Você está na página 1de 2

Vamos falar de Conflito Interparental

É um facto que a família desempenha um papel fundamental no desenvolvimento de


competências relacionais. A relação conjugal dos pais é das primeiras relações interpessoais a
que a criança assiste. Estudos revelam que a comunicação conjugal durante momentos de
conflito do casal influencia o modo como os filhos interpretam os conflitos no sistema familiar
e nas suas próprias relações futuras. O casal, ao longo da sua vida está em permanente
construção e formação, prosseguindo diversas transformações normativas e não normativas.
Porém, nestas fases de mudança, o conflito e a falta de comunicação instalam-se e a quebra
dos casamentos pode acontecer. A forma como os pais abordam as suas divergências, e não
necessariamente a presença do conflito na sua relação, é que poderá apresentar-se como um
aspeto crítico para a adaptação dos filhos. Em situações de antagonismo, os pais podem em
alguns casos, recorrer a diferentes estratégias para gerir e resolver os seus conflitos. Nesse
sentido, o conflito interparental pode ser considerado destrutivo, quando é pautado pela
agressão, física ou verbal, ou até construtivo, quando os pais colaboram para chegar a um
compromisso que resolva construtivamente a situação de divergência.
O conflito interparental durante o processo de separação conjugal parece acarretar consigo
consequências negativas para os filhos, podendo ser um dos fatores com mais influência no
seu normal desenvolvimento, especialmente a curto prazo. Este conflito envolve controlo e
exigências, mais expressão de afeto negativo e menos expressão de emoções positivas e
dificuldade dos ex-cônjuges em resolverem os seus problemas de modo construtivo. O conflito
interparental poderá estar assim associado a problemáticas comportamentais, emocionais,
académicos, sociais, do funcionamento familiar, uma baixa autoestima e autoconceito,
perceções negativas quanto às relações românticas e ao casamento, entre outros.
Muitos conflitos que surgem ao longo da vida do casal e da família podem ser resolvidos das
mais diversas formas, umas muito negativas até outras com algum sucesso. O conflito pode ser
uma forma criativa dentro da família se é encarado como oportunidade para a mudança e sinal
para os membros familiares de que algum processo de cura é necessário. O conflito
interparental pode ser particularmente prejudicial quando os filhos sentem que são
apanhados no meio desse conflito e das revelações negativas que os pais lhes fazem. Estas
revelações normalmente envolvem informação negativa sobre o outro progenitor. Este tipo de
comportamento por parte dos pais contribui para que os filhos experienciem uma tensão de
dualidade, lealdade-deslealdade, pois na tentativa de serem leais aos dois progenitores
acabam por ser desleais a ambos. Os filhos parecem reagir tipicamente ao conflito
interparental recusando-se a falar sobre o assunto, mudando de tópico ou dando respostas
evasivas.
Atualmente é empiricamente estabelecido que o conflito entre os pais é a principal dimensão
envolvida na má adaptação dos filhos à sua separação.
Um ambiente de conflito interparental, independentemente da forma como se manifesta –
raiva, hostilidade e desconfiança, linguagem agressiva, agressão física, dificuldades de
cooperação nos cuidados e comunicação com os filhos cria uma atmosfera em que a criança
experiência elevados níveis de stresse, insatisfação e insegurança.
As díades parentais com elevado nível de conflito muitas vezes transferem estes padrões de
interação disruptivos para a esfera e litigância judiciais. As crianças que apresentam piores
níveis de adaptação são aquelas cujos pais estão envolvidos durante longos períodos de tempo
em batalhas judiciais sobre a regulação da função parental. O conflito pode ser considerado
destrutivo quando marcado pela agressão física ou verbal, mas construtivo se for adotada
pelos pais uma estratégia de colaboração de forma a alcançar uma resolução construtiva das
divergências. De facto, a observação pela criança do uso de estratégias de confronto ajustadas
à resolução construtiva do conflito pode resultar na aprendizagem dessas mesmas estratégias
e no desenvolvimento de competências adequadas de resolução de conflitos, ferramentas
úteis perante semelhantes situações na sua vida. Por outro lado, no caso de um (ou ambos)
dos pais ser entendido como mais agressivo, hostil e coercivo, a criança pode questionar a
segurança da sua relação com um (ou ambos) dos pais. O conflito é, desta forma, um conceito
de natureza multidimensional onde há a considerar frequência, intensidade, conteúdo e
resolução.
Os pais e cuidadores são os modelos de referência privilegiados que moldam na criança
atitudes e comportamentos, que mais tarde esta poderá reproduzir nos seus relacionamentos.
A exposição à violência do casal, frequentemente, progenitores da criança (violência
interparental), que podem estar unidos ou não por laços de conjugalidade representa um
importante fator de risco de reprodução, no futuro, de dinâmicas relacionais violentas.
O fato de os pais não falarem acerca dos seus problemas e não assumirem a existência do
conflito quando este é iminente, gera na criança uma grande angústia e confusão, pois esta
não está capaz de compreender os relacionamentos.
Se as crianças assistirem a conflitos de maior intensidade, a perceção de controlo é mais
diminuta e tal contribui para um impacto negativo da experiência. Esse impacto poderá ser
particularmente significativo se a criança tiver escassez de recursos pessoais para o confronto,
o que remete para a consideração necessária dos fatores mediadores do impacto dessa
experiência.

Proposta de filmes: Marriage Story (2020) e Where The Crawdads Sing (2022)
Proposta de livros: A Filha Devolvida de Donatella di Pietrantonio (2019) e Coaching Emocional
para Pais de Cristina Valente (2020)

Camisasca, E., Miragoli, S., Di Blasio, P., & Grych, J. (2017). Children’s Coping Strategies to
Inter-Parental Conflict: The Moderating Role of Attachment. J Child Fam Stud 26:1099–1111.
DOI 10.1007/s10826-016-0645-9
Emery, R. E. (1982). Interparental Conflict and the Children of Discord and Divorce.
Psychological Bulletin , 92(2), 310-330. University of Virginia: American Psychological
Association.
Rowen, J., & Emery, R. (2018). CLINICAL PERSPECTIVES AND TRANSLATIONAL RESEARCH ON
CONFLICT INTERVENTION PARENTAL DENIGRATION: A FORM OF CONFLICT THAT TYPICALLY
BACKFIRES. FAMILY COURT REVIEW, 56(2), 258–268.
Sani, A. I. (2017). Perícias Psicológicas em Casos de Conflito Interparental: Recomendações
para a Prática. Temas em Psicologia, 25(2), pp. 427-436.

Você também pode gostar