, murmurou Madeline Stacey, distante. - Eu... eu... eu não ouvi você
chegar.
- Pelo seu tom no telefone achei que uma grande catástrofe estava para acontecer -
declarou Karen suavemente. - Imaginei encontrá-la esperando à porta. Em vez disso, você
parece absorvida em seus próprios pensamentos.
- Bem, querida, tenho que admitir que estou profundamente aborrecida com você por nos
ter negligenciado por tanto tempo. - Madeline Stacey olhou-a duramente. - Somos seus
únicos parentes, você sabe. Você realmente deveria pensar um pouco na gente.
- Mas eu penso! - exclamou Karen, consciente de sua culpa.
- Simplesmente parece que nunca me sobra tempo. Eu levo uma vida muito atarefada,
mamãe. Mas, de qualquer maneira, o que a impede de me visitar? O apartamento é logo
ali.
- Minha querida Karen, toda vez que eu vou visitar você, fico largada num canto como se
fosse lixo, enquanto você se ocupa com um novo figurino ou então fica pintando aqueles
quadros abstratos horríveis. Às vezes, eu me distraio, mas sempre consciente de que
estou atrapalhando. Não posso dizer que seja bem recebida, por mais indelicado que isso
possa parecer. - Karen sentiu-se desconfortável. Ela sabia que o que sua mãe estava
dizendo em parte era verdade, mas a conversa limitada de Madeline, na maior parte só
fofoca, a deixava entediada e ela realmente preferia trabalhar sozinha.
Está bem, doçura, você mostrou claramente sua opinião. Agora,
qual é o problema? O que está saindo do forno?
Madeline apontou para uma poltrona baixa, onde Karen deveria sentar-se e voltou-se
vagarosamente. Karen soltou um suspiro de impaciência. Mesmo com todo amor que
sentia por sua mãe, sabia muito bem o quanto Madeline adorava dramatizar as coisas. Era
óbvio que esta visita não seria tão curta quanto estava esperando. Madeline tinha algo em
mente, e não iria desistir enquanto não tivesse posto tudo para fora. Karen pegou sua
cigarreira e retirou um cigarro, mas as primeiras palavras a chocaram tanto que ela quase
o deixou cair.
- Você tem visto Paul ultimamente? - começou Madeline, em um tom calculadamente
casual.
- Paul? - Karen sentia-se como se estivesse tentando ganhar tempo, para esconder o
choque que seus sentidos levaram. com os dedos trémulos, acendeu o cigarro e tragou
profundamente, - Não - respondeu ela vagarosamente. - Nunca mais nos encontramos e
você sabe disso. Então, por que pergunta? Ah... suponho que você viu a notícia do noivado
dele no Times.
- Vi sim - concordou sua mãe. - O nome dela é Ruth Delaney, creio. Uma americaninha,
filha de um magnata, se é que eu me lembro corretamente.
- A senhora sabe de tudo - replicou Karen secamente. Não, sua mãe não tinha falado à
toa. - Bem, mãe, por que eu deveria ter encontrado Paul?
- Pensei que ele pudesse ter telefonado para reclamar que Sandra está saindo com Simon.
- Simon! - exclamou Karen, arregalando os olhos. - Simon Prazer está saindo com Sandra?
Mas ele é casado. A senhora deve estar brincando.
- Realmente, queria estar - disse Madeline duramente. - Não brinco com estas coisas,
Karen. Sinto-me sem forças, minha filha. Ela se recusa a abandoná-lo, apesar de eu ter
suplicado que o fizesse. Você sabe como é difícil lidar com Sandra, como ela é cabeça-dura
e auto-suficiente.
- Você é a única culpada disso - Karen respondeu friamente.
- Você sempre facilitou com ela.
- Obrigado - disse Madeline furiosamente. - E o que faria você se ficasse sozinha com duas
crianças para criar?
- Teria tratado as duas da mesma maneira, em vez de mimar uma e cavar um buraco para
mim mesma - retrucou Karen. - De qualquer modo, mamãe, isto não tem importância
agora. Concordo que Simon Prazer não é boa companhia para uma garotinha, muito
menos para uma idiota impressionável como Sandra! Como você ficou sabendo sobre
eles? Não acredito que ela tenha contado.
- Não, nem uma palavra. Uma amiga os viu jantando juntos a semana passada e telefonou
contando. Sandra só tem dezessete anos, Simon deve ter mais de trinta. Afinal, Paul tem
trinta e sete, não é mesmo?
- É, sim - concordou Karen e deu uma tragada no cigarro.
- Onde Paul entra nesta história, afinal? - Ela tremeu. - Simon é apenas irmão dele, você
sabe.
- Como eu já disse, pedi a Sandra que parasse de encontrar Simon. Ela simplesmente riu
dos meus argumentos e se negou a me dar atenção. Ela se diz perfeitamente capaz de
cuidar de si mesma. Mas nós duas sabemos o quanto esta declaração é absurda, em se
tratando de um homem como ele. Alguma coisa tem que ser feita. Acho que Paul é a única
pessoa que pode nos ajudar.
- E daí? - perguntou Karen.
- Quero que você entre em contato com Paul e peça a ele para falar com Simon.
- Não! - exclamou abruptamente. - Ela passava incessantemente a mão sobre seus longos
cabelos lisos. - Não vou fazer isso. Paul e eu nos separamos na frente do juiz da corte de
divórcio, há dois anos, e eu simplesmente não posso entrar em contato com ele agora.
Isso está fora de questão.
- Então seu orgulho é maior que o buraco em que sua irmã se meteu? Ela é sua irmã,
Karen. Sua irmã de dezessete anos!
- Chega de bancar a atriz, mãe - gritou Karen, profundamente agitada. - Não vai funcionar.
Eu me recuso a fazê-lo. Sandra tem dezessete anos, como você disse. Ela não é uma
criança. Ela deve arcar com seus próprios erros. Afinal, eu só tinha dezoito anos quando
encontrei Paul.
- E veja o que aconteceu com seu casamento - escarneceu cruelmente sua mãe. - Cinco
anos e estava tudo acabado. Aí está você, com vinte e cinco anos e já divorciada. Não que
haja alguma possibilidade de casamento no caso de Sandra. Como você disse, Simon é
casado. Isto torna tudo pior ainda.
Karen estava pálida. Esta conversa estava trazendo de volta todo o passado doloroso que
vinha tentando enterrar nos últimos dois anos. Sempre soube que sua mãe não aprovava
o rompimento com Paul, mas jogar tudo isso em sua cara, quase a fez derramar-se em
lágrimas. Como Madeline podia ser tão desagradável? Mas lágrimas eram um luxo ao qual
Karen nunca tinha se permitido e não seria agora que iria mudar. Karen sempre tinha sido
muito independente, como seu pai, e Madeline agarrou-se a Sandra e estragou-a
completamente, quando o marido morrera em um acidente aéreo há muito tempo atrás.
- Bem, você vai deixar a vida de sua irmã se arruinar? - perguntou sua mãe.
Karen suspirou profundamente. O ultimato havia chegado e ela não estava pronta para
ele. O que poderia responder? Como poderia explicar que não era apenas por orgulho que
não queria entrar em contato com Paul? Que ela estava apavorada com suas emoções
traiçoeiras e com medo que ele pudesse perceber como estava perturbada? Mas Simon
também possuía uma esposa a quem nunca havia dado importância. E apesar de Karen
nunca ter ido com a cara de Júlia Prazer, ela também estava envolvida. Talvez Paul
gostasse de ver o caso terminado. Afinal, ele não tinha nenhuma razão para gostar da
família Stacey.
- Está bem - concordou afinal. - Mas por que você imagina que Paul vai dar ouvidos a
mim? E ele não vai falar com Simon!
- Paul gosta muito de Sandra - replicou Madeline, no fundo exultante com a rendição de
Karen. - E ele sabe o tipo de homem que é Simon.
Karen apagou seu cigarro e enfiou a mão no bolso da calça. Ela estava decidida a falar com
seu ex-marido. Deus! Não eram as memórias suficientemente dolorosas? Para que
reforçá-las com a realidade? Como alguém poderia encontrar um homem com quem tinha
repartido as intimidades mais ternas do casamento, sem ter a sensação de uma faca
penetrando no corpo? Ela supôs que seria fácil, mas lembrando como eles eram tão
apaixonados...
Ela estava com dezoito anos quando conheceu Paul Prazer. Ele era o diretor-presidente
das Indústrias Têxteis Prazer, com escritório central em Londres, e Karen uma desenhista
principiando sua carreira na companhia. Karen trabalhava ali há quase dois anos, sem ter
nunca sonhado em encontrar o jovem e dinâmico magnata. Ouvira suas colegas falarem
muito dele, mas Paul não dava importância a peixes pequenos como elas. Solteiro, apesar
de seus trinta anos, era o homem mais cobiçado de Londres e as colunas sociais e revistas
andavam cheias de histórias sobre ele, em qualquer lugar onde estivesse. Por tudo isso,
Karen acreditava que o homem não podia ser mesmo tudo aquilo. Era divertido ouvir as
garotas sonhando com ele, mas ela mesma não estava particularmente interessada.
Sempre atraíra os homens e estava cercada de admiradores de sua classe social, sem ter
razões para olhar para um plano mais alto e muito mais fútil.
Foi nessa época que ela criou, para sua própria surpresa e para a dos outros, um padrão
de desenho para carpetes particularmente brilhante. A fábrica Prazer produzia uma gama
variada de tecidos, mas o padrão do carpete era um trabalho inteiramente original. Para
seu embaraço, foi chamada pelo homem em pessoa e teve que ir a seu escritório, no
último andar do edifício Prazer. Ela estava mais envergonhada que nervosa, mas quando o
desenhista-chefe a apresentou a Paul Prazer, ficou encantada com seu charme e com sua
personalidade arrasadora. Achou-o muito mais atraente do que se dizia e ficou atónita
quando, no meio da semana, ele telefonou para sua sala e convidou-a para jantar. Ela
aceitou, é claro, para a inveja de suas colegas e descobriu com alegria que Paul estava
interessado nela como pessoa e não como desenhista. Dentro de poucas semanas o
relacionamento dos dois assumiu tais proporções que Paul, a quem mulher alguma
recusava qualquer coisa, viu cada momento de sua vida transformar-se em tormento, tal a
obsessão de possuí-la. Sua admiração pelos ideais dela logo se transformou em amor.
Karen, que havia sido atraída por ele desde o começo, lutou contra o amor que ameaçava
dominá-la, mas quando Paul finalmente a pediu em casamento, ela não coube em si de
alegria.
Voaram em lua-de-mel para as Bahamas e lá passaram três meses inesquecíveis: Karen
nunca tinha sido tão feliz e Paul ficou relaxado, e com um bronzeado de fazer inveja. Eles
se adoravam, mas ao voltarem para a Inglaterra e se instalarem na casa que Paul havia
comprado, perto de Richmond, ambos sofreram com a volta à rotina. Paul passava muito
tempo no escritório, pondo em dia todo o trabalho que ficara atrasado durante sua
ausência e Karen ficava muito sozinha em casa. No início não se sentia solitária. A casa
precisava ser redecorada, pois Paul tinha mobiliado apenas uns poucos aposentos,
deixando para Karen a tarefa de arrumar o resto a seu gosto. com a ajuda de uma equipe
de decoradores, Karen dedicou-se ao trabalho e o resultado agradou tanto a ela quanto a
Paul. Ela gostava mais das noites em que Paul vinha para casa e ficavam juntos.
Raramente saíam ou passeavam, ficando horas e horas sozinhos, conversando e fazendo
amor. com o passar do tempo Paul, que havia negligenciado uma boa parte de seu
trabalho para ficar com Karen, achou necessário visitar as unidades do norte e do centro
da Inglaterra, onde eram fabricados os tecidos Prazer. Sendo um homem ativo e
interessado em seu trabalho, nunca quis delegar responsabilidades e já há um ano que
não fazia uma viagem de inspeção. com certa relutância, não se fez acompanhar por
Karen. Paul sabia que, se a levasse com ele, seria impossível concentrar-se. Quando
estavam juntos nada mais era importante.
Por algum tempo as tarefas de Karen em Trevayne a absorveram. Passava o tempo
nadando na piscina da casa ou convidando os amigos para jogar ténis e tomar drinques.
Mas, com o passar dos anos, fora o período de férias com Paul, o tempo que passavam
juntos limitou-se às noites. Os fins de semana eram reservados a programas e Karen
começou a odiar o rígido padrão da vida que levavam. Estava entediada, não com Paul,
mas com tanto tempo disponível e tão pouca coisa para fazer.
Por fim, ela pediu a Paul para voltar a trabalhar na Companhia. Paul ficou chocado e
recusou na hora. Além de querê-la em casa para quando precisasse dela, era contrário a
que sua mulher trabalhasse, já que isso era desnecessário. Suas queixas de tédio não
encontraram eco e Karen foi ficando irritada e frustrada. A combinação destas duas
emoções provocou o início de uma série de brigas sobre seu trabalho e sua posição na
casa. Paul, que a achava muito jovem para ser mãe, sugeriu então que tivessem um filho,
mas Karen era muito teimosa e cabeça oca para concordar e ceder. Recusou-se
decididamente e, para seu horror, Paul deixou de dormir no mesmo quarto junto com ela.
Sentia-se apavorada com o resultado de sua atitude, mas ao mesmo tempo era orgulhosa
demais para pedir a ele que voltasse.
Estavam casados há pouco mais de três anos quando Karen, à revelia de Paul, foi trabalhar
em uma companhia concorrente, a Martin Design Company. Quando Paul descobriu, ficou
furioso. A companhia Martin fazia alguns trabalhos para o grupo Prazer e Paul suspendeu
imediatamente as encomendas. Esta história acabou em mais brigas e, por fim, Karen
pegou suas coisas e foi embora. Não voltou para a casa da mãe, pois Madeline achava que
Karen não precisava de nada além de um lar e um marido. Madeline ficou muito
aborrecida com a filha até muito tempo depois da separação. Mas para Karen não havia
como voltar atrás. Lewis Martin, o diretor da pequena companhia, tomando
conhecimento da situação, teve pena dela, mas a aconselhou a ser corajosa e dar um
jeito. Não achou melhor que ela voltasse para Paul, pelo contrário, e Karen naquela época
ficou muito agradecida a ele. Olhando para trás agora, tinha certeza que, sozinha, teria
voltado para Paul em uma semana e nas condições que ele quisesse!
Paul fez várias tentativas para vê-la, mas Lewis a guardava tão bem quanto as ”jóias da
coroa” e Karen ficou entregue a suas próprias decisões. Cada vez que achava que deveria
ver Paul, Lewis lembrava a ela as razões da sua saída e as palavras dele foram aos poucos
reforçando sua decisão. Nada de bom poderia resultar de um reencontro entre os dois.
Somente mais brigas e discussões e mais uma separação. Eles eram incompatíveis. Hoje
em dia, Karen podia admitir isso. Sexualmente, eles se entendiam bem, mas um
casamento não se baseia só nisso. Estas eram as palavras de Lewis, em quem ela confiava
sem restrições. Afinal, por que não? Ele não tinha nada a ganhar, além de uma desenhista
de segunda categoria que havia esquecido muita coisa nos últimos anos. Como Lewis
poderia saber que até o ”caso da mudança de emprego”, como Karen dizia a si mesma, ela
e Paul quase não tinham brigado e nunca violentamente?
Lewis comprou um apartamento por meio de um amigo corretor de imóveis e ela passou a
ser sua inquilina. Karen estava adorando a ideia de ter uma casa só dela e, assim que
conseguiu economizar algum dinheiro, comprou a mobília. Foi arrumando sua casa aos
poucos, recusando a oferta de um adiantamento que Lewis lhe fizera. Paul há muito não a
procurava e assim sua vida seguia em paz. Estava tendo bons resultados em seu trabalho
para Lewis, que também era um bom desenhista, e aprendeu muita coisa com ele. Era um
homem na casa dos quarenta, viúvo e sem filhos, e Karen sentia-se como se fosse sua
filha. Foi com grande choque, portanto, quando recebeu sua proposta de casamento, mais
ou menos um ano após o rompimento com Paul. Ela respondeu que, além do fato de não
amá-lo, ainda era juridicamente uma mulher casada, ao que ele replicou com a
informação de que Paul iria pedir o divórcio, segundo soubera. E Karen ficou horrorizada e
atónita quando, alguns dias depois, recebeu pelo correio uma notificação do pedido de
Paul, acusando-a de adultério, sendo Lewis citado como o ”outro”.
Lewis, no entanto, não parecia nada perturbado com sua posição na história toda, mesmo
com todo o barulho que a imprensa fez com o caso durante mais de uma semana.
Aconselhou Karen a não se defender da acusação e seu advogado foi da mesma opinião.
Acusações como esta, se respondidas, transformam-se em escândalo e, a não ser que
quisesse sua vida privada devassada na frente do juiz, Karen não devia realmente se
defender. Desnorteada, sem ninguém a quem recorrer a não ser Lewis, Karen seguiu suas
instruções, escondendo-se mais ainda em sua concha. Paul conseguiu sua liberdade,
revelando certos fatos que pareciam definitivos para um observador de fora. Karen estava
com o coração arrebentado demais para ligar para qualquer coisa. Era verdade, morava
no apartamento de Lewis, mas ela lhe pagava aluguel. Lewis muitas vezes ficava até tarde
com ela quando estavam discutindo um novo projeto, mas nunca havia acontecido nada
entre eles. Mesmo a noite que ele passou no apartamento, no sofá da sala, aconteceu
somente porque uma neblina muito forte cobria Londres e seria ridículo que Lewis fosse
obrigado a ir para sua casa em Hampstead. No entanto, até ela pôde perceber que não
seria nada bom tentar rebater as acusações. Elas pareciam tão conclusivas! Por outro
lado, a atitude de Lewis era de uma inércia amigável. E assim, menos de cinco anos após o
casamento, Karen estava novamente livre.
Lewis era um grande apoio naqueles dias, devotando-se a seu bem-estar e fazendo-se
geralmente indispensável. Mas, quando veio de novo com a história de casamento, ela
vetou a ideia imediatamente. Além do mais, sentia-se muito vazia para pensar em um
passo destas proporções. Lewis, que sabia não possuir rivais, estava conformado em
esperar. Afinal, o tempo começou a apaziguar parcialmente a mágoa de Karen e ela sentiu
que começava a superar o problema. Mas agora, ouvindo sua mãe exaltar as virtudes de
Paul e ridicularizar seu comportamento no caso, sabia que tudo aquilo estava escondido
no fundo da sua mente, esperando para vir à luz. E sentia-se convencida de que todas as
suas defesas seriam vãs. Mas ela já estava envolvida e não havia jeito de voltar atrás.
Tinha que passar por tudo isto, rever seu ex-marido, pois o assunto não poderia ser
discutido por telefone, e possivelmente encontrar Ruth Delaney, a mulher que ele havia
escolhido para substituí-la. Karen andava de um lado para o outro. Ela bem que poderia
fazer tudo que era preciso e sair-se bem da história.
- Mas... e se ele não quiser falar comigo? - perguntou- Karen, virando-se para a mãe.
- Tenho certeza que não fará uma coisa dessas - replicou Madeline calmamente. - Paul não
é esse tipo de homem.
- Bem, por que você não telefona para ele, então? - perguntou Karen, fazendo uma última
tentativa para se livrar desta obrigação.
- Não poderia, Karen. Não saberia o que dizer. Você foi mulher dele. Você o conhece
intimamente. Será muito mais fácil, se partir de você. - Karen enrubesceu. Sim, ela o havia
conhecido intimamente.
E pensava que ninguém poderia conhecer uma pessoa como ela havia conhecido Paul.
- Fale agora. - Madeline sorria pela vitória. - Você vai ligar daqui mesmo? - Ela olhou para
o relógio. - São onze e meia. Ele deve estar no escritório.
- Não, respondeu Karen enfaticamente. - vou ligar para ele lá da casa, isto é, se você não
se importar, é claro.
A última frase veio carregada de sarcasmo, fazendo com que Madeline apertasse os
lábios.
- Desde que você não esqueça - respondeu secamente.
- Não vou esquecer, mamãe. vou ligar assim que chegar. Está satisfeita?
- Acho que sim - disse Madeline friamente. - Você vai tomar café antes de ir embora, não
vai?
- Não, obrigada - respondeu. - É melhor que eu vá. Tenho muito o que fazer.
- Claro que sim - concordou Madeline e Karen foi até o vestíbulo apanhar seu casaco. Ela
se sentia enjoada e só queria a paz de sua própria casa.
com um breve adeus, pegou seu Morris e dirigiu-se para Berkshire Court, o grande prédio
de apartamentos em Chelsea, onde ocupava a cobertura. Depois de colocar o carro na
garagem, pegou o elevador até o décimo-segundo andar. Atravessou o corredor e,
finalmente, chegou em casa. A sala tinha paredes brancas, fundo ideal para o conjunto
vermelho escuro de três peças e as cortinas de veludo verde-oliva. O resto da mobília era
de carvalho claro. Havia uma pequena mesa dobrável e cadeiras, além de um barzinho. O
ambiente era de uma simplicidade elegante, bem de acordo com a maneira de ser de
Karen. Ela odiava lugares entupidos de coisas, atulhados de porcarias e enfeites de todos
os tipos.
Após o rompimento com Paul, suas noites tornaram-se um pouco vazias; ela então
começou a pintar quadros para se distrair. Era algo completamente novo para ela e, além
disso, dava-lhe um grande prazer colocar seus pensamentos na tela. Os quadros eram, no
entender de sua mãe, ”abstratos horríveis”, e mesmo Lewis mostrou muito pouco
interesse por eles. A seu ver, era tempo perdido e deixou isso claro para ela. Karen ficou
um pouco desapontada com a opinião dele, pois, apesar de saber que não eram obras-
primas, achava que tinham um certo charme. Tudo o que Lewis admitiu foi que eram um
passatempo ideal, mas a aconselhou a não considerá-los comerciais. Como Lewis era um
bom desenhista e tinha um certo conhecimento sobre arte em geral, Karen contentou-Se
com a opinião dele, já que não estava preocupada com vendas. Era só uma forma de
matar o tempo. A sala estava cheia deles. Como lhe agradavam, mandou colocar moldura
em todos. Pelo menos davam algum colorido às paredes nuas. Tirou seu casaco e o atirou
sobre uma cadeira e, atravessando a sala, pegou um cigarro da cigarreira e o acendeu. Por
um momento deu-se conta que andava fumando muito, mas deu uma tragada com gosto.
O telefone escarlate na mesinha ao lado do sofá parecia zombar de Karen
silenciosamente, enquanto ela, lá no fundo, se odiava por ter concordado com a
chantagem emocional de sua mãe. Mas como poderia pegar o telefone e conversar com
um homem que havia se divorciado dela há dois anos, e com o qual praticamente não
conversava há quatro? Era ridículo, na verdade. E ele, por acaso, ficaria contente por ela
lhe telefonar? Que satisfação para Paul prestar-lhe um favor! Ela mordeu os lábios com
raiva. Só mesmo sua mãe poderia colocá-la em tal situação. Estava tentada a ligar para
Lewis e pedir um conselho, mas desistiu. Ele iria considerar sua atitude ridícula e
provavelmente iria convencê-la a não levar isso adiante.
com um pesado suspiro, levantou o telefone do gancho e com os dedos trémulos discou o
número do escritório Prazer. A telefonista atendeu após alguns instantes. Sua voz era
polida e impessoal:
- Indústrias Têxteis Prazer, bom dia.
- bom dia - disse Karen, tentando fazer com que sua voz soasse indiferente e controlada. -
Posso falar com o sr. Prazer, por favor?
- Sinto muito, mas isso é impossível - respondeu a telefonista, gentilmente. - O senhor
Prazer não se encontra no escritório no momento. Será que a secretária dele poderia
ajudá-la?
Karen fez uma careta de aborrecimento. Suas esperanças de resolver o caso rapidamente
se desvaneceram.
- Não - replicou -, é um problema particular. Você poderia me dizer onde o sr. Prazer pode
ser encontrado?
- Está visitando as fábricas de Nottingham e Leeds, mas infelizmente não posso dizer onde
ele pode ser encontrado. No entanto, está sendo aguardado esta noite em Londres. Acho
que tem uma reunião de diretoria, amanhã de manhã, aqui.
- Ah! - Karen franziu as sobrancelhas. Então ela teria que esperar até o dia seguinte. -
Obrigada. Voltarei a ligar amanhã.
A telefonista desligou e Karen recolocou relutantemente o telefone no gancho. Agora que
ela não podia entrar em contato com Paul, sentia-se curiosamente desapontada. Por um
momento ficou olhando para o teto e depois ligou para o apartamento dele em Belgravia.
Sabia que ele morava agora ali, pois provavelmente tinha vendido a imensa casa em que
viviam em Trevayne, quando foi homologado o divórcio. Não iria querer lembranças de
Karen para perturbar seu futuro.
Karen perdeu o ar quando atenderam ao telefone, mas era apenas um criado. Ele repetiu
o que a telefonista da Companhia já havia dito e perguntou se Karen queria deixar algum
recado, ao que ela negou, desligando abruptamente. Sentia-se contrariada, sem nenhuma
razão, por não poder entrar em contato com ele. Era absurdo se sentir daquela maneira,
concluiu. Afinal de contas, ele poderia estar fora do país, pois sempre ia aos Estados
Unidos e ao Canadá. Se isso tivesse acontecido, teria que esperar muito mais do que vinte
e quatro horas. Pensou em telefonar aquela noite mas desistiu da ideia. Telefonar para o
escritório em horário comercial manteria as coisas em termos estritamente impessoais.
Preparou uns ovos mexidos e café para o jantar e depois telefonou para sua mãe
explicando o que tinha acontecido. Madeline Stacey ficou um tanto decepcionada, mas
obviamente gostou de ver que a filha estava cumprindo com o prometido pontual e
rigorosamente. Karen, então, lavou os poucos pratos e os deixou escorrendo. Tinha uma
faxineira, a sra. Coates, que vinha para fazer a limpeza. Karen, porém, cuidava de si
mesma, fazendo suas próprias refeições e levando sua roupa para a lavanderia mais
próxima. Seu salário era mais do que suficiente para cobrir estas despesas e mais de uma
vez Lewis sugeriu que ela contratasse uma empregada por tempo integral. Mas Karen
preferia sua liberdade, e como seu conhecimento de empregadas limitava-se a Liza, que
controlava tanto a casa quanto a vida de sua mãe, tinha certeza de estar tomando a
atitude correta. Durante a tarde, Karen sentou-se na prancheta, incapaz, porém, de ter
alguma ideia. Nem suas pinturas pareciam atraí-la. Fora do apartamento o sol brilhava e o
dia mais parecia de primavera. Num súbito impulso, vestiu o sobretudo de pele de
carneiro e saiu do apartamento. Lá fora o ar estava fresco e revigorante. Atravessou a rua
na direção do pequeno parque ali perto e ficou olhando as crianças brincarem. O lugar era
preferido por babás com carrinhos e garotos começando a andar e brincar com seus
irmãos mais velhos. A visão dos rostos felizes e sorridentes deu um nó no estômago de
Karen. Se ela tivesse tido o bebé que Paul queria, ele teria três ou quatro anos agora.
Quem sabe, pensou tristemente, já poderia ter tido três ou quatro.
Passsou por umas duas horas e então voltou ao apartamento. Em vez de jantar, tomou um
lanche e ligou a televisão. Raramente ela o fazia, mas esta noite foi até gostoso assistir ao
faroeste e ao musical que estavam passando. Quando terminou a programação, Karen
fumou o último cigarro antes de ir para a cama. Pensava em Simon e Sandra. Sandra era
suficientemente irresponsável para se meter em encrencas complicadas. O amor doentio
de sua mãe era a causa disso tudo. Quando criança, qualquer problema que tivesse era
resolvido por Madeline, que tudo escondia de Karen. Por isso, agora Sandra ignorava o
sentido da palavra sensibilidade. Simon, por sua vez, deveria ser mais responsável! Ele e
Júlia raramente visitavam Trevayne quando Karen e Paul estavam casados. Simon deixou
claro que a desejava e Paul também deixou claro que se ele chegasse perto de Karen iria
arrancar sua cabeça. Júlia era filha de um conde falido e quando conheceu Simon não
mediu esforços até que ele se casasse com ela. Seus pais aprovaram e Júlia, apesar de
consciente das loucuras de Simon, viu nele uma garantia de sobrevivência para o resto da
vida. Ela gostava da companhia de outros homens e, depois do casamento, cada um
cuidou de sua própria vida. Eles moravam na mesma casa, saiam juntos, mas cada um
tinha seus amigos. Era um acordo nojento e Paul os evitava.
Pensando em Sandra, se entregando a um homem como Simon Prazer, Karen, ficava
horrorizada. E ela sabia que ficaria contente se Paul tomasse uma atitude. Somente ele
tinha poder sobre Simon, pois controlava as finanças da família.
Gemendo, Karen deixou a cama e foi até o banheiro. Encheu um copo d’água e tomou um
comprimido para dormir. Observou atentamente no espelho seu rosto cansado e franziu
as sobrancelhas. Será que ela estaria com cara de bruxa quando encontrasse Paul no dia
seguinte? Será que ele daria graças a Deus por não estar mais casado com uma criatura
com o olhar tão cansado? Voltou vagarosamente para a cama e entrou embaixo dos
lençóis. Lembrou-se com mau humor que durante seu casamento nunca tivera
necessidade de tomar pílulas para dormir, pelo menos enquanto vivia junto com Paul.
Pelo contrário, ela dormia profundamente e sem sonhos nos braços dele, sempre
consciente da segurança que eles lhe davam. Na manhã seguinte, acordou com a cabeça
pesada, ouvindo o barulho irritante do aspirador de pó na sala. Pulou da cama e vestiu um
roupão antes de abrir a porta que dava para o outro aposento. A sra. Coates já estava
terminando a limpeza e sorriu alegremente para Karen. Era pequena, rechonchuda, mais
ou menos cinquenta anos, com marido e seis filhos em casa. Falava sempre no ”meu Bert”
ou ”meu Billy”. Karen a achava muito simpática.
- Fiz café para você - disse ela, olhando para Karen. - Você está mesmo com cara de quem
está precisando.
- Obrigada - disse Karen secamente, dirigindo-se para a cozinha. A cafeteira estava
borbulhando e Karen se serviu de uma xícara de café e voltou para a sala à procura de
seus cigarros.
- Você está bem, querida? - perguntou a sra. Coates, um tanto preocupada.
- Claro que sim, sra. Coates. Eu dormi muito mal, é tudo. Estarei bem quando beber isto -
e apontou para o café.
- Está bem. Já vou indo, então. Até amanhã.
- Está bem, sra. Coates - disse Karen, forçando um sorriso.
- Muito obrigada!
Depois de fechar a porta, Karen terminou seu café e, caminhando até o controle do
aquecimento central, diminuiu a temperatura. A sra. Coates sempre deixava a casa como
uma estufa e nesta manhã Karen necessitava de ar fresco, muito ar.
Olhou no relógio e viu que eram apenas nove e meia. Resolveu então ler os jornais do dia
e para isso sentou-se no sofá da sala. Sabia que Paul não estaria no escritório antes das
dez, por isso ficou lendo mais ou menos uma hora, antes de pegar o telefone. Os jornais
só falavam em crise, mas a impressionavam tão pouco que poderia muito bem ter deixado
de lê-los.
Quando a telefonista atendeu a seu chamado, Karen novamente perguntou pelo sr. Prazer
e imediatamente foi posta em contato com o escritório de Paul. A secretária atendeu e
perguntou, com sua voz calma e modulada, quem era e qual o assunto.
- O sr. Prazer está muito ocupado esta manhã - continuou ela suavemente. - Tem uma
reunião de diretoria dentro de meia hora, portanto, sinto muito, mas devo pedir-lhe que
chame amanhã ou então que diga qual é o assunto. Tenho certeza que posso ajudá-la,
seja lá o que for.
- Diga que a srta. Stacey quer falar com ele. Tenho certeza de que ele não vai se recusar a
falar comigo. - Se a secretária reconheceu o nome ou não, Karen não soube, mas após
uma espera impaciente de mais ou menos cinco minutos, ouviu uma voz masculina
vigorosa.
- Karen, é você?
Era Paul. Seu coração bateu tão forte que tinha certeza de que ele podia ouvi-lo. Sua voz
era familiar, mesmo após esse tempo todo, apesar de fria como um rio que vem da
montanha. Por um segundo seus nervos quase a traíram e ela pensou que não seria capaz
de continuar, mas conseguiu.
- Sim, sou eu. Alo, Paul. Como está? - Mesmo para seus ouvidos sua voz parecia um tanto
nervosa, e ela desejou que fosse tão confiante quanto a dele parecia ser.
- Estou bem, obrigado - ele respondeu secamente. - E você?
- Também estou bem.
- Isso é bom - disse ele, e esperou obviamente uma explicação do porquê do telefonema.
Karen estava procurando as palavras para iniciar a conversa, quando Paul, fria e
enfaticamente, falou:
- Karen, por que você telefonou? Tenho certeza de que não foi simplesmente para
perguntar pelo meu estado de saúde.
- Não - disse ela.
- Então, por quê? - perguntou rapidamente. - Diga logo, Karen. Sou um homem ocupado.
Karen engasgou. Como Paul tinha coragem de falar com ela daquele jeito? com aquele ar
superior! De repente, sua coragem voltou. Suas maneiras pegaram-na desprevenida, mas
não iria permitir que a tratasse daquele jeito, como se fosse lixo.
- Sinto muito, mas é um assunto que não pode ser discutido por telefone - respondeu. -
Planejava falar um pouco sobre o problema pelo telefone e sugerir que se encontrassem
para discutir o resto, mas agora decidiu que ele poderia esperar para saber o que ela
queria. - É um assunto pessoal - continuou. - Gostaria de vê-lo.
- Não posso imaginar o que teríamos para dizer um ao outro replicou Paul friamente. -
Karen tentava controlar sua indignação. Agora se sentia muito melhor diante do
problema. Ele estava tão agressivo como sempre, pensando, sem dúvida, que ela queria
falar com ele sobre Ruth.
- Paul - disse ela cuidadosamente, controlando a voz -, este assunto diz respeito a duas
outras pessoas e não a nós, por isso não pense nem por um momento que estou tentando
marcar um encontro com você.
- Não estou entendendo nada disso, Karen. Por que você não pode me contar agora? -
Paul suspirou.
- Por Deus, Paul, dou minha palavra de que isto diz respeito tanto a você quanto a mim.
- E quando você sugere que nos encontremos?
- Que tal na hora do almoço?
- Hoje? Meu Deus, Karen, cheguei de Leeds a noite passada. Estou até as orelhas de
trabalho.
- Oh! querido - replicou Karen sarcasticamente. - Mesmo os magnatas têm que comer às
vezes, não é mesmo? Ou você está vivendo estes dias à base de comprimidos de
vitaminas?
Paul ficou quieto por um momento e ela percebeu que ele mexia nos papéis em cima da
mesa.
- Está bem, acho que posso dar um jeito.
- Não queira tirar o corpo fora.
- Sempre a mesma Karen - lembrou cinicamente. - Que tal a uma hora no Stepano’s?
Tenho uma mesa reservada lá.
- Ótimo - Karen respondeu secamente, desligando em seguida. Quando acendeu um
cigarro, percebeu que estava tremendo de novo. Isto sempre acontecia. Ela se odiava por
se envolver tanto emocionalmente. Afinal, era apenas um encontro na hora do almoço e
não uma visita a uma câmara de torturas.
Karen gastou muito tempo pensando no que iria vestir. Precisava algo elegante, mas nada
muito chique. Um vestido que não desse, de maneira nenhuma, a impressão de que havia
alguma coisa além de um encontro de negócios. Por outro lado, queria mostrar-se com
ótima aparência, para provar a ele o quanto estava se dando bem sozinha. O preto era a
melhor ideia, decidiu-se por fim, escolhendo um vestido justo que se adequava
perfeitamente a sua pele clara. A gola do vestido era redonda e baixa e como
complemento pôs um colar de pérolas que ele lhe dera de presente no primeiro
aniversário de casamento. Ela nunca usava chapéu e seus cabelos lisos e cheios
dispensavam enfeites. Eram sedosos, suaves e ligeiramente cacheados nas pontas. Paul
sempre os havia admirado, sobretudo a franja que realçava suas sobrancelhas e
emoldurava seu rosto atraente.
Pegou um táxi até o Stepano’s. O trânsito em Londres na hora do almoço era tão
congestionado que ir em seu próprio carro teria sido um esforço inútil. O Stepano’s era
um restaurante em Oxford Street, com frente toda de vidro. Karen nunca havia entrado
nele antes, mas assim que entrou, um garçom de terno branco a levou até a mesa de Paul,
com grande respeito. Paul ainda não havia chegado. Karen pediu um martíni seco e
acendeu um cigarro.
Enquanto bebia seu aperitivo seus olhos observaram o grande salão de refeições com suas
toalhas cor de mostarda, pratarias brilhantes e flores tropicais. A clientela combinava com
o ambiente: homens indulgentes, gordos como suas contas bancárias e mulheres cobertas
de jóias.
A uma e cinco as portas se abriram para dar passagem a Paul Prazer. Ele vestia um
sobretudo de lã de camelo, que tirou e deu ao garçom. Seu terno era cinza-chumbo e de
corte impecável. Parecia maior e mais atlético do que a lembrança que dele guardava.
Mesmo assim, não parecia haver nem um milímetro de carne sobrando em Paul. Era
grande e musculoso. Enquanto ela o observava atravessando as mesas em direção à sua,
tomava consciência do magnetismo quase animal que ele possuía e que a fazia tremer
antigamente. Ele andava com extrema elegância, trocando uma palavra aqui e ali com
pessoas de suas relações. Seus cabelos, fartos e negros, estavam ligeiramente grisalhos
nas têmporas, o que lhe dava uma aparência distinta. Ainda era atraente, e aos trinta e
sete anos parecia mesmo o bemsucedido magnata que, na verdade, era. Se ele se fizera
um pouco cínico com o passar dos anos, isto era de se esperar, tratando-se de um homem
de sua riqueza e posição, ciente de que o dinheiro poderia comprar a maioria das coisas
que desejasse. Ao chegar à mesa, sentou-se no lado oposto ao dela, com um breve aceno.
Estavam conscientes de que eram alvos de todos os olhares. Karen enrubesceu e olhou
para seu aperitivo.
- Bem, Karen - ele murmurou - você não mudou muito. Sempre bonita e talentosa!
Karen olhou para ele por um momento e, neste instante, seus olhos negros prenderam os
dela.
- Obrigada, Paul. Você também não mudou muito. Ainda continua trabalhando bastante?
- Sim, até que fui arrancado de meu trabalho para ir a um encontro na hora do almoço. -
Sorriu de modo zombeteiro.
- Você não precisava ter vindo! - Karen olhou para ele com indignação.
- É mesmo? com você fazendo insinuações a torto e a direito? Além disso, você me deixou
curioso, como pretendia. Isto deve agradá-la.
O garçom apareceu e ele pediu um uísque e outro martíni para Karen. Assim que o garçom
os deixou, o maitre aproximou-se. Paul olhou o cardápio e fez o pedido para os dois, como
sempre acontecia no passado.
Quando seu uísque foi trazido, junto com o martíni de Karen, ele voltou a falar.
- Sem desforras, por enquanto. Tenho certeza de que você estava pensando em alguma
resposta venenosa enquanto eu olhava o cardápio.
- Não banque o esperto - Karen respondeu, irritada com seu tratamento zombeteiro. -
Deveria cumprimentá-lo por seu noivado, mas não o farei.
- Mesmo assim, obrigado. Mas, afinal, era sobre isto que você queria conversar? - ele
perguntou. Karen engasgou.
- Já lhe disse que não tinha nada a ver conosco - ela replicou com raiva.
Paul encolheu os ombros, enquanto a entrada, melão gelado,
era servida. Karen estava sem fome, o que era estranho, pois nunca acontecia na hora do
almoço.
- Minha... minha mãe pediu que eu conversasse com você começou ela vagarosamente. -
Karen empurrou seu prato.
- Ah, entendo. E como anda Madeline atualmente? - perguntou, enquanto tomava o resto
de seu drinque. - Sempre penso em visitá-la.
- Ela está bem - respondeu Karen, contente pela breve mudança de assunto. - Tenho
certeza de que ela adoraria vê-lo. Você sempre foi o queridinho dela. Modo de dizer, é
claro.
- Muito bem - ele levantou as sobrancelhas. - E daí, o que mais?
Karen continuou relutantemente:
- É realmente a respeito de Sandra que eu queria falar com você
- ela disse.
- Falar o quê? Ela precisa de dinheiro ou algo assim?
- Não - retrucou Karen secamente. - Dinheiro! Parece que dinheiro é tudo para você!
- Ajuda bastante - observou ele sarcasticamente.
- De qualquer maneira não é dinheiro. Sandra está saindo com Simon... com seu querido-
irmão Simon. É isso aí.
- Simon! - exclamou Paul. - Meu Deus, será que ela ficou louca? Simon é muito mais velho
do que ela e, além do mais, casado!
- Sei disso e você também, mas Sandra parece que não. Você sabe o quanto ela é mimada,
selvagem e incontrolável. Deus sabe o rolo em que se meteu. Ela é estúpida o suficiente
para deixar que ele... bem, você sabe... Sandra e Simon.
Paul abanou a cabeça e olhou pensativamente para o salmão que foi posto em sua frente.
- Ela precisa de uma boa surra - resmungou ele.
- Concordo, mas ninguém teria coragem - disse Karen mal-humorada.
- Então, o que você quer que eu faça? - Paul encolheu os ombros.
- Você sabe como é Simon - disse Karen, olhando para Paul, seriamente. - Você pode lidar
com ele. Você me disse isso muitas vezes. Queremos que você o impeça de vê-la. Ela não
iria nos dar a menor atenção, e trancá-la em casa todas as noites seria o máximo que
poderíamos fazer.
- Já vi tudo. Você quer que eu banque o pai autoritário! Como?
- Ele é seu empregado. - Karen enrubesceu. - Você determina o salário dele. Simon não
tem renda própria, eu sei disso.
- Hmmm... você pensou em tudo, não foi? - retrucou ele secamente. Karen apertou os
dedos em volta do garfo e da faca. A voz de Paul estava se tornando irónica novamente, e
ela odiava a posição humilhante em que tinha se colocado.
- Mas... por que eu deveria fazer uma coisa dessas? Simon é livre, vacinado, maior de vinte
e um anos. Se Sandra é tonta o suficiente para sair com ele, você não acha que ela deve
enfrentar as consequências?
- Sim, eu acho - exclamou Karen. - Se fosse por mim, nunca iria pedir nada para você.
Minha mãe me obrigou a fazer isto usando seus conhecidos métodos de chantagem
emocional e, no momento, não ligo a mínima para o que você possa pensar.
Quando terminaram a refeição e o café foi servido, Paul ofereceu um cigarro para Karen e,
depois de ter acendido o dela e o seu, falou:
- Você ainda está com Lewis Martin, então? - Foi mais uma afirmação do que uma
pergunta.
- Sim. Eu e Lewis nos entendemos muito bem - ela respondeu friamente.
- Tenho certeza que sim. Por que você ainda não se casou com ele?
- Porque não. De qualquer maneira, não é da sua conta.
- Claro que não! Estava só procurando um assunto. - Ele riu ironicamente e Karen desviou
o olhar para o filtro do cigarro.
- Como... como vai sua mãe? - Karen perguntou baixinho. A mãe de Paul vivia no sul da
França. Quando o marido dela morreu e Paul passou a cuidar dos negócios, ela retirou-se
para lá onde vivia com uma irmã. Paul e Karen a haviam visitado algumas vezes durante o
tempo em que estiveram casados. Karen gostava dela, mas não tinham muita coisa em
comum.
- Ela está bem - respondeu Paul em tom sério. - Eu e Ruth pretendemos passar uns dias
com ela depois do casamento.
- Ruth já conhece sua mãe?
- Sim, já se encontraram. Minha mãe veio para a festa de noivado.
- Ah, é mesmo? Deveria ter-me lembrado - disse Karen, encolhendo os ombros. - E quando
vai ser o casamento? - A pergunta era dolorosa para ela.
- Dentro de três meses, mais ou menos - ele respondeu suavemente. - Ruth quer se casar
em junho.
- Que doce! - comentou Karen ironicamente. - Tenho certeza de que ela vai agradá-lo.
- Tenho certeza que sim. É uma pessoa muito atraente.
Karen deu uma tragada no seu cigarro. Ela conhecia a noiva de Paul só por fotografia de
jornal, o que não dava muita ideia de como Ruth era.
- Vocês pretendem morar no apartamento depois do casamento?
- perguntou, já adivinhando a resposta.
- No começo é possível - Paul respondeu, batendo a cinza no cinzeiro. - Acho que vou
comprar uma casa em algum lugar fora de Londres. Ruth conhece muito bem a Inglaterra
e gosta muito de Weald.
- É mesmo? Que bom para vocês dois! - Karen estava entediada com aquilo tudo.
Prestando atenção em Paul, Karen sentiu revolta só de pensar na ideia de vê-lo casado
com outra mulher. Afinal de contas, o casamento deles parecia tão certo no começo, e
encontrá-lo agora mostrou a Karen que o divórcio sem querer tinha mudado as coisas.
Sentiu que gostaria de eliminar o espaço que os separava e que ele a olhasse como fazia
antes, com os olhos cheios de amor. Queria dizer-lhe que ainda o amava e que voltaria
hoje para ele se ainda a quisesse.
Mas esta coisa horrível chamada conduta civilizada a impedia de fazer uma coisa dessas, e
por isso conversaram sem compromissos e ignoraram as emoções primitivas que os
sacudiam por dentro.
- Tenho que ir agora. Esta tarde estou cheio de trabalho e às três horas tenho um
encontro - disse Paul, ao terminar o café.
- Certo, Paul. Já disse tudo que tinha a dizer. - Karen levantou-se.
Paul esperou que ela passasse e tomasse a dianteira para sair do salão. Uma vez do lado
de fora, vestiu seu sobretudo.
- Meu carro está estacionado aqui perto. Posso deixá-la em algum lugar? - Karen hesitou
por um momento. Ela não tinha nenhuma vontade de prolongar aquela agonia, mas como
havia planejado ir ao encontro de Lewis resolveu aproveitar.
- Você pode me levar até o Martin - disse, olhando para ele com uma expressão fria em
seus olhos verdes. - Quero encontrar-me com Lewis. - A última frase foi dita de propósito
e Karen divertiu-se quando o rosto de Paul tornou-se ligeiramente sombrio.
O carro não estava longe e eles andaram para lá em silêncio. Karen nunca tinha visto um
carro daqueles antes. Era um modelo esporte europeu, cor creme, com estofamento
escarlate. Ao entrar, achou-o tremendamente confortável. Os bancos eram macios, como
se o estofamento fosse de plumas.
Carro novo, hein? - disse suavemente. - Muito elegante.
Paul riu e sentou-se à direção, seu rosto roçando o dela por um momento.
- Que bom você gostar dele! Para mim é o ideal. Boa aceleração e é disso que preciso nas
estradas em que tenho que viajar.
- Faz meu calhambeque parecer muito velho e fora de moda. Mas gosto dele, pois atende
a minhas necessidades. Além disso, não o uso muito - comentou Karen com um trejeito.
- Mas você tem condições de comprar outro, não tem? - Era mais uma afirmação do que
uma pergunta.
- Claro que sim - Karen admitiu. - Mas não quero outro no momento. Não se preocupe,
querido. Ainda não estou na miséria! Sinto desapontá-lo.
- Por que você me diz uma coisa dessas? - ele murmurou. Você nunca ficará desamparada.
Meu Deus, eu estou pronto a ajudá-la se algum dia precisar de dinheiro, você sabe disso.
- É mesmo? Por que você acha que eu lhe pediria alguma coisa?
- Bem, foi o que você acabou de fazer, não foi? - Paul riu.
- Muito esperto. - Karen, aborrecida, não pôde evitar de corar um pouco. - Está bem,
vamos embora.
Paul sacudiu os ombros e dirigiu-se para avenida movimentada. A Martin Textile Designs
ficava em uma travessa da Rua Great Portland. Era um edifício grande e imponente,
apesar do subsolo e primeiro andar estarem ocupados pelos depósitos de uma outra
companhia. Paul dirigiu seu enorme automóvel para uma vaga na entrada.
- É aqui, suponho.
- Sim. Obrigada pela carona - disse Karen educadamente e abriu a porta.
- Telefono assim que tiver alguma informação - falou Paul, com um aceno.
Espumando de raiva, Karen entrou no edifício e quando chegou no elevador apertou o
botão do quarto andar. Ele era tão confiante, tão seguro e tão desinteressado! Estava tão
irritada que desejou poder fazer algo para destruir sua indiferença. com que calma ele
havia falado de seu casamento com Ruth! Como ele tinha se divertido com sua
curiosidade! Será que iria contar a Ruth? Talvez os dois fossem rir da ajuda que Karen fora
obrigada a lhe pedir. Ela se sentia como se alguma coisa tivesse rompido dentro dela.
Pensar nos dois juntos, falando sobre ela, era algo deprimente e odioso. Como ele parecia
indiferente aos rigores de um caso amoroso desastroso! Como estava tão seguro sobre
sua vida com Ruth! O elevador chegou ao quarto andar. Ela entrou na recepção do
escritório de Lewis e perguntou à secretária se ele poderia atendê-la.
- Sim, srta. Stacey - ela respondeu sorrindo. - Pode entrar. Ele está a sua espera.
Karen bateu levemente na porta de Lewis e entrou. Lewis estava sentado em sua mesa,
examinando uns papéis, e sorriu quando ela entrou. Era um homem de estatura média,
magro, de cabelos loiros grisalhos. Passava seu tempo livre lendo e escrevendo artigos
para jornais financeiros, e por isso seus olhos pareciam muito cansados atrás dos óculos
de aro de tartaruga.
- Você parece muito perturbada - observou Lewis. O que está acontecendo?
Karen afundou na poltrona, acendendo um cigarro. Assim que deu a primeira tragada e
olhou para Lewis pensou que o contraste entre Paul e Lewis era considerável. Não apenas
no olhar, mas também nas maneiras.
- Deixe-me relaxar por um momento que já lhe conto - disse ela, forçando um sorriso,
embora estivesse meio triste.
Depois de fumar por alguns segundos, durante os quais Lewis examinou seus papéis e a
ignorou, Karen falou:
- Acabei de almoçar com meu estimado ex-marido.
- Você está brincando! - Uma expressão estranha estampou-se em Lewis.
- Não, não estou - ela disse suavemente. - Meu querido Paul, em pessoa.
- Eu... eu pedi a ele que almoçasse comigo - continuou Karen, meio rindo da preocupação
de Lewis. Ele não veria razão nenhuma para o encontro, até que ela contasse o porquê.
- Você pediu a ele que a encontrasse? Mas por que, meu Deus? Você não está tentando
reatar com ele, está?
Karen desviou os olhos. Imaginou o que ele iria pensar se tivesse lido seus pensamentos
alguns momentos atrás. Certamente ficaria furioso. Afinal de contas, ele pensava agir para
seu bem quando ajudou a evitar que ela se encontrasse com Paul.
- Minha mãe pediu que eu fosse vê-lo. Simon, o irmão de Paul, está saindo com Sandra e
ela não quer desistir dele. Tive que apelar para evitar que o caso fosse adiante.
Sandra! - Mas Simon Prazer é casado. Ela está completamente louca. Meu Deus, ele não
passa de um salafrário!
Exatamente. Mas você sabe como Sandra é difícil de lidar. Ela
está se tornando aos poucos incontrolável. Além disso, mamãe ainda continua a mimá-la,
deixando a garota fazer o que quer. Mesmo agora, está morta de medo que Sandra
descubra que ela está interferindo.
Mas pedir a você que encontre com Prazer é um absurdo! Sua
mãe deveria ter um pouco mais de bom senso. Será que ela não percebe quem vai sair
ferido disso tudo? Madeline devia saber que ele se delicia em humilhá-la!
- Paul não me humilhou exatamente, querido. Na verdade, foi muito compreensivo com o
problema todo. Mas, por outro lado, posso imaginar o que ele estava pensando. Ele
provavelmente achou que li a notícia de seu noivado nos jornais e estava tentando
aborrecê-lo um pouco. Mas não acho que pensou que estava tentando consegui-lo de
volta.
- Você vai vê-lo de novo? - perguntou Lewis, com as feições carregadas.
- Duvido muito. - Estou aguardando um telefonema dele assim que tenha alguma notícia
sobre Simon e Sandra.
- Sinceramente, é o que espero. - Lewis suspirou de alívio. Afinal, você não quer que ele
cause mais nenhum problema, quer?
- Eu diria que isto é pouco provável - observou Karen. - Ele parece estar completamente
absorvido com Ruth e seu casamento será em breve.
- Acredito que ela seja uma mulher muito bonita. querida, não quero que você pense que
estou tentando perturbá-la.
- De jeito nenhum - replicou Karen, um tanto friamente, esperando que Lewis não
resolvesse falar mais nada sobre Ruth.
- Você sabe que eu gostaria de cuidar de você - prosseguiu Lewis com dificuldade. - Queria
ter o direito de fazer isso. Você deixaria?
- Lewis, por favor. Não agora. Já disse tantas vezes, não posso me casar com alguém que
não amo. Só de pensar nisso me apavoro. Gosto muito de você e o respeito
profundamente mas, por enquanto, não creio que possa amar alguém.
Lewis passou a falar de negócios e Karen ficou aliviada. Ele era sempre tão compreensivo!
Se tivesse se comportado de outra maneira ela teria que procurar outro emprego e como
eles trabalhavam muito bem juntos, não gostaria de ser obrigada a fazê-lo.
- Por falar nisto - disse ele no final da conversa - eu tenho dois convites para o baile de
caridade no Magnifique, sexta-feira. Você gostaria de ir? Vai ser muito badalado. Você
precisa sair um pouco de sua concha.
Karen hesitou. Ela geralmente recusava estes convites, mas hoje, depois da atitude
compreensiva de Lewis, sentiu que era hora de dar uma folga para as preocupações de
ambos. Afinal de contas, ele estava certo. Um baile iria distraí-la, e talvez ajudá-la a pôr de
lado tudo o que ainda sentia por Paul.
- Bem, acho que talvez seja uma boa ideia, Lewis. Obrigada, mas você quer realmente que
eu vá? - perguntou, provocando-o.
- Meu Deus, claro que sim. Apenas acontece que não tinha muita esperança e como você
aceitou, estou surpreso. - Lewis parecia muito contente. De repente seu dia saíra da rotina
e lhe abrira perspectivas muito otimistas.

CAPÍTULO II

Logo depois de ter deixado Karen, Paul dirigiu-se para seu escritório. Na verdade, havia
muito trabalho esperando por ele, mas agora a necessidade de fazê-lo transformara-se
em desprazer. Ele não conseguia entender. Era alucinante! Seus pensamentos estavam
em turbilhão. Não esperava rever Karen! Apesar de ela ter matado seu amor, ainda
conseguia perturbá-lo completamente, e isto o deixava furioso. Afinal, havia encontrado
muitas mulheres bonitas durante a sua vida, mas o que havia em Karen que o perturbava?
Na verdade, ele tinha esquecido o quanto ela era atraente, e encontrá-la tão
inesperadamente havia provocado um efeito devastador. Ele subiu para seu escritório de
mau humor, e ficou surpreso quando encontrou Ruth esperando por ele em sua sala. Ruth
nunca havia ido antes ao escritório, e agora lá estava ela. Paul recusava-se a relacionar seu
estado de espírito com o encontro que havia tido com Karen um pouco antes.
Ruth era uma moreninha pequena, curvilínea, com cabelos curtos e cacheados. Sempre
parecia jovial e rescendendo a um perfume extremamente feminino. Tinha vinte e oito
anos, mas aparentava menos, o que parecia a Paul sensacional. Mas após a referência
deliberada de Karen à lua-de-mel que passaram em Nassau, todos os detalhes do
relacionamento anterior dos dois vieram à tona com incrível clareza. Lembrava de coisas
que acreditava completamente esquecidas, e bastou uma palavra de Karen para reviver
tudo. Ela o fez perceber que era uma mulher, uma mulher incrível!
No início, sua aparente beleza e charme o atraíram, mas assim que passou a conhecê-la
melhor ficou apaixonado por aquela mulher inteligente, jovem, cheia de vida, sensual e
capaz de conversar com ele sobre qualquer assunto. Tinha sorte com mulheres bonitas e
era consciente de que seu dinheiro também ajudava. Quando Karen se recusou a ser sua
amante, viu-se em frente de uma situação totalmente nova. Na maioria das vezes as
garotas não vacilavam para dormir com ele e a recusa de Karen o intrigou. Além disso,
surpreendeu-se ao descobrir que seu interesse por outras mulheres tinha desaparecido e
que apenas Karen poderia satisfazê-lo naquele momento. com o passar das semanas,
necessitava dela mais do que qualquer coisa no mundo e tinha certeza de que era
correspondido, embora soubesse que apenas o casamento a satisfaria. Mas deu-se conta
de que não era só isso que Karen queria, e os primeiros meses do casamento foram prova
eloquente disso.
Quando foi informado, pela primeira vez, do caso de Karen com Martin, custou a
acreditar. Não podia aceitar que ela fosse para a cama com outro homem, sobretudo um
homem como Martin, muito mais velho. Pensar nos dois juntos deixava-o enojado e com
raiva. Ainda amava Karen e se ela tivesse manifestado vontade de voltar, ele a aceitaria de
qualquer modo. Mas quando ficou sabendo que Lewis passara uma noite no apartamento
dela, foi forçado a admitir que todas as histórias que ele ouvira sobre os dois eram
verdadeiras, e que o casamento estava terminado. Bebeu muito naquela época,
anestesiando seus sentimentos torturados, até que descobriu que o trabalho era o único
meio de trazê-lo de volta ao equilíbrio.
O divórcio, é claro, pôs fim a tudo. Foi o último detalhe. Paul estava convencido de que
nunca mais uma mulher iria conquistar seu coração. Nunca mais! Tornou-se cínico, em
relação às mulheres e à vida, e foi vivendo sem pensar no dia de amanhã. Há seis meses,
porém, conhecera Ruth Delaney, numa festa Nova quando houve uma exposição da
indústria têxtil. Ela não mediu esforços para conquistá-lo, pois percebeu que ele era o
homem mais atraente que até então conhecera ou viria a conhecer. Seu cinismo tinha
acrescentado algo de cruel em seus lábios e a experiência do divórcio o deixara mais
amargo. Desde então, Ruth transformou-se em sua sombra, acompanhando-o a todos os
lugares, até que Paul se viu obrigado a tomar consciência de sua presença. Além do mais,
seu pái era Hiram Delaney, um magnata do petróleo, cuja fortuna sem dúvida seria
importante para o futuro de sua companhia. No início, paul simplesmente a usou, tirando
vantagem de sua ingenuidade, mas aos poucos foi ganhando sua confiança, até que
finalmente ele lhe falou sobre seu casamento fracassado. Ruth sensibilizou-se com suas
palavras e o fez perceber que, embora, jovem, ele não tinha grandes perspectivas na vida.
Paul deu-se conta então de que ela pretendia ser parte de sua vida. Então ele e Ruth
ficaram noivos e os pais dela, enfim, satisfeitos, voltaram aos Estados Unidos, deixando a
filha aos cuidados de Paul.
Hoje Ruth vestia um casaco de mink e um chapéu de plumas corde-rosa. Estava sentada
na poltrona reservada aos clientes, ao lado de sua mesa, e aproximou-se envolta em uma
nuvem de exótico perfume francês
- Alo querido - disse em tom reprovador. - Você não me disse que iria sair para o almoço.
Estou esperando há quase uma hora:
Paul permitiu que os lábios dela tocassem seu rosto antes de tirar seu casaco.
- Realmente? Sinto muito, Ruth. Não foi possível avisá-la. Colocou seu casaco em um sofá
pequeno e, dirigindo-se a sua mesa, afundou na poltrona, procurando seus cigarros.
Ruth pegou o casaco de Paul com um sorriso e o pendurou em um cabide, voltando a
ocupar seu lugar em frente a ele.
- Agora, conte o que houve de tão importante, que o fez largar tudo e sair para almoçar!
Quando perguntei ontem o que ia fazer, você me disse que não teria tempo para nada.
- Isso era a pura verdade - retrucou Paul, tragando seu cigarro. Ruth não fumava.
- Vamos lá - disse Ruth. - Por que você está com essa aparência tão séria e mal-humorada?
Parece que você não ficou contente em me ver.
- Sinto muito, Ruth - murmurou ele. - Estava só pensando.
- Paul encolheu os ombros. - Estava almoçando com Karen disse ele por fim.
- Karen? - Os olhos de Ruth se arregalaram. - Não a...!
- Minha ex-mulher? Sim, ela mesma.
Ruth ficou absolutamente atónita. Até agora, Karen sempre tinha
parecido um fantasma, vagamente colocado no passado, sem nenhuma consistência.
- O que Karen tinha a lhe dizer era muito importante, suponho?
- disse Ruth, disfarçando suas emoções e cerrando seus punhos. O que isto tudo
significava? Certamente ele não estava pensando em se envolver de novo com Karen. Pela
primeira vez pensou em como seria Karen realmente. Paul nunca a havia descrito e Ruth,
na verdade, nunca se interessara.
- Era sim! Sandra, a irmã dela, de dezessete anos, está saindo com Simon... meu irmão
Simon, sabe.
- Mas Simon é casado! - Ruth relaxou um pouco. - Almocei com Júlia a semana passada e
ela não me falou nada sobre separação.
- Querida Ruth, eles não têm nenhuma intenção de se divorciarem. - Simon faz isso o
tempo todo. E Júlia também, se você quer saber. Eles têm um acordo bem cómodo, é bom
que você saiba.
- Você está brincando! - Ruth enrubesceu, comprimindo seus lábios finos.
- Você acha? - Ele riu maldosamente. - Parece que a vida a poupou de qualquer coisa
desagradável, Ruth. Cresça! Estas coisas acontecem o tempo todo.
- Bem, eu acho nojento! - Ruth gritou, mordendo os lábios.
- Estamos no século XX. As pessoas não têm mais amantes. Duas pessoas, como nós,
podem se encontrar e descobrir com o tempo que se entendem ou não, mas agir desta
forma é animalesco, muito pouco civilizado!
- Entendo que Simon pareça um dissoluto para você mas a vida privada dele não é de
minha conta. Desde que isso não prejudique seu trabalho, por mim ele pode fazer o que
quiser. No entanto, este caso é bem diferente. Karen me pediu que intercedesse, em
nome da mãe dela. Sandra é jovem e irresponsável. Incontrolável, se você prefere. Mas
ela vai se meter num rolo, se ficar com Simon.
- Se Sandra for como Karen, então imagino que seja bem capaz de tomar conta de si
mesma - Ruth retrucou, com raiva. - Provavelmente ela merece tudo que possa lhe
acontecer.
- E o que você sabe de Karen? - Paul perguntou friamente. Ruth apertou os dedos e deixou
que seus olhos se fixassem no anel de esmeraldas que Paul tinha lhe dado como presente
de noivado.
- Júlia contou-me muita coisa sobre Karen - comentou, meio na defensiva.
É mesmo? Não sabia das suas fofocas com ela. Você precisa me contar mais.
Paul, não seja louco. Júlia não me contou nada além do que você já havia me dito sobre o
assunto. Pelo amor de Deus, está tudo acabado agora. Sinto, se falei bobagem, e sei que
você não tem mais nada a ver com ela.
Sugiro, então, que você esqueça tudo que Júlia disse sobre Karen. Ela sabe muito bem que
Karen é duas vezes mais mulher do que ela e também que Simon sempre deixou claro que
Karen o intrigava. Sim, eu sei que ele tem outras mulheres, mas Júlia nunca sabe quem
são. Seria um tanto chato para Júlia descobri-lo cantando a mulher do irmão. O estigma
permanece.
- Está bem, está bem, Paul. Ela deve ser muito mulher. - A frase soou bem sarcástica. - E
então, vocês tiveram um almoço íntimo?
- Eu não o chamaria de íntimo - respondeu Paul secamente. Ruth mordeu os lábios
novamente. Ela não estava gostando daquela conversa. Sua visita ao escritório tinha o
objetivo de aliviar o dia monótono que Paul estaria enfrentando. Em vez disso, tinha
ficado esperando por uma hora e agora que ele voltara tudo que era capaz de fazer era
falar sobre Karen. Ela se sentia, com razão, profundamente deprimida. Gostava de pensar
em si como a única mulher na vida de Paul. O que passou, passou, e ela era o presente.
Aquele casamento fracassado tinha sido o resultado de um impulso impensado e agora
tudo o que queria era ser para ele uma esposa perfeita. E não pretendia ser aborrecida.
- Não se preocupe, Karen não está interessada em mim, Ruth.
- Parecia ler os pensamentos dela. - Ainda está trabalhando para Lewis Martin e imagino
que um dia eles vão se casar. O que me intriga é que até agora não o tenham feito.
Esperava por isso assim que nos divorciamos.
- Estou contente - observou ela, sentindo-se um pouco mais relaxada. - Onde vamos hoje
à noite? Isso, se você conseguir sair do escritório. - Os olhos de Paul piscaram
enigmaticamente e ela não pôde saber o que ele estava pensando.
- Onde você gostaria de ir? - ele perguntou, passando a mão em seus fartos cabelos.
- Que tal a ópera?
- Boa ideia. vou pedir à srta. Hopper para comprar os ingressos. vou buscá-la mais tarde
em seu hotel para jantar. Está bem assim?
- Maravilhoso - concordou Ruth com entusiasmo. Eles estavam de volta ao terreno que ela
dominava, não se aventurando por antigos rumos ignorados. - Por falar nisso, querido,
tenho ingressos para o baile de caridade no Magnifique, na sexta-feira. Parece que vai ser
ótimo e gostaria de ir.
- Geralmente não vou a esses lugares, Ruth. Posso comprar ingressos, é claro, mas...
- Mas coisa nenhuma. Paul! - exclamou. - Eu gostaria de ir. Isto não significa nada para
você?
- Claro que sim - disse ele em tom conciliador. - Sinto muito. Ruth. Claro que vamos, se é o
que você quer.
- Obrigada, querido. - Ruth sorriu triunfal. - Bem, agora vou embora e deixá-lo em paz. Já
fiz você desperdiçar muito tempo.
Após a saída de Ruth, Paul passou as mãos pelos cabelos. Seus pensamentos eram
caóticos e desagradáveis. Era degradante sentir-se desta maneira e ficou furioso consigo
mesmo por isso. Havia sido um dia estranho e irreal e a tensão era bem maior do que ele
imaginava que pudesse ser. com um suspiro, acendeu outro cigarro e, atravessando a sala
em direção ao bar, lá apanhou uma garrafa de uísque e um copo. Serviu-se de um drinque
duplo e sentou novamente à mesa. Não podia deixar de pensar no quanto Karen e Ruth
eram diferentes. Era realmente impressionante! Ruth era pequena enquanto Karen era
alta e quase voluptuosa. Ruth usava o cabelo curto e cacheado, o de Karen era comprido e
liso. Ruth preferia roupas femininas, da moda, enquanto Karen usava roupas práticas,
como calças compridas e suéteres. Certamente isso queria dizer alguma coisa. Riu
sozinho. Sem dúvida, um psiquiatra diria que se tratava de alguma forma de aberração
mental. Provavelmente era mesmo. Seu subconsciente rejeitava todos os pontos em
comum entre a mulher de quem ele se divorciara e aquela com quem iria se casar. Mas,
por qualquer coisa que acontecesse, Karen não iria insinuar-se em sua vida uma segunda
vez. Tinha Ruth que o amava e que nunca iria lhe pedir nada que não pudesse lhe dar, que
iria educar seus filhos com amor e sem pretensões de ser algo que não era. Se os
sentimentos dela iam além disso, tanto melhor. A atração sexual pode ser o céu ou o
inferno!
Karen estava se vestindo de manhã, dois dias depois, quando o telefone tocou. Eram
apenas dez e quinze e a sra. Coates tinha acabado de sair. Karen vestiu um roupão e
correu para o telefone. Seria Paul? Seu coração acelerou-se.
-Via Chelsea 04804 - ela respondeu com rapidez.
- É você, Karen? - perguntou uma voz masculina, que não era a de Paul.
Sim - disse ela, com alguma curiosidade. - Quem fala?
Você não se lembra de mim? Estou arrasado - respondeu
zombeteiro. - Ela percebeu de quem se tratava.
Que você quer, Simon? Onde você está?
- Estou aqui, na portaria. Quero vê-la. Posso subir?
- Acho que sim - ela disse com um suspiro. - Mas não estou vestida. Dê-me alguns
minutos.
- Já estou subindo - ele respondeu desligando.
Karen mordeu os lábios e recolocou o fone no gancho. Que poderia Simon querer com
ela? Nunca a havia procurado antes. Desde o divórcio o tinha visto poucas vezes e sempre
por acaso. Será que queria falar sobre Sandra? Esperava que não, pois preferia que Paul
tivesse, resolvido tudo sozinho. Mal tinha chegado ao quarto quando bateram à porta.
Exasperada, enrolou-se melhor no roupão e foi atender. Estava linda, pois o azul escuro
do roupão acentuava a incrível brancura de sua pele. Simon estava encostado no batente
da porta e seus olhos brilharam ao ver Karen. Ela sempre o havia intrigado, mas Karen
deixara bem claro, desde o começo, que não tinha o menor interesse por ele. Era cinco
anos mais velho que ela, mas às vezes agia como se fosse dez anos mais novo. Era uma
versão mais magra de Paul, cabelos negros pedindo um corte, e meio amarelado por falta
de sol. Simon era considerado um homem atraente, mas Karen tinha certeza de que a
franqueza estampada em seu rosto e sensualidade de sua boca não lhe diziam
absolutamente nada. Muitas mulheres caíram, vítimas de seu charme, mas geralmente
eram mulheres como ele, que viviam o momento e não pensavam no amanhã. Este caso
com Sandra era algo novo para ele, e Karen estava furiosa por Sandra não perceber a
fraqueza de seu parceiro.
- Bem, o que você quer?
- Ora, deixa disso - exclamou ele, com ar de reprovação. Você tem certeza de que não vai
me convidar para entrar? Prometo que não vou atacá-la, se é isso que está pensando.
Karen suspirou profundamente e afastou-se um pouco para permitir que ele entrasse no
apartamento.
- Muito bonito - murmurou ele, enquanto largava o corpo no sofá. - Você está bem
instalada aqui. Bem mesmo!
- Dispenso seus comentários. Vá direto ao assunto e depois pode ir embora.
Mas Simon não tinha a menor vontade de fazer isso e já que estava instalado no sofá,
bocejou escandalosamente.
- Puxa vida, estou cansado.
Karen percebeu que ele vestia um smoking por baixo do sobretudo, enquanto lhe
entregava uma xícara de café.
- Pensei que era muito cedo para alguém como você. Ainda não foi dormir ou estou sendo
óbvia?
- Minha querida Karen - ele retrucou -, eu estava jogando pôquer, isso é tudo. Admito não
haver passado a noite entre lençóis de seda, sobre um luxuoso colchão, mas, por outro
lado, não estava na farra. Sinto desapontá-la, amor. Diga uma coisa, Karen, por exemplo,
por que eu não atraio você, enquanto meu irmão Paul a deixava extasiada?
- Você quer mesmo saber? - ela perguntou, virando-se devagar.;,
- Mas é claro. Imagino que haja uma razão.
- Oh, claro, Simon. Há uma razão. Eu simplesmente acho que você é fracote, estúpido e
tem muito pouca coisa na cabeça além de sexo. Isso é o bastante?
- Bem, eu pedi isso, creio. - Simon corou e ao terminar o café colocou a xícara sobre a
bandeja. - Como ele podia sentar-se ali e permitir que ela lhe falasse daquele modo? Será
que não possuía orgulho ou qualquer outro sentimento?
- Bem, Simon, você já tomou seu café e agora acho que pode me dizer o que está
acontecendo.
- Depois de suas palavras, creio que perdi a viagem. Secretamente eu achava que você
gostava de mim, mesmo não sendo tão gostoso quanto Paul.
- Bem, agora você sabe. Por que está aqui? Por causa de Sandra?
- Sim! Nós temos nos divertido muito juntos.
- Imagino! - exclamou Karen. - Ela deveria ter mais juízo. E você também.
- Mas querida, Paul está tentando me afastar de Sandra e eu esperava que você fosse
capaz de fazê-lo desistir. Afinal, não fiz mal algum a sua irmã.
- Você deve estar brincando! Meu Deus, Simon! Para começo de conversa, fui eu quem
pediu a Paul que interferisse. Minha mãe quase ficou histérica quando descobriu com
quem Sandra estava saindo.
- Karen! Você quer dizer que está por trás disso tudo? - Simon olhou para ela com
desagrado.
Eu e minha mãe. E por que não, Simon? Você não é boa companhia para mulher alguma! E
lembre-se de Júlia! Você é um homem casado!
Isso é problema meu - ele retrucou, irritado.
- Você realmente acredita que eu iria encorajar uma relação entre minha irmã e um
homem casado? E um homem como você é a pior influência possível para ela. Sandra já é
louca o suficiente e não precisa de você para torná-la mais ainda.
- É mesmo? Muito obrigado, srta. Stacey! Mas não creio que você saiba o quanto Sandra é
desvairada. Vocês não vão conseguir nos separar tão facilmente. Paul acredita que tem a
palavra final, mas não vai ser tão fácil assim.
- -O que você quer dizer? - Karen estava ansiosa. - Estou certa de que não haveria
consequências neste episódio sórdido, ou haveria?
De repente bateram à porta e Karen franziu as sobrancelhas.
- Mais visitas? - observou Simon, sarcasticamente. - Quem será?
Karen tremeu e, apagando seu cigarro, foi até a porta atender. Paul estava na soleira, com
um terno azul-escuro, gravata azul e camisa branca. Sua aparência perfeita revelou sua
superioridade em relação à aparência desleixada de Simon, mas Paul sempre parecia mais
bem vestido do que qualquer outra pessoa, fosse qual fosse a roupa que usasse. O rosto
de Paul estava frio e seus olhos negros e inescrutáveis dirigiram-se para o sofá onde
estava Simon. Karen percebeu a tensão em seu rosto.
- Bem, bem - Paul disse afinal. - Pelo que vejo, você é muito popular atualmente!
Seus olhos frios observaram Karen com seu roupão e seu rosto sem pintura.
Imediatamente ela percebeu o que lhe passava pela cabeça.
- Que surpresa... - Karen começou a falar desajeitadamente.
- Sem dúvida nenhuma - observou Paul, com sarcasmo. - Se soubesse que você conhecia
Simon tão... digamos, intimamente, deixaria que você mesma se entendesse com ele. E eu
que a imaginava delicada demais para se envolver com alguém como ele!
- Eu era... eu sou... Quer dizer, você não acredita que ele está aqui a convite meu,
acredita? - Karen estava desesperada.
- Bem, ele parece se sentir à vontade aqui - replicou Paul friamente. - Talvez você
pretendesse que ele se afastasse de Sandra para não ter concorrente.
Simon achou que era hora de intervir.
- Tudo isto está sendo dito contra a minha vontade! Percebo que devo dizer que Karen
não se interessa por mim, absolutamente. Ela deixou isso mais do que claro, devo
acrescentar.
- Obrigada - falou Karen, suspirando de alívio, mas o rosto de Paul permaneceu imutável.
Ele encolheu os ombros.
- Bem. de qualquer maneira, Karen, tenho certeza de que já lhe falaram que eu conversei
com Simon e ele... em deixar de ver Sandra. De qualquer modo, Simon, não vale a pena se
meter com duas irmãs. Tenho certeza que você achará Karen suficiente para suas
necessidades.
As mãos de Karen moveram-se com raiva para esbofeteá-lo, mas ele era mais rápido que
ela e seus dedos fecharam-se sobre seu punho e impediram o soco.
- Acho que não - Paul murmurou suave e cruelmente. Seus olhos se arregalaram quando
ele a viu pálida. - Pobre Karen, tão confusa, você nunca vai aprender, vai?
- Largue-me - disse ela, entre os dentes.
- com prazer - ele respondeu, largando seu punho imediatamente. - Até logo, Karen. Acho
que não vamos nos encontrar de novo. - Deu-lhe as costas e dirigiu-se em direção ao
elevador. Karen ficou olhando Paul enquanto esfregava seu pulso dolorido. Estava furiosa
e virou-se para Simon quando Paul desapareceu.
- Veja o que você aprontou! - gritou. - Você, os Prazer, pensam que mandam no mundo.
- Ei. espere aí! - ele exclamou. - Eu não provoquei esta encrenca. Não ponha a culpa em
mim. Concordo que Paul não gostou de me encontrar aqui, mas isso não é nada. Afinal,
ele não significa coisa nenhuma para você. Então, por que essa bronca toda?
- Fora daqui - exclamou Karen, segurando com grande esforço as lágrimas que lhe
brotavam dos olhos.!
- Claro, querida. Mas lembre-se do que eu falei - Simon parou do lado de fora da porta. -
Você acha que meu irmão Paul me daria uma carona até o escritório, se eu pedisse a ele?
Karen bateu a porta sem responder, encostando-se a ela e sentindo-se mal. O dia tinha
começado péssimo e ainda não eram nem onze horas. Ela foi até o quarto e vestiu-se,
deixando que as lágrimas fluíssem sem reprimi-las. Não teve oportunidade de conversar
com Paul sobre o que Simon havia dito sobre Sandra e pelo jeito não teria outra chance.
Por que Paul tinha que escolher logo aquela manhã? A presunção de Simon convenceu
Paul de que, fosse qual fosse a atitude dela, Karen estava muito interessada nele - o
suficiente, pelo menos, para vê-lo arruinar a vida da irmã sem levantar um dedo para
impedir. Ela suspirou profundamente, pois constatou que, de repente, sua vida estava
muito complicada.
Paul foi sozinho a um pequeno restaurante perto do edifício Frazer. Sentia-se deprimido e
fisicamente perturbado. Comida para ele era algo impensável; mas tomou apenas três
xícaras de café e fumou um charuto em vez de sua refeição habitual de três pratos. Ver
seu irmão no apartamento de Karen levou-o ao caos e, no fundo, culpava-se por ter ido lá
e por ter se envolvido com o problema. A única razão de sua ida ao apartamento foi falar
com Karen em particular sobre sua conversa com Simon e ficou atónito ao encontrar seu
irmão ali. Por que ele estava lá? Será que tinham mentido e eram realmente amantes?
Simon não havia dormido em casa, isso estava claro pelas roupas que usava, e Karen
vestia um roupão. Estes pensamentos torturavam sua mente ferida.
Se Karen tivesse um caso com Simon, o que ele faria? Poderia suportar? Se não, que
fazer? Vê-la trouxe tudo isso de volta e ele pedia a Deus para não encontrá-la nunca mais.
Sua vida, solidamente construída, parecia afundar na areia. Chegou até a considerar a
hipótese de ter um caso com Karen, se ela concordasse, apenas para tirá-la desta situação.
Era o sexo mostrando suas garras novamente. Balançou a cabeça. Por que deveria pensar
em ter um caso com Karen? Tinha Ruth e sem dúvida ela estaria pronta a consolá-lo se ele
assim o desejasse. O que havia de especial em Karen que parecia penetrar dentro de sua
pele? Só havia uma resposta: atração sexual. Ele tinha terminado a última xícara e estava
prestes a sair quando alguém se dirigiu a ele:
- Oi, Paul. Que surpresa! Posso sentar?
- Sandra! - A visão da irmã de Karen chocou-o. Depois de tanto pensar, era quase certo
que sua preocupação transparecesse em seu rosto. Sandra Stacey era bem diferente de
Karen. Para começar,era menor, mais gorda, com seios grandes, coxas grossas e um
desprezo juvenil pela moda. Seus cabelos lisos caíam pelos dois lados do rosto oval, mais
longos que os de Karen, mas não tão bem tratados. Vestia um casaco de lã azul-escuro
com capuz, meias brancas e sapatos de salto grosso. com a idade dela, Karen era alta,
magra e com bastante bom gosto para se vestir, mesmo não usando roupas caras como
Sandra.
- Que legal encontrar você - ela disse, sentando-se e obrigando Paul a voltar a sentar.
- Já estava de saída - ele disse com polidez. - Não sabia que você frequentava este lugar. -
Na verdade, era um lugar além das posses de Sandra...
- Normalmente, não - ela retrucou, sorrindo com cumplicidade.
- Mas como trabalho em um salão de beleza bem próximo - sou cabeleireira, sabe - Simon
vem às vezes almoçar comigo aqui. Ele deve chegar a qualquer momento.
Paul pensou que era só o que faltava nas atuais circunstâncias, mas não respondeu. Não
tinha intenção de dar as más notícias que Simon tinha para ela. Sandra descobriria por si
dentro em breve.
- Bem, devo pedir algo para você? - perguntou.
- Não, obrigada. vou esperar. Como vai você? Faz tanto tempo que mamãe e eu não o
vemos. Você esqueceu da gente.
Paul encolheu os ombros e ofereceu-lhe um cigarro.
- É que minha vida é muito atribulada.
- Deve ser mesmo. Você ficou noivo, não é? Eu li no Times. Meu chefe o lê, sabe?
- Tenho que ir - disse Paul desculpando-se. Não estava para conversas.
- Tudo bem, Paul, eu entendo. Simon é um cara ocupado também. Está sempre apressado.
Diga uma coisa, Paul, você desaprova nosso relacionamento?
- Você é um tanto jovem para ele - Paul respondeu friamente.
- Além disso, Sandra, Simon é um homem casado. E a mulher dele? Você não liga para
Júlia?
- Você deve saber o tipo de pessoa que ela é - Sandra respondeu, com uma candura
juvenil. - De qualquer modo, Simon vai cuidar de mim, não importa o que aconteça.
- Duvido muito - observou Paul. - Simon não é uma pessoa constante. Olhe em torno dele.
Em todo caso, mesmo que fosse um anjo disfarçado, sempre seria um homem casado.
Ele abotoou o casaco e pensou no quanto essa conversa estaria fazendo efeito. Sandra
parecia muito deslumbrada por Simon para ligar para o que ele era ou fazia.
Mas Simon era muito moço quando se casou - disse Sandra.
- E é só treze anos mais velho que eu, e Karen é doze anos mais nova que você.
Mas Karen era muito mais madura que você aos dezoito anos
Paul respondeu com frieza. - Sinto muito, Sandra, mas é a verdade.
Eu odeio ouvir isso - Sandra exclamou, com raiva.
- Tenho realmente que ir - ele disse olhando para o relógio.
- Adeus!
- Tchau, Paul. vou dizer que você mandou um beijo para Karen.
- Paul apenas sorriu e foi embora.

CAPÍTULO III

Na quinta-feira Karen telefonou para sua mãe e contou que havia recebido de Paul a
confirmação de que ele já tinha falado com Simon. Não deu detalhes, apesar de Madeline
ter feito de tudo para descobrir o que tinha acontecido. Permaneceu fria e Madeline teve
que se contentar com o fato de que sua filha havia feito o possível.
Ficou contente por Sandra não se envolver com ”aquele homem horrível” e convencida de
que sua filha caçula iria finalmente procurá-la para se consolar. Afinal, ela era sua mãe e
Sandra não sabia que ela havia pedido a Karen para intervir. Karen perguntou se caso
houvesse um confronto, Madeline iria ou não admitir que estava envolvida no caso.
Madeline tinha a necessidade de se sentir querida e se Sandra descobrisse que ela havia
planejado tudo, bem que poderia voltar-se contra a mãe. Como as duas irmãs tinham
muito pouco em comum, não importava a Karen o que Sandra poderia pensar a seu
respeito.
Depois de desligar, Karen acendeu um cigarro e foi fazer um café antes de começar a
trabalhar. Já era de tardezinha, e se ela não-começasse logo seria outro dia desperdiçado.
Mas, no momento, o trabalho havia perdido todo o charme e ela só conseguia pensar em
Paul e na noiva dele.
na noite seguinte, Karen vestiu-se com cuidado, para o baile no Magnifique. Tomou um
banho demorado e caprichou na escolha da roupa, sem esquecer o menor detalhe. Tinha
comprado um vestido de noite naquela manhã, e queria estar linda e glamorosa para a
festa. Retraíra-se por muito tempo. A vida não podia continuar daquela maneira. Era
jovem e sem compromisso e não podia mais continuar cega às alegrias de viver. O vestido
ajustou-se bem a seu corpo, moldando suas curvas exuberantes e acentuando sua cintura
fina. Era de veludo negro, com gola alta redonda. Fazia muito tempo que não gastava
tanto dinheiro com ela. A única jóia que colocou foi um par de brincos de brilhante, que
cintilavam quando ela movia a cabeça.
Colocou sua estola de peles, presente de aniversário de Paul, e deixou seus cabelos soltos
até os ombros. Sua pele acentuava-se com a cor escura do vestido, realçando suas faces e
emoldurando as feições atraentes. Por um momento, lamentou vestir-se daquela maneira
para Lewis. Afinal, ele a estava pressionando bastante, já que sua intenção era fazê-la sua
mulher. Ele poderia pensar que estava deliberadamente tentando atraí-lo. Mas agora era
tarde demais. Não tinha mais tempo de se trocar, pois ele já ia chegar a qualquer
momento. Olhou-se mais uma vez no espelho e foi preparar os coquetéis, antes da
chegada de Lewis.
Bateram à porta, em seguida, e ela foi abri-la. Lewis estava parado ali, muito elegante em
seu traje a rigor. Seus olhos brilhavam de admiração. Convidou-o para um drinque antes
que saíssem e ele aceitou prontamente. Mas Karen não perdeu muito tempo. Agora que
Lewis havia chegado era prudente irem embora.
Jantaram no restaurante do Magnifique. Lewis tinha reservado uma mesa e o jantar
estava delicioso. O Magnifique era um hotel moderníssimo e sua clientela rica e famosa.
Karen ficou tentando identificar estrelas do cinema e da televisão e acabou por esquecer
sua depressão anterior. Percebendo de repente que Lewis falava com ela, virou-se rápido.
- Sinto muito, Lewis, estava distraída.
- Eu só estava dizendo que você é uma jovem maravilhosamente linda, querida.
- Obrigada, gentil cavalheiro - ela respondeu alegremente. Fico feliz com sua aprovação.
Às vezes penso se não deveria aceitálo, Lewis, você é paciente demais comigo. Por que
você não arranja uma boa esposa? Eu nunca vou mudar, você sabe disso.
- É o que veremos. Minha governanta vai embora no fim do mês que vem. Sua irmã está
no hospital em Glasgow e ela prometeu ir cuidar dela quando fosse para casa. É um ótimo
emprego. Acho que você não iria se importar em ocupar o lugar.
- Como governanta?
- Como minha esposa - disse Lewis, com determinação.
- Não é Jane Mannering naquela mesa? - Karen tentava disfarçar. - Parece muito mais
nova do que nos filmes. Quando terminaram o jantar e estavam tomando licor e café,
Lewis perguntou:
- O problema com Sandra já foi resolvido?
- Pode-se dizer que sim - replicou Karen, forçando um pequeno sorriso. - A gente precisa
ver para crer, não é?
Após o jantar, juntaram-se às pessoas que chegavam para o baile, que começava às dez e
meia. Ficaram no bar até mais ou menos onze horas e Karen percebeu que a quantidade
de bebida que estava tomando, sem estar acostumada, começava a relaxá-la. Havia
algumas mesas em volta da pista, cada uma delas com uma luz no centro, criando uma
atmosfera aconchegante. A orquestra estava no fundo do salão e do lado oposto ao bar.
As paredes eram cobertas por espelhos compridos, que refletiam os dançarinos. O teto
era alto, sustentado por pilares e arcos muito elegantes. Conseguiram uma mesa e Lewis
pediu drinques para um garçom que passava. Após observar por alguns momentos os
pares que dançavam, Lewis convidou-a para dançar. Conduziu-a ao ritmo da música. Era
tão bom sentir-se vivendo novamente! Para sua surpresa, Karen percebeu que podia
acompanhar os passos de Lewis com facilidade, já que fazia tanto tempo que não
dançava. Dançaram três músicas seguidas quando, de repente, a orquestra tocou um cha-
cha-cha e Karen olhou rindo para Lewis. Tentaram seguir a música, mas sem sucesso.
Lewis não era um dançarino nato e Karen não podia seguir seus movimentos desajeitados.
Estavam rindo quando a atenção de Karen se voltou para quatro pessoas que entravam no
salão. Eram dois homens e duas mulheres. Um dos homens era Paul Prazer. Lewis notou
sua perturbação.
- Há algo errado, Karen? Você está pálida!
- Paul acaba de chegar - ela retrucou, olhando para baixo.
- Ele não me viu, creio. Está com lan Fellowes e esposa, e uma outra mulher que deve ser
Ruth, suponho.
lan Fellowes era um velho amigo de Paul, dos tempos de universidade, e ele e a esposa
visitavam frequentemente a casa deles, antes do divórcio.
- Meu Deus! - - exclamou Lewis, com raiva. - Já estive em dezenas destas festas e ele
nunca apareceu a nenhuma! Por que logo hoje?
Antes ele não estava noivo - respondeu Karen, passando a língua nos lábios que de
repente ficaram secos. - Ruth provavelmente o convenceu.
- Provavelmente - concordou Lewis. - Você quer sentar?
Por favor. - Karen estava tentando mostrar-se o mais calma possível. - Eu gostaria de
tomar alguma coisa, agora.
Eles voltaram para a mesa, que felizmente era do outro lado do salão, oposta à de Paul e
seus amigos. Karen podia observá-los quando ninguém estava dançando, sem que eles
pudessem vê-la. Ela bebeu seu gim com vermute e aceitou um cigarro de Lewis,
permitindo-se olhar para Ruth. Ela estava curiosa para ver com que tipo de mulher Paul
iria se casar.
Karen viu que Ruth estava vestida com um requintado longo de cetim e constatou que ela
era bem atraente.
A música começou de novo, os casais foram dançar, e ela não os pôde ver mais. Olhou,
então, para Lewis e percebeu que a estava observando.
- Então aquela é Ruth - disse ela casualmente. - Ela é bem bonitinha, não é mesmo?
- Acho” que sim - retrucou Lewis, carrancudo. - No entanto, prefiro as louras. E ela parece
muito tagarela...
Ambos perceberam que Ruth monopolizava a conversa, tentando o tempo todo chamar a
atenção de Paul.
- Queria saber o que vai fazer Sandra parar de encontrar com Simon - disse Lewis de
repente. - Acho que ela precisa ser mais controlada. Sua mãe deveria ter se casado de
novo.
- Bem, Paul costumava controlá-la. Sandra o adorava.
- Talvez eu possa fazer o mesmo. - O rosto de Lewis tornou-se sombrio.
Karen sabia que Lewis não tinha a força necessária para controlar uma adolescente como
Sandra. Não tinha nenhuma experiência, para começo de conversa. Paul sempre havia
controlado Simon em sua juventude e Sandra havia obedecido Paul por causa de seu olhar
severo e seu magnetismo. Ele tinha charme, era impossível negar, e Sandra tinha sido
vítima daquele charme, porque se imaginava apaixonada por ele e via cada desejo dele
como uma ordem. Lewis não iria atraí-la nesse sentido. E, além do mais, Madeline não
gostava
de Lewis, enquanto sua aprovação era total em relação a Paul.
- com licença, vou o toalete e não demoro -, disse Karen.
- À vontade -, respondeu Lewis. - Eu espero aqui.
Karen sorriu e passou pelas mesas, à procura do ar fresco do salão. O que ela mais
precisava no momento era de ar. Já estava chegando ao toalete quando viu Paul. Estava
encostado com negligência a um dos pilares, fumando um charuto e conversando com
outro homem. Usava um lindo smoking. Alto e forte, muito atraente, sua camisa branca
contrastava com a pele bronzeada, realçando-lhe ainda mais a figura.
Sentindo um tremor de excitação, Karen foi em direção a eles e sua aproximação fez com
que Paul se voltasse. Seu belo rosto não mostrou surpresa alguma e Karen deu-se conta
que ele a havia visto mesmo antes que tivesse percebido que ele estava ali.
Olhando-o, pensou na razão dela ter permitido que Lewis a convencesse, de que a melhor
coisa para ela era divorciar-se de Paul. Sozinha, era quase certo que teria voltado para ele,
e esta noite essa possibilidade parecia ser algo extremamente agradável. Se ele não
tivesse se divorciado dela, tinha certeza de que nunca teria tomado a iniciativa, e ainda
seria sua esposa. Agora, quando seus olhos encontraram os dele, parecia tão calmo e
desligado que ficou com raiva da sua aparente distração.
Apesar disso, ele empertigou-se e jogou seu charuto no chão, apagando-o com os pés.
Obviamente não iria ignorá-la e Karen sentiu-se feliz. Seu amigo olhou para o lado e a viu,
e Karen percebeu que era alguém a quem ela nunca tinha sido apresentada.. - Olá, Paul. -
Cumprimentou-o, consciente de sua extrema elegância. Desejara que Paul a visse. Seu
desejo estava agora satisfeito.
- Karen! - Ele se virou para seu companheiro, um homem com seus trinta e cinco anos,
com expressão alegre e despreocupada. Antes que Paul pudesse apresentar Karen, no
entanto, o homem riu jovialmente.
- Vamos lá, Paul. Você não vai me apresentar? Parece que você conhece todas as garotas
lindas daqui.
Paul tentou sorrir e Karen pensou no que estaria passando por sua cabeça. Estaria
pensando que Ruth era mais bonita do que ela?
Karen, este é Anthony Stoker. - ”Sir” Anthony Stoker. -
Um velho amigo dos tempos de faculdade. Tony, esta é Karen... Stacey. - Ele hesitou por
um momento curtíssimo antes de falar o sobrenome, pois ainda pensava nela como Karen
Prazer.
- Alo - disse Karen, sorrindo, e Tony apertou sua mão vigorosamente.
- Como vai? - Suas mãos eram grandes e calosas, mas muito bem tratadas. Não era um
tipo bonito mas, o que ele perdia em aparência, ganhava em personalidade. Parecia ser
um homem de bom coração, simpático, e Karen gostou dele de imediato. Não era o tipo
de homem que pudesse atraí-la, mas seria um bom amigo, pensou.
- vou bem - disse Karen. - Você está gostando da festa?
- Bastante! Ajudei a organizá-la, na verdade. Ele sorriu e de repente exclamou:
- Meu Deus, Paul, agora que eu estou vendo! Ela é... bem, quer dizer... ela é a garota que
era sua esposa?
- Ela foi minha esposa há muito tempo atrás - Paul falou friamente. - Karen enrubesceu.
- Céus! E eu falando tanta besteira. Fui um completo idiota, não é mesmo, Paul?
- De jeito nenhum - retrucou Paul, com cortesia. - Karen é uma mulher muito atraente e
sabe disso muito bem, tenho certeza.
- Karen ficou ainda mais vermelha. Odiava ser comentada como se não estivesse presente.
- Você está sozinho, Paul? - interrompeu a conversa, afinal.
- Não, estou à espera de Ruth. está no toalete, creio.
- Ah, sei. Vi vocês chegando há pouco.
- Eu sei disso - observou Paul calmamente. - Vi você do outro lado do salão, quando nos
sentamos à mesa.
Karen tremeu. Não tinha consciência de que seus olhares tinham sido percebidos. O que
teria ele pensado? Teria achado que ela era excessivamente curiosa?
- Ah, Paul, obrigada por ter falado com Simon - Karen murmurou por fim, olhando para
ele.
Paul pareceu sem graça, como ela pretendia. Tony olhou para os dois, intrigado com o
rumo da conversa.
- Ontem não tive oportunidade para agradecer como deveria - ela continuou com
determinação.
- Não foi nada - respondeu Paul com secura, seus olhos brilhando perigosamente,
desafiando-a a dizer mais alguma coisa.
- Não ligue para nós - murmurou Karen, olhando para Tony. Paul e eu ainda somos bons
amigos, não é mesmo, querido? Afinal de contas, somos gente civilizada, não somos? E
não selvagens. Somos capazes de agir com naturalidade um com o outro. Não estou certa,
Paul?
- Claro que sim - retrucou Paul friamente, seus olhos agora lançando ameaças, sem dúvida
nenhuma.
- E se voltássemos para o salão agora, hein, Karen? Gostaria de dançar com você, se fosse
possível. - Tony resolveu interromper a guerra.
Paul ficou tenso ao ouvir as palavras de Tony. Karen percebeu que, por alguma razão, ele
não queria que ela dançasse com Tony. Será que ele estava com ciúmes? Não, isso era
ridículo. Provavelmente ele não queria um de seus amigos na companhia de uma mulher
como ela, ou melhor, como ele pensava que ela era. Ignorou sua atitude.
- Obrigada, Tony. Adoraria.
- Ótimo! - Tony olhou para Paul. - Vejo você mais tarde, então, meu velho.
- Claro. - Paul estava desligado. Karen sabia que o havia perturbado, mas se fora
seriamente ou não, não podia dizer.
Tony pegou em sua mão e eles voltaram para o salão. Ele era um bom dançarino e uma
companhia agradável. Explicou que havia convidado pessoalmente Paul e seus amigos
para o baile, e que sua companhia o havia deixado na mão na última hora. Brincou a
respeito de seu título, que não levava a sério, e contou para ela que cuidava de uma
fazenda em Wiltshire, propriedade da família Stoker há várias gerações. Não eram ricos,
pois todo o dinheiro que ganhavam era reinvestido na terra. Isto explicava suas mãos
cheias de calos, e Karen admirou por insistir em não largar a fazenda. Se Tony a vendesse,
ele, sua mãe e sua irmã poderiam viver em Londres com um certo luxo, mas eles amavam
a terra e preferiam viver em Wiltshire entre os camponeses. Apesar de conhecer Paul
desde os tempos de Oxford, eles se haviam reencontrado apenas recentemente, reatando
assim os laços de amizade. Haviam almoçado juntos algumas vezes e Tony conhecera a
noiva americana de Paul. Karen
deixou que ele falasse. Ela estava vagamente interessada, mas seus pensamentos
continuavam voltados para Paul. Era agradável ouvir a conversa de Tony e ela o
acompanhava sem preocupações.
De repente, ela olhou para Lewis e sentiu sua consciência incomodá-la. Ele parecia
preocupado e com raiva de alguma coisa. Quando ela lhe acenou, ele simplesmente a
ignorou. Sentiu-se culpada e, quando a música terminou, explicou que estava com seu
patrão e que ele a esperava.
- É mesmo? - Bem, você acha que eu posso me sentar com vocês por uns momentos? Fico
meio sem graça com Paul, sabe?
- Mas é claro. Lewis e eu somos velhos amigos. Ele não vai fazer nenhuma objeção, tenho
certeza.
- Que bom - disse Tony calorosamente. - Quem sabe mais tarde a gente possa dançar de
novo, se você quiser, é claro!
Karen sorriu para ele e permitiu que segurasse sua mão enquanto voltavam para a mesa
em que Lewis estava sentado. Ele se levantou quando os dois se aproximaram, e como
não era alto, Tony o suplantava, tanto em altura quanto em volume.
- Onde foi que você se enfiou desta vez, Karen? E quem é esse cara?
- Meu nome é Stoker. Tony Stoker. E você, quem é?
- Oh, por favor! - Karen estava aborrecida, sem entender os modos rudes de Lewis. -
Lewis, este é Tony. Tony, este é Lewis Martin, meu patrão.
Os dois homens apertaram-se as mãos de má-vontade e Karen quase desejou ter deixado
Tony para trás.
- Tony estava no vestíbulo, falando com Paul, quando fui à toalete - explicou. - Paul nos
apresentou.
- Você quer dizer, Prazer de novo, suponho. - Lewis estava carrancudo.
- Agora talvez você possa dançar comigo, Karen. - Lewis falava em tom de ordem, em vez
de simplesmente pedir.
- Claro - ela disse, irritada com seus ciúmes possessivos. Karen nunca tinha dado motivo
para que ele pensasse que eram mais do que bons amigos, pois afinal, não era nada dele.
Era isso sim uma mulher livre. Dançaram por algum tempo em silêncio e ele então falou:
- Suponho deva desculpas como criança.
- Sim, é verdade. - Karen concordou, grata por ele ter sido sincero. - O que afinal há de
errado com você? Eu estive fora por quinze minutos, apenas.
- Eu sei, eu sei. Sinto muito. - Lewis suspirou. - Está na cara que eu estou com ciúmes
terríveis. Você não sabe como é, sabe? Querendo alguém com tanta intensidade e
sabendo que esse alguém não liga para você.
- Lewis, de novo... agora não...
- Eu sei - ele resmungou. - Não fale assim. E não apareça com homens na minha frente.
Não posso esconder o que sinto. Você deve ser fria.
- Fria! - Karen quase riu. Só falar com Paul fazia seu corpo pegar fogo! E Lewis achava que
ela era fria. Ela tremeu. - Talvez você esteja certo - disse ela por fim, escolhendo a saída
fácil.
- Estou convencido disso. - Lewis estava calmo e olhava firme para ela. - Mas um dia você
vai precisar de um homem novamente. Karen, e eu pretendo estar por perto quando isto
acontecer.
Karen franziu as sobrancelhas e não respondeu. A atitude de Lewis era muito estranha e
ela presumiu que ele tivesse bebido muito o tempo todo.
De volta à mesa, Tony estava em uma cadeira esperando pelos dois. Ele parecia gostar de
olhar para Karen, e levantou-se com rapidez a sua chegada, puxando a cadeira para que
ela se sentasse. Era realmente uma boa companhia, pensou, esquecendo de Paul e de
Lewis por um momento. Karen quase chegou a pensar em Lewis como um problema
naquele instante. Será que teria que mudar de emprego, depois de todo aquele tempo?
Mas se Lewis continuasse assim, teria que fazer alguma coisa. Não poderia admitir que
ficasse tentando monopolizá-la, arruinando sua vida.
Passou a noite dançando ora com Tony, ora com Lewis, mas descobriu que estava
gostando mais de dançar com Tony. Ele a divertia e não pedia nada em troca; estava com
ela porque seu par não tinha aparecido, não havendo portanto laços de nenhum tipo
entre eles.
Lewis definitivamente não estava em seu estado normal. Respirava pesado em seu
pescoço e Karen sentia-se sufocada. Calculou que ele realmente estava sendo obrigado a
conter suas emoções com grande esforço e presumiu que a presença de Paul era de algum
modo responsável. Nunca o vira daquela maneira antes, e começava a perceber que não o
conhecia tão bem quanto imaginava.
lan Fellowes trabalhava para Paul. Era o diretor de vendas e sua competência era
indiscutível. Ele e Paul eram amigos há muito tempo e a diferença de posição nunca foi
um obstáculo. Margaret Fellowes tinha vinte e oito anos, a mesma idade de Ruth. Ela e
Ruth estavam se dando bem juntas, apesar de Margaret, que conhecia e gostava de Karen,
se recusar a discutir a primeira esposa de Paul com a candidata a segunda. Isto enfurecia
Ruth, agora ávida de informações sobre Karen. Nunca vira uma fotografia dela, e queria
muito descobrir como era Karen. Sentia-se como se tivesse um inimigo invisível.
De repente, ela percebeu que várias pessoas estavam em volta de um casal que dançava
no centro da pista. A orquestra tocava uma música de sucesso e Ruth achou que algum
par estava dando um show de exibição. Seria interessante dar uma espiada, pensou.
- Vamos lá, Paul - disse ela, puxando seu braço. - Vamos ver! Os Fellowes estavam
dançando e Paul relutantemente permitiu que ela o levasse até a multidão que se
aglomerava no centro. Não havia mais ninguém dançando no momento, todos estavam
observando. Paul parou repentinamente. As duas pessoas que estavam girando
alegremente ao som da música eram Tony Stoker e... Karen.
Ele sentiu o sangue subir à cabeça quando os viu, mas precisava se controlar.
- Ei, é o Tony Stoker - comentou Ruth. - Eles são ótimos! Paul não respondeu e ela olhou
para ele. Seu rosto estava sombrio e inescrutável e ela se irritou.
- O que há de errado? - Ruth estava aborrecida. - Você não queria vir?
- Não muito. - A voz de Paul estava triste.
- Por quê? - E Ruth de repente percebeu. Havia alguma coisa no rosto de Paul, na
expressão dele, que fez com que ela perguntasse abrupta e acusadoramente: - Você
conhece aquela garota, não é mesmo? Quem é ela?
- O que a leva a pensar assim? - Paul estava evasivo.
- Senti no ar. Ela trabalha em seu escritório? É sua secretária ou qualquer coisa assim?
- É, ela já trabalhou para mim. Aquela é Karen, Ruth.
- Karen... - O rosto de Ruth demonstrou incredulidade.
- Ela mesma - falou Paul, enfiando as mãos no bolso da calça. - Está satisfeita, agora? Isso
a deixa contente?
- Mas eu não entendo! Pensei que ela tivesse sua idade, Paul] Você nunca me disse que
ela era tão jovem!
- Você nunca perguntou - ele retrucou. - Karen tem vinte cinco anos agora. Três anos mais
nova do que você, acho eu.
Ruth corou de raiva. Como ela desejou não ter sugerido que viessem observar os
dançarinos. Como poderia saber que eram tony e... Karen? Não sabia que ela estava na
festa, e mesmo assim Paul não pareceu surpreso. Será que ele sabia que ela estava ali? As
perguntas acumulavam-se em sua cabeça, quando então decidiu expulsá-las. Era estúpido
pensar daquela maneira. Afinal, foram casados mas haviam se divorciado. Não
significavam nada um para o outro no momento. O fato de conversarem normalmente,
era a prova de que não havia mais nenhum envolvimento entre eles.
No entanto, ao observar Karen, ficou furiosa. Ela era lindíssima e não como a imaginara -
uma mulher mais velha, que se insinuava para os homens, tentando parecer mais jovem
do que realmente era. Por seus cálculos, Karen só poderia ter uns dezoito anos quando se
casou com Paul e isso a apavorou. Afinal, eles já se conheciam intimamente naquela
época, enquanto ela, aos dezoito anos, ainda estava no colégio, saindo de vez em quando
com um namoradinho. Paul, um homem com trinta anos, achou esta criatura física e
mentalmente satisfatória na época, quando Ruth teria se apavorado com um homem
daquela idade. Karen, pelo menos, havia dividido três anos de sua vida com Paul, muito
antes que ela o conhecesse, e esta ideia a deixava doente. Desejava sentir-se a mulher
mais bonita da vida de Paul. Mas será que agora iria pensar nesta garota cada vez que ele
a tocasse, imaginando o que ele ainda poderia sentir por ela?
- Vamos embora, querido? - sugeriu suavemente, envolvendo o braço de Paul com as
mãos. - Vamos voltar para o hotel?
Paul concordou com a ideia. Também queria ir embora, mas sozinho, pois tinha perdido
seu controle emocional. Sentia que precisava de um drinque. Um bom drinque!
- Está bem - disse com aparente indiferença. - Se é o que você quer... Pensei que você
estava se divertindo.
- Eu estava... quer dizer, é que de repente fiquei com dor de cabeça - retrucou Ruth,
depressa. - Apenas tenho vontade de relaxar um pouco, na paz de meu apartamento, é só.
- Está bem. - Paul abanou a cabeça e voltou-se, desviando do grupo que observava Tony e
Karen. - Vamos nos despedir de lan e Margaret.
A suíte de Ruth, no Dorchester, era um luxo! A diária custava uma fortuna a seu pai, mas
Hiram Delaney era milionário e tal gasto era insignificante para seu bolso.
O salão da suíte estava deserto. Sua criada pessoal estava de folga
RUth instalou-se descuidadamente em um pequeno divã. Paul tirou
o sobretudo escuro, de gola de pele, e começou a andar como uma pantera enjaulada.
Pensava em quanto tempo teria que ficar ali.
- Sente-se, querido. Você não vai embora já, não é?
- Eu tinha a impressão que você estava com dor de cabeça. -
Paul mordeu os lábios. - Parece que você se recuperou bem depressa...
- O ar fresco ajudou. - Ruth corou e tentou disfarçar.
- Mesmo assim já é muito tarde, e acho que vou indo - disse Paul, com firmeza. - Vá para a
cama e descanse, que eu a vejo pela manhã, está bem?
Ele se abaixou para beijá-la no rosto, mas Ruth o agarrou, passando os braços em volta de
seu pescoço, puxando-o para perto dela.
- Não seja tão desligado. - Estava confiante de poder mudar seu mau humor. Beijou-o na
boca e pediu-lhe que a abraçasse e fizesse amor com ela.
Paul, no entanto, resistiu e após um momento foi forçada a soltá-lo e deixar que ele se
levantasse. Estava enrubescida e sem graça, pois ele nunca a havia rejeitado antes. Era
embaraçoso e degradante, e Ruth sentiu raiva.
- Você vai se encontrar comigo amanhã para almoçarmos? As palavras custaram a sair.
- Ligue-me pela manhã, amor. vou tentar.
Após sua saída, Ruth levantou-se do sofá. Não estava com nenhuma dor de cabeça e seus
planos de ficar sozinha com Paul tinham ido por água abaixo. Desabotoou o vestido
descuidadamente e, agarrando o zíper pelo fecho, puxou-o com tanta violência que o
vestido rasgou de ponta a ponta. Despiu-se e com ódio jogou no chão a roupa destruída.
Ao abrir a porta do quarto, percebeu que suas mãos tremiam e as lágrimas rolavam pelo
rosto. Ali estava ela, uma mulher riquíssima, indo para a cama pouco depois da meia-
noite, com o pior humor do mundo.
Paul deixou o hotel e entrou em seu carro. Uma vez instalado, acendeu um cigarro antes
de ligar o motor. Seguiu então por Park Lane, virando em Grosvenor Place e daí até King’s
Road.
Seu apartamento era em Belgravia, mas ele não tinha vontade ninhuma de ir para a cama
àquela hora. Perto de sua casa, pegou uma rua lateral que ia até Richmond por uma
avenida marginal. Estava muito escuro, mas podia achar o caminho ali de olhos vendados,
pensou saudoso.
Perto de Richmond, entrou em uma rua particular que subia até um muro de tijolos
aparentes, onde havia um par de portões de ferro batido com o nome ”Trevayne”
aplicado. Esta era a casa que tinha comprado quando se casara com Karen. Nunca a havia
vendido.
Subiu por entre os álamos até a entrada larga, gramada, antes das portas brancas duplas.
Àquela noite, na escuridão, a beleza do lugar não podia ser totalmente apreciada, mas
Paul sabia o quanto aquela casa antiga era bela. Dentro, é claro, estava completamente
reformada, mas o lado de fora guardava a graça dos velhos tempos.
Os faróis do carro de Paul iluminaram o terraço antes de serem desligados. Abriu a porta e
saiu. Enfiou as mãos nos bolsos e aproximou-se do terraço. Ruth não sabia que Trevayne
existia. Nunca tinha contado para ninguém, nem mesmo para sua mãe, que ainda possuía
a casa. Todos pensavam que ele a tinha vendido e ele deixou que pensassem assim. Havia
despedido todos os empregados menos a governanta e o marido dela, logo que se
divorciou de Karen. O senhor e senhora Benson continuavam na mansão vazia, mantendo
tudo em ordem para o caso dele resolver visitar o lugar. Não ia lá desde o noivado com
Ruth, pois até aquele momento não tinha sentido necessidade de fazê-lo.
Antes que chegasse na porta da frente, a luz acima da soleira foi acesa e um momento
depois Benson abriu a porta. A luz clareou a passagem, envolvendo Paul com o seu brilho.
Benson estava de pijama, mas sorriu alegremente quando reconheceu seu patrão.
- Olá, senhor Paul, que surpresa! Faz mais” de três meses que o senhor não aparece.
Paul atravessou o terraço, passou por Benson e chegou no vestíbulo imenso. O chão era
de lajotas coloridas enceradas. Ali se via apenas um imenso baú de carvalho, que brilhava
de tão bem polido, com um imenso vaso com flores do campo em cima e bem perto da
imensa escadaria em caracol. O carpete da escadaria era vermelho e dourado, acentuando
os tons escuros do teto e das paredes.
- É, Benson, sinto muito se o perturbei. É muito tarde, eu sei.
- Ora, não foi nada, senhor.
Paul deu-se conta de não ter a menor ideia do porquê de ter ido lá naquela hora.
O senhor vai passar a noite aqui, senhor?
paul fez que sim com a cabeça, tirando o sobretudo.
Sim, Benson, vou. Espero que minha cama esteja arrumada como sempre.
- Claro, senhor. Maggie hoje mesmo estava falando que o senhor poderia aparecer um dia
destes. Ela está sempre preparada, o senhor sabe.
- Ela já está dormindo? - Paul cruzou o vestíbulo.
- Sim, senhor. Posso fazer alguma coisa pelo senhor? Uma refeição, talvez?
- Não, desde que haja bastante uísque. - Paulo entrou na biblioteca.
- Hoje mesmo coloquei uma garrafa aí - disse Benson. - O senhor tem certeza de que é
tudo o que precisa?
- Positivamente sim - disse Paul ríspido. - Boa-noite, Benson. Vejo você de manhã. Fechou
a porta da biblioteca e encostou-se nela. Sossego! O aposento estava coberto de livros,
mas também havia um piano de cauda encostado em um canto. Ele e Karen tinham o
costume de usar o aposento como sala de música e haviam passado muitas noites felizes,
sozinhos ali. era bom pianista e sempre tocava as músicas favoritas de Karen,
especialmente Grieg e Chopin.
Foi até o carrinho de bebidas perto do piano e serviu-se de um uísque duplo. Bebendo
tudo de uma vez, pegou uma outra dose e se sentou ao piano.
Seus dedos percorreram as teclas, dedilhando a melodia ”Clair de Lune”. Era uma melodia
suave e ao olhar para a poltrona grande, perto da lareira, pareceu ver Karen olhando para
ele.
com um grunhido, baixou a tampa, cobrindo as teclas, e pegou seu copo. Levantou,
desabotoou o colarinho e começou a andar sem rumo pelo lugar. Que havia de errado
com ele agora, senhor Deus? Era um homem ou um rato? Amaldiçoou Simon por ser o
causador de seu dilema. Se não tivesse visto Karen de novo, não estaria reagindo desse
modo. Havia pouquíssimas chances dos dois se encontrarem, pois frequentavam grupos
completamente diferentes. A maior parte de seus amigos era gente muito rica e poderosa.
Homens de negócios, financistas, banqueiros, todos eles somente interessados em fazer
mais e mais dinheiro. Mas agora tinha reencontrado Karen e sabia que ainda sentia
atração física por ela. Esquecera o quanto ela era atraente.
Para começo de conversa, sempre acreditou que ela iria se casar com Lewis, e a presença
de um outro homem na vida dela não era da sua conta. Mas ela ainda estava livre e
descompromissada, e vê-la dançando com Tony Stoker, naquela noite, o havia chocado.
Tony aparentemente tinha ficado encantado com Karen e agora estaria provavelmente
com ela, levando-a para casa ou para seu apartamento. Será que a estaria beijando?
Abraçando? Fazendo amor com ela?
Paul sentiu-se como se uma faca tivesse sido enfiada em seu estômago. Ciúmes cegos
eram uma coisa ridícula, mas estava sentindo justamente isso. Teve vontade de telefonar
para o apartamento dela e descobrir tudo, mas seu orgulho o impediu. De qualquer
maneira, o que iria dizer? Pegou de novo a garrafa de uísque e encheu o copo. Sentou-se
na poltrona, segurando ainda a garrafa na mão. Esta noite ia ser longa, muito longa
mesmo...
CAPÍTULO IV

Foi Lewis quem levou Karen para casa. Karen sabia que Tony gostaria de ter feito isso, mas
tendo ido em companhia de Lewis, achou que era seu dever voltar com ele. Karen tinha
visto Paul e Ruth despedindo-se dos Fellowes, e saindo do salão, logo em seguida. Como
eles não voltaram à mesa, presumiu que tinham ido embora.
Deu-se conta que, após a partida de Paul, a noite perdera seu charme. O porquê não
podia imaginar, pois nem sempre dançara com ele e o diálogo entre os dois não tinha sido
nada amistoso. Provavelmente a culpa tinha sido sua, mas achou delicioso tê-lo
aborrecido, mexendo com sua postura segura e inabalável.
A seu ver, a única razão para saírem tão cedo, só poderia ser a vontade dos dois de
ficarem a sós. A ideia a apavorava diante das estranhas emoções que sentia. Afinal, eram
livres para fazer o que bem entendessem; logo estariam casados e juntos o quanto
quisessem. Por isso, tinha que se render à evidência de que não tinha mais nada a ver com
Paul. Sugeriu a Lewis que fossem embora, logo depois que Paul e Ruth partiram.
Voltaram de táxi, pois Lewis não tinha ido com seu carro. Karen desejou que ele não
entrasse em seu apartamento, pois não estava a fim de mais discussões naquela noite. No
entanto, Lewis disse, assim que chegaram:
- Karen, você está bem?
- Se eu estou bem? Claro que estou bem. Por quê?
- Bem, parece que estraguei sua noite - respondeu envergonhado. - Stoker provavelmente
pensou que eu fosse um idiota.
Karen atirou a estola sobre o sofá e serviu duas vodcas com limão antes de responder.
Estendeu uma para Lewis e bebeu a sua.
- Bem, você não foi exatamente a alma da festa, mas não deixe que isso o aborreça. Não
chegou a estragar minha noite.
- Ainda bem! Mas você parece... longe... de alguma maneira.
- Estou perdida em meus pensamentos - retrucou friamente. Olhou para os ombros finos
de Lewis, e para seu corpo magro. Após ver Paul, ele de algum modo parecia menos
másculo. Lewis não tinha físico para proteger uma mulher, se necessário fosse. Claro que
em sua vida pacata tal coisa dificilmente aconteceria. Mesmo assim era bom sentir-se
protegida ao lado de um homem.
- Pensamentos - disse Lewis, zangado. - E o que está ocupando seus pensamentos?
- Não posso lhe dizer - respondeu Karen, terminando sua vodca... E agora devo pedir que
você se retire, pois estou muito cansada. Você se importa?
- Não. Já vou. Conversaremos sobre isso numa hora mais conveniente.
- Não há nada para conversar - retrucou Karen rispidamente.
- Abriu então a porta e disse - Boa-noite, Lewis.
Ao sair, deixou atrás de si uma atmosfera irritante e alguma coisa a mais. Karen
experimentava a sensação ameaçadora de ter sido apanhada em uma teia de aranha.
Ficou bastante claro que ele havia desejado tocá-la, beijá-la. Ela rezou para que Lewis não
o fizesse. Mesmo assim, a sensação permanecia. Sua atitude em relação a ele era
obsessiva. Desde que se conheceram, percebeu que Lewis estava interessado nela, mas
nunca o havia encorajado. com o passar dos anos, Lewis acreditou que ela se sentia feliz
com ele e que poderia vir a amá-lo. Sabia agora que isso era impossível, mesmo sem a
lembrança de Paul a persegui-la. Lewis, positivamente, não era o tipo de homem que
escolheria para marido. Era possessivo, acomodado demais e muito velho.
Fechando a porta atrás dele, deixou escapar um suspiro de alívio. Caiu em um sofá e
tremeu descontroladamente. Sentia-se doente. Era uma mistura de medo e antecipação
de uma tragédia que a deixava
assim.
Apenas uma coisa tinha deixado Karen satisfeita. Tinha visto a noiva de Paul aquela noite
e agora conhecia sua rival. Mesmo assim, por mais absurdo que pudesse parecer, se ele
pedisse para que ela voltasse, ela o faria.
A semana seguinte passou lentamente. Karen estava muito ocupada e afundou-se no
trabalho. Era um modo de afastar seus pensamentos, por outro lado, esforçava-se para
que o trabalho não perdesse a qualidade. Tony Stoker telefonou e agradeceu a ela pela
noite tão agradável. Karen ficou encantada com sua atenção, principalmente depois das
indelicadezas de Lewis que, por sua vez, enviou-lhe uma cesta de flores do campo, com
um cartão se desculpando pelo seu mau humor na noite do baile. Karen sentiu-se aliviada,
pois tudo indicava que poderia continuar trabalhando com ele.
Depois de dez dias após o baile, numa manhã, Karen terminou todo o serviço que tinha
em mãos e por isso resolveu não ir ao escritório depois do almoço. Não tendo o que fazer,
decidiu tirar seu velho Morris da garagem e sair para um passeio. Fazia muito tempo que
ela não saía de Londres, e o dia estava agradável.
Vestindo seu casaco de pele de carneiro sobre uma blusa simples e calças compridas,
desceu até a garagem e saiu com o carro. Encheu o tanque de gasolina no posto mais
próximo e tomou a direção de Guildford. Este caminho sempre a atraíra, pois ela e Paul o
trilharam milhares de vezes.
Ela gostava muito de seu velho carro pois nunca a deixara na mão. Comprara-o de
segunda mão, logo depois de se separar de Paul, e ele era muito útil em ocasiões como
esta. No entanto, raramente o usava em Londres, pois estacionar era um problema grave
na cidade. Preferia os ônibus ou em último caso os táxis. Sentia-se uma prisioneira,
escapando de Londres por um pouco de tempo.
As cercas agora estavam verdes; a beira da estrada e os jardins multicoloridos. Tudo isso
dava uma sensação de bem-estar que Karen não sentia há muito tempo.
Foi até Guildford e ali parou em um bar para tomar um café e comprar cigarros. Observou
os jovens cabeludos na mesa ao lado, e quando eles começaram a encará-la, decidiu que
já era hora de ir embora.
Voltou devagar para Londres pelas estradas secundárias de Old Woking e Chertsey. De
repente, se viu na estrada que dava na rua particular de Trevayne e seu coração disparou.
Será que seu inconsciente a trouxera de propósito àquele lugar? Ao chegar no
cruzamento, diminuiu a marcha. A estrada estava deserta e, num impulso repentino, ela
entrou na rua particular. Hesitou um momento antes de acelerar e subir a pequena colina
até os portões de ferro. Parou o carro e ficou olhando a entrada. A casa estava
exatamente como era. Parecia que Karen nunca havia saído dali. A fumaça saía da
chaminé e a fachada branca estava imaculada como sempre.
com um suspiro, saiu do carro. Pensou em quem poderia estar vivendo ali no momento.
Teriam crianças? Era uma família feliz? Ela esperava que fosse. Sempre sentia saudades
quando pensava em Trevayne.
A curiosidade foi mais forte que sua vergonha e ela atravessou o portão. Sentindo-se uma
conspiradora, ficou observando a frente da mansão. De repente, sem esperar, viu um
carro branco estacionado ao lado da entrada. Era exatamente como o de Paul, aquele em
que ela tinha pegado uma carona.
Tremendo, pegou seus cigarros e acendeu um. Claro que não era o carro de Paul, pois o
que estaria ele fazendo ali? A não ser, é claro, que as pessoas que compraram a casa
fossem seus amigos, Talvez ele os estivesse visitando com Ruth. Decidiu que o melhor era
sair dali discretamente, antes que fosse surpreendida por alguém. Voltou-se com rapidez,
e ao fazê-lo, seu pé ficou preso em um buraco na grama.
Sem que esperasse, seu tornozelo torceu e ela perdeu o equilíbrio, caindo no chão. A dor
era violenta e um soluço veio-lhe à garganta. Esfregou o tornozelo com força e tentou
recolocar o pé na posição normal, mas não conseguiu.
Sentia-se absolutamente ridícula sentada ali e rezou para que a dor diminuísse o
suficiente para que pudesse ir para casa. Era o tornozelo direito e a situação e complicava
pois seu pé já estava inchado e bastante vermelho.
Maldizia-se mentalmente por sua curiosidade de ter ido até ali e por seu descuido. Fosse
quem fosse o dono da casa, se aparecesse, ela ficaria em uma posição embaraçosa.
Tomara que Ruth não estivesse ali. Certamente iria rir de sua aflição. E se fossem
estranhos? Iriam querer saber quem era ela e o porquê de estar espiando o lugar.
E então, para puni-la ainda mais por seu descuido, a porta da casa se abriu. Tremendo um
pouco, Karen não esperou para ver quem era. Agarrou-se ao portão e tentou sem sucesso
ficar em pé. No entanto, suas pernas estavam tão fracas e seu pé tão dolorido que ela
perdeu de novo o equilíbrio e caiu no jardim. Como se não bastasse, algumas pedras
pontudas machucaram-lhe as mãos. Uma voz masculina chegou até seus ouvidos.
- Está bem, Benson. Aviso você a semana que vem... - Era a voz de Paul e ele parou de
falar de repente, como se a tivesse visto. Caren não se deu ao trabalho de olhar e fechou
os olhos com raiva. Será que ele ia pensar que ela estava lhe seguindo ou qualquer coisa
parecida? Ela ouviu o ruído dos passos que se aproximavam... Então, de repente, mãos
firmes seguraram seus ombros, e a ajudaram a erguer-se. Viu-se obrigada a encará-lo,
quando ele exclamou:
- Karen! O que você está fazendo? - O rosto de Karen estava pálido, mas ela conseguiu
responder.
- Isto é um assalto! Sinto muito, acho que banquei a tonta. - Paul segurou-a por um
momento e ela gostou. Tinha medo que ele a largasse, pois poderia cair e ele veria seu pé
torcido. Paul olhou duro para ela, obviamente intrigado, e Karen viu-se obrigada, a darlhe
uma explicação.
- Devo pedir-lhe desculpas. Dei uma paradinha para olhar a casa e escorreguei. Eu... eu já
vou indo. - Apoiando-se no pé que estava bom, ela tentou caminhar até seu carro, mas o
outro se recusou a apoiá-la, provocando nova queda, agora aos pés de Paul.
- Karen! - ele gritou, abaixando-se. - Você está bem? Meu Deus, seu pé!
- Não é nada. - Sentiu-se estúpida e fraca, mas ele ignorou seus protestos e levantou-a
com facilidade.
Por um momento eles se olharam nos olhos e o coração dela disparou alucinadamente.
Ficar tão próxima de Paul era ao mesmo tempo agradável e aterrador.
Carregou-a nos braços para dentro da casa, passando pelo atónito Benson, que não
entendia o que estava acontecendo.
- Ei, é a sra. Prazer!
Karen conseguiu sorrir, apesar de, na verdade, estar achando tudo ”aquilo um sonho.: Olá,
Benson - disse. - É um prazer encontrá-lo novamente.
Maggie está bem?
- Muito bem - disse ele, ainda tonto com os acontecimentos.
- O senhor deseja alguma coisa?
- Sim - disse Paul com rapidez, - Peça a Maggie para trazer um pouco de água fria e uma
atadura elástica. - Acho que a senhora... a srta. Stacey torceu o tornozelo.
- Sim, senhor - disse Benson, correndo em direção à cozinha, após fechar as portas da
frente.
Paul carregou Karen até o salão e colocou-a em um sofá. Ela olhou em volta com surpresa.
Lembrava-se muito bem daquele lugar. Fora ela quem escolhera as cores azul e cinza,
dando ao ambiente uma impressão de calma. As paredes eram azul-claro e dois quadros
impressionistas aliviavam a quase brancura do lugar. Um espelho entalhado cobria a outra
parede e janelas grandes, em estilo francês, davam para um pátio de lajotas, com um
toldo desdobrável. O sofá em que ela estava deitada era de brocado azul-marinho. As
cortinas eram de veludo cinza-escuro e o carpete cinza-pérola. Poltronas de couro branco
foram colocadas perto da lareira, que ficava atrás de uma grade. Do seu lugar, Karen podia
ver o caminho gramado até a piscina e as quadras de ténis logo atrás.
Suspirou, ao olhar para seu tornozelo torcido. Tudo era muito estranho. A casa estava
exatamente como ela a deixara e isso a intrigou. Paul não tinha dito que iria comprar uma
casa para Ruth em Sussex Weald?
Ela olhou para Paul. Estava sentado de costas para a lareira.
- Sinto muito ter causado tanto aborrecimento - desculpou-se.
- Não foi nada. Você quer fumar?
- Quero sim. - Ela pegou um cigarro e Paul outro.
- Diga-me uma coisa - perguntou Karen, incapaz de se conter
- você ainda é dono desta casa? - Paul deu uma tragada em seu cigarro, inalando
profundamente e deixando que a fumaça saísse devagar por seus lábios bem desenhados.
Os olhos dele fixaram-se nos dela.
- Sim. - Paul a olhou gravemente.
Karen encolheu os ombros e balançou a cabeça.
- Mas você me contou que ia comprar uma casa em Sussex! Você mudou de ideia?
- Não. - Paul estava enigmático.
- Então, por que você precisa desta casa? - perguntou espantada.
- Não preciso dela. Simplesmente não quero vendê-la.
- Entendo. Sou muito curiosa, não é?
- Você não precisa se preocupar com isso. A casa me agrada, é tudo. Sempre me agradou.
De repente, o tornozelo de Karen voltou a doer e ela fraquejou visivelmente, sufocando
um grito. Paul preocupou-se e foi até a porta, chamando Maggie com impaciência.
Ela está sendo tão rápida quanto possível - falou Karen,
olhando para ele, parado ali na porta.
- Não o suficiente. - Retrucou duramente, mas nem tinha acabado de falar e Maggie já
estava na porta com uma bacia de água quente e ataduras.
- Onde está a sra. Prazer? - perguntou, passando por Paul e entrando na sala.
- Estou aqui, Maggie - disse Karen sorrindo - Que bom vê-la de novo!
- A senhora deveria nos visitar mais vezes - declarou Maggie, sem o mínimo tato. -
Gostaríamos de saber notícias suas de vez em quando.
- Deixe Maggie, farei isso - disse Paul, antes que ela tivesse tempo de se abaixar. - Você
acha que pode fazer um chá para nós?
- com prazer - respondeu Maggie, sorrindo de modo benevolente para Karen. - A água
leva só um minuto para ferver. Eu não demoro, senhor.
Paul concordou e ela saiu, fechando a porta do salão. Depois de apagar seu cigarro,
ajoelhou-se ao lado do sofá. Dobrou a perna da calça de Karen até o joelho e começou a
examiná-la. com dedos frios, impessoais, apalpou o tornozelo.
- Nenhum osso quebrado - disse calmamente.
- Oh, que bom! - Karen conseguiu dizer, ao sentir o toque gentil de suas mãos. Era uma
delícia sentir os dedos dele, e a dor que a atormentava tornou-se secundária. Paul molhou
bem a atadura antes de aplicá-la no tornozelo torcido e enrolou-a com firmeza, sem
apertar demais. A atadura aliviou-a e, quando ele terminou de enrolá-la, prendeu-a com
um alfinete de gancho. Karen esperou que ele abaixasse a perna de sua calça, tentando
manter-se calma. Os momentos de prazer haviam acabado e ela não podia se trair.
Mas de repente os dedos dele seguraram seu pé firmemente e ela percebeu que Paul não
estava pretendendo sair daquela posição. Em vez disso, acariciava seu pé com
intensidade. Quando ele voltou seus olhos para ela, Karen não conseguiu apagar dos seus
o brilho da paixão.
Suas pernas amoleceram com aquele olhar e ela não parecia acreditar quando as mãos de
Paul subiram pelo seu corpo até os ombros e ele deitou-se ao seu lado a procura de seus
lábios.
- Paul! - Karen estava ofegante e virou a cabeça para o outro lado. Mas a mão forte dele
segurou-lhe o rosto, virando-o até que seus lábios se encontrassem. Karen abriu os seus
involuntariamente e o beijo neutralizou toda a capacidade de resistência de seu corpo. Foi
incrível, ardente e interminável, até que Karen sentiu que um dilúvio de sentimentos a
envolvia. Nada mais importava a não ser a vontade de que Paul fizesse amor com ela. Ele
não estava sendo gentil, apenas impetuoso, e ela correspondia com igual fervor.
Ambos se esqueceram da chegada iminente da sra. Benson. Somente o som do carrinho
de chá os trouxe de volta à realidade. com um grito meio abafado, Paul pulou para fora do
sofá, e começou a ajeitar com seus dedos trémulos a gravata e os cabelos despenteados.
Karen sentou-se novamente no sofá. Seu rosto estava vermelho e os cabelos desajeitados.
com o olhar complacente da sra. Benson, tentou recompor-se. Karen imaginou no que a
sra. Benson estaria pensando quando colocou o carrinho de chá ao lado do sofá, para que
ela se servisse. Deveria ter notado que algo estava acontecendo e Karen podia perceber
sua curiosidade. Mas, como boa empregada é discreta, a Sra. Benson simplesmente
perguntou:
- Devo servi-la, senhora?
- Sim, por favor - Karen agradeceu, sorrindo. - Parece delicioso. - No carrinho havia chá,
leite, açúcar e um prato de biscoitos finos.
- Certamente, senhora. Avise se quiser mais chá. - Maggie retirou-se após dar uma
olhadinha para Paul, que se servia de uma bebida no bar.
Karen tomou o chá, sentindo-se muito estranha. Culpava-se por ter cedido tão facilmente
a Paul, pois, apesar de tê-la beijado, tinha certeza de que ele estava se odiando por tê-lo
feito. Tentou agir naturalmente.
- Você quer chá?
Paul virou-se, com um copo na mão. - Não, obrigado.
Karen encolheu os ombros, bebeu seu chá sentindo-se mais relaxada. Paul acendeu um
cigarro. - Devo pedir-lhe desculpas. - Sua voz era baixa, e lhe passava nervosamente um
dedo pelo vão do colarinho. - Acho que banquei o idiota...
- Não se preocupe. - Karen tentava dar um tom calmo à voz.
- Foi uma reação mútua a uma série de circunstâncias.
Paul bebeu um gole de uísque e deu uma tragada em seu cigarro.
- Bem... hum... fico contente que você entenda que foi tudo o que houve. - Ele parecia
embaraçado. - Tive medo que por um momento você pensasse...
- Não prossiga, Paul. Está tudo bem. Sei como você se sente.
Diabos, sabe mesmo? - Seus olhos tornaram-se desconfiados.
- Não acredito que você saiba, Karen. Você acha que eu ainda a amo verdadeiramente e
que estou apenas tentando enterrar minhas dores casando com Ruth?
Os olhos de Karen arregalaram-se. Por que ele estava falando assim?
- Paul! - ela exclamou reprovadoramente.
- Ora, Karen, não banque a inocente comigo. Não faça género! Você sempre acreditou que
pode agir e tratar as pessoas como quer. Bem, no meu caso, não funciona. vou me casar
com Ruth porque quero, não para esquecer você. E qualquer pedaço de mim que reaja à
sua presença somente o faz em nome do sexo. Você entende? Você é uma mulher muito
bela. Eu sempre achei isso.
Karen sentiu ódio de repente. Como ele tinha coragem de lhe falar assim? Sentiu-se
humilhada. Parecia que estava lhe fazendo um favor ao dirigir-se a ela. Mas Paul não
estava sequer perto da verdade. Às vezes, é claro, desejava ardentemente que ele ainda a
amasse, mas no momento deu-se conta que tudo era fruto de sua imaginação. Sabia o
quanto seu pé doía e desejou poder levantar dali e sumir, ficar longe dele e de seus
comentários odiosos. Mas não podia. Ela estava presa ao sofá, por enquanto, e obrigada a
enfrentar tudo o que pudesse acontecer.
Baixou a cabeça, olhando para as unhas para não ter que encará-lo. A única coisa
procedente em suas observações tinha sido confessarse atraído por ela fisicamente.
Querendo feri-lo à altura, pôs as pernas no chão.
- E sua amada noivinha está- consciente da... sua... bem... atração sexual por mim? Quero
dizer... vocês conversaram sobre isso na hora do almoço ou algo no género?
Karen deliciou-se, quando viu que ele virava para o lado, revelando um certo
constrangimento. Havia, sem dúvida, achado a resposta certa para os comentários de
Paul. Apesar de se sentir agindo por controle remoto, Karen agora se achava em uma
situação mais favorável. Ela o tinha posto em cheque.
- Não seja vulgar - ele disse com raiva.
- Querido! Onde está seu senso de humor? Ah, sei, percebo que contar tudo para Ruth
não seria muito conveniente, não é?
- Cale a boca - ele resmungou, andando em volta dela. - Por quê? Só estou falando a
verdade, Paul. Tenho certeza de que Ruth não é do tipo compreensivo, quero dizer, sobre
seu interesse por mim. Eu também não seria, se estivesse no lugar dela. Ruth pode pensar
que você está ainda com saudades dos velhos tempos!
- Você matou todo o amor que eu sentia por você, dois anos atrás, na audiência do
divórcio, ou você se esqueceu? Isso basta para você? Você queria as coisas claras? Aí
estão.
- Você pediu o divórcio. - Ela falava entredentes.
- Pedi? - gritou Paul, cerrando os punhos.
Apagou seu cigarro no cinzeiro mais próximo e começou a andar de um lado para o outro.
Após um momento, ele se virou.
- Você acha que eu poderia aceitá-la de volta depois que você virou amante de Martin?
Karen enrubesceu e cobriu o rosto com as mãos. Deus, o que Paul pensava dela?
- Nunca fui amante de Martin. Nem naquela época, nem agora. Foi uma história absurda
que você inventou para me dar a liberdade, como você mesmo declarou na ocasião. Ou
era você que queria a liberdade? Para isso, é claro, as visitas de Lewis a meu apartamento
lhe forneceram uma boa desculpa...
- Muinto interessante - concordou Paul. - Suponho que você quer dizer que as visitas eram
completamente inocentes?
- É isso mesmo! Paul, pelo amor de Deus, você acha que eu poderia me envolver com um
homem vinte anos mais velho do que eu? Além do mais, Lewis não é meu tipo.
- Você espera que eu acredite seriamente nisso?
- Problema seu - Karen respondeu, gelando até os ossos.
- Você vai contar para Ruth como eu... bem... como eu me sinto?
- Diabos, que bela ideia você faz de mim! - Karen estava exasperada. - Não tenho
nenhuma intenção de fazer chantagem com você, se é isso que você quer dizer. Você
simplesmente me intriga, é tudo.
- É mesmo? - ele murmurou irritado, com os olhos faiscando. Paul deu um passo em
direção a ela e Karen sentiu-se tremer. Mas qualquer coisa que ele pudesse fazer ou dizer
foi interrompida por uma leve batida na porta.
- Pode entrar - disse Paul e Benson botou a cabeça no vão da porta.
- Sinto interromper, senhor, mas devo preparar o jantar?
- Não! - Paul olhou pensativo para Karen e hesitou por um momento. - Vamos sair
imediatamente. Ponha o carro da srta. Stacey na garagem hoje à noite. Edwards virá
buscá-lo amanhã de manhã.
- A srta. Stacey não está em condições de dirigir esta noite. Eu mesmo vou levá-la de volta
à cidade.
- Perfeitamente, senhor. Karen, porém, protestou.
- Não é necessário que você me leve! - Paul silenciou-a apontando para o tornozelo e ela
foi obrigada a desistir. Era verdade, seu pé não lhe permitiria dirigir. Sentiu-se
virtualmente à mercê dele e amaldiçoou de novo seu tornozelo. Por causa dele tantas
coisas aconteceram e foram ditas! E, no entanto, gostaria de repetir aqueles momentos
em que Paul estava abraçado a ela.
- Está bem. - Paul dispensava Benson. - Devo vê-lo novamente a semana que vem.
- Espero que a senhora fique boa depressa do tornozelo. Benson sorriu para Karen.
- Muito obrigada, Benson, foi muito bom vê-lo.
Karen apoiou-se no braço do sofá e tentou se levantar. Conseguiu colocar uma perna no
chão mas Paul foi até ela e, antes que pudesse protestar, carregou-a nos braços. Não
poderia permitir que ela fosse andando até o carro. Seu rosto estava tão próximo, que só
um enorme esforço a impediu de acariciá-lo.
Acomodou-a no banco da frente e em seguida deu a partida no carro. Benson e a mulher
vieram até a porta para dar adeus e viram o carro descendo a colina.
Paul dirigia muito bem e Karen sentia prazer em estar com ele novamente. O incidente na
casa havia ficado para trás e ela tinha decidido manter a conversa num tom leve.
Quando se aproximaram do apartamento, Paul disse:
- Dê-me a chave da sua garagem, para que Edwards possa estacionar o carro quando o
trouxer amanhã. Vou-lhe dizer para deixar as chaves com o porteiro e depois você
apanha.
- Tudo bem. - Karen estava procurando pelas chaves na bolsa. Depois de alguns minutos,
constatou que não estavam lá. - Devo tê-las esquecido no carro. Tenho uma de reserva no
apartamento e será até melhor, porque há tantas chaves naquele chaveiro que vai
demorar um pouco para o chofer saber qual usar. Se você subir comigo, eu lhe darei a
cópia.
Paul a olhou com estranheza e Karen, num ímpeto de raiva, esvaziou o conteúdo da bolsa
no assento, bem entre os dois. Havia apenas uma lista de compras, carteira, batom, pó-
de-arroz e um par de brincos.
- Satisfeito? Se você esperar aqui, vou buscar esta maldita chave. Parece que está
morrendo de medo de subir!
- Aterrorizado - ele respondeu com suavidade.
- É mesmo, aterrorizado! - Karen estava furiosa. - Não se alarme, não vou agarrá-lo.
Paul achou graça e desceu do carro. Antes que chegasse até o outro lado, Karen já estava
pulando em um pé só pelos degraus da entrada. Era difícil e vagaroso, mas estava decidida
a dispensar a ajuda dele. Paul seguiu-a. Ela disse algumas palavras para o porteiro e já
estava novamente caminhando quando Paul a alcançou.
- Cansada?
- Não, eu posso me virar. Não se atreva a me tocar. - Paul balançou a cabeça e seguiu-a
até o elevador. Eram mais ou menos seis e meia quando Karen chegou ao apartamento.
Tinha emprestado as chaves do porteiro para abrir a porta, pois todas as suas chaves
estavam no chaveiro que ficara em Trevayne. O apartamento era acolhedor e atraente.
Karen entrou desajeitadamente e deixou que Paul a seguisse se assim o quisesse.
Esperava que ele ficasse na porta, mas ele a acompanhou fechando a porta com firmeza.
Era a primeira vez que vinha examinar o apartamento e, demonstrava indisfarçável
interesse.
Karen tirou o casaco e foi até seu quarto. As chaves de reserva estavam na gaveta do
armário. Apanhou-as e, quando voltava para a sala, viu Paul observando os quadros nas
paredes.
- Você quer um drinque? - Estava agressiva.
- Acho que sim, mas não se preocupe, eu mesmo me sirvo. Seus lábios sorriam.
Paul preparou dois uísques, um com soda, para ela, e outro puro para ele. Depois
continuou a circular. Os quadros abstratos o interessavam, pois examinava
detalhadamente cada um deles. Ele voltou-se quando Karen sentou no sofá.
- Eles são incrivelmente bons. Quem é o artista?
- Eu.
- Você! Realmente? Nunca soube que você se interessava por pintura. Pensei que o
desenho de modas fosse tudo para você.
- É meu passatempo. Tenho muito tempo disponível e aproveito dessa maneira.
- Você nunca vai parar de me surprender. - Paul balançava a cabeça vagarosamente. -
Mas, me diga uma coisa, você deve saber que eles são bons... Já tentou vendê-los?
- Sejamos realistas, Paul. Há dúzias de artistas tentando vender este tipo de coisa. Está na
moda agora. Que chance teria eu? Além de que Lewis disse.
Ela parou a frase, aborrecida por mencionar aquele nome.
- Sim? E o que pensa Martin?
Bem, acha... que são bons, mas nada comerciais. Bons para que eu me divirta, mas fracos
para que os venda.
- Ele acha? Sinto dizer que não concordo com ele. Acho suas pinturas realmente boas. Tão
boas que eu gostaria de comprar uma para mim.
- Por favor, Paul, não mencione dinheiro entre nós. - Karen estava vermelha. - Se há algum
que você gosta, dou-lhe de presente com o maior prazer.
- Isso é muito pouco comercial. - Sua observação era seca.
- Nossa relação é por acaso comercial?
Paul encolheu os ombros e serviu-se de outro drinque.
- Está bem - disse ele. Atravessou a sala em direção a uma pintura chamativa, carregada
de verde, amarelo e vermelho. - Gostaria de levar esta aqui. Lembra-me o pôr do sol que
víamos pela janela, em Trevayne.
- Muito esperto da sua parte - comentou rindo. - É exatamente o que pretende ser.
- A gente sempre teve uma certa afinidade em algumas coisas, não é?
Karen tremeu. Se ele ao menos soubesse o quanto essas lembranças a torturavam!
- É verdade - murmurou suavemente. Paul bebeu o resto de seu drinque.
- Preciso ir agora, pois tenho um encontro - disse ele, gracejando.
- Está bem, Paul. - Ela pegou o quadro. - Pode levá-lo, se quiser.
Ele o pegou de suas mãos, evitando qualquer contato com sua pele.
- Quem sabe um dia pode valer uma fortuna?
- Acho pouco provável - Karen retrucou, baixinho. - Ah, aqui está a chave da garagem e
por favor, você poderia devolver esta outra para o porteiro?
- Está bem! E cuide de seu tornozelo, viu?
- Você realmente se importa, Paul? - ela perguntou brincando, numa tentativa de
neutralizar a atmosfera melancólica da partida. Os últimos minutos tinham sido deliciosos
e naturais! Agora ele ia voltar Para Ruth.
- Sim, eu me importo - ele resmungou e saiu, batendo a porta atrás de si.
Karen ficou olhando para a porta, o coração disparado. O que ele queria dizer com aquela
observação? Nada do que estava imaginando com certeza, mas era agradável constatar
que voltavam a ter um bom relacionamento.
Olhou para a parede onde o quadro estava pendurado. Por nada no mundo lhe teria dito
que aquela era sua pintura favorita. Bastava saber que ele a possuía e que poderia olhar
para ela de vez em quando. Será que iria pensar nela quando o fizesse? Esperava que sim.
Pelo menos uma pequena parte da atenção dele estaria voltada para ela e isso era
confortador.
Karen suspirou e acendeu um cigarro. Em pouco mais de dois meses, ele estaria casado
novamente. Dois meses! Conseguiria suportar essa ideia? E quando tudo estivesse
terminado, iria pensar nos dois juntos e morreria de inveja de Ruth. Viver valia a pena? As
lágrimas brotaram de seus olhos. O melhor para ela era sair da Inglaterra de uma vez. Não
seria difícil conseguir um emprego na Austrália ou na África do Sul se realmente tivesse
vontade. Tinha boas qualificações e Lewis iria recomendá-la. Poderia ser justamente o que
ela estava precisando. Uma mudança de ambiente. Mas não podia aceitar a ideia de estar
milhares de quilómetros longe de Paul. Pelo menos em Londres ele poderia entrar em
contato com ela se quisesse ou precisasse. Na Austrália não saberia onde encontrá-la e
dificilmente poderia deixar um endereço com ele. Não. Ia ficar, pelo menos por enquanto.
Faltavam ainda dois meses para o casamento de Paul.

CAPÍTULO V

Mais ou menos uma semana depois Paul estava prestes a sair do escritório para ir
almoçar, quando o telefone tocou. Ele atendeu e, para sua surpresa, era Simon.
- Paul, ainda bem que você está aí. Posso vê-lo agora?
Paul olhou para o relógio. Tinha um almoço marcado com um atacadista. Iam ao
Bermudan, um hotel enorme, perto do prédio do escritório e, como o encontro era só a
uma da tarde, ele ainda tinha vinte minutos livres.
- Está bem, Simon. - Estava um pouco impaciente. Que diabo poderia Simon estar
querendo? - Você vai subir até aqui?
- Sim, agora mesmo. - Simon desligou e Paul recostou-se em sua poltrona, olhando
pensativamente para o telefone. Tomara que Simon não estivesse metido em novas
complicações!
Lembrar o caso de Simon e Sandra trazia de volta a lembrança de Karen e o último
encontro que os dois tiveram. Seus pensamentos frequentemente se voltavam para ela
desde que a tinha visto e ele imaginava se Karen estaria pensando nele. Pensou também
no que teria acontecido se ele a beijasse no apartamento como havia feito em Trevayne.
No apartamento estariam a sós, sem ninguém para atrapalhar,como a sra. Benson
trazendo o carrinho de chá. Foi um pensamento forte e Paul sentiu o sangue esquentar
em suas veias com a lembrança daquela boca quente. Era muito fácil dizer para si mesmo
que tinha a intenção de nunca mais se envolver emocionalmente com mulher alguma,
mas na prática não funcionava, pois lhe faltavam as soluções. Além do mais estava
convencido de que Ruth nunca iria conhecer suas emoções mais profundas, qualquer que
fosse a situação. Era outro pensamento perturbador.
Quando Simon chegou, a secretária conduziu-o até a sala de Paul. Parecia um tanto
ansioso e agitado. Parou na frente da mesa de Paul e ficou mexendo na gravata.
- Bem, Simon, há algo errado? - Paul fez rodar a poltrona e observou friamente o rosto
corado do irmão.
- Sim, há... - Simon sentou na cadeira a sua frente. - Paul, isso para mim não é fácil e você
está tornando tudo mais difícil ainda.
- Sinto muito - retrucou Paul secamente. - Vamos logo, Simon, tenho um almoço de
negócios a uma da tarde. Diga o que quer. É dinheiro?
- Não, é Sandra Stacey. - A frase saiu como um soluço. Paul quase pulou de sua cadeira.
- É isso aí. - Simon estava envergonhado. - Eu andei me encontrando com ela. Desde a
nossa pequena... conversa.
- Entendo - disse Paul com tom imparcial.
- Você não tem nada a dizer? - Simon perguntou desesperado.
- Estou esperando - respondeu Paul com calma. - Você está tendo uma oportunidade para
se explicar, pois deve haver uma explicação para isso, não é mesmo?
- Sim, quer dizer, mas você pode achar que não é suficiente.
- Bem, diga logo. - Paul tentava disfarçar seu aborrecimento.
- Sandra começou a me telefonar, depois que parei de procurá-la. A coisa foi tão longe
que ela telefonou lá para casa. Escreveu cartas também e você pode imaginar de que tipo,
e... bem... Júlia está ficando irritada e concordei em ver Sandra para resolver o problema.
- Paul acendeu um cigarro e continuou a observar o irmão.
- Bem - continuou Simon. - Quando nos encontramos, ela começou a fazer todo tipo de
ameaças, caso eu a deixasse. Foi estúpido, eu sei, mas eu disse que não a deixaria. Mas
agora realmente perdi o controle da situação. Ela quer mais do que eu estou preparado
para oferecer a ela. Casamento, por exemplo.
- Por mais que eu queira não entendo você. - Paul abanou a cabeça
- Mas o que foi que você viu nela, afinal? Ela não é seu
tipo. E além do mais se veste de maneira abominável!
- Isso na sua opinião. Ela é uma gracinha.
- Então, case com ela! - afirmou Paul secamente.
Simon mexia-se nervoso, puxando a gravata.
- Júlia... ela nunca me daria o divórcio. - Suas palavras não tinham a menor convicção.
- Júlia concederia se você fizesse um acordo generoso com ela. Você não percebeu? É o
dinheiro que interessa a Júlia. Você é para ela a garantia de casa e comida, mas se fosse
rica o suficiente para
se virar sozinha, quem sabe o que ela faria?
- Está bem. Você venceu!
- Venci mesmo. Você não quer se divorciar de Júlia. Você gosta do relacionamento
cómodo, sem compromisso que vocês têm. Seja honesto consigo mesmo e admita isso.
- Está bem. Está bem, eu concordo. Então me ajude.
- Por que deveria ajudá-lo? Eu devia deixar você se queimar em seu próprio fogo. Se fosse
qualquer outra garota que não Sandra Stacey era o que eu faria.
- Eu sei. Mas você vai fazer alguma coisa porque ela é irmã de Karen.
- Porque ela tem dezessete anos e nenhum juízo - corrigiu Paul irritado consigo mesmo.
Ele não queria discutir a respeito de Karen com seu irmão.
- Como você quiser. Só quero me livrar dessa complicação. Está claro?
- Perfeitamente! Bem, a partir de agora, não importa o que Sandra diga ou faça, você não
vai mais encontrá-la. vou arrumar as coisas para que você saia de Londres por uns tempos
e quando você voltar devo ter resolvido o problema de uma vez por todas.
- Ótimo! Mas por favor, mantenha Sandra longe de mim.
- Não posso imaginar o que ela vê em um cara sem sal como você - disse Paul.
- É o charme dos Frazer - respondeu Simon. - Ou será que você não usa o seu, irmãozinho?
- Fora daqui! - Os olhos de Paul eram ameaçadores. - Vá, antes que eu perca a paciência.
- Já vou indo, e obrigado por seu precioso tempo.
respirou profundamente. Ficaria feliz se Simon aprendesse a cuidar com mais inteligência
de sua própria vida. Seus olhos perderam-se no espaço. Tinha que admitir que desta vez a
culpa não era apenas de Simon. Sandra também tinha sua parcela, sem dúvida. Um
homem só se envolve com uma mulher quando ela permite. É lógico que tendo uma
chance, qualquer homem procuraria se aproveitar. Sei que foi isso que aconteceu no caso
deles? Será que Sandra o atacou desde o começo? Mas até onde foram eles? Ele torceu
para que Sandra não tivesse ido longe demais. Seria assim tão irresponsável? Talvez ela
realmente acreditasse que o amava.
Acendeu um cigarro, preocupado. Mas isso não mudava nada. Simon era casado e
homens casados não podem se permitir brincadeiras, nem com mulheres da idade deles,
quanto mais com adolescentes. Ainda perturbado com a conversa, foi encontrar Arnold
Gibson para o almoço. Durante toda a refeição, permaneceu taciturno e introspectivo, o
que era muito raro em seu comportamento.
Em consequência, muito pouca coisa importante foi decidida ou discutida e um novo
encontro teve que ser marcado. Paul não teria ficado surpreso se Gibson tivesse ido
procurar um concorrente para fechar o negócio. Tinha sido rude e Gibson estava no
direito de esperar mais cortesia de sua parte.
Felizmente Gibson era compreensivo e percebeu que algo muito grave perturbava Paul.
Despediu-se sem ressentimentos, combinando um encontro para outra ocasião. Paul
estava péssimo quando voltou para o escritório às três da tarde. Sua secretária,
acostumada com seu bom-humor, surpreendeu-se com sua animosidade e Paul foi
obrigado a pedir desculpas após ter gritado com ela sem razão.
Tinha que encontrar uma solução para o problema de Sandra Stacey. Era típico de Simon
se meter em encrencas e esperar que alguém arranjasse uma saída para ele. Uma solução
começou aos poucos a ganhar forma em sua cabeça e ajudou a melhorar seu mau-humor.
Se ele pudesse se livrar deste fardo ficaria completamente relaxado, sem se preocupar
com o que pudesse acontecer em seguida.
Apanhou o telefone e discou o número do apartamento de Karen, com uma sensação
estranha em seu corpo. Se tinha que falar com ela, era melhor fazê-lo logo de uma vez. O
telefone começou a tocar. Depois de muito tempo, quando Paul já pensava em desistir e
ligar mais tarde, Karen atendeu, um pouco ofegante.
- Alo! Quem fala?
- Karen? É Paul.
Karen sentiu seu coração na garganta quando ouviu aquela voz rouca. Por que ele estava
telefonando para ela? Claro que não poderia ser sobre Sandra desta vez.
- Alo, Paul, sinto tê-lo feito esperar, mas estava no banho.
Estava, é? - A voz dele soou divertida. - Bem, sinto muito ter interrompido seu banho, mas
nossos planos parece que não estão dando muito certo.
- Planos? - ela perguntou.
- Sandra e Simon - explicou impaciente. - Tem certeza de que não estava dormindo no
banheiro?
- Não. Acho que não. - Ela riu. - Sinto muito, Paul. Querido, fale logo, pois estou
congelando aqui fora no frio.
-” Karen! - exclamou reprovando-a. - Você quer que eu ligue mais tarde?
- Você não quer vir até aqui? Quando você chegar já estarei vestida, é claro!
- Não, obrigado. - Paul foi inflexível. Ele sabia que, se sucumbisse à tentação de fazer isso,
só Deus saberia o que podia acontecer. Ela o estava provocando deliberadamente e a
imagem de Karen no banho trouxe-lhe de volta à memória momentos que queria
esquecer de vez.
- Está bem, querido. Diga logo o que é. vou congelar em cinco minutos. O que aconteceu
com Simon e Sandra?
- Eles ainda estão se encontrando.
- Como? - Karen estava atónita.
- Sim, pelo menos até hoje, é tudo o que sei. Creio que agora consegui enfiar um pouco de
juízo na cabeça de Simon. Tivemos uma conversa séria hoje. Você acha que você ou sua
mãe podem, fazer o mesmo com Sandra? Aparentemente ela anda pegando no pé dele,
ligando para o escritório e até para a casa, além de escrever cartas. Coisas assim.
- Meu Deus! Será que ela algum dia vai tomar jeito?
- Não sei. Ela é sua irmã. Você a conhece melhor do que eu. Sandra é realmente uma
pessoa difícil de lidar e está doida por Simon. Simon veio falar comigo hoje. Foi assim que
descobri.
- Não sei o que dizer a ela, e você sabe como mamãe é. Karen parecia irritada.
- Sei. Escute, sua mãe e Sandra podiam tirar umas férias fora do país, em algum lugar bem
longe de Londres, pelo menos. Algumas semanas serão o suficiente para Simon partir para
outra. Além disso, Sandra terá a oportunidade de pensar melhor sobre as coisas. Ela é
jovem e cheia de vida, embora pareça se aborrecer com garotos da idade dela. Mas por
que outra razão poderia ela estar interessada em Simon? Só por que ele é um romance
proibido, é claro!
- Como eu - falou Karen involuntariamente, ouvindo-o respirar fundo. - E continuou: -
Mas, Paul, minha mãe não é rica. Acho que no momento ela não tem dinheiro para passar
férias em lugar nenhum!
- Estou disposto a financiar a viagem - retrucou Paul, friamente.
- Não, não - gritou Karen irada. - Não diga uma coisa dessas. Paul. Não tem nada a ver com
você.
- Sinto, mas tem. Quero que Simon desista de Sandra tanto quanto você. Ela é jovem
demais para ele. Se algo realmente grave acontecer, Simon vai se ver em palpos de
aranha.
- Bem, eu não sei o que dizer. Está parecendo que estou pedindo dinheiro.
- Karen, querida, para mim isso não é nada.
- Eu sei, mas... - A voz dela tremeu. - De qualquer modo. você deve ligar para minha mãe e
falar com ela. É melhor. Ela provavelmente vai vibrar com a ideia. Ela não tem orgulho
nenhum quando o dinheiro está em jogo.
- Melhor para ela. Karen, não seja tão independente e orgulhosa. Eu gostaria de ajudá-las,
todas vocês.
- Mas o problema é nosso.
- Você o tornou meu, lembra-se? - ele perguntou suavemente.
- Está bem, faça como você quiser.
- Escute, Karen, eu lhe conto o que vou fazer. Apanho você às oito e nós dois vamos ver
Madeline e Sandra. Está bem?
Karen suspirou, sentindo sua resistência sumir. Deixar o problema com Paul era algo
maravilhoso. Era como ter um anjo da guarda. Ela tinha que capitular.
- Parece uma boa ideia. Mas... Ruth não vai achar ruim?
- Por que ela iria? Pare de envolver minha vida privada nesta história. Isto só diz respeito a
Sandra e a sua mãe e a ninguém mais.
- Está bem, doçura! Não queira arrancar minha cabeça por causa disso. Mas ela não o
espera hoje à noite?
- Dificilmente. Foi para os Estados Unidos há dois dias buscar os pais para o casamento.
- Ah! - Karen sentiu uma contorção no estômago. - Está bem, Paul, você vai subir ou
prefere que eu desça para encontrá-lo?
- Eu subo. A não ser que o elevador quebre no meio do caminho, é claro.
Karen riu e desligou. Apesar do caso de Sandra e Simon ser um problema, ela se sentia
agradecida a eles por permitir que ela visse Paul novamente.
E, no entanto, fazendo isso ela não estava criando mais problemas para si mesma? Paul
podia achar tudo divertido e mais nada, enquanto ela estava cada vez mais se envolvendo
emocionalmente. Ouviu baterem à porta às sete e meia. Olhou para o relógio, surpresa.
Ele estava adiantado! Pôs de lado a revista que estava lendo e foi atender. Vestia um
conjunto de jérsei damasco que combinava perfeitamente com a cor de sua pele e com os
cabelos soltos até os ombros. Quando abriu a porta, sorridente e pronta para dar as boas-
vindas, parou surpresa e decepcionada ao ver Lewis Martin do lado de fora.
- Ora, Lewis! Que surpresa!
- Olá, Karen - ele disse sorrindo. Seus olhos miúdos olharam para o conjunto damasco e
para as faces coradas de Karen e arregalaram-se um pouco. - Você está muito atraente.
Presumo que está pronta para sair.
- Sim, daqui a pouco. Você quer entrar?
- Obrigado. - Ele entrou e, um pouco relutante, Karen fechou a porta.
- Quer uma bebida? - perguntou, torcendo os dedos.
- Obrigado. Uma vodca, por favor.
- E agora... - disse ela, tentando parecer despreocupada - o que posso fazer por você?
- Passei por aqui, para saber se você está interessada em fazer a estamparia para o novo
tecido de cetim especial que vai ser lançado em agosto. Esperava que você fosse até o
escritório essa semana, e como você não apareceu, decidi dar uma passada e ver se
estava tudo bem. Vejo que está.
Karen sentiu-se na corda bamba. Lewis não havia dito nada diferente e no entanto havia
algo de ameaçador no jeito dele. Era estranho, mas ultimamente ela vinha sentindo esta
atmosfera em volta dele. Mas não podia definir o que era e acabou achando que era fruto
de sua própria confusão.
- Bem... não sei... posso dar uma resposta depois? Ainda estou trabalhando com os
carpetes.
- Claro, querida. Sem pressa.
Então por que ele tinha ido até lá? Estaria espionando? Karen serviu-se de um cherry e
bebeu-o de um trago. Imaginou por quanto tempo ele pretendia ficar ali. Se Paul chegasse
e o encontrasse iria suspeitar o pior. Por que Lewis tinha escolhido logo hoje para
aparecer? Ela aceitou o cigarro que ele oferecia e olhou disfarçadamente para o relógio.
Dez para as oito! Lewis não sentou. Passeou pelo cómodo como Paul havia feito,
observando as pinturas. Iria perceber que estava faltando uma?
- Não posso entender por que você gasta tanta energia com isso
- ele disse deliberadamente.
- Não pode? - Estava louca para fazer um comentário falando sobre as impressões de Paul
a respeito.
- Não. Você é tão boa como desenhista industrial! Você devia participar de competições
com seus desenhos!
- Prefiro relaxar quando não estou trabalhando para você.
- É mesmo? - Ele se voltou. - Relaxar é ótimo. E o que você acha que é capaz de relaxá-la?
Karen ficou intrigada. Onde é que ele queria chegar?
- Bem... pintar... ler... dirigir...
- Dirigir! É, tem razão. É um passatempo muito bom. Outro dia vi um carro muito
interessante perto daqui.
- Você viu? - Agora Karen estava chateada. E Paul ia chegar a qualquer momento.
- É, vi sim. Um Facel Vega. Um Facel Vega cor creme.
A língua de Karen, que estava molhando seus lábios, parou no meio do caminho. Decidida
a agarrar o touro pelos chifres, disse desafiante:
- Creio que Paul tem um Facel Vega creme. Lewis não pareceu surpreso.
- É mesmo? Eu não sabia.
Karen estava convencida agora que ele sabia de tudo muito bem e que esta era uma
maneira de lhe dizer que tinha consciência de que Paul estivera em seu apartamento. O
que ele estava pensando? Será que ele a estava seguindo ou mandando alguém fazê-lo?
- Ele esteve aqui há alguns dias - ela disse. - Veio para ver minhas horrendas pinturas e as
achou ótimas.
De repente ”bateram à porta. Ignorando Lewis, Karen foi abri-la. Só podia ser Paul!
Realmente era ele quem estava ali na soleira, vestindo um terno azul-escuro e um
sobretudo de lã de camelo. Estava tão bonito e familiar que Karen sentiu vontade de se
atirar em seus braços, arriscando-se ao confronto que estava para vir. Ele sorriu para
Karen e então viu Lewis. Encarou Karen furioso, mas desta vez Karen não iria admitir que
ele a rebaixasse. Pegando-o pelo braço, levou-o para dentro.
- Lewis já estava de saída, Paul - disse Karen.
Era muito para Lewis, que colocou seu copo na bandeja e balançou a cabeça.
- Eu falo com você sobre aqueles desenhos daqui a uns dois dias, Lewis.
- Perfeitamente. - Lewis inclinou a cabeça ao passar por Paul. Boa noite, Trazer.
Karen fechou a porta, aliviada, assim que Lewis saiu, e recostou-se nela. Então,
empertigou-se e olhou para Paul.
- Para sua informação, ele chegou precisamente às sete e meia declarou abertamente,
com um ligeiro rubor em suas faces brancas.
- Você não precisa se justificar - Paul retrucou, desabotoando o sobretudo. - Gosto do seu
apartamento, Karen.
- Quer beber alguma coisa?
- Sim, obrigado. Pode deixar que eu me sirvo.
Foi até o bar e preparou um uísque. Karen não quis nada. Ele então ofereceu-lhe um
cigarro e sentou-se no sofá. Ele estava à vontade, quase como se estivesse em casa,
pensou Karen, sentindo sua moral subir um pouco. Ela fumou o cigarro, andando de um
lado para o outro.
- Sente-se - ordenou Paul de repente, e com uma exclamação ela se acomodou em uma
poltrona baixa.
- Agora - disse ele calmamente - relaxe. Eu não vim aqui para brigar com você, mesmo
encontrando Martin já instalado.
- Não estava instalado. Aqui pelo menos não - retrucou Karen.
- Por que você tem sempre que me dizer coisas assim, Paul?
Levantou-se repentinamente e atravessou de novo a sala, mas quando passou por Paul,
ele avançou com a velocidade de um tigre e segurou-a pelos pulsos.
- O que você queria que eu dissesse? - perguntou, os olhos brilhando intensamente.
- Você está me machucando - Karen protestou, tentando livrarse dele.
- Estou? - Ele não afrouxou a pressão das mãos, mas levantou-se debruçando seu corpo
enorme sobre ela. Sua proximidade era quase insuportável. Ela sentia um impulso
fortíssimo de abraçá-lo.
- Fale. o que você gostaria que eu dissesse? Que gosto de seu vestido? Que você hoje está
linda?
- Não, eu não me atreveria a pensar uma coisa dessas. Sei que você está noivo também.
Só gostaria que você não fizesse insinuações veladas.
- Aquele homem tira sua roupa com os olhos sempre que chega perto de você - ele
resmungou violentamente. - Se você não percebe isso, deve ser muito inocente.
- Você está louco! - Karen libertou-se dele. - Lewis não é assim. - Mas ao falar essas
palavras imaginou até que ponto elas eram verdadeiras. Lewis andava muito persistente
ultimamente.
- Acho que é melhor irmos - disse Karen, pegando seu casaco. Paul levantou-se,
concordando com a sugestão.
O Facel Vega estava estacionado em frente ao prédio. Parecia deslocado naquela ruazinha
estreita. Enquanto caminhava, Karen sentiu o sangue quente nas veias quando se deu
conta de que tinha uma noite pela frente em companhia de Paul.
Paul olhou para ela várias vezes enquanto percorriam a curta distância até a casa de sua
mãe. Ela havia se fechado de algum modo e ele estava curioso para saber o que lhe
passava pela cabeça.
Pararam do lado de fora da casa e Karen saiu do carro antes que ele pudesse ajudá-la.
Paul apressou-se., e ambos chegaram juntos à porta da frente. Ela abriu a porta com sua
chave e eles entraram. Paul estava logo atrás dela e a delicadeza da situação assustou-a. A
última vez que estiveram ali juntos, ainda estavam casados.
Liza, ouvindo a sua chegada, apareceu na hora, vindo da cozinha. Fícou surpresa ao ver
Paul e isso estava estampado em seu rosto.
- Oh! Sr. Prazer! Que susto o senhor me deu!
- Sinto muito, Liza - disse Paul sorrindo com muito charme. Liza corou levemente,
baixando a cabeça para disfarçar.
- E como vai minha governanta favorita? - perguntou, tirando o sobretudo.
Liza riu satisfeita e Karen suspirou. Paul podia conquistar qualquer pessoa e Liza sempre
tinha sido uma vítima fácil.
- A sra. Stacey e Sandra estão na sala - disse ela, mostrando a porta fechada. - Acho que
estão vendo televisão.
- Obrigado, Liza - disse Karen, dando uma olhada para Paul. Como Liza havia dito,
Madeline e Sandra estavam vendo televisão,
embora Madeline tricotasse ao mesmo tempo. Sandra vestia calças compridas bem justas
e um suéter colante e sem mangas. Parecia enfadada e ressentida. Quando viu Karen e
Paul, deu um pulo.
- Bem, bem - exclamou dramaticamente. - Olhem só quem chegou. Que é isso, mamãe?
Reforços? - Madeline colocou de lado seu tricô e também se levantou, olhando incrédula
para Paul.
- Meu menino! Que surpresa maravilhosa!
Karen sentiu vontade de dizer que Paul certamente não era um menino, mas não teve
tempo.
- O que significa isso? - perguntou Madeline. - Seus olhos moveram-se especulativamente
na direção de Karen.
- Acho que seria melhor se Sandra nos deixasse por um momento. - Querida, você pode ir
até o quarto e ouvir uns discos por alguns minutos?
- Por quê? - Sandra perguntou com raiva. - Eu não sou uma criança. O que têm vocês a
dizer que eu não posso escutar?
- Você saberá no momento certo. - Paul olhou firme para ela.
- Dê-nos apenas alguns minutos em particular com sua mãe, por favor.
Sandra não reagiu à intervenção segura de Paul. Ele foi ao mesmo tempo firme e gentil.
- Vai demorar muito? - perguntou suplicante. - é a respeito de Simon?
- Calma! - disse Paul, já impaciente.
- Mas vocês vão conspirar contra mim? Paul, você não pode! Sua expressão era de súplica,
pedindo para que ele fosse embora e não falasse a sua mãe sobre nada do que tinha
ouvido.
- Não se preocupe - disse Paul, com a voz um pouco mais áspera. - Qualquer coisa que eu
diga a sua mãe será para seu próprio bem.
- Vocês são todos iguais - gritou, enquanto as lágrimas brotavam em seus olhos. - Todos
me odeiam! Não querem que eu seja feliz!
- Chega! - Vá para seu quarto, Sandra, e não saia enquanto não for chamada.
Sandra saiu imediatamente, batendo a porta atrás de si, e eles ouviram seus passos
subindo as escadas, acompanhados de soluços.
- Pobre Sandra! - Madeline olhou para Paul censurando-o.
- Você sempre foi o herói dela e agora realmente a decepcionou.
- Sandra precisava de uma mão firme há anos - retrucou Paul, oferecendo um cigarro a
Karen. - Vamos sentar?
- Claro. Perdoem-me. - Madeline desligou a televisão e Karen acomodou-se em uma
poltrona. Paul sentou no sofá, inclinando-se para a frente, as pernas separadas, os dedos
brincando com o cigarro. Karen olhou para ele e sentiu seu coração apertado. Bastava
olhá-lo para que seus ossos se derretessem, despertando-lhe uma vontade irresistível de
tocá-lo. Como se percebesse isso, Paul olhou para ela justamente naquele momento e,
por um instante, seus olhos se encontraram. Karen viu-se forçada a desviar primeiro os
seus, pois temia que sua emoção a traísse. E deu uma tragada no cigarro. O que ele
realmente pensava deste caso? De sua mãe? De Sandra?
- Bem, mamãe... - Karen se esforçava para falar - Sandra continua tentando encontrar
Simon.
- O quê? - Madeline estava horrorizada. - Você tem certeza?
- Claro que tenho - disse Karen, dando uma olhada para Paul. Madeline franziu as
sobrancelhas e perdeu um pouco a cor.
- Mas você me falou... - começou a dizer, irritada.
- Antes que você fale mais, Madeline, sugiro que ouça o que há para ouvir. - Paul a
interrompeu, já meio nervoso.
- Está bem, mas pensei que Karen já tivesse falado há muito tempo com você sobre isso.
- E ela o fez - confirmou Paul. - Só que não deu certo Sua filhinha adolescente anda
escrevendo cartas apaixonadas para Simon e telefonando para ele. Chegou mesmo a
telefonar para a casa dele e Júlia começou a reclamar.
Madeline estava chocada. Era inacreditável que sua pequena Sandra pudesse agir daquela
maneira. Ela nunca tinha deixado de ver Sandra como uma criança às voltas com bonecas
e carrinhos, brincando na calçada e com sua beleza fazendo inveja a todas as mães da
vizinhança
- Oh, não! - ela exclamou, meio sem acreditar. - Como é que ela pôde fazer uma coisa
dessas?
- Mamãe, por favor! - exclamou Karen. - Não seja histérica
- Eu? Histérica? - gritou a sra. Stacey, furiosamente. - Como você pode falar dessa
maneira? Como pode ser tão complacente com uma coisa dessas? Sinto muito, Paul, mas
você conhece bem seu irmão E você, Karen, não tem sentimentos? Acho que você não se
importa nem um pouco conosco. Você e sua mania de independência! Que bagunça você
e Sandra estão fazendo com suas vidas!
Para dizer a verdade, Paul estava chocado com a tentativa de Madeline culpar Karen pelo
problema. Afinal, ela não tinha em quem pôr a culpa, a não ser em si mesma.
- Madeline - disse ele firme -, Karen não tem nada a ver com isso. A culpa é sua. Você
mimou Sandra a vida inteira, educou-a fazendo-a acreditar que poderia ter tudo que
quisesse. Agora ela está descobrindo que a vida não é um mar de rosas.
Madeline foi apanhada de surpresa. Até agora, apenas Karen a havia criticado daquela
maneira.
- Sandra é uma criança! - exclamou entre lágrimas. - Tenho certeza de que tentei fazer
tudo por ela. Sou sua mãe, sabem. Ela quase não conheceu o pai. Se eu a mimei um
pouco...
- Ora, vamos pelo menos ser honestos - interrompeu-a Paul, com rispidez. - Você estragou
Sandra, e eu duvido muito que você ou ela ainda possam se modificar a esta altura. - Ele
ignorou os olhos suplicantes de Madeline. - Quero ajudá-la, não apenas pela felicidade de
Sandra, mas também por Simon. Fiz uma sugestão a Caren esta tarde e ela concorda que
isso deve ajudar a resolver o problema. Foi ela quem achou que deveríamos ouvi-la antes
de tomarmos qualquer decisão a respeito.
- Vocês não estão pensando em tirar Sandra de mim, estão? Madeline implorava.
- Claro que não, mamãe. Nós não somos desumanos!
- É simplesmente o seguinte: você e Sandra devem viajar para umas férias juntas, em um
lugar ensolarado. Sandra, sem dúvida, vai esquecer Simon, quando descobrir os encantos
do lugar. Arcarei com todos os gastos necessários.
Os olhos de Madeline arregalavam-se cada vez mais e Karen pensou, meio revoltada, que
o dinheiro não significava nada para sua mãe, desde que ela fosse se divertir. Pensou
mesmo se Sandra estaria sendo levada em consideração, quando Paul começou a falar
sobre a viagem.
- Puxa vida, Paul! - Madeline exclamou, por fim. - Que ideia maravilhosa! Não sei como
agradecer. É a solução ideal!
Paul a olhou cinicamente. Karen tomou consciência da força do dinheiro. Madeline
mostrou-se egoísta e ambiciosa, deixando os sentimentos de Sandra em segundo plano.
- Fico feliz por você concordar - observou Paul suavemente. Paul olhou intensamente para
Karen por um instante, percebendo sua fisionomia tensa. Ele podia entender seus
sentimentos. Ela teria recusado sua oferta e tentado dar um outro jeito. Ver a própria mãe
dando pulos de alegria por ganhar férias grátis, não era nada agradável. Paul deu uma
tragada e com calma deliberada soltou a fumaça no ar.
- Sugiro que vocês viajem para a Espanha. É muito agradável lá, nesta época do ano.
- Espanha! - Karen repetiu assustada, ignorando o ar radiante de sua mãe. - Paul, eu tinha
a impressão que você tinha em mente algum lugar na costa sul da Inglaterra, ou algo
assim.
- Férias na Inglaterra? Nesta época do ano? - disse, rindo.
- Karen, meu bem, não há graça nenhuma em ondas gigantescas, ventos fortes e tempo
úmido.
- Não mesmo - exclamou Madeline, cruzando os dedos para que desse certo. - Oh! Paul,
esta viagem vai ser uma maravilha!
- Ótimo! Sugiro agora que você mesma dê a notícia a Sandra.
Acho que é melhor você não mencionar o fato de ela andar vendo Simon ultimamente.
Diga apenas que sua saúde anda um pouco abalada e eu concordei em financiar uma
viagem de repouso para vocês. Vai ser meio difícil ela aceitar, eu sei, mas uma vez longe
daqui, passeando na Costa Brava, Sandra vai se entusiasmar muito mais com a ideia.
- Está bem, Paul. Você é quem sabe. Tenho certeza de que logo Sandra vai arrumar outro
namorado, uma vez longe de seu irmão. Até agora ela estava bem satisfeita com rapazes
da idade dela. Creio que Simon a impressionou demais.
- Nós já vamos - disse Karen e levantou-se. - Me avise se precisar de alguma coisa. - A
última frase soou sarcástica, mas ela não pôde evitá-la. Madeline estava envolvida demais
com seus próprios pensamentos para perceber o tom de Karen. Limitou-se a mover a
cabeça e olhar para Paul.
- Por falar nisso, vou pedir a minha secretária que cuide dos detalhes com vocês, como
hotéis, passagens, etc. Cuidaremos das acomodações e você simplesmente terá que
conseguir passaportes para você e Sandra. Poderiam partir em uma semana?
- Acho que sim! - exclamou Madeline, também levantando-se.
- Paul, querido, eu queria agradecer por tudo isso. Muito obrigada mesmo!
Paul pegou o casaco de Karen e o dele, lembrando-se de quando eram casados, e ajudou-
a a vesti-lo. Enquanto fazia isso pensou que tudo parecia ser como nos velhos tempos.
Eles visitavam Madeline regularmente, apesar de muitas vezes por mera obrigação. Ele se
lembrava de como era bom ir para casa depois de ouvir um monólogo de Madeline sobre
bridge, tirar o casaco, esticar o corpo em frente à lareira em Trevayne e conversar até
altas horas, felizes apenas por estarem juntos. E que grande mudança desde aquele
tempo! Como poderia perdoar Karen por ter arruinado sua vida? Quando voltavam para o
apartamento, Paul fez-lhe o convite.
- Você já jantou?
- Não, por quê? Pretendia voltar para casa e fazer um lanche.
- Gostaria de jantar comigo?
- Se você quiser... - ela concordou, sorrindo um pouco. O que sou eu? Estepe?
- Karen, querida, eu não poderia chamá-la assim nem sonhando. Não... bem, eu estou livre
pelo resto da noite e você também, então por que não ficamos juntos?
- Por quê, mesmo? - respondeu implicante, enquanto por dentro
seu coração pulava. Pelo menos uma noite em companhia dele já era alguma coisa.
Saíram de Londres para um lugar à beira da estrada chamado Ebony Cane.
Era perto de Maidstone e Karen nunca havia ouvido falar do lugar, mas quando chegaram
ao vestíbulo ricamente carpetado, ficou impressionada com a decoração luxuosa e a
finura das recepcionistas. Os móveis haviam sido especialmente planejados para o local.
As mesas eram de ébano, todas elas com vasos de flores em cima. A iluminação era
brilhante, equilibrada pelo efeito das cores dominantes: o branco e o preto. Carpetes
negros alternavam-se com toalhas de seda branca bordadas, cadeiras negras
contrastavam com seus assentos brancos, e até as recepcionistas também estavam
vestidas de branco e preto.
O maitre veio pessoalmente recepcionar Paul, reconhecendo-o imediatamente, e apesar
do lugar estar lotado, arranjou uma mesa para dois, num canto discreto.
Karen tirou o casaco e acomodou-se, enquanto Paul pedia dois martinis e apanhava o
cardápio. Ele o olhava quando Karen falou:
- Você parece ser bem conhecido aqui.
- Não é estranho - disse casualmente. - Minha Companhia é dona do lugar.
- Não sabia que vocês estavam no ramo de restaurantes.
- Não normalmente. É o começo de um projeto. Fizemos a decoração e se der certo vamos
ter uma boa publicidade.
- Muito esperto - disse ela. - Suponho que tenha sido ideia sua.
- Como adivinhou? - Paul sorriu malicioso. - Está com fome?
- Não muita. Por quê? Você bolou o cardápio também?
- Isso mesmo - ele respondeu sorrindo. - Posso pedir?
- com prazer. Você conhece todas as coisas boas.
- E não só sobre comida - observou Paul, com uma expressão zombeteira nos olhos.
A decoração moderna do lugar era extraordinária e Karen escutou muitos comentários a
esse respeito. Isso provavelmente traria mais fregueses para o restaurante.
- Há tempo funcionando? perguntou curiosidade.
- Há uns dois meses, acho. Você gosta?
- Gosto, mas é meio ousado. Será que vem muita gente a um lugar destes?
- Creio que sim. Por isso fiquei tão impressionado com seus quadros. Eles têm o mesmo
tipo de impacto.
- Obrigada.
Karen sorriu e voltou-se para o pequeno palco onde um conjunto tocava música suave,
boa para fundo de conversa animada. Havia uma pequena pista e um microfone, fazendo-
a supor que haveria algum artista convidado mais tarde. Na pista, era possível dançar,
apesar do pouco espaço.
Voltou os olhos para Paul, que escolhia o vinho. Ele não percebeu e ela pôde estudá-lo à
vontade. Estava bonito como sempre, cabelos brilhantes e camisa branca imaculada
contrastando com sua pele morena. Bronzeado de sol, másculo e cheio de vitalidade. Ela
sentiu seu coração contrair-se violentamente. Como pôde abandoná-lo anos atrás? Como
as pessoas se metiam em coisas que não podiam ser desfeitas? O orgulho ajudava muito
pouco nestas ocasiões.
Seria Ruth o fato mais importante da vida dele no momento? Será que ela podia suportar
uma coisa dessas? Lembrando o ar excessivamente doce de Ruth, sentiu um leve tremor.
Ruth não o faria feliz, disso ela estava certa. Ela era muito frágil e infantil, dependente
demais, excessivamente agarrada a ele. Paul precisava de uma mulher que pudesse tratá-
lo de igual para igual. Que pudesse falar e ouvir.
- Você tem pintado muito?
- Não, por quê? - A pergunta lhe pegou de surpresa.
- Bem, na verdade andei pensando sobre suas pinturas durante esta semana - ele retrucou
inesperadamente. - E eu gostaria que um amigo meu as visse - Aaron Bernard. Já ouviu
falar dele?
- Aaron Bernard! - Karen estava atónita. - Mas você deve saber que ele é um dos críticos
de arte mais importantes do mundo!
- Exatamente. E também está interessado em descobrir novos talentos. Creio que ele vai
ficar fascinado pelo seu trabalho.
Karen parecia não acreditar. Ela se lembrou dos comentários de Lewis.
- Mas, Paul, Lewis conhece muito sobre arte e não põe nenhuma fé em meus quadros.
- É mesmo? E você confia mais na experiência dele que na minha, suponho? Se você quer
minha opinião, acho que Martin confia demais em seu próprio julgamento. Quem é ele,
afinal de contas? Um desenhista industrial com pretensões acima de sua capacidade.
- Isso não é verdade, Paul. Lewis tem sido muito bom para mim desde... o divórcio.
- E antes também, sem dúvida - retrucou Paul irado. - Karen, por favor, não tente vender
esse peixe para mim. Eu não tenho nada a agradecer a ele. Só com um grande esforço de
minha parte consigo olhar para a cara dele. Acredite, não temos nada em comum. Eu acho
que o odeio.
- Está bem, Paul. Posso entender seu antagonismo em relação a Martin, mas falando
objetivamente, ele tem boas ideias de vez em quando.
- Ainda acho que Martin está errado. E como posso tentar ser objetivo em relação a um
homem que... bem... seduziu minha esposa?
Karen sentiu seu rosto como se estivesse queimando.
- Ora, Paul, você não acredita que um dia nós fomos amantes, acredita?
- E por que não? Meu Deus, Karen, eu pedi divórcio com essa justificativa, lembra-se? Se
não era verdade, por que você não negou?
- E se eu tivesse negado? De que teria adiantado? Você teria acreditado em mim?
- Naquele momento, uma esperança, leve que fosse, teria me convencido. Se você tivesse
dito que queria voltar, teria feito muita diferença.
Karen apertou os dedos. Por que, mas por que ele tinha que dizer uma coisa dessas? Tudo
de repente ficou tão sem sentido, tão horrível! Ela foi poupada da resposta, pois a sopa
chegou, e mesmo sem ter nenhuma vontade de comer, tentou tomá-la. Paul também não
parecia muito interessado no delicioso consome.
- Você esquece que eu tinha provas. Elas eram conclusivas. Seu silêncio confirmou-as.
Além do mais, Martin admitiu que tudo o que eu disse era verdade!
- Absurdo! - exclamou Karen, furiosa. - Lewis não iria dizer uma coisa dessas. E se ele
dissesse, como você poderia ter certeza?
- Eu tinha um advogado, lembra-se? As coisas são simples para eles. O que mais havia para
dizer? Bem, vamos esquecer isso. Não é um assunto agradável para se discutir durante o
jantar - concluiu Paul.
Mas Karen não queria esquecer nada, Como poude Lewis admitir tal coisa, se eles eram
apenas amigos? Ela estava confusa. Ela havia pensado que Lewis era um amigo leal e
verdadeiro, mas em poucos minutos ficou reduzido a quê? A um mentiroso! E a uma
ameaça estranha e assustadora.
Permaneceu calada tanto tempo que o jantar já estava quase terminado quando voltou a
falar, respondendo às palavras de Paul:
- Bem - ele perguntou -, você quer que Aaron Bernard veja seus quadros?
- Se eu quero? - Karen voltou à realidade. - Mas é claro, Paul, é claro que eu quero que ele
veja. Mas somente se você de fato acredita que ele não vai perder tempo. Eu odiaria que
ele os ridicularizasse, pois ainda alimento a esperança de que um dia venha a fazer algo
que realmente valha a pena. Gostei muito de pintá-los, e se ele dissesse que eu seria uma
idiota se continuasse pintando, eu iria me sentir muito deprimida.
- Gostaria de ter tanta certeza sobre outras coisas como tenho sobre pinturas. Se, no
entanto, ele não gostar delas, eu mesmo vou comprá-las de você.
- Para sua casa nova? - Karen brincava.
- Pode ser - ele retrucou, levantando o copo de vinho, e olhando-a. - Isto a surpreende?
- Você está brincando! Me deixa confusa. Se eu fosse Ruth, não toleraria quadros de outra
mulher em minha casa, especialmente se a artista em questão fosse a ex-esposa de meu
marido. - Ela riu.
- Parece ridículo, não é mesmo?
- Um tanto quanto - concordou. - Mas, Karen, você é tão diferente de Ruth. Ela não tem
sua, digamos, personalidade dominante. Você gosta de se sentir igual aos homens. Ruth
está preparada para ser a parceira feminina. Inteligente, feita para ouvir, e compreender a
conversa do marido, completamente absorvida pelo lar.
- Ora, querido, acho que você no fundo é terrivelmente antiquado.
- Ela riu irónica. - Você quer uma mulher vestida de cetim com laços franzidos e estolas
por todo lado. Eu era excessivamente simples e com meus pés no chão. E cometi o pior
dos pecados: respondi, esperando ser ouvida.
Os dedos de Paul estavam apertando o pé muito fino do copo de vinho e, como observou
Karen, era um milagre que ainda estivesse inteiro.
- Você não foi a única a responder - disse calmamente. - Você me deixou. Nunca se
esqueça disso. Só para provar a você mesma que era completamente independente, como
sempre disse que era. Para provar que não ligava a mínima para o fato de ser... ”a senhora
Prazer”. Karen afastou a musse de morango, que nem sequer tocara.
- É, foi isso aí - disse rindo sem vontade. - O que prova que nem eu sou infalível.
- Você não acredita no que diz. Suponho que se diverte demais jogando com meus
sentimentos.
Me divirto? - Karen estava estarrecida. - Posso assegurar
que não foi o momento mais feliz da minha vida, quando o deixei.
- E qual foi o momento mais feliz da sua vida?
- Nossa lua-de-mel - respondeu, olhando para o café que esfriava na xícara.
Paul não falou nada. Apenas pegou um cigarro para cada um e
eles fumaram em silêncio.
- É uma situação realmente divertida, se você pensar bem disse Karen. - Aqui estamos nós,
duas pessoas divorciadas, jantando juntas como se fossem velhos amigos. Meu Deus,
como a civilização avançou! Ou será que perdemos toda a nossa respeitabilidade?
- Palavras profundas - observou Paul, sorrindo cinicamente.
- Vamos prosseguir neste tom?
Voltaram para o apartamento de Berkshire Court debaixo de um clima tenso e nervoso.
Quando Paul parou, do lado de fora do prédio, Karen olhou pensativa para ele. Seu rosto
não revelava nada; acendeu, então, a luz da porta do carro para vê-lo melhor.
- Bem - ela disse suavemente, tentando retomar o tom amigável com que a noite havia
começado. - Obrigada por tudo que você fez por minha mãe e por Sandra. Você provou
que, afinal de contas, é um cavalheiro. - Sua voz soava irónica, mas o rosto de Paul
permaneceu imperturbável.
Na luz difusa, o cabelo de Karen brilhava como prata, contrastando com a cor creme do
casaco de pele. Ela estava tão bela, tão sensual e tão desafiante que Paul sentiu suas
emoções ferverem. Era inconcebível falar com ela como antes, após tudo que havia sido
dito, após tudo o que tinha acontecido entre eles.
- Boa-noite - disse ele friamente, suas mãos finas apertando o volante. Ele não sabia por
quanto tempo conseguiria controlar-se.
Karen, sem entender, abriu a porta do carro.
- Boa-noite - disse ela, saindo.
Ele apenas acenou, desligando a luz interna e arrancando rápido. As rodas de trás quase
saíram do eixo. Karen ficou olhando antes de entrar no apartamento até que ele virasse
na avenida. Sentia-se sozinha, com frio e estranhamente temerosa quanto ao futuro, mas
ainda não tinha descoberto o que exatamente a havia apavorado!

CAPÍTULO VI

Na semana seguinte Madeline telefonou para dizer que Sandra parecia estar aceitando a
ideia de viajar, apesar de demonstrar pouco entusiasmo. Karen não estava preocupada.
Estava certa de que, uma vez longe de Simon, ela iria voltar a ser o que era, ou seja, chata.
Afinal, passar férias na Espanha era ótimo para qualquer um. Parecia que quase tudo
estava acabado, pois após a partida de Madeline e Sandra não haveria mais razão para ver
Paul. De qualquer maneira, a data de seu casamento com Ruth tornava-se cada vez mais
próxima.
Karen foi ao escritório de Lewis, esperando que ele tivesse voltado a seu comportamento
normal, mas o achou estranho, meio ameaçador e Karen não conseguia entendê-lo. Quase
acreditou que fosse sua própria mente, perturbada, que estivesse criando essa má
impressão sobre Lewis, mas de qualquer maneira começou a pensar seriamente em
arrumar outro emprego. No fim da semana, foi acordada de manhã com o telefone
tocando. Rolou então preguiçosamente na cama, sua cabeça girando pela interrupção
repentina de seu sono profundo. Tinha tomado um comprimido para dormir, na noite
anterior, e os efeitos ainda se faziam sentir. Ela olhou para o relógio com dificuldade. Sete
e quinze! Quem poderia estar ligando nesta hora tão inconveniente?
Piscando para espantar o sono, levantou-se. Saiu vagarosamente da cama, vestiu seu
roupão e caminhou até o telefone. A sra. Coates ainda não havia chegado e Karen
imaginou que pudesse ser ela avisando que não viria. Mas, se fosse a sra. Coates, ela
saberia que Karen ainda estava na cama e não ligaria tão cedo.
- Karen! Karen, é você? Até que enfim!
Karen piscou rapidamente. Era a voz aflita de sua mãe.
- Deus do céu, mãe! Quem é que você esperava que atendesse?
- Sua voz era divertida.
- Não seja engraçadinha - retrucou Madeline prontamente, com a voz trémula.
- Falando sério, mamãe, o que houve? Sabe que horas são?
- Sim, sim, claro que sei, Karen, mas isso é muito importante. Prepare-se para o que vou
dizer. - Ela fez uma pausa e Karen pensou tê-la ouvido soluçar baixinho.
- Vamos lá - insistiu Karen e sentiu um frio no estômago. Algo de sério devia ter
acontecido. - É Sandra? Ela está bem?
- Não, não está - respondeu Madeline, com a voz fraca. - Ela fugiu de casa e deixou um
bilhete, dizendo que vai ter um bebé. Um filho de Simon Prazer!
- Deus do céu! - Karen sentou no sofá ao lado da cama. - Que rolo! Está bem, mamãe,
relaxe e espere um pouco. Já vou indo para aí. Não demoro. Faça um café ou algo assim.
- Está bem, Karen. Mas venha rápido. Não posso enfrentar isso sozinha.
Madeline desligou e Karen esfregou as mãos, apreensiva. Só faltava essa! Justamente
quando pensava que tudo estava se resolvendo. Aquela pequena idiota! Deixar uma coisa
dessas acontecer. Deixar que Simon se aproveitasse dela assim.
Levantou-se imediatamente. Um filho! O que eles podiam fazer agora? Simon não ia
gostar nada, ela estava certa, qualquer que fosse o sentimento que Sandra nutrisse por
ele. Ele queria liberdade, e filhos significavam responsabilidade.
Tentando ser rápida, vestiu calças compridas azul-escuro e uma blusa amarelo forte.
Pegou seu capote de lã de carneiro e saiu do apartamento, direto para a casa de sua mãe.
Quando chegou, a porta estava aberta e ela entrou. Encontrou sua mãe esperando por ela
no vestíbulo. Ainda estava de camisola, com os cabelos enrolados. Quando viu a filha,
atirou-se dramaticamente em seus braços, começando então a inventariar uma série de
recriminações sobre si mesma, entremeadas de soluços. Finalmente controlou-se o
suficiente para permitir a Karen que fosse até a sala. A lareira estava acesa e Liza havia
posto uma bandeja com café numa mesinha. Karen serviu duas xícaras de café, passando
uma para sua mãe.
- Pois bem. O que aconteceu? - Ela bebeu o café com prazer, sentindo que o frio passava.
Madeline mordeu os lábios, retendo as lágrimas que afloravam.
- Bem, quando eu e Sandra discutimos a viagem para o exterior, eu contei a você que ela
não ficou muito entusiasmada, não foi? Aparentemente ela estava planejando isso o
tempo todo. Presumo que aquela besta sabe tudo a respeito, também.
- Simon?
- Quem mais? Ele deve estar por trás disso, quero dizer, da fuga dela, me deixando
sozinha.
- Isso não parece coisa de Simon - observou Karen secamente.
- Ele dificilmente aceitaria essa ideia. Em minha opinião, isso saiu da cabeça de Sandra e
Simon provavelmente nem sabe!
- E para quem ela iria contar? - questionou sua mãe. - Karen admitiu que havia um fundo
de verdade nas palavras da mãe. - Oh!
- continuou Madeline. - Eu disse a Sandra que nós íamos viajar por minha causa, mais do
que por causa dela, mas ela não acreditou, tenho certeza. Sabia que estávamos tentando
separá-la daquele homem e não gostou. E agora sabemos por quê. Oh, Sandra!
Karen acendeu um cigarro. As coisas já estavam suficientemente pretas e sua mãe ainda
perdia completamente o controle sobre si mesma.
- Eu não teria descoberto ainda, mas acordei às cinco e meia com uma dor de cabeça
terrível. Como não tinha aspirinas, fui até o quarto de Sandra para ver se encontrava
alguma e vi a cama vazia, com o bilhete em cima do travesseiro.
- Ela levou roupas? - Karen suspirou profundamente.
- Algumas. Na verdade pode ter saído a qualquer hora. Às nove horas, disse que ia para a
cama porque estava cansada. Fui dormir às dez e meia e não fui vê-la em seu quarto,
portanto ela pode ter saído a qualquer hora.
- Percebo. E o que a senhora fez quando encontrou o bilhete?
- Telefonei para você, é claro.
- Mas eram sete e meia quando a senhora falou comigo.
- Eu fiquei ligando - disse Madeline chorando. - Ninguém respondia. Pensei que você não
estava.
- Sinto muito. Eu tomei remédio para dormir - disse Karen.
- Meu sono é muito profundo.
- É mesmo! - exclamou sua mãe. - De qualquer maneira, aqui está o bilhete.
”Querida mamãe,
Minha vida com você estava se tornando intolerável. Você e Karen estavam decididas a me
separar do homem que eu amo, e eu não posso admitir isso. Estou esperando um filho de
Simon, e vamos nos casar, assim que a Júlia lhe der o divórcio. Não tente me encontrar.
Volto quando a senhora entender que eu estou bem.
Sandra”
- Aquela imbecil! - falou Karen, com raiva. - Se eu pudesse pôr as mãos nela agora, eu ia...
Quem ela pensa que é, afinal? E com que dinheiro ela foi embora?
- Levou suas economias - respondeu Madeline. - Devia ter umas setenta e cinco libras.
- Isso não vai durar muito - observou Karen. - Como ela teve coragem de agir tão
impensadamente?
- É minha culpa - gritou Madeline, as lágrimas rolando novamente pelo rosto. - Nunca
tentei entender os problemas dela.
Karen concordava que era culpa de Madeline, mas não pelas razões apresentadas.
- Sinto muito, mamãe, mas a culpa é só sua.
- Muito obrigada. - Madeline enxugou os olhos. - Por que você veio aqui? Para me torturar
ou para ajudar?
- Para ajudá-la, é claro. Não vamos brigar, mamãe. Estamos juntas nesta história, pense a
senhora o que pensar. Simplesmente não quero que você ache que Sandra é uma pobre
adolescente confusa. Ela é apenas uma criança mimada, irresponsável e egoísta, que
precisa de disciplina e não de indulgência.
- Mas ela está grávida! Oh, Karen, o que vamos fazer?
- Não entre em pânico! - Karen parecia mais calma do que se sentia na verdade. - Tente
relaxar, mãe. Deve haver algo que a gente possa fazer.
- Sim, há. Você pode telefonar para Paul e contar a ele. - Karen cerrou os punhos. No
fundo ela sabia que Paul era a única pessoa que poderia ajudá-las. Mas era justo pedir a
ele socorro novamente?
- Eu sei - disse Karen. - Suponho que é a única coisa sensata a fazer, mas é um pouco de
abuso, não acha?
- Se não fosse pelo irmão dele, não haveria problema algum retrucou Madeline com
dignidade.
- Está bem - disse Karen, suspirando. Foi até o telefone. Eram
oito horas, quando discou o número do apartamento dele em Belgravia. O telefone tocou
muito até que Paul atendesse.
- Prazer falando - disse ele, com a voz sonolenta.
- Paul, aqui é Karen.
- Karen? - Houve um momento de silêncio, como se ele estivesse se sentando na cama
antes de continuar. - Céus, você sabe que horas são?
- Sim, mas é importante. Posso vê-lo?
- Agora?
- A não ser que você prefira que eu fale pelo telefone. Acho que é até melhor.
- Não, não - Paul falou com firmeza. - vou encontrá-la. Onde você está?
- Na casa de minha mãe. Você vem? Paul hesitou por um momento.
- Venha você aqui. Até eu me vestir e fazer a barba, dá tempo de você chegar.
- Está bem, Paul. Obrigada. Voltando-se para a mãe, Karen disse:
- vou até o apartamento de Paul. Ele ainda não se levantou e eu estarei lá quando ele já
estiver vestido e barbeado.
- Oh! - Madeline ficou perturbada. - Não se esqueça das razões de sua ida, está bem?
- Positivamente, mamãe, a senhora é demais. A razão da minha ida é só você, não é?
- Bem... acho que sim.
- Então, o que você quer dizer? Realmente é ridículo!
- Bem, é que Paul é um homem muito atraente, e como vocês eram... bem... - Madeline
parecia envergonhada.
- Volto mais tarde - disse Karen abruptamente, e saiu. Dirigiu-se rapidamente para o
apartamento de Paul. O trânsito estava congestionado e deixou-a excessivamente
nervosa. Antes tivesse tomado um táxi! Eles sempre pareciam ir mais rápido. Chegou ao
apartamento de Paul às oito e quarenta.
O apartamento tinha uma vista panorâmica de Londres e Karen sempre o adorara. Ela e
Paul frequentemente dormiam ali nos velhos tempos, após uma noite passada na cidade.
Podiam ficar completamente sozinhos, sem ninguém para incomodar. Quando estes
pensamentos voltaram à sua cabeça, sentiu-se perturbada.
Tremeu, ao tocar a campainha.
Um mordomo desconhecido abriu a porta. Deduziu que Paul tinha despedido os velhos
criados e contratado outros.
Sentiu-se desapontada. Esperava que Paul estivesse sozinho e a presença do mordomo
provava o contrário. Devia ter imaginado que Paul precisava de alguém para preparar suas
refeições e servir a mesa, caso ele tivesse convidados para o almoço.
Entrou e imediatamente lembrou-se da sala. Estava vazia. Karen foi devagar até a janela,
que ocupava quase por completo uma das paredes. A vista era exatamente a mesma das
suas recordações, uma maravilha! Lá fora, os sons de Londres estavam reduzidos a um
murmúrio. O mordomo informou que Paul estava no banho e viria logo, desaparecendo
pela porta que dava na cozinha. Karen voltou-se e observou a sala com prazer. A mobília
sueca moderna era leve e atraente; os sofás de couro branco contrastavam com o
vermelho vivo do carpete. As paredes estavam cobertas com murais noruegueses que
Paul havia mandado fazer durante as férias que tinham passado lá. Um biombo separava a
sala de refeições do resto da peça. Era um lugar grande, capaz de acomodar meia dúzia de
pessoas para uma refeição. Tudo ali trazia mil lembranças para Karen e a nostalgia tomou
conta de seu coração. Gostaria de não ter sido obrigada a vir, mas se recusasse, poderia
parecer estranho. Afinal, os lugares são o que a gente faz deles, e o fato de um dia ela ter
sido feliz ali, não implicava em evitar sua volta.
Karen acendeu um cigarro e tirou o casaco. Fazia calor no apartamento! Sentiu-se mais
relaxada.
Quando terminou o cigarro, e o apagou no cinzeiro, um impulso a levou a cruzar a porta
que dava para o dormitório principal. Estava curiosa para saber se ele estava igual ou não,
pois era o quarto deles. A cama enorme estava desfeita, as cobertas desarrumadas por
Paul. Obviamente o mordomo ainda não tivera tempo para arrumá-la. O quarto
imaculadamente limpo, o carpete creme tão fofo quanto antigamente, apesar dos tapetes
de cor escura que haviam sido colocados por cima, fazendo com que o quarto parecesse
mais masculino. A cabeceira da cama era de brocado azul escuro, e as cortinas de linho
eram amarelas e pintadas à mão. A mobília era de madeira escura, dando um ar
repousante ao quarto. Karen sempre havia gostado dele e sua opinião não se tinha
modificado. O quarto agora cheirava a fumaça de cigarro, loção após-barba, e aquela
masculinidade que provava que não havia nenhuma mulher no apartamento.
De repente, ouviu o som de uma porta se abrindo! Era a porta do banheiro ao lado. Paul
entrou no quarto e Karen virou de lado sentindo-se infantil, como se tivesse sido
surpreendida com uma lata de biscoitos proibidos. Vestia apenas calças escuras. Seu peito
largo e bronzeado estava nu e seus cabelos desalinhados.
Karen enrubesceu, confusa, sentindo-se repentinamente embaraçada. O que ele iria
pensar disso? Que louca ela era! Seus olhos voltaram-se para ele, e, ao ver os pelos negros
que cobriam seu peito, a largura de seus quadris, sentiu a masculinidade estonteante de
seu ex-marido. Os olhos de Paul estavam escuros e inescrutáveis e a observavam
perspicazes. Se ele ficara surpreso ao vê-la, não o demonstrou. Após um breve silêncio,
falou:
- Sinto não estar esperando por você quando chegou. Desculpe. Estava muito cansado;
trabalhei até tarde a noite passada.
- Tudo bem! - Karen disfarçou o mais que pôde. Vê-lo tão belo e forte quase a fizera trair-
se. Por um momento, todos os pensamentos sobre Sandra e sua mãe foram esquecidos e
sepultados pelo seu louco desejo de atirar-se em seus braços. - Eu... bem... estava só
dando uma olhada - falou envergonhada.
Paul abriu uma gaveta, pegou uma camisa branca limpa e vestiu-a.
- Não tem problema - disse preguiçosamente. - Você não me ofendeu.
Karen ficou mais vermelha ainda. Irritada, fechou a janela com força e voltou para a sala,
ciente do seu olhar zombeteiro acompanhando-a. Ele era realmente demais, parado ali se
vestindo como se o fizesse todos os dias na sua frente.
Paul a seguiu e Karen forçou um ar natural, sentando-se em um pequeno sofá. Depois de
acender um cigarro, disse abruptamente:
- Sandra fugiu de casa. Ela diz que está esperando um filho. E você pode adivinhar de
quem.
A cara alegre de Paul transformou-se rapidamente.
- O que? - Parecia irado.
- Ela deixou um bilhete para minha mãe dizendo que está grávida - repetiu Karen, dando
uma tragada.
- Meu Deus! - Paul estava absolutamente atónito. Nunca poderia sonhar que Simon fosse
tão longe com uma adolescente como Sandra. Sentiu que poderia estrangular seu irmão
naquele momento. Foi até a janela e acendeu um cigarro. Neste momento o mordomo
apareceu.
- O senhor aceita um café? - perguntou polidamente.
- O quê?... ah, sim... quero sim, Travers, obrigado.
- Sinto muito, Paul, mas não havia mais ninguém a quem eu pudesse recorrer. O que
vamos fazer?
- Não se preocupe por antecipação - advertiu. - Simon é o culpado no caso e sou
responsável por ele tanto quanto você é por Sandra, por mais ridículo que pareça. - Ele
rangeu os dentes. Que completo idiota ele é! Diabos! Onde é que a Sandra está com a
cabeça? Ela só pode estar louca!
Karen recostou-se nas almofadas macias.
- É melhor você ler a carta. Deixa tudo claro... menos para onde ela foi.
Ela estendeu o bilhete para Paul, que o leu rápido.
- Meu Deus, ela realmente acredita que ele pretende se divorciar de Júlia. Como, se há
pouco tempo ele me disse que não tinha a menor intenção de fazê-lo!
- Você acha que eles estão se encontrando de novo?
- Mandei Simon para Nottingham a semana passada. Ele só voltou ontem.
- ótimo. Isso quer dizer que a fuga foi ideia de Sandra. Mas o fato de ela estar escondida
até agora quer dizer alguma coisa. Você acha que ela entrou em contato com Simon
ontem, quando ele voltou?
- Há uma possibilidade remota - admitiu Paul. - Mas se ele está ajudando ou não, esse fato
me intriga. Afinal, ele sabe o que eu prometi a ele. Não creio que Simon tenha coragem de
quebrar sua palavra. Ele não é tão mau, sabe? vou entrar em contato com Simon e ver se
ele sabe para onde ela foi. É possível que Sandra tenha contado a ele, mesmo que ele não
gostasse da ideia.
- O problema é que, se Sandra parar e pensar seriamente no que está fazendo, vai se
arrepender muito, tenho certeza. Afinal, ela tem a vida toda pela frente e isto não vai
ajudá-la em nada. Vai ter que largar o emprego no salão de beleza, em vez de apenas
pedir uma licença. E empregos como este não aparecem todo dia, além do que parece
que ela se dá bem lá.
- Eu sei e concordo com você - disse Paul. - Por isso é que estou tentando ajudá-la, mesmo
sem que ela mereça.
Travers voltou com o café e, por um instante, eles ficaram em silêncio, enquanto Karen
servia a ambos e Paul vestia sua malha. Ele informou a Travers que iriam tomar o café da
manhã dentro de quinze minutos, após o que o mordomo se retirou discretamente.
- Eu vou ficar para o café da manhã? - Karen perguntou surpresa.
- Claro. Não tem sentido ficar correndo de um lado para outro de estômago vazio. - Você
já está pálida o bastante.
- É, estou com fome - ela admitiu com um sorriso. - É como nos velhos tempos, tomando
café da manhã juntos.
Paul não disse nada e começou a abotoar sua malha. Parecia frio e seguro, com a cabeça
já se preparando para as atividades do dia. Karen estava agradecida em poder contar com
Paul. Sem ele a situação pareceria negra. Será que sua mãe teria a coragem de pagar para
que Sandra se escondesse para ter o bebé? Madeline não era o tipo de pessoa que
admitisse que os vizinhos ficassem sabendo o que tinha acontecido com Sandra. Não
sobreviveria à vergonha e Karen podia imaginar as fofocas ferindo sua mãe mais do que
qualquer outra coisa. Não, Paul era o anjo da guarda da família Stacey e ela gostaria de
poder dizer a ele neste momento como se sentia.
- Quer dizer que você acha tudo igual por aqui, então? - perguntou voltando-se para ela.
- Sim. Ainda acho que é um apartamento maravilhoso.
- Por que você foi até o quarto? - perguntou de repente.
- Estava curiosa - respondeu na defensiva. - Estava apenas recordando.
- Entendo. E eram lembranças agradáveis?
- Naturalmente - disse Karen, evitando revelar seus sentimentos e querendo também
evitar uma discussão.
- Às vezes você é transparente - disse Paul com um sorriso revelador.
- Sou? E o que você quer dizer com isso? - perguntou com os olhos arregalados.
- Nada, nada. Esqueça.
Mas Karen não podia esquecer tão facilmente assim. Ela se sentiu ofendida pela força
oculta destas palavras e dirigiu-se nervosa até a janela. Seus comentários venenosos
tinham deixado seus nervos à flor da pele. Desejou com todas suas forças não ter dado
motivo para aquelas críticas.
- Calma - disse ele, brincando. - Não leve a vida tão a sério. Karen virou e ia responder
quando Travers apareceu. Trouxera o café da manhã, com sucrilhos, presunto, ovos,
torradas e café. Paul comeu bem, mas Karen só quis uma fatia de torrada e café.
- Quase esqueci de contar a você, Karen. Aaron Bernard está interessado em ver seus
quadros.
- Verdade? Você falou com ele? - Karen estava espantada.
- Sim, há uns dois dias. Ia telefonar para você ontem de manhã, mas estava muito
ocupado. À noite, quando telefonei, ninguém respondeu.
De novo o remédio para dormir!
- Entendo. É que eu tomei um remédio para dormir ontem à noite, às nove e meia, e se
você ligou depois disso...
- Foi depois. Eram mais ou menos dez horas quando liguei. Mas que diabo você está
fazendo, tomando remédios para dormir?
- Não, para ficar acordada - retrucou sarcástica. - Que é que em?
- Então pare imediatamente! - ordenou ríspido. - Se você não consegue dormir deve haver
algo que a perturba. O que é?
- Quem é você? Do”no de algum consultório sentimental?
- Não. Não banque a esperta, Karen. Não gosto da ideia de você tomar drogas. Em pouco
tempo você vai precisar de dois comprimidos, e depois três. Onde isso vai parar? Você vai
acabar completamente viciada neles.
- Sim, senhor! - A voz brincalhona de Karen não o divertia e ele se levantou da mesa com a
cara amarrada. - Bem - disse ela, continue. Quando Aaron Bernard quer ver minhas
pinturas?
Ela acompanhou Paul, que acendeu seu cigarro antes de responder.
- Quer vê-las hoje, para dizer a verdade. Por isso telefonei a [noite passada.
- Ah!, é isso? - Karen mordeu os lábios. - Suponho que isso agora está fora de cogitação! -
Sua voz soava tão decepcionada quanto ela estava se sentindo.
- Não sei por quê - respondeu Paul. - Se eu combinar com ele para aparecer esta tarde,
está ótimo, não?
- Mas com todo esse rolo com Sandra não sei-se devo. - Karen
falava nervosamente.
- Besteira! - retrucou Paul. - Deus do céu, garota, Sandra parece que quer tomar conta de
si mesma sozinha. Afinal, se ela está grávida, não é a primeira vez que isso acontece a uma
garota, nem a última.
- Se ela está grávida... - repetiu Karen. - Pode haver alguma dúvida?
- Diria que é possível, - respondeu Paul secamente.:- Não acredito que as coisas sejam
assim, só porque Sandra falou. Pode até ser um alarme falso, não é?
- É, suponho que sim. Mas se ela estiver mentindo... - A voz de Karen sumiu. Não, isso não
era possível, qualquer que fosse a opinião de Paul. Sandra não poderia ser tão cruel,
depois de tudo que Madeline havia feito por ela.
- Bem, vamos falar com Aaron esta manhã e marcar a hora,
etc. Pode ser que tenhamos resolvido o ”mistério” de Sandra até lá e, se resolvermos, que
melhor final poderíamos esperar para o dia?
- Você tem razão. Muito obrigada, Paul.
- São nove e meia - ele disse pensativo. - Simon raramente está no escritório antes das dez
e só Deus sabe onde está agora. Não creio que esteja em seu apartamento. Quero dizer,
no dele e de Júlia. Se Sandra deu a má notícia para ele, aposto que Simon está longe neste
momento.
- Bem, já vou indo - disse Karen. - Mamãe deve estar preocupada e pediu que eu não
demorasse.
Paul ofereceu-lhe um cigarro.
- Relaxe, você está fazendo o que ela pediu, não é?
- Eu sei, mas...
- Não tem mas. Agora sente-se e acalme-se.
- Bem, é melhor então telefonar para mamãe.
- Eu ligo para ela - afirmou Paul. - Se ela tem algo a dizer que o diga para mim.
- Provavelmente está histérica - Karen falou preocupada.
- Que nada! Sua mãe adora um drama. Não vai ficar tão preocupada, se souber que você
está tentando resolver isso para ela.
Ele fez com que Karen sentasse no sofá e apanhou o telefone que estava ao seu lado.
Discou o número de Madeline e esperou que ela atendesse.
Ela gostou de falar com Paul. Isso provava que ele estava tentando resolver o problema.
Paul observara que quando Madeline transferia seus problemas para alguém, sentia-se
melhor imediatamente. Ela sempre precisou de alguém para se apoiar e ele era a pessoa
certa. Paul disse a ela que se acalmasse e voltasse para a cama, caso ainda estivesse se
sentindo mal. Ele e Karen iriam encontrar Sandra e levá-la para casa. Foi charmoso e cheio
de tato, fazendo Karen imaginar o quanto isso deixaria sua mãe tranquila. Paul desligou,
recomendando mais uma vez que ela não se preocupasse e virou-se para Karen sorrindo.
- Você viu? Ela estava lúcida e amigável.
- Isso porque foi você quem ligou. Ela o adora, ou você não sabe?
- Eu... ou minha influência? - Paul retrucou cínico. - Isso a aborrece?
- De jeito nenhum - respondeu Karen despreocupada, fumando seu cigarro.
- Por falar nisso, encontrar Sandra, para você, parece uma tarefa fácil. Não existe nada
capaz de abalá-lo?
- Só esposas traidoras. - O sorriso desaparecera de seu rosto.
Caren gelou. Sempre o lado pessoal interferindo!
- E maridos malcriados? - perguntou Karen, na defensiva.
- Eu era malcriado? Não acho.
- Você sempre vê as coisas pelo lado sentimental - argumentou Karen.
- E qual é o outro lado?
- Eu sou uma pessoa, não um objeto - respondeu. - Você queria que eu dissolvesse minha
personalidade na sua?
- Não, não creio. Está bem, foi minha culpa, tanto quanto sua. E onde isso nos leva?
- Isso é com você!
Paul olhou para ela, seus olhos perigosamente suplicantes. Ambos tinham consciência do
precipício à frente.
De repente a campainha tocou. A oportunidade estava perdida e Karen sentiu-se
profundamente deprimida.
- Quem será? - Paul franziu a testa.
- Talvez seja Simon - respondeu pensativa. - É possível, sabe. vou abrir.
Travers havia aparecido, mas Paul fez um sinal para que fosse embora. Karen andou
rapidamente até a porta. Abriu-a inteira e sentiu um exótico aroma de perfume. Estava
frente a frente com uma moça baixa, de cabelos negros, vestindo um casaco de mink. O
cabelo cuidadosamente penteado estava protegido com um chapéu de plumas cor-de-
rosa. Era Ruth! Karen reconheceu-a imediatamente. Sentiu-se então consciente de suas
roupas simples. Calças compridas e blusa pareciam infantis e vulgares, enquanto Ruth era
o protótipo da feminilidade com aquelas roupas elegantíssimas. A expressão de Ruth era
de furioso espanto, pois também reconheceu Karen.
Paul parecia apenas um pouco perturbado quando sua noiva entrou na sala, após lançar
um olhar mortífero para Karen, que fechou a porta e encostou-se nela, orgulhosa de Paul
por sua extrema confiança. Afinal, voltar para casa de uma viagem e encontrar a ex-
esposa de seu noivo em seu apartamento só podia querer dizer uma coisa. Karen sabia
que, no lugar de Ruth, ela estaria furiosa também. Era óbvio. Ruth parou no centro da sala
e encarou Paul com raiva.
- Acredito que haja uma explicação para tudo isso - disse, contendo sua irritação. - Estou
curiosa para ouvir. Paul encolheu de leve seus ombros e Ruth continuou:
- Parece que cheguei na hora errada.
- Por que você acha uma coisa dessas? - perguntou Paul, divertido com a situação, típica
de uma comédia musical. - Não, Ruth. A razão de Karen estar aqui é outra.
- Estou morrendo de vontade de ouvi-la - disse Ruth sem muita boa vontade.
- As coisas não são sempre o que parecem - observou Paul calmamente. Karen arregalou
os olhos. Paul fazendo um comentário desses, quando foi tão rápido em acreditar que ela
o enganava! Ele não tinha moral para falar assim, pensou com raiva.
Ruth virou e olhou desafiadoramente para Karen, seus olhos percorrendo-a de alto a
baixo, com desprezo.
- Devo dizer que para uma mulher que supostamente deixou o marido, você parece ter
achado inúmeras razões para voltar a procurá-lo.
- Este caso não tem nada a ver com você, Ruth - disse Paul.
- Não-importa, Paul - falou Karen. - Posso me defender, se for preciso. Sua charmosa
noivinha está apenas mostrando todas as suspeitas ridículas que tem de você.
Obviamente que quer acreditar no pior, que nós nos comportamos de modo imoral. Por
que então desmentir?
A expressão de Ruth mudou, de suspeita para incrédula.
- Estou esperando sua explicação - insistiu. - Você gostaria de nos ver separados não é...
srta. Stacey? Você cometeu um grand erro quando deixou que Paul se divorciasse. - Sorriu
melosa para Paul. - É claro que eu acredito em você, meu querido. - Karen cerrou os
punhos. Ruth tinha as cartas na mão.
- A irmã de Karen está esperando um filho e fugiu de casa disse ele calmamente.
- Oh! - Ruth calou-se por um momento. - Não é... de Simon?
- Simon, é de Simon - ele respondeu.
- Que vergonha! Ela deve ser uma...
- Ei, espere aí - disse Karen, furiosa. - Minha irmã não é uma vagabunda. Ela pensa que
está apaixonada por Simon, é apenas uma tola.
Ruth parecia não acreditar.
- E você não podia ter telefonado?
- Eu pedi que ela viesse aqui - disse Paul.
Isto chocou Ruth e os dedos de Karen cerraram-se mais ainda
- Entendo. - Ruth tirou as luvas. - Bem, querido, estou em casa agora, e creio que podemos
resolver isso juntos, não é? Tenho certeza que o coitado do Simon foi seduzido...
Essa foi demais para Karen. Ninguém que conhecesse Simon podia acreditar que ele tinha
sido seduzido. Era conhecido por ser um conquistador sem escrúpulos. Claro que Ruth
sabia disso. Provavelmente era mais uma tentativa sua para feri-la. Afinal, ela a olhara
como a uma qualquer, quando Karen abriu a porta. Mas criticá-la e a Sandra, que ela nem
conhecia, desta maneira, era completamente diferente.
- Suponho que imagine que seja um hábito da família, srta. Delaney. Afinal, você esteve
fora uns dias e aqui estou eu, no apartamento de Paul, tomando café da manhã com ele! E
isso faz de mim o quê?
- Paul! - Ruth estava assustada.
- Karen! - A voz de Paul era suplicante, mas Karen não estava se importando com nenhum
dos dois.
- Não se preocupe, Paul - disse com amargura. - Não vou falar nada inconveniente. Deixe
sua noiva entender o que quiser da
situação, e se ela entender errado, azar seu, ou melhor, até que combina com você muito
bem, porque você também foi muito rápido em
tirar conclusões quando se tratava de mim, dois anos atrás, lembra-se?
Paul a olhava fixamente, incrédulo, e Ruth parecia ter perdido a fala. Karen apertou os
lábios, sentindo-se como uma criança levada,
tentando explicar suas molecagens.
Sem falar mais nada, pegou seu casaco e saiu do apartamento, batendo a porta atrás de
si. Ela ouviu Paul chamá-la, mas não parou. Em vez disso, correu para o elevador e foi-se
embora, antes que ele pudesse alcançá-la.
Após a saída de Karen houve um longo e tenso silêncio. Cada palavra dita por Karen
ressoava na cabeça de Paul e de alguma maneira ele se sentia perturbado com a sensação
de que se enganara a respeito de Karen o tempo todo. Agora, ao ver Ruth, suas emoções
não se recompuseram como havia pensado. Em vez disso, sentia-se ressentido com a
interrupção dela, que impedira a conversa com sua ex-esposa.
- Bem, Paul, você não parece muito contente em me ver, devo admitir. - Seu tom era
petulante.
- Ora, não seja ridícula, Ruth -, respondeu-lhe ferino e impaciente. - Você voltou antes do
que eu esperava.
Paul amarrou a cara e ela, percebendo que não deveria ir longe demais, foi até junto dele.
- Ora, querido, não se preocupe. Confio em você.
Paul disfarçou o mal-estar que sentia com os carinhos dela.
- Seus pais estão com você?
- Sim, querido. Estão no hotel. Eu queria fazer uma surpresa
- Você fez boa viagem? - Ruth começou a falar sobre a viagem e ele tentou concentrar-se.
era Ruth, sua noiva, a garota com quem ele ia se casar. Por que agora isso parecia tão
trágico? Por que quando tentava ser natural ficava tenso? Ele sabia que devia explicar
tudo sobre Karen, dizer a Ruth que ela havia sido ferida e estava com raiva, e que o que
ela disse foi em atitude de defesa e nada mais. Seus pensamentos ainda estavam com
Karen. Ela parecia tão perdida e sozinha quando saiu, depois de ter dito aquelas palavras
tão corajosas! Ela agira tão impulsivamente! E, no entanto, ele tinha certeza de que ela
não se sentia nem forte nem independente. Suas palavras começavam a lhe fazer sentido.
Ele queria acreditar em tudo o que ela dissera. Apenas isso já era o suficiente para
perturbá-lo. Se ela estivesse dizendo a verdade desde o começo, e Martin fosse um
mentiroso, então as coisas realmente se complicavam.
Se casasse com Ruth, iria logo achar seu casamento sem sentido. Iria procurar outras
mulheres, como fazia seu irmão Simon? Talvez, se Simon tivesse tido uma esposa como
Karen, tudo isso não tivesse acontecido. Sentia-se apavorado com a virada de seus
pensamentos. Karen tinha provocado tudo isso! E Karen tinha sido muito mais do que
uma simples dona de casa! Paul agora estava disposto a acreditar em qualquer coisa para
tirar dela a culpa pela separação!
Percebeu que Ruth o encarava aborrecida, pois ele parecia estar a quilómetros de
distância. E Ruth podia ver, pela expressão em seu rosto, que ele não tinha escutado nada
do que ela dissera.
- Sobre o que você está pensando, querido? - perguntou, tentando aparentar calma,
quando na verdade a raiva a devorava. Como é que ele tinha coragem de se comportar
assim em relação a ela? Tudo havia começado quando ele voltou a ver Karen Stacey e sua
raiva por ela era agora sem limites.
- Sinto muito, Ruth. O que você estava dizendo?
- Perguntei o que você pretende fazer a respeito de Sandra. Paul franziu a testa. Perdido
em seus pensamentos, ele quase havia esquecido os problemas de Sandra e Simon.
- É mesmo - disse ele. - com licença, Ruth. Tenho que fazer um telefonema.
lewis Martin estava sentado em seu escritório observando sem nenhum interesse um
projeto em sua mesa. O trabalho havia se tornado algo inconcebível para ele
ultimamente. Estava obsecado por Karen... e Paul Prazer.
Quando ajudou Karen a obter o divórcio foi puramente por motivos pessoais. Ele a
admirava muito, e apesar do relacionamento dos dois ter permanecido somente no nível
profissional, ele estava convencido de que era somente uma questão de tempo para que
Karen percebesse que seria um marido ideal para ela.
As últimas semanas foram, portanto, um tormento para Lewis. Saber que ela estava se
encontrando novamente com Paul Prazer causara-lhe uma grande perturbação.
Karen não havia ajudado em nada falando de Paul, e encontrá-lo no apartamento que ele,
Lewis, havia comprado para ela, o revoltara. Mesmo considerando que ele não possuía
nenhum direito sobre Karen, julgou sua atitude em relação a ele uma traição. Sentiu-se
um marido traído mais do que qualquer outra coisa. Não se deteve para pensar em sua
atitude estranha, mas estava consciente da mudança de Karen em relação a ele. Ela não
aparecia mais para pedir conselhos e não o convidava mais para ir ao apartamento, como
fazia antes. Sentia ciúmes, violentos e incontroláveis e Karen era deliberadamente uma
fingida ou não tinha consciência dos seus sentimentos. Decidiu-se pela última hipótese,
perturbado como estava. Quando o telefone Tocou, ele o levantou do gancho com
impetuosidade. Podia ser Karen!
- É Lewis Martin quem fala? - perguntou a voz de mulher.
- Sim, respondeu. - Em que posso ajudá-la?
- Talvez nós dois possamos nos ajudar. Sou Ruth Delaney. Preciso dizer mais?
- Não. O que você quer?
- Bem, é que eu tenho uma informação que pode não lhe agragar. Paul desmanchou seu
noivado comigo hoje. Está interessado em detalhes?
Lewis sentiu seu coração disparar violentamente. Paul Prazer desmanchara o noivado! Só
poderia haver uma razão para isso!
- Estou sim, srta. Delaney. Podemos nos encontrar na hora do almoço?
- Como quiser. Onde? - perguntou secamente.
Lewis disse o nome de um restaurante e em seguida desligou. Ele intendeu perfeitamente
por que Ruth Delaney havia telefonado! Tinha também interesses em jogo. Suas posições
eram parecidas e talvez realmente pudessem ajudar um ao outro.
Mas, por outro lado, pensou, se Karen realmente não o queria, o que poderia fazer? Suas
mãos estavam encharcadas de suor; percebeu que estava febril. Seus sentimentos por
Karen eram como um fogo queimando em suas veias e deu-se conta que este fogo iria
consumi-lo. Tinha que haver uma solução. Ele não podia continuar assim o resto da vida.
Acendeu um cigarro com os dedos trémulos. Nunca tinha pensado que pudesse se sentir
assim em relação a uma mulher. Estava enojado. Tinha que ver Ruth na hora do almoço e
fazê-la entender sua posição. Ela deveria entender que estava disposto a qualquer coisa
para ter Karen e depois... mais tarde... iria vê-la... antes que fosse tarde demais.

CAPÍTULO VII

Paul telefonou para Karen ao meio-dia. Ela estava na casa de sua mãe, tentando
inutilmente ler uma revista feminina, quando o telefone tocou. Chegando antes de sua
mãe, atendeu.
- Sim - disse com a voz inexpressiva.
- Sandra ”está em Brighton - disse Paul. - Simon me deu o endereço. Ele está mal, como
você pode imaginar. Não sabia de nada, até hoje de manhã. Ela lhe mandou uma carta,
explicando tudo.
Veio direto para meu apartamento. Acredito que desistiu de vê-la para sempre e não me
parece ter nenhuma preocupação nesse sentido.
- Oh! - Suspirou Karen profundamente. Contou as novidades para sua mãe, que estava a
seu lado. Madeline chorou aliviada.
- Obrigada por tudo, Paul.
- Bem, estive com Bernard. Ele quer..
- Oh, mas não agora...
- Sim, agora mesmo - retrucou Paul. - Ele quer ir antes do
que eu esperava, às duas horas. Depois levo você e sua mãe até
Brighton para buscar Sandra.
- Mas... e Ruth? - perguntou.
- Eu me arrumo com Ruth - respondeu Paul. - Assim está bem para você?
- Claro que sim! Poderia ser diferente? Quando vou vê-lo, então?
- Eu apareço com Aaron. - Despediu-se e desligou.
Sua mãe estava enxugando os olhos e Karen contou como Paul havia descoberto a irmã.
- Sandra será obrigada a ir para longe ter o bebé. A senhora não gostaria que ela ficasse
aqui, não é?
- Ir para longe? É, suponho que sim. Acho que nós duas devemos ir buscá-la.
- Paul vai nos levar - disse Karen. - Foi ele quem propôs.
- Graças a Deus. Pensei que teríamos que enfrentar uma outra cena com Sandra, com ela
se recusando a voltar. com Paul isso não vai acontecer. Ele a trará à força, se ela não
quiser vir.
- Ela não fará isso. Paul sabe lidar com Sandra. Nós duas sabemos disso.
- Sim, realmente é uma pena. Meu primeiro neto. Você nunca me deu um neto, Karen. - A
voz dela soou acusadora.
- Não - disse Karen secamente. - Puxa, não é à toa que Sandra vive num mundo de fadas.
Você agora está romanceando a história de um bebé que a fez ficar histérica há apenas
seis horas.
- Você nunca me entendeu - disse Madeline, chorosa. - Por isso é que seu casamento
fracassou. Você espera demais das pessoas.
Karen ignorou a observação. Sua mãe estava descontando nela o fato de Sandra não lhe
ter falado sobre a criança.
- Bem, vou indo - disse Karen abruptamente, vestindo o casaco.
- Venho buscá-la às três, está bem?
- Está bem, querida. Obrigada por tudo.
- Não foi nada - Karen respondeu, abrindo a porta da frente. Não queria gratidão. Estava
se sentindo insegura e falsa. Seu pequeno mundo não era mais um lugar seguro. O destino
se intrometera nele e tinha transformado sua vida numa brincadeira. Seria justo? Será que
ela mesma não havia arruinado sua vida, há alguns anos atrás? O que era para ela agora
um emprego e uma vida independente?
Karen comeu um sanduíche em vez de almoçar e vestiu uma saia justa de lã cor-de-
laranja. Parecia mais alta e magra. Isso a agradava. Queria estar bela para Paul, mesmo se
Ruth estivesse com ele.
Quando o telefone tocou, ela atendeu pensando que fosse Paul.
- Karen falando. Algo errado?
- Errado? Não. Por que deveria algo estar errado? – perguntou Lewis. - Até que enfim
encontro você em casa. Estou tentando falar com você há mais de meia hora.
- Estava no banho - explicou. - Não ouvi o telefone. Karen não gostou do tom possessivo
de Lewis. - Saí hoje de manhã porque aconteceram uns problemas com Sandra.
- É mesmo? - A voz dele era de surpresa. - Suponho que você foi obrigada a entrar em
contato com Prazer novamente.
- É, fui. Como você sabe?
- Eu não sabia, apenas deduzi.
- É, percebo. Por que você ligou, Lewis?
- Quero falar com você, logo!
- E o que você quer falar comigo?
- Bem... quer dizer... é sobre o novo projeto, sabe. O que mais poderia ser?
Karen mordeu os lábios. De novo. Aquela impressão estranha sobre os modos de Lewis
persistia. Ela tremeu. O que ela iria lhe dizer? Ele era seu patrão, afinal. Não tinha a menor
vontade de vê-lo mas nada podia fazer. Podia ter dito que arranjara outro emprego ou dar
qualquer outra desculpa!
- Está bem amanhã?
- Por que não hoje à noite? Você tem algum encontro?
Por enquanto não, ela pensou. E se ela fosse vê-lo e resolvesse tudo de uma vez, e para
sempre?
- Está bem, concordou. Você vem aqui?
- Não. Prefiro que você venha ao escritório. Tenho que trabalhar até tarde e de qualquer
maneira aqui posso explicar melhor os planos.
Karen hesitou. Pelo menos vê-lo no escritório deixava as coisas, em termos mais
impessoais.
- Está bem. A que horas?
- Que tal às sete?
Karen calculou mentalmente quanto tempo demoraria a viagem até Brighton, ida e volta.
Sete horas era um pouco cedo.
- Sete e meia, está bem?
- Está bem, Karen. Até logo, então.
Depois de desligar, Karen ficou ali de pé, olhando para o telefone. Desejou que ele não
tivesse tocado. Um calafrio percorreu sua espinha. Lewis parecia tão estranho, ao mesmo
tempo frio e exigente. Puxa, o que a imaginação podia fazer com alguém!
Olhou-se no espelho para ver se seus cabelos estavam em ordem. Então bateram à porta.
Deixando de lado suas preocupações, foi abri-la. Ali estava Paul e com ele um senhor de
meia-idade, com os cabelos grisalhos. Reconheceu-o imediatamente. Era Aaron Bernard.
Paul sorriu quando entrou, apresentando em seguida seu acompanhante. Aaron Bernard
sorriu, um pouco distante, e seus olhos já passeavam pela sala, procurando os quadros
que ele viera conhecer.
- Esteja à vontade para olhá-los, Aaron - disse Paul, dando um tapinha nas costas do
amigo. - Preciso conversar com Karen.
- Perfeitamente - concordou Aaron, rindo para Karen, que foi conduzida por Paul para a
pequena cozinha.
- Você disse tudo para sua mãe? - ele perguntou quando estavam sozinhos.
- Sim - respondeu. - Onde está ela? Sandra, quero dizer.
- Está em uma pequena pensão perto de Brighton, Simon diz que eles estiveram lá uma
vez e Sandra gostou muito.
- Percebo. bom para ela - disse ironicamente.
- Você está nervosa? Sobre Aaron, quero dizer.
Karen suspirou. Na verdade o que ela sentia sobre os quadros era insignificante
comparado ao que sentia por ele. Apesar de gostar do fato de que um homem como
Aaron Bernard pudesse considerar seus quadros suficientemente bons para se locomover
até ali, o entusiasmo inicial desaparecera. Seu trabalho não tinha mais tanta importância
para ela.
- Claro que me excita. Disse com o coração disparado. A única coisa que atrapalha minha
alegria é este problema com Sandra.
- Acho que você não deve se preocupar demais com aquela menina. Pode ser que tudo
seja uma ”tempestade em copo d’água”.
Karen olhou-o sem acreditar. Isso não era muito provável, a seu ver.
- Relaxe - ele disse rindo. - Virando-se, abriu a porta que dava na sala, e Karen encostou-se
na pia, sentindo-se mal. Paul estaria brincando? Não tinha mencionado uma única vez a
cena desta manhã e nem falara nada sobre Ruth.
Lembrando-se do telefonema esquisito de Lewis e agora da indiferença de Paul, teve a
sensação de que o mundo estava virando de cabeça para baixo. Ou era ela que andava
imaginando tudo? Será que ela estava tão perturbada emocionalmente que andava
imaginando coisas? Riu-se dela mesma. As coisas são como nós as fazemos, e ela estava
deixando que o problema com Sandra, e consequentemente as relações com Paul, a
perturbassem. Massageou seu estômago dolorido, acalmou-se um pouco mais e foi até a
sala. Aaron Bernard e Paul conversavam e a olharam curiosos quando ela entrou.
- E então, senhores? - perguntou, forçando um tom alegre. Chegaram a um veredito?
Aaron Bernard sorriu encorajador.
- Sim, é claro - respondeu, olhando os quadros a sua volta. Gostaria de dizer que gosto
muito deles e que fiquei contente por Paul ter me falado a seu respeito. Alguns não são
tão bons quanto os outros, é natural, mas no geral tive a melhor das impressões. Acredito
que se você continuar dessa maneira, certamente se tornará uma excelente pintora. Se
você pudesse pintar mais alguns até o outono, poderia fazer uma exposição individual em
minha galeria, no mês de outubro.
Karen ficou pálida, sentou-se em uma cadeira, com as mãos contra o rosto.
- Você... você não está brincando comigo, Paul? - perguntou ela, com a cabeça
inteiramente confusa.
Paul acenou a cabeça negativamente e Aaron Bernard sorriu indulgente. Percebendo seu
espanto, Paul foi até o bar, serviu um uísque duplo e a fez beber tudo de uma só vez.
- Estou contente em poder ser um dos primeiros a admirar seus quadros - disse Aaron. -
Há quanto tempo você pinta?
- Há uns dois anos - Karen disse, olhando para Paul. - Dois anos muito longos...
- É incrível! - disse Aaron. - Creio que em dois anos você não vai precisar de outra
ocupação. Isto é, se você não se incomoda em deixar o que faz atualmente. Você é uma
desenhista, não é mesmo?
- É tão maravilhoso... isso... Karen balançava a cabeça sem acreditar.
- Então venha me ver a semana que vem - disse Aaron sorrindo. Quarta-feira próxima está
bem? Ao meio-dia, na galeria. Talvez possamos almoçar juntos.
- Será ótimo - concordou Karen. - Não sei como agradecer, sr. Aaron.
- Por que você não agradece me oferecendo uma bebida? ele brincou.
- Claro que sim. Que distração a minha. O que o senhor vai tomar? E você Paul?
- Sou um homem de negócios, srta. Stacey, entre outras coisas, é claro. Acredito que suas
pinturas são um bom negócio. No momento o mercado está se expandindo.
Por algum tempo conversaram sobre pintura e pintores em geral. Quando Aaron se
despediu, lembrou a Karen do encontro na semana seguinte. Após sua saída, Karen
voltou-se para Paul.
- Ele é uma pessoa interessante, não é? Muito obrigada.
Paul brincou:
- Bem, bem, Karen Stacey, pintora.
Karen hesitou por um momento e então atirou-se em seus braços, as lágrimas correndo
pelas faces.
- Oh, Paul! - disse ela ofegante - o que posso falar... ou fazer...
- Faça sucesso - disse ele abruptamente, afastando-se. O que ele queria de Karen não era
gratidão.
Karen, sem entender, sentiu os dedos frios da solidão tocando-a novamente, e, sem dizer
uma palavra, pegou seu casaco e vestiu-o, sem deixar que ele a ajudasse.
- Vamos - disse, enxugando as lágrimas. - Acho que mamãe está ansiosa pela nossa
chegada.
Não trocaram uma palavra durante o percurso. Madeline estava à porta, esperando por
eles. Seus olhos se maravilharam quando entrou no luxuoso automóvel. Isto, para ela, era
viver. O luxo sempre fascinara Madeline Stacey.
Paul ajudou-a a entrar e sentou-se ao lado de Karen. Seu rosto roçou a face de Karen, que
sentiu como se fosse um choque elétrico. Ela estava tão consciente da proximidade dele
que era como sentir uma dor física. Paul olhou-a por um momento, desafiadoramente
fazendo-a sentir novamente o coração disparando, enquanto ele ligava o motor do carro.
Madeline falou, quebrando o silêncio:
- Em que hotel Sandra está hospedada?
Paul ultrapassou rapidamente um carro vagaroso e respondeu:
- No Barn Owl. Não é bem um hotel. É mais uma pensão. Karen acendeu um cigarro para
ela e outro para Paul. Ele o aceitou naturalmente, como se sempre tivesse feito isso. Era
um hábito dos velhos tempos que eles adoravam. A viagem para Brighton durou uma hora
e, assim que chegaram lá, procuraram pelo Barn Owl.
Era na verdade uma pensão muito antiga, uma hospedaria com chaminés negras e lareira
de tijolos. Karen gostou da aparência e elogiou o lugar. Paul encostou o carro no pequeno
estacionamento.
Paul saiu, seguido por Karen e, enquanto ele ajudava Madeline a sair, Karen vestiu o
casaco. Paul também pegou seu casaco no banco traseiro, pois o vento do mar era forte; e
o clima, frio e úmido.
Atravessaram a pequena porta e entraram na hospedaria. Paul teve que abaixar a cabeça
e até Karen percebeu que ela mal cabia no vão da porta. O lugar estava deserto, pois
ainda não era hora de abrir. Uma senhora idosa apareceu na recepção e dirigiu-se a eles.
- Em que posso ajudá-los? - perguntou, numa tentativa de classificá-los pela aparência.
Obviamente reconhecera a elegância de Paul, [pois um sorriso apareceu em seus lábios
finos, enquanto esperava [pacientemente por uma resposta.
- Estamos procurando a srta. Sandra Stacey - respondeu Paul delicadamente. - Penso que
ela está hospedada aqui.
- Não há ninguém aqui com este nome - disse ela educadamente. - Acho que vocês vieram
ao lugar errado.
- Mas não veio uma jovem para cá, a noite passada, ou hoje pela manhã?
- Bem... uma moça... Nicholson, segundo ela. Madeline suspirou profundamente e a
mulher perguntou desconfiada:
- Ela está encrencada? Vocês são amigos dela?
- Ela não está encrencada. Estas duas são a mãe e a irmã dela. Essa moça fugiu de casa
ontem à noite e nós viemos buscá-la.
- Oh - disse a mulher, relaxando. - Entendo.
- Ela está? - perguntou Madeline impaciente. - Preciso vê-la.
- Sim, ela está no quarto. vou avisar que vocês estão aqui.
- Não se preocupe - disse Paul. - Se a senhora contar à mãe dela qual é o quarto, ela vai
até lá conversar com a moça a sós, por um momento.
- Muito bem. Quer dizer que a senhorita Nicholson vai embora hoje?
- Espero que sim. Por quê?
- Bem, isto é muito inconveniente para mim - disse ela, com irritação. - Troquei os lençóis
da cama, fiz uma refeição especial...
- Creio que podemos resolver isso - disse Paul com um sorriso compreensivo. Isso era
chantagem, pensou Karen, irritada com a total despreocupação de sua mãe por este
aspecto. Estava desesperada para encontrar Sandra, e sem dúvida dizer a ela que tinha
sido muito irresponsável, mas que estava perdoada.
A mulher levou Madeline até o quarto de Sandra e, em seguida, a dona da pensão e Paul
foram ao escritório, bem atrás da recepção. Karen andava de um lado para outro no salão.
Era um lugar interessante, com mesas pequenas e um bar comprido e baixo, bem
diferente do resto do edifício.
Não ficou sozinha por muito tempo, pois Paul logo voltou. Karen sentia-se constrangida e
culpada.
- É um lugar muito bonito - comentou, tentando agir naturalmente.
- vou gostar mais quando formos embora. Vamos para Londres direto a um médico que
conheço.
- Um médico? Para Sandra? - Karen parecia surpresa.
- É claro. Quero esta história esclarecida. Eu pessoalmente não creio que ela esteja
grávida. Pode ser verdade, é claro, mas só um médico para confirmar tudo, não é?
- Oh, Paul, realmente espero que ela esteja mentindo, mesmo que isso seja algo horrível e
cruel. Seria um alívio.
- Eu sei. - Paul sorriu para ela e de repente seus olhos ficaram suaves e gentis. - E eu
gostaria de dizer umas palavras para Sandra, se realmente for mentira. Coitado do Simon.
Fiquei com pena dele esta manhã.
Karen tremeu e enrolou-se no casaco. O salão não tinha aquecimento e ela se sentia
congelada. Paul parecia forte e corajoso e ela fraca e desprotegida. Se pelo menos tivesse
coragem de revelar a ele o que estava sentindo... O que ele diria? Lembraria a ela seus
compromissos e a proximidade da data do casamento?
- Me diz uma coisa - ela falou de repente. - Você almoçou com Ruth?
- Pelo que sei, Ruth almoçou com os pais. Por quê?
- Eu só estava pensando se ela tinha concordado com sua vinda para cá esta tarde.
- Não, ela não fez nenhuma objeção. O que Ruth pensa atualmente não tem a menor
importância para mim.
A menor importância... pensou Karen, incapaz de conter as batidas do seu coração.
Paul olhou-a e ela sentiu que seu rosto queimava. O que queria ele dizer? O que aquilo
tudo queria dizer? E então, antes que qualquer outra coisa pudesse ser dita, passos
soaram no salão e Sandra apareceu batendo os pés furiosamente, seguida da chorosa
Madeline. Parecia uma criança revoltada.
- Bem, bem, alo Sandra - disse Paul, afastando-se de Karen. Que surpresa agradável!
- Não me faça rir - ela disse friamente. - Que é isso? Saída da missa de domingo?
- Não. É a polícia - retrucou Paul, rindo. - Você não está contente em nos encontrar,
querida?
- Você não precisa da resposta - disse Sandra agressiva.
- É verdade. Você sabe que é uma ameaça, mocinha? Vamos Para fora! Onde está sua
mala?
- Está na entrada - disse Madeline, com a voz fraca. - Você pagou a conta, se é que havia
uma?
Ela pode ir, não há problema - replicou Paul. - Vamos [embora.
O carro estava deliciosamente aquecido, pensou Karen, após o frio da pensão. Paul ligou o
motor do carro, saiu do estacionamento, e partiu. Logo em seguida, perguntou de
repente:
- Então você está esperando um bebé, Sandra?
- Para novembro - disse ela em tom desafiador.
- Ainda demora bastante. Você tem mesmo certeza? Karen mordeu os lábios e olhou para
o rosto da irmã.
- Claro que tenho - retrucou Sandra. - As mulheres têm meios de saber estas coisas. Não
sou uma criança!
- Tenho certeza que não - concordou Paul com suavidade. Uma criança não teria
planejado uma coisa dessas. Como você chegou até aqui, por falar nisso?
- Eu vim a noite passada. Peguei carona em um caminhão.
- Você fez uma coisa dessas? - perguntou Madeline escandalizada. - Meu Deus, Sandra,
você poderia ter sido atacada e morta. Você não passa de uma criança irresponsável!
- Não sou criança - respondeu Sandra agressivamente. - Vocês não me entendem, nenhum
de vocês.
- Não, e nem você entende a gente - respondeu Paul. - Você está numa situação
desesperadora, garota.
- E o que o faz pensar isso? Eu amo Simon. Pode haver alguma coisa mais simples?
- Seria simples se Simon a amasse - retrucou Paul cruelmente. - Quer ouvir o que ele disse
essa manhã, quando me contou onde você estava?
- Ele disse onde eu estava? Como ele pôde!
- Como você acha que nós a encontramos? - perguntou Karen, impaciente.
- É verdade. Está bem, Paul, o que foi que ele disse?
- Simon me suplicou que viesse aqui hoje e dissesse que ele não viria. Por que você acha
que estou aqui? Você não acha que ele viria vê-la, caso a amasse realmente?
Sandra parecia um pouco menos confiante.
- Ele vai se divorciar - protestou.
- Acho que não. A verdade é um pouco cruel, Sandra. O coitado do Simon não tem
nenhuma intenção de casar com você. Você pode imaginá-lo com mulher e filho e sem
emprego? Não vou ajudá-lo, pode ter certeza.
- Que belo irmão você é! - exclamou amargurada.
- O que eu sou, não interessa. Honestamente, eu posso lhe dizer, Sandra, que Simon não
quer casar com você. Ele gosta de sua companhia, mas geralmente ele sai por uns tempos
com uma garota e depois a abandona. Você deve conhecer a reputação dele. A culpa é
toda sua.
- Mas e a criança? - ela gritou desesperada. - É filho de Simon. Ele vai ter que casar
comigo!
- Foi por isso que você inventou tudo? Para forçar Simon?
- Inventei? - Sandra estava chocada e sem fala.
Paul encolheu os ombros e Karen pensou se ele não teria ido longe demais. Sandra estava
lívida e Karen começou a acreditar que ela estava mesmo grávida.
- Karen! - tentou Sandra. - Você vai deixar que ele fale assim comigo?
Karen mordeu os lábios e olhou rapidamente para Paul. Os olhos dele estavam
enigmáticos.
- Deixe Karen fora disso! Não tem nada a ver com ela. Você se meteu nesta história
sozinha e vai sair por sua conta.
- Vocês não acreditam em mim! - exclamou Sandra. - Paul, eu sempre gostei de você, até
pensei por um tempo que estava apaixonada por você. Como você pode ser tão cruel?
- Sandra, você disse que não era mais criança. Muito bem, então você tem que ser tratada
como adulta. Não creio que esteja esperando um bebé. Aliás, aposto que não!
Madeline começou a chorar. Tinha sido demais para ela e Karen sentiu uma vontade
incontrolável de rir. Que bando de loucas elas eram!
- Bem, eu estou. Realmente estou - insistiu Sandra.
- Então nós vamos direto até o consultório de meu médico para confirmar a gravidez -
disse Paul abruptamente.
Karen considerou seriamente a possibilidade de Sandra estar mentindo.
- Um médico? - Era óbvio, pela expressão de Sandra, que ela não havia considerado esta
possibilidade. - Eu não preciso ir a um médico, por enquanto.
- Talvez não, mas eu quero isso resolvido de uma vez por todas. Se você estiver falando a
verdade, não tem nada a temer.
- Você está contra mim. Todos estão contra mim. Até Simon está contra mim, indo para
Nottingham e sem se dar ao trabalho de me escrever. Eu tinha que fazer alguma coisa... -
Sua voz sumiu. Karen sentia-se mal. Agora era claro que Sandra estava mentindo o tempo
todo. Madeline ficou sem fala por um momento, e então disse:
- Sua hipócrita miserável! Como você teve coragem de agir assim! Você quase me matou,
sabe?
- Eu amo Simon, eu o amo mesmo! - gritou Sandra, ignorando sua mãe. - Alguém se
importa com isso?
- Todos nós nos importamos com o que acontece com você disse Paul. - Agradeça por
tudo estar bem. Poderia facilmente ser verdade, não é?
- Sim. Simon sabe disso. Esta foi a razão para...
- Por isso ele estava tão apavorado - concluiu Paul. - Está bem, Sandra, fique calma agora.
Sandra chorou durante o resto do caminho para casa. Seu rosto estava inchado, seus
olhos vermelhos, mas ela continuava desafiadora como sempre. Chegando à casa de sua
mãe, todos entraram.
Liza estava esperando por eles, mas retirou-se quando viu os olhos inchados de Sandra.
Não era hora para conversa. Sandra atirou seu casaco numa cadeira e teria ido para seu
quarto, se Paul não tivesse segurado seu braço, com expressão severa.
- Quero falar com a mocinha - disse - Venha cá.
Ele a conduziu até a sala e fechou a porta, deixando Madeline e Karen no vestíbulo.
Madeline franziu a sobrancelha e ia abrir a porta, quando Karen a impediu, balançando a
cabeça. Qualquer coisa que Paul fosse dizer a Sandra, era melhor que dissesse em
particular.
Sandra ouviu Paul explicar como ela tinha ferido sua mãe e causado preocupação a todos.
Pouco falou sobre Simon e ela imaginou que Paul achava que Simon merecia as horas de
sofrimento por que tinha passado. E ele estava certo! Naquele momento, Simon parecia
bem diferente do alegre companheiro que ela havia conhecido e acreditado amar.
Após algum tempo ele deixou-a ir para seu quarto, retocar a maquilagem e vestir uma
roupa apresentável. Paul encontrou Karen ainda no vestíbulo.
- Obrigada por tudo!
- Não precisa agradecer - ele disse suavemente. - Escute, você vem comigo?
- Mamãe ainda está muito abalada.
- Está bem - concordou Paul. - E que tal mais tarde? Podemos jantar juntos?
- Sinto muito, mas tenho que encontrar com Lewis às sete e meia.
- É mesmo? Então esquece!
- Sinto muito, Paul, mas não pensei que...
- Não se preocupe - disse ele friamente. - Não era importante. Karen sentiu um frio na
espinha.
- Tenho que ir ao escritório - ela explicou sem graça. - Mas não vou demorar...
Paul hesitou. Ele queria acreditar nela.
- Está bem - concordou. - Que tal ir a meu apartamento depois de ver Martin? Podemos
jantar lá, se você quiser.
Não podia ser verdade! Paul estava realmente convidando-a para ir a seu apartamento!
- Seria maravilhoso - respondeu. Ruth não iria atrapalhar desta vez!
- Ótimo! - Ele se aproximou, beijou-a na boca e partiu. Karen ficou em pé, imóvel. Poderia
ser verdade? Não, não era um sonho, não após este tempo todo. Ela queria que fosse
verdade. E como!
Ela deixou sua mãe após terem tomado um chá e comido um sanduíche. Sandra havia
aparecido, com uma aparência mais adequada, e apesar de Karen duvidar que o sermão
de Paul tivesse feito algum bem, ela estava se comportando melhor. Karen voltou a pé
para seu apartamento, curtindo o frio da noite em seu rosto. Era uma noite clara e
excitante.
Escolheu um vestido de veludo vermelho escuro e como complemento seu casaco de
moliair. Parecia exuberante, mas não podia evitar. Estava feliz! Feliz como não se sentia há
anos!
Os escritórios da Têxtil Lewis Martin estavam escuros, exceto a sala de Lewis. Karen sentiu
sua alegria diminuir um pouco quando entrou no prédio. Estava preocupada. Afastando
este sentimento, pegou o elevador. Chegando, bateu à porta e entrou, encontrando Lewis
sentado à mesa, rabiscando um bloco com uma esferográfica.
Assim que ela entrou, ele se levantou, os olhos fixos nela com uma intensidade proposital.
- Ah, Karen - disse ele com um sorriso aflorando em seus lábios. - Sente-se.
Karen acomodou-se em uma cadeira em frente a ele, olhando-o com impaciência. Lewis
também sentou, observando-a, enquanto ela acendia um cigarro. Para sua irritação seus
dedos tremiam e Lewis percebeu isso.
- Está com frio, Karen? - perguntou.
- Não.
- Nervosa, então? - insistiu zombeteiro.
- Por que deveria ficar nervosa em sua presença, Lewis? Karen estava decidida a manter a
calma durante a conversa.
- É, por quê? Você sabe que eu só quero seu bem, não é mesmo? Sempre fui um grande
amigo para você, não é verdade, Karen?
Karen mordeu os lábios. Onde ele queria chegar com tudo aquilo?
- Sim, Lewis. Acho que sim.
- Você acha que sim? O que você quer dizer com isso? - Seus olhos endureceram e Karen
desejou nunca ter dito estas palavras. Na verdade, ela gostaria de esclarecer aquela
história de Lewis ter procurado Paul para dizer que Karen era sua amante, pois Paul
precisava saber a verdade. Mas decidiu que não era o momento nem o lugar certo para
isso. Era algo extremamente delicado!
- Não procure nada na minha resposta, Lewis. Foi algo completamente inocente.
Lewis hesitou por um momento, e balançando a cabeça, levantou-se. Acendeu um cigarro,
tragando-o profundamente.
- Estou muito feliz por você ter vindo, Karen.
- Bem... ao que interessa, então... - disse ela, um pouco nervosa.
- Tudo a seu tempo, Karen. Eu queria muito falar com você, sabe? E tive muito poucas
chances ultimamente. Você anda sempre tão ocupada!
- Não é nada disso, Lewis. Estive ajudando a manter Sandra longe de Simon Prazer, se é
sobre isso que você está falando. Sinto muito se deixei o serviço de lado.
- Você falou em trabalho, não eu, - disse ele, com um sorriso frio. - Nós éramos tão unidos,
Karen. Ultimamente você não parece querer se encontrar comigo de jeito nenhum. Nunca
mais veio ao escritório.
- Não é verdade, Lewis - protestou. - Nós nunca fomos tão unidos assim. Sempre deixei
claro que não seríamos mais que amigos.
- Amigos? Ah, amigos! E Paul Prazer, ele agora é seu amigo?
- Os olhos de Lewis piscaram estranhos.
- Eu e Paul? Isso é assunto nosso - disse ela, magoada com a atitude dele e ao mesmo
tempo temerosa de enfrentá-lo abertamente, já que ele estava tão estranho.
- Você tem encontrado muito com ele nos últimos tempos, não é? - perguntou Lewis, com
a voz gelada.
- Eu acabei de dizer a razão! - exclamou ela.
- Suponho que você saiba que ele desmanchou o noivado com Ruth Delaney, não é?
Então era isso! Paul estava livre! Era verdade! Verdade mesmo! Ela tentou conter sua
excitação, mas seu rosto deve tê-la traído, pois Lewis olhou furioso para Karen, quase
explodindo.
- Não - disse ela. - Não sabia. Como você descobriu?
- Eu almocei com Ruth, hoje.
- Você almoçou com Ruth, hoje? Mas Ruth não o conhece!
- Não, não conhece. Até hoje éramos estranhos, mas ela me telefonou porque sabe o que
eu sinto por você e, consequentemente, pensou que talvez nós pudéssemos nos ajudar.
Sabe, ela ainda deseja Paul Prazer tanto quanto eu desejo você.
- Lewis! - ela exclamou. - Você sabe que, independente de qualquer coisa, eu nunca iria
me casar com você.
- Eu não concordo. - Seu rosto estava sombrio. - Até Prazer aparecer de novo em sua vida,
nós mantínhamos uma relação que nos levaria um dia ao casamento.
- Não! Eu não poderia me casar com você, Lewis. Nunca! E a partir de agora não trabalho
mais para sua Companhia. Não podemos continuar desta maneira por mais tempo.
- Concordo - disse ele, com voz trémula. - Foi por isso que eu pedi a você que viesse aqui
esta noite. Mas acho que você não pode me pôr de lado, como se eu fosse um sapato
velho. Fiz tudo por você, Karen. Arranjei uma casa, um emprego, e mais que tudo, amei
você...
Karen sentiu-se mal. Estava chocada, pois ele lhe provocava piedade.
- Oh! Lewis. Sinto muito. Mas acredite, nós nunca estivemos perto do casamento. Você é
muito diferente de mim e tenho certeza de que não sou seu tipo. - O rosto de Lewis estava
com uma expressão muito estranha e ela ansiosa perguntou:
- Lewis, você está bem?
- Se eu estou bem? Como posso estar bem se você está arruinando sua vida pela segunda
vez?
- Não estou arruinando minha vida, Lewis - protestou.
- Você está querendo voltar para Prazer, não é? - perguntou amargurado. - Pensei que
você tivesse um pouco mais de amorpróprio, Karen! Você não vê que ele vai levá-la
novamente ao desespero?
- E por que então ele desmanchou o noivado com Ruth? - ela
perguntou, consciente de que as palavras de Lewis ainda tinham o poder de perturbá-la.
- Sei lá! Talvez esteja cansado dela também.
- Qualquer que seja minha decisão, Lewis, não é da sua conta. E não vou mudar meus
sentimentos em relação a você! Você é muito velho para mim!
O rosto de Lewis se desfigurou.
- Eu não era velho demais quando a ajudei no divórcio. Você me usou, Karen, você não
pode negar isso.
- Ora, Lewis, você não deixou que eu me defendesse. Você sabia que éramos inocentes.
Você sabe que poderíamos ter provado isso.
- E como? Me diga como!
- Não, responda você como! - ela desafiou, levantando-se indignada. - Que história é essa
de uma testemunha que foi obrigada a declarar que havíamos passado aquela noite juntos
no apartamento? Foi só uma noite, e como fomos descobertos?
Lewis baixou a cabeça, evitando o olhar dela.
- Obviamente Paul estava procurando um motivo para o divórcio. Ele tinha detetives...
- Acho que já vou indo, Lewis. Obviamente você não está em condições de falar sobre
serviço e não quero falar sobre outra coisa.
- Não me humilhe desta maneira, Karen. Um dia você vai se arrepender por não ter me
ouvido.
- Você está me ameaçando, Lewis?
- Não, só estou avisando. Paul Prazer! O homem que foi a desgraça da minha vida!
- Você precisa saber, Lewis, que eu amo Paul, sempre o amei e nunca vou deixar de amá-
lo. Por algum tempo você me convenceu de que eu estava sendo estúpida, e comecei a
pensar que estava estragando minha vida, mas não adianta, agora sei de tudo. Sinto muito
se o feri, mas não há nada que eu possa fazer.
Lewis agarrou-a pelos ombros e quando ela tentou se afastar, aproximou seu rosto do
dela.
- Uma vez Prazer acreditou que você era minha amante. Gostaria de saber a reação dele,
se descobrisse que você é minha amante, agora.
- O que você quer dizer? - perguntou sem respiração, duvidando que tinha escutado.
- Certamente você sabe o que eu quero dizer. Este escritório está
vazio. O que vai me impedir de fazer amor com você? Ou melhor, quem?
- Você está louco! - ela exclamou, olhando para a porta.
- Estou? Por que você fala assim? Você é uma mulher linda, a única que eu realmente
amei. Por que iria perder a chance de ficar com você, livrando-me de competidores
indesejáveis? com certeza Prazer não iria querê-la depois que eu o presenteasse com os
detalhes de nossa intimidade.
- Oh, seu miserável, demónio! - ela exclamou, balançando a cabeça. - Lewis, pare de falar
dessa maneira. Nós somos amigos. Não destrua nossa amizade!
Ela tentou se libertar e quando sua mão passou pela mesa, encontrou o peso de papéis.
Seus dedos se fecharam sobre ele e o soltaram. O que ela poderia fazer com ele? Feri-lo
na cabeça? Não, seria muito melodramático. Estas coisas não acontecem mais hoje em
dia. Lewis iria se acalmar. Ele estava tentando amedrontá-la, era tudo.
Lewis a largou de repente e Karen quase caiu, apoiando-se na poltrona para evitar a
queda.
Obrigado, meu Deus - pensou ela, e então percebeu que ele estava trancando a porta.
- Lewis! - exclamou incrédula, mas ele não parecia ouvi-la. Pegou novamente o peso de
papéis e pensou em atirá-lo nele. Mas fazer isso para impedi-lo exigia mais força do que
ela possuía. Atirou-o então na janela arrebentando o vidro. Depois disso o silêncio voltou
novamente a tomar conta do lugar.
- Sua louca destruidora! Você tem ideia do custo de uma janela como essa?
Karen olhou para ele, tentando dominar o medo que rapidamente tomava conta de seu
coração.
- Você fala de destruição. Você destruiu muitas coisas! Meu casamento, por exemplo!
- Você acredita que eu fiz isso? - perguntou atormentado. De repente bateram à porta e
Lewis virou-se irado, enquanto Karen sentia um profundo alívio.
- Martin - disse uma voz familiar. - Abra essa porta. Quero falar com você.
- Oh, Paul - ela chamou em desespero. - Estou aqui!
Ele bateu mais forte e Lewis destrancou a porta, deixando que entrasse. Os olhos de Paul
foram de Karen para Lewis e novamente para Karen.
- Você está bem? - perguntou, com os olhos lançando faíscas de raiva. - Karen acenou que
sim e, sem dizer nada, fechou seu casaco.
Lewis caminhou até sua mesa e virou para eles. Paul observou os modos do velho.
- Se você tivesse encostado a mão nela eu o teria matado! afirmou com violência.
- Eu nunca a toquei. Nem hoje nem nunca - ele disse friamente. Paul olhou para Karen e
ela engoliu em seco.
- Você trancou a porta!
- Só para assustá-la. Eu nunca ataquei uma mulher e não pretendo fazè-lo. Leve sua
mulher, Prazer, e fora daqui! Não quero ver nenhum dos dois novamente.
- Espere lá fora, Karen - disse Paul, calmamente. - Ela hesitou um segundo antes de fazer o
que ele tinha ordenado. Caminhou em direção ao elevador e esperou ansiosamente sua
volta, ainda um pouco trémula. Ouviu alguns ruídos no escritório e imaginou o que Paul
estava dizendo para ele. Pôde perceber o barulho de alguma coisa quebrada, seguido de
uma queda. Alguns instantes depois Paul veio até ela, recolocando as luvas.
Olhou-o interrogativa e ele sorriu timidamente.
- Fiz apenas o que tinha vontade de fazer há muito tempo. E agora? Vamos para o meu
apartamento?
O calor do apartamento nunca parecera tão acolhedor! A mesa estava posta para duas
pessoas e Karen entrou sorrindo.
- Oh, Paul, você não sabe como é bom estar aqui com você! Os dedos de Paul se
estreitaram sobre sua mão, enquanto ela continuava:
- Bem, depois de... bem, depois de tudo o que aconteceu, você me deixa tomar uma
ducha? Estou suada demais.
- Está bem. Você sabe onde é.. vou pedir a Travers que sirva o jantar mais tarde. Tem um
roupão no cabide do banheiro - disse PauL - Isto é, caso você precise de um.
Karen olhou-o interrogativa, antes de se virar em direção ao banheiro. Ele estava
querendo dizer exatamente o que ela estava pensando? Ou Lewis estava certo? Será que
Paul só queria um caso?
Seus cabelos estavam ensopados quando ela terminou o banho. Enxugou-os com uma
toalha felpuda e, após secá-los, vestiu o robe branco que encontrou no cabide. Olhou-se
no espelho, penteou os cabelos sedosos e, depois de calçar um par de sandálias, foi para a
sala.
Paul havia tirado o paletó e estava largado em um sofá, fumando um cigarro, com a
cabeça apoiada em uma almofada. Levantou-se quando ela entrou.
- Sente-se. vou pegar uma bebida.
- Sente-se também, Paul. Preciso saber de uma coisa. Como é que você apareceu no
escritório na hora exata?
- Ruth me telefonou quando voltei para o apartamento, de tardezinha, mais ou menos na
hora em que você foi ver Martin. Ela o havia encontrado hoje, na hora do almoço, e
percebeu que ele estava mal. Para começo de conversa, ela foi procurá-lo porque tinha
esperanças de que ele pudesse convencer você a se casar com ele, desviando minha
atenção de você para sempre.
- Sua atenção? - repetiu. - Paul, você está falando sério? Paul afrouxou o colarinho. Olhou-
a apaixonadamente e abraçou-a.
- A bebida... - disse ela, sentindo os lábios ansiosos de Paul procurando os seus.
- Dane-se a bebida - disse ele, beijando-a impetuosamente. Seus dedos acariciavam os
ombros de Karen, entrando pelo roupão adentro.
- Karen, eu te adoro. Nunca deixei de amá-la, você me acredita? Por mais que eu tenha
tentado me convencer do contrário. Você tem que casar comigo de novo!
- Amor, termine o que você estava dizendo a respeito de Ruth.
- Karen falava com delicadeza. - Quero saber tudo.
- Mesmo sendo egoísta e mimada, Ruth não é louca, e vendo Lewis tão estranho, ela
decidiu me telefonar e contar que ele havia dito que resolveria tudo com você esta noite.
Fiquei preocupado, por isso resolvi passar no escritório para encontrar com você. Quando
cheguei, ouvi o barulho de vidro quebrado e corri para a sala de Lewis. Quando ele abriu a
porta e eu a vi ali parada, tão pálida e apavorada, senti vontade de matá-lo!
- Oh, Paul, tenho até pena dele.
- Por que? - ele perguntou. - Lewis tentou de todas as maneiras arruinar sua vida!
- Eu sei. Mas, honestamente, você não duvidou que eu pudesse ter um caso com alguém
como ele?
- Talvez eu duvidasse. Mas você precisa saber toda a verdade sobre o caso. Martin veio
me procurar antes do divórcio e me disse que vocês eram amantes, que você queria o
divórcio, mas que não pretendia me ver nem para tratar disso. Eu tinha que acreditar
nele. Ele estava tão confiante e eu não tinha nenhuma razão para duvidar dele naquela
época. Afinal, depois da nossa separação você nunca mais tinha me procurado...
- Lewis me aconselhou a não fazer isso... - murmurou, suspirando.
- Bem... eu disse a Lewis que precisava de uma prova definitiva, e ele concordou. Deu-me
detalhes sobre uma noite que ele iria passar em seu apartamento e eu contratei um
detetive particular para poder provar tudo oficialmente. O detetive disse que Martin havia
de fato passado a noite em seu apartamento e eu fui obrigado a acreditar. Fiquei furioso
e, segundo Martin Lewis, teria havido outras noites. Isso desencadeou tudo...
Karen engoliu em seco. Era difícil acreditar que Lewis deliberadamente tivesse arruinado
seu casamento daquela maneira.
- Ele passou aquela noite em meu apartamento, porque era muito tarde para ir para casa
depois do trabalho - explicou Karen. Como ele estava disposto a dormir no sofá,
concordei, evitando assim que ele atravessasse a cidade para chegar a Hampstead. Esta é
a verdade, Paul.
- É claro que eu acredito em você. Vejo agora como é fácil enganá-la.
- Obrigada, meu querido. Nunca quis deixá-la, sabe? Se você tivesse dado algum sinal de
que me queria, eu teria corrido de volta. Você vai me mandar embora até que a gente
possa anular o divórcio?
- O que é que você acha, meu amor? - Os lábios de Paul acariciavam seu pescoço.

FIM

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