Você está na página 1de 118

Desejo Incontrolável Michelle Reid

Projeto Romances
projeto_romances@yahoo.com.br
Digitalizado por Ilnete

DESEJO
INCONTROLÁVEL
(Título original: The Bellini Bride)

Michelle Reid

Este Livro faz parte do Projeto_Romances,


sem fins lucrativos e de fãs para fãs. A
comercialização deste produto é estritamente
proibida.

Projeto Romances 1
Desejo Incontrolável Michelle Reid

CAPÍTULO 1

A cama estava repleta de lençóis amarrotados, entre os quais


Marco Bellini podia ver a suave curva dos quadris e uma parte da longa perna
morena. O restante do corpo feminino estava coberto pelos finos lençóis de
linho, imaculadamente brancos e perfumados. Sobre o travesseiro, viam-se os
cabelos louros que tentavam em vão ocultar um rosto de traços perfeitos.
Aquela era Antônia.
Recostado na grade da sacada, Marco permitiu-se um sorriso ao
levar a xícara de café aos lábios. Era muito cedo ainda, mas o sol já estava quente
contra as suas costas nuas. Ele havia saído para o terraço logo após o banho, e a
toalha branca ao redor do seu quadril estreito era a única concessão à modéstia,
naquela vila de veraneio situada nas encostas elevadas de Portofino. Ali, os únicos
olhos curiosos, capazes de vê-lo, pertenciam às gaivotas que voavam levadas
pelas correntes de ar da manhã.
Antônia não precisaria estar em Milão às nove horas, e por isso não
tinha necessidade de se levantar tão cedo. E era melhor assim, ele ponderou,
pois se Antônia acordasse naquele instante, Marco simplesmente deixaria cair a
toalha para ir se juntar a ela na cama.
Mas não havia presa, ele pensou ao sorver outro gole. O café estava
quente e forte, e era um prazer ficar ali apreciando sua mulher dormir.
Durante o ano que estavam juntos, ele nunca a havia visto menos
bonita. Vestida ou nua, ela era dona de uma beleza que ele nunca vira em outra
mulher. Estava orgulhoso por tê-la como amante, orgulhoso por ser o único a
poder tocá-la. Orgulhoso também porque ela só tinha olhos para ele.
Mas será que a amava?, perguntou-se.
Não, admitiu pesadamente. Não a amava. Gostava do jeito dela e de
como ela o fazia se sentir feliz e satisfeito. Até mesmo seria capaz de se
sacrificar por ela se necessário fosse, mas o verdadeiro amor deveria ser um
sentimento mais profundo.
Ele suspirou com resignação quando uma nuvem bloqueou o sol.
Uma gaivota piou em protesto. O café lhe pareceu subitamente
amargo. Deixando a xícara de lado, ele se voltou para olhar as águas azuis
enevoadas do Mediterrâneo a distância, e desejou saber o que iria fazer com
ela.

Projeto Romances 2
Desejo Incontrolável Michelle Reid

Deixá-la partir estava fora de cogitação. Deixá-la ficar, significava


enfrentar inúmeros problemas. Longe dali, além das colinas e vales verdejantes
da sua bela Itália, o problema estava à espreita, na forma de uma mãe
autocrática e de um pai adoentado que, antes de morrer, desejava ardentemente
vê-lo casado e estabelecido com uma família.
Casar-se com Antônia, mesmo sem amá-la verdadeiramente, seria a
coisa mais fácil do mundo. Ela era jovem, bonita e o amava totalmente. Mas, quais
pais poderiam condenar o único filho, herdeiro da grande fortuna dos Bellini, a
se casar com uma mulher como Antônia?
Uma mulher cujo passado a condenava para sempre? Uma mulher
cujo passado iria denegrir não só a ele como ao nome da sua família?
Uma mulher que se constituía em uma amante perfeita, mas que
nunca poderia ser a esposa ideal.
Um novo suspiro encheu o silêncio que o envolvia.
Talvez Antônia houvesse ouvido, porque começou a se mexer na
cama. Pegando a xícara de café, Marco voltou-se para olhá-la se espreguiçar
languidamente, antes de abrir os olhos. Ela o procurou tateando com a mão, em
um gesto repetido tantas vezes que ele pensou sentir-lhe os dedos roçar os pêlos
eriçados do peito. A sensação o fez sorrir de novo, porque o agradava saber que
a primeira coisa que ela fazia era buscá-lo. Sempre.
Ela logo o descobriu na sacada, e um sorriso caloroso de amante
brotou em seus lábios.
— Ciao — ela o saudou suavemente.
A resposta de Marco foi um olhar descompromissado e sedutor por
sobre a xícara, enquanto, no íntimo, sentia imediatamente o apelo que começava
a lhe atiçar os sentidos. Ela o perturbava de tantas formas que ele não seria
capaz de enumerar.
Deslizando para fora da cama, ela ergueu os braços acima da cabeça
e se espreguiçou languidamente fazendo ressaltar cada contorno do seu corpo
nu e delicado. Sua pele dourada brilhava, e seus longos cabelos caiam sobre o
peito como cascatas de seda. Em toda sua vida, Marco nunca conhecera mulher
tão perfeita. Seu rosto, seus cabelos, seu corpo sensacional, a forma como se
movia ao se dirigir para ele, tal como uma sereia sedutora ela o excitava sem
querer. Até mesmo o sol se rendia a ela saindo de detrás das nuvens no mesmo
instante em que ela pisou no terraço, envolvendo-a em uma luz resplandecente.
Não era de se admirar que Stefan Kranst estivesse tão obcecado
por ela, Marco ponderou perturbado. Ele a havia pintado de todas as formas, com
a paixão de um artista enamorado. Vendo-a, Marco podia entender muito bem

Projeto Romances 3
Desejo Incontrolável Michelle Reid

por que aquele homem se sentia compelido a preservar sua nudez em quadros.
Durante anos, Antônia aparecera em todas as suas pinturas, não
necessariamente como o tema principal, mas sempre como uma figura nua a se
revelar como uma marca registrada nos quadros de Kranst.
Entretanto, em seu desejo de imortalizar Antônia, ele a havia
elevado à condição de fantasia erótica de muitos homens. Suas formas fluas
adornavam as paredes de mansões de todos os ricos e famosos.
Quando ela entrava em algum lugar, todos a reconheciam como se a
conhecessem intimamente.
E ela se importava com isso? Não. Ela se embaraçava com isso e se
escondia envergonhada? Não! Aquela mulher se sentia totalmente à vontade com
o seu corpo, tal como se sentia confortável com todos que disputavam os seus
quadros.
E quanto a ele? Marco estava consciente de que a notoriedade de
Antônia, como a famosa modelo de Kranst, e propiciava uma certa inveja entre a
turba de admiradores. Mas isso não o agradava; somente aprendera a aceitar tal
fato. De certa forma, tal como Kranst, estava obcecado por aquela mulher,
apesar de não permitir que sua sedução ultrapassasse os limites do corpo.
Chegando-se a ele, Antônia não disse nada, apenas olhou-o
diretamente nos olhos, enquanto lhe envolvia os dedos morenos que seguravam a
xícara de café com os seus dedos longos e brancos. Seus olhos brilhavam como
topázios ao sol. Marco sorriu quando ela levou a xícara aos lábios sorvendo um
gole de café para depois a levar aos seus lábios.
Mais do que feliz por participar daquele pequeno jogo de sedução,
Marco, obedientemente, bebeu o café. Depois, ambos, com os lábios umedecidos
pela bebida, deixaram a xícara de lado e se beijaram.
O aroma de café pairava no ar, e seu sabor excitante lhes
impregnava os lábios. O bico dos seios de Antônia roçava o peito de Marco, que,
debaixo da toalha, sentia o corpo começar a corresponder.
Era como se estivessem fazendo amor com uma intimidade nunca
antes experimentada.
Os olhos de Antônia revelavam uma promessa. Talvez ele a pudesse
ter naquele minuto, mas, por enquanto ele se contentava em desfrutar o prazer
de se sentir passivo naquele jogo de sedução.
Ela principiou acariciando-lhe a curva das costas.
—Você tomou banho sem mim — ela se queixou.
Ele sorriu indolentemente.
—Você estava dormindo.

Projeto Romances 4
Desejo Incontrolável Michelle Reid

Com um muxoxo, ela tomou-lhe as mãos e as colocou ao redor da


cintura. Depois, enlaçou-o pelo pescoço e inclinou a cabeça para trás,
entreabrindo os lábios em um convite para um beijo.
Impossível resistir. Afinal ele era um homem, e Antônia era uma
mulher especial, que se entregava naquele momento mágico.
—O que está acontecendo? — ela perguntou, interrompendo o beijo,
ao sentir o estremecimento de Marco.
—O sol se escondeu novamente — ele disse.
Aquele era um fato incontestável, e Marco não pôde deixar de
perceber que o astro havia se escondido por detrás de uma nuvem, no exato
momento em que ele começara a pensar em seu futuro.
—Você é grande e suave — ela disse, acariciando-lhe os cabelos com
os dedos. —Não vai querer ficar aqui neste balcão. Morreria de frio...
Era de se supor que ele risse ou respondesse com algo espirituoso.
Mas não pôde ao vê-la de pé nua, exatamente como Kranst a retratara nos
quadros.
—Certamente, você deve saber — ele disse apenas, sem maiores
explicações.
Ela ficou imóvel. Se ele a houvesse esbofeteado teria sido melhor.
Os lábios beijados perderam o calor e o topázio dos olhos perdeu o brilho. Com
um passo para trás, ela se afastou, entrando no quarto, sem dizer uma palavra.
Ele sentiu remorso ao vê-la se dirigir com movimentos sensuais para
o banheiro. A necessidade de pedir desculpas surgiu segundos depois, quando a
porta já se fechava. Sabia que ia ter dificuldades em sanar o que havia
provocado.
—Maldição — ele praguejou, ao se mover.
O sol ressurgiu quente. Marco franziu os olhos e olhou aborrecido
para a gaivota que pairava no ar. Depois, incriminou-se porque sabia que teria de
ter cuidado para resolver o dilema que esperava uma solução.

Dentro do banheiro, Antônia permanecia com os olhos fechados,


tentando se refazer da tristeza que sentia. Não tinham sido as palavras de
Marco, mas a maneira como elas haviam sido ditas, com a intenção deliberada de
ferir.
Stefan lhe veio à lembrança, juntamente com a incapacidade de
Marco de aceitar a vida que ela tivera antes de conhecê-lo. Para um homem que
se vangloriava de ser sofisticado, ele carregava alguns princípios realmente
antiquados.

Projeto Romances 5
Desejo Incontrolável Michelle Reid

Prometeu a si mesma que em uma próxima oportunidade, iria


encontrar forças para se rebelar contra aquela situação, e não permitiria mais
que ele falasse daquela forma.
Por enquanto, ela não estava preparada para agir, já que enfrentá-
lo significaria por em xeque todo o relacionamento, e talvez perder Marco.
Mas o momento estava se aproximando, ela pensou ao sentir a dor
se esvair mais rapidamente do que nas vezes anteriores. Sentiu que podia abrir
os olhos e se olhar no espelho sem estremecer.
E o que ela viu?
Viu uma mulher pecadora, ela ponderou, vendo-se refletida. Uma
mulher que era a amante de um homem que nem mesmo era casado e que ainda a
classificava de amante e não como uma amada. Na sua concepção havia uma
diferença muito importante entre os dois títulos. Ser amasiada demonstrava uma
certa dose de qualidade moral. Ser uma amante demonstrava uma total falta de
valor moral. E haveria alguma regra para definir ambos os sentidos? Não,
certamente que não. Para ele não havia diferença. Marco permanecia sempre
como o amante, sem qualquer estigma. Aquele título pertencia exclusivamente ao
seu próprio sexo fraco.
Ela vivia na sua casa, dormia na sua cama, e dependia da
generosidade financeira dele para a sobrevivência. Em troca, ela lhe dava
absoluta fidelidade e o corpo. Em outras palavras, a verdadeira definição de
amante.
Uma vida relativamente boa para uma garota que viera do nada, ela
concluiu. De fato, poderia ser uma vida muito melhor, se ela não amasse de forma
tão desesperada. Amar Marco tornava a sua vida miserável.
Stefan tentara dissuadi-la da idéia de ir para a Itália viver com
Marco.
Ele é um dos que pertencem à elite — ele havia dito. — Ele pode
desejar o seu corpo, mas nunca vai querê-la da forma corno você quer ser quista.
Você não pertence ao grupo social dele, querida. Na alta sociedade, da qual ele é
um dos mais importantes representantes, eles se casam entre si.
Aquelas palavras eram duras e sábias, e ela havia chegado a essa
conclusão da forma mais difícil possível. Se Antônia tivesse um pouco de juízo,
teria ido embora. Reuniria o pouco de orgulho que ainda lhe restava e iria embora,
antes que ele lhe tirasse tudo.
E talvez logo fizesse isso, ela resolveu.
Rapidamente, desviou os olhos do espelho ao pensar naquela
possibilidade, sabendo que seria necessário mais do que as insinuações de Marco

Projeto Romances 6
Desejo Incontrolável Michelle Reid

para que ela resolvesse deixá-lo. Amava-o demais e já estava com ele muito
tempo para se livrar assim tão facilmente. O que não significava que lhe
perdoaria, ela pensou ao entrar no boxe do chuveiro. Mas o perdão teria um
preço, e Marco teria de pagá-lo, tendo até mesmo de se submeter a algumas
sérias humilhações.
A idéia de fazer o arrogante Marco Bellini se humilhar lhe trouxe
um sorriso aos lábios.
Ele já havia se retirado do quarto, quando ela saiu do banheiro. E
também da vila, ela percebeu quando desceu para encontrar Nina, a empregada,
retirando o prato e a xícara dele de sobre a mesa de desjejum.
—O sr. Bellini foi para Milão há dez minutos, signorina — ela
informou. — Ele me disse para lembrá-la da festa de hoje à noite e para que a
senhora dirija com cuidado, já que o trajeto até Milão é muito perigoso.
Antônia agradeceu a jovem, e sorriu ao perceber que Marco
demonstrava tanto cuidado por sentir remorso pelo que havia dito a ela,
deixando, ao mesmo tempo, o canal de comunicação aberto ao se ir.
Por quê? Porque para um grande administrador de empresa, com a
reputação de ter um coração de pedra e uma língua de aço, quando se tratava
dela, ele detestava desentendimentos. Ele podia não a amar, mas a queria o
suficiente para se sentir mal quando a aborrecia. E, sendo um homem muito
egoísta, Marco gostava de se sentir confortável em sua vida privada.
Por isso deixara o recado para ela dirigir com cuidado e não se
esquecer da festa para aquela noite. Era Marco, desfazendo as barreiras que ele
próprio levantara, para preservar a sua tranqüilidade. Outros fatos semelhantes
iriam acontecer de tempo em tempo, foi o que Antônia pensou, ao se sentar para
o desjejum. Era a primeira vez que comeria sozinha na semana que haviam
passado juntos naquele lugar, sem fazer nada, a não ser se amar e dormir.
Ele lhe propiciara aquela deliciosa estada como surpresa por seu
aniversário, além do Lótus vermelho que agora estava estacionado no pátio, e que
ela iria dirigir de volta para Milão. No ano anterior, ele lhe havia dado um pequeno
e adorável Fiat, pois estavam juntos havia apenas um mês então, portanto o valor
do presente refletira aquele breve tempo.
Como um bônus pelo tempo acrescido, ela apreciou o presente
e ficou a imaginar qual poderia ser o presente adequado para o
aniversário que se seguiria.
Se ainda estivesse com ele, Antônia pensou, o que fez com que seu
coração desse um pulo e ela se levantasse e subisse as escadas para arrumar
suas coisas e partir.

Projeto Romances 7
Desejo Incontrolável Michelle Reid

Uma hora depois, trajando elegantes calças brancas e uma camiseta


vermelha, com os cabelos presos no alto da cabeça, Antônia encontrava-se
acomodada no assento creme do Lótus vermelho, lendo o bilhete que Marco havia
deixado no painel.
—Respeite a potência do carro, e ele a respeitará. Quero que você
chegue inteira em casa.
O sorriso de Antônia se revelou mais tranqüilo naquele momento.
Não pela mensagem em si, mas pela idéia de que ele se detivera para escrever
aquela nota, para só então depois partir em sua Ferrari.
Aquela era outra forma de desfazer barreiras.
Ela ainda estava sorrindo quando ligou o seu novo automóvel, antes
de iniciar a longa viagem de volta para Milão.
Antônia ficou a imaginar qual seria a próxima atitude de Marco.
Sabia que ele era um excelente estrategista e, por isso, não se surpreendeu
quando seu telefone celular tocou, já nos arredores da cidade.
Olhando para o suporte onde o aparelho se encontrava, ela
ponderou durante alguns toques se não seria melhor ignorá-lo. Por fim, não
resistiu à tentação de atender.
—Ciao, mi amore.
Um profundo som masculino encheu o ambiente do carro. A voz
suave e calorosa, própria para seduzir, fez Antônia sentir arrepios espinha
abaixo.
—Na certa você estava muito entretida dirigindo o carro, para
poder responder prontamente.
Não era exatamente uma pergunta, mas sim uma admoestação cheia
de ironia. Marco sabia que ela hesitara em responder.
—O que você quer? — ela perguntou com frieza.
—Depende — ele murmurou sugestivamente. —Onde você está
agora?
—Caminhando nua no Monte Napoleon, tentando fazer novos
contatos — ela respondeu prontamente, mencionando uma área nobre de um
famoso quadrilátero de Milão.
Aquela era uma resposta direta ao que ele lhe havia dito naquela
manhã. Marco deu uma risada sonora. Antônia estremeceu no assento e desejou
poder odiá-lo, mas o que estava sentindo estava longe de ser ódio, e precisou de
alguns momentos, naquele tráfego caótico, para se acalmar.
—E pensar — ele continuou —que recusei um almoço no Dino’s só
para falar com você.

Projeto Romances 8
Desejo Incontrolável Michelle Reid

—Escolha errada, caro — Antônia respondeu. — Ir ao Dino’s teria


sido de longe a melhor opção.
—Você está agindo como uma primadona — ele retrucou
suavemente.
Ele estava certo, e ela de certa forma se sentia justificada. Ainda
assim sentiu que seria uma tola se não tomasse cuidado.
—Você me disse que teria compromissos durante o dia todo —ela
comentou, deixando o sarcasmo de lado. —Quando você vai almoçar no Dino’s
quase sempre se ocupa a tarde inteira.
—As vezes, surpreendo-me com a minha própria eficiência —foi a
pronta resposta.
—E com sua própria presunção — ela acrescentou.
—Si, também — ele teve a arrogância de concordar.
Antônia sorriu. Na verdade, a arrogância e a presunção de Marco
constituíam grande parte do seu carisma. Além da sua bela aparência e eficiência
como amante, ela teve de acrescentar para si mesma, enquanto deixava a auto-
estrada para se dirigir ao centro da cidade.
—Na verdade, o almoço no Dino’s nunca foi uma opção. — O som da
voz de Marco atraiu novamente a atenção de Antônia. —As reuniões da manhã
ultrapassaram o horário programado. A primeira reunião da tarde vai começar
dentro de meia hora. Estou sentado junto à minha mesa, comendo um sanduíche
para acalmar a minha fome e lendo um jornal para me distrair, e fui acometido
por um desejo desesperado de ouvi-la dizer algo agradável.
—Está bem... — foi tudo o que ela disse.
—Você quer realmente que eu me humilhe, não? — ele perguntou
com uma voz arrastada.
—De preferência de joelhos — Antônia confirmou.
—Humm... — Marco murmurou. — Isso me parece interessante.
Existem tantas maneiras de pedir perdão nessa posição.
Ela não pôde deixar de dar uma sonora gargalhada. Do outro lado
da cidade, no seu sofisticado escritório, Marco inclinou-se para trás e sorriu
satisfeito. Depois, com a sabedoria de um experiente homem de negócios, dirigiu
a conversa para assuntos mais prosaicos, como a performance do Lótus, o que
ela pretendia fazer naquela tarde, e a que horas teriam de deixar o apartamento
para comparecerem à festa de aniversário de casamento do seu melhor amigo
Franco e sua adorável esposa Nicola.

Projeto Romances 9
Desejo Incontrolável Michelle Reid

Quando desligou o telefone, Marco estava completamente


convencido de que havia conseguido desfazer o resultado da sua estupidez e
pôde então relaxar.
Retirou o sanduíche do invólucro, depois recolheu os jornais, apoiou
os pés sobre a mesa e se acomodou para aproveitar meia hora de descanso, antes
da reunião com dois jovens que desejavam obter financiamento para porem em
prática algumas boas idéias.
Até alguns minutos antes, ele pretendia simplesmente mandá-los
embora com alguns conselhos de como administrarem seus empreendimentos.
Entretanto, agora, sentia-se muito mais condescendente. Talvez pudesse até
mesmo se oferecer para supervisionar pessoalmente o andamento da
empreitada.
Marco abriu o jornal e qualquer vestígio de condescendência se
desfez ao ver a foto de Stefan Kranst. Ele fora fotografado dentro de uma das
mais conceituadas galerias de arte de Milão. O artigo de página inteira era uma
publicidade valiosa para a Galeria Romano, na qual o artista pretendia expor na
semana seguinte.
Mas era exatamente aquilo que desagradava Marco. A presença de
Kranst na cidade devia ser do conhecimento de Antônia, e ela não mencionara
nada!
Será que ela sabia?
Será que ela planejava se encontrar com ele secretamente? Sabia
que ela já havia feito isso pelo menos uma vez antes.
Antônia podia ter deixado Kranst para ir viver com Marco em Milão,
mas os ex-amantes não haviam se tornado inimigos. Durante uma viagem para
Londres, no início do ano, ele descobrira por pura coincidência que ela havia
passado um dia inteiro com Kranst.
—Não venha me dizer com quem posso e com quem não posso me
encontrar! — ela havia exclamado, quando ele fizera objeção.
—Stefan sempre será muito especial para mim, e se você não pode
suportar isso, o problema é seu e não meu, Marco.
Aquela fora uma das raras ocasiões em que ela parecera pronta a
partir se ele tentasse continuar a pressioná-la. Marco então se conformara e,
pela primeira vez na vida, experimentara a terrível sensação de sentir ciúme.
Percebera que Stefan exercia um poder sobre Antônia o que constituía um
desafio para ele.
Marco não gostava nada disso. Não gostava da idéia de que havia
fugido do desafio. E não gostava também de saber que Kranst estava de volta a

Projeto Romances 10
Desejo Incontrolável Michelle Reid

Milão justamente quando Marco tinha de pensar seriamente sobre o seu


relacionamento com Antônia.
Era algo planejado por Kranst ou acaso do destino? De qualquer
forma, o sanduíche foi deixado de lado, e os dois jovens empresários perderam
a chance de encontrar um Marco Bellini amigável naquele dia. Não fosse por
Marco ainda estar pensando com clareza suficiente para reconhecer a
oportunidade inegável que os dois lhe ofereciam, ele teria sentido uma grande
satisfação em mandá-los embora!
A irritação alternada com pensamentos perturbadores o consumiu
pelo restante da tarde. Pensamentos de Antônia e Kranst se encontrando
secretamente...
Por fim, não pôde suportar mais e, deixando a sala de reuniões,
voltou para a privacidade do seu escritório. Telefonou para Antônia, mas o
celular estava desligado. Alarmou-se, mas lembrou-se de que ela havia dito que
iria direto para o apartamento. Ligou para lá, então.
Marco enervou-se quando ouviu a própria voz dizer, pela secretária
eletrônica, que não havia ninguém para atender aquela ligação.

Antônia estava em uma ruela em um bairro pouco sofisticado da


cidade, abrindo a porta de um prédio. Depois de entrar, encaminhou-se através
do estreito corredor, e começou a subir os lances de escada, passando por
pequenos escritórios que pertenciam a ramos de atividade que Marco desprezava
do alto da sua posição de diretor de uma grande corporação. Alguns dos
proprietários a conheciam, outros não. A maioria olhava com curiosidade para
ela, sorria educadamente e a deixava só. Isso lhe agradava, já que aquele lugar
era o seu refúgio secreto. Uma parte de sua vida que Marco não podia controlar.
No último andar, dirigiu-se para a única porta existente e enfiou a
chave na fechadura. Entrando no apartamento, fechou a porta com cuidado e
depois, voltando-se, sorriu simplesmente.

CAPÍTULO 2

Projeto Romances 11
Desejo Incontrolável Michelle Reid

Retornar ao apartamento de Milão era sempre um prazer, e a


primeira coisa que Antônia fez horas depois, ao regressar, foi adaptar-se
novamente ao ambiente completamente diferente daquele de onde ela saíra.
Ocupando toda a cobertura de um moderno edifício, o lar de Marco
era a representação da idéia paradisíaca de um decorador. Nenhum detalhe fora
descurado, no esforço de se conseguir a harmonia desejada.
O hall era amplo, arejado e cheio de luz. Os outros aposentos eram
mobiliados com uma mistura sensível de móveis clássicos, antigos e modernos.
Nada destoava. Havia salas formais destinadas somente ao entretenimento, e
outras menores para outros afazeres. A cozinha era o paraíso de um cozinheiro,
e as quatro suítes haviam sido decoradas de forma a combinar com as cores
pastéis das paredes. A totalidade do piso se constituía da melhor cerâmica
italiana, que ressaltava as obras de arte de valor incalculável dispostas
artisticamente em todos os lugares.
De seus famosos ancestrais colecionadores de arte, Marco havia
herdado o bom gosto. Tanto ele como a mãe eram generosos patronos dos
artistas. Tudo o que adquiriam passava a ser objeto de particular interesse dos
outros. E, em sua forma de decorar, Marco não vacilara em misturar a arte
totalmente desconhecida com as peças de mestres respeitados, com um
resultado belíssimo.
Mas Antônia não tinha tempo para ficar ali tecendo tais
considerações. Estava atrasada e sabia disso. De certa forma, o tempo parecia
ter perdido a importância naquele dia, e ela voltara pouco antes da hora habitual
da chegada de Marco.
Por que não viver perigosamente?, ela se perguntou, enquanto se
dirigia para o quarto, pretendendo arrumar as coisas para aparentar que lá
estivera por muito tempo, preparando-se para recebê-lo.
Tal providência se revelou inútil porque Marco só apareceu quando
ela já se encontrava totalmente pronta para a festa, e preocupada com o seu
atraso.
A porta do quarto se abriu em um ímpeto, e ele entrou apressado.
—Você está atrasado — AntOnia o recriminou imediatamente.
—Tenho relógio — ele respondeu, passando por ela sem nem mesmo
olhá-la.
Preocupada, Antônia o observou tirar o paletó de maneira brusca,
em uma clara demonstração do seu estado de ânimo.
—Teve um mau dia? — ela perguntou.
—Tudo de mau aconteceu hoje — ele respondeu, carrancudo.

Projeto Romances 12
Desejo Incontrolável Michelle Reid

—E por isso que não me deu um beijo quando chegou? — Apesar do


tom de voz brincalhão, ela estava falando sério. Depois do esforço que ele fizera
para voltarem às boas, aquela atitude poderia fazer com que tudo voltasse à
estaca zero.
Marco talvez tenha se dado conta disso porque, depois de jogar o
paletó sobre a cama, passou a flexionar os músculos das costas como que para
descarregar o peso que sentia. Enquanto observava a cena, Antônia sentiu a
costumeira sensação de prazer percorrer-lhe o corpo, e teria se aproximado
para ajudá-lo, não tivesse ele dado um suspiro de alívio e se voltado para encará-
la. A expressão do seu rosto a fez hesitar. Seus olhos brilhavam com uma raiva
mal contida, suas feições duras tinham uma palidez não usual. Por momentos
permaneceu assim, para depois desviar o olhar do dela e se afastar.
Antônia pressentiu um sinal de perigo.
—Alguma coisa errada? — ela perguntou, agudamente.
—Nada — ele redargüiu. Depois, suspirou novamente e pediu:
—Dê-me dez minutos para que eu possa me recompor e depois
poderemos conversar.
—Está bem — ela concordou.
Eram raras as ocasiões em que Marco se mostrava tão agitado, e
Antônia aprendera a esperar até que ele se acalmasse. Ficou imaginando o que
poderia ter acontecido para que ele se encontrasse tão perturbado daquele
jeito.
Reuniões mal-sucedidas? Uma fortuna perdida no mercado de
ações? Tudo isso ela considerou enquanto se encaminhava para a sala de estar a
fim de preparar-lhe seu uísque favorito, e esperá-lo.
Os dez minutos que ele pedira pareciam ter sido suficientes, ela
ponderou ao vê-lo entrar na sala ainda com os cabelos úmidos do rápido banho,
impacientemente tentando colocar as abotoaduras.
—Tome, isto pode ajudar a relaxar — ela disse, oferecendo-lhe o
uísque que havia preparado.
—Não há tempo para isso — ele recusou. —Além do mais não poderia
beber agora, pois vou dirigir. — Ao dizer isso, voltou-se para o espelho para
ajeitar a gravata borboleta.
Ao colocar o copo de uísque sobre a mesa, Antônia chegou à
conclusão que o mau humor de Marco não tinha nada a haver com os
acontecimentos no escritório, mas sim com ela própria.
—Está bem — ela disse, decidida a esclarecer tudo antes de irem
para a festa. — Diga-me o que foi que eu fiz para deixá-lo assim tão aborrecido?

Projeto Romances 13
Desejo Incontrolável Michelle Reid

—E quem disse que você fez alguma coisa? — Com a gravata e as


abotoaduras colocadas, ele voltou a atenção para o relógio. —Se você já estiver
pronta, está na hora de irmos...
Claro que ela já estava pronta! Olhando para si própria no vestido
vermelho de seda que comprara naquela tarde, apenas para satisfazer Marco que
gostava daquela cor, AntOnia sentiu que também o seu bom humor se acabava. O
vestido, o penteado, e mesmo o batom carmim que usava haviam sido escolhidos
com a única preocupação de agradá-lo.
Sentia-se ferida, ao perceber que ele ignorava tudo aquilo
deliberadamente. A voz dele, apesar de contida, transmitia uma mensagem de
frialdade, como o silêncio que caiu entre eles.
Pela segunda vez naquele dia, ela sentiu a mesma dor, causada pelo
forte sentimento de rejeição.
O que estava acontecendo com ele? Qual seria o significado
daquelas radicais mutações em sua maneira de ser?
Será que ele estava cansado dela? Havia ela começado a irritá-lo
de tal forma que ele não mais podia vê-la sem começar a agredi-la?
Esse pensamento não era novidade. Já suspeitava desse
comportamento havia algum tempo, mesmo tendo desfrutado, até aquela manhã,
quase uma semana de perfeita harmonia.
Mas agora, enquanto ela permanecia silente, a suspeita voltava com
toda força. Será que ela já não era a mesma? Marco pretendia se livrar dela?
Será que aquela semana fora uma tentativa da parte dele de reacender um
sentimento que deixara de existir?
Por duas vezes naquele dia ele havia sido deliberadamente
agressivo.
—Cara? — Ele esperou a resposta.
Ela estremeceu ao som da voz.
—Sim — ela respondeu ausente. — Estou pronta. — E ao se voltar
para pegar a pequena bolsa vermelha, ficou a imaginar pronta para quê? Para
perdê-lo?
Um sentimento de tristeza a fez conter a respiração por um
momento, esperando que pudesse se recompor tão depressa como fizera
anteriormente. Entretanto, não conseguiu. De fato, quanto mais se convencia de
que ele estava se cansando dela, mais a dor aumentava. Ainda assim sempre
soubera que aquela união não iria durar muito. E como muitos se demonstravam
ansiosos em lhe dizer, aquele caso já estava durando demais.

Projeto Romances 14
Desejo Incontrolável Michelle Reid

Aquela era a opinião geral das mesmas pessoas que também eram
rápidas em afirmar que quando Marco Bellini se casasse seria com uma mulher
da sua mesma condição social. Alguém com dinheiro e classe, que tivesse uma
linhagem que combinasse com a dele. E, o mais importante, alguém que seus pais
recebessem de braços abertos.
Certamente não uma inglesinha qualquer que nem mesmo conhecia
seu próprio pai. Uma mulher que não podia permanecer na mesma sala com
qualquer um dos seus parentes. E pior ainda, uma mulher que não se importava
em expor o corpo ao mundo.
—O que é isso?
A pergunta de Marco a fez voltar à realidade, e ela teve de piscar
várias vezes antes de encará-lo. Viu-o de pé com uma caixa dourada nas mãos.
—Oh, é um presente para Franco e Nicola — explicou AntOnia, para
depois acrescentar: —Percebi que não havíamos providenciado nada, e por isso
fui comprar esse presente, antes de vir para cá.
Ela estivera fazendo compras! Por instantes, Marco ficou imóvel.
Sentia remorso pela segunda vez naquele dia. Enquanto ficara
remoendo a suspeita de que ela estava se encontrando secretamente com
Stefan, Antônia havia ido procurar um presente para os amigos que eram dele.
Ele não sabia o que fazer. Não sabia o que dizer para compensar o
erro que novamente havia cometido.
—Sinto muito, cara — pareceu ser a única coisa a dizer. —Era eu
quem deveria ter pensado nisso.
Havia um duplo sentido na última parte da afirmação, apesar de ele
se sentir aliviado por Antônia não saber. Marco percebeu que ela estremecera
ao ouvir o tratamento carinhosos, mas que não se importara com o resto.
—Não foi nada. Paguei com o seu dinheiro. —Ao dizer isso, ela se
afastou, deixando de aceitar a mão que ele lhe oferecia.
Recriminando-se pela suspeita infundada, Marco a seguiu, decidido
a manter a boca fechada, porém sentindo-se seguro de que mais uma vez
conseguira se sair bem.
Ela estava linda e desejável, no vestido curto, vermelho e muito
sexy, que lhe moldava as curvas. Marco não se sentiu encorajado a elogiá-la.
Desejou acariciá-la, mas isso seria um prazer que ele dor próprio se negara
devido ao próprio mau humor.
Entraram no elevador, postando-se cada qual em lados opostos, lhe
e ambos sentiram a atmosfera muito carregada.

Projeto Romances 15
Desejo Incontrolável Michelle Reid

Uma das habilidades dos ingleses era manter uma pessoa a distância
com extrema frieza, e isso ele podia constatar ao vê-la com uma expressão
glacial no rosto.
—Quer que eu me desculpe por descarregar o meu mau humor a em
você? — ele perguntou, por fim.
—Novamente? — ela murmurou. A seguir, acrescentou: —Não, isso
não importa. — E antes que ele pudesse dizer alguma coisa,
continuou: — Não vai demorar muito para você agir da mesma
maneira. Pedir desculpas não vai adiantar nada.
Marco concordou que talvez ele merecesse aquela recriminação,
mas a irritação começou a dominá-lo novamente. Não gostava de ser tratado
assim só porque cometera um erro.
Marco agora sabia que ela não havia passado a tarde com Kranst,
mas isso não significava que Antônia não sabia que ele estava em Milão!
Decidiu que não diria nada, isso porque, se ela já soubesse, ele teria
de enfrentar a situação e não gostaria de pôr em risco o seu relacionamento com
Antônia. Pelo menos até se decidir sobre qual seria a melhor maneira de agir.
Dessa forma, manteve-se calado durante a descida. Ao chegarem,
saíram do elevador, lado a lado, e dirigiram-se para a fileira de carros
estacionados em direção à Ferrari de Marco, passando pelo Lótus vermelho de
Antônia, sem que nenhum dos dois lhe lançasse um olhar.
Ela o ganhara havia apenas três dias e nem mais se importava com
ele, o que significava um outro gesto desperdiçado da sua parte, Marco ponderou.
Ela ficara estática quando ele a levara para uma semana de férias como presente
de aniversário, mas, ao lhe dar o carro, recebera apenas os agradecimentos de
praxe que indicava desinteresse.
Cavalheirescamente, ele abriu a porta do lado dos passageiros da
Ferrari e permaneceu à espera de que ela se acomodasse em seu interior. Por
alguns instantes, ficaram bem próximos; mais, talvez, do que haviam ficado
naquela manhã no balcão em Portofino. Ele percebeu isso, ao sentir o delicado
perfume que ela irradiava, sentindo a mesma excitação de sempre.
Soturnamente, ignorou o próprio sentimento, lembrando-se que no
dia anterior pudera dar vazão ao seu desejo.
Com a expressão contida, ele colocou o presente de Franco e Nicola
no colo de Antônia e fechou a porta. Rodeou o carro e se sentou à direção, dando
partida no motor.
O silêncio entre eles ainda permanecia intenso, tornando-se um
empecilho até para se moverem. Ele não pôde suportar mais.

Projeto Romances 16
Desejo Incontrolável Michelle Reid

—Não vai me dizer qual é o presente? — ele perguntou


delicadamente.
—Uma pintura — ela respondeu laconicamente
Já havendo imaginado isso, tendo em vista o formato do pacote,
Marco inspirou fundo, contendo a impaciência.
—Que tipo de pintura? — ele perguntou.
—Por que quer saber? — ela redargüiu. —Está com medo de que eu
não tenha condições de escolher algo aceitável para os seus amigos?
Ele achou melhor não insistir com aquela conversa e desistiu.
Quando Antônia estava com aquele estado de ânimo, ela ficava impossível.
Mergulhando no silêncio, ambos deixaram de falar pelo resto do trajeto.
Franco e Nicola de Maggio viviam em uma grande casa em uma das
seletas áreas residenciais nos arredores da cidade. Por chegarem mais tarde,
Marco e Antônia tiveram dificuldade em encontrar um lugar para estacionar ao
longo da entrada. Marco teve muito trabalho para posicionar o longo veículo em
uma vaga entre dois carros e praguejou. Quando por fim, desligou o motor, a
atmosfera de animosidade entre os dois estava ainda mais carregada.
Marco deu um suspiro profundo enquanto a observava retirar o
cinto de segurança.
—Vamos terminar esta desavença aqui — ele a advertiu seca-mente.
Afinal, iam se encontrar com seus amigos, e Marco não queria que ninguém
soubesse que sua vida amorosa não estava bem equilibrada.
O sorriso falso que ela lhe deu provocou uma onda de sentimentos
contraditórios. Ele poderia acalmá-la em segundos, fazendo-a se lembrar de por
que ela estava ali!
—Saia do carro — ele murmurou mesmo sem ser necessário pois ela
já estava abrindo a porta.
Ao deixar o frescor do ar-condicionado, Antônia sentiu o calor da
noite de verão. Inspirou fundo, desejando que o ar refizesse seu estado
emocional.
Nada adiantou porém. A idéia de que Marco tentava se livrar dela
não a abandonava. Na verdade, ela quase se recusara a ir à festa naquela noite.
Quando ainda estavam no apartamento, Antônia quase tomara a iniciativa de
resolver tudo. Tinha o seu orgulho, e não havia a necessidade de se apegar a algo
que já estava morrendo.
Entretanto, depois, o assunto havia sido esquecido
temporariamente com o presente para Franco e Nicola e ela havia mudado de
idéia. O casal era íntimo de Marco, e todos haviam se tomado muito amigos,

Projeto Romances 17
Desejo Incontrolável Michelle Reid

durante aquele ano. Antônia até cogitara a idéia de abandonar Marco, mas não
gostaria de fazê-lo na noite de comemoração do aniversário de casamento de
Nicola pois não queria prejudicar a festa da amiga.
E, além disso, ela admitiu para si mesma enquanto esperava que
Marco viesse ao seu encontro, ela queria estar ah. Queria terminar aquele
relacionamento com um sorriso nos lábios e a cabeça erguida. Não às escondidas
como um cachorrinho abandonado pelo dono.
Decidiu que partiria no dia seguinte, justamente quando Marco
chegou ao seu lado e pousou a mão em suas costas. A manga do paletó roçou seu
braço nu, e seu corpo estremeceu ao contato daquele magnetismo masculino que
nunca a deixara de excitar, independente da situação em que se encontrassem.
Estavam muito próximos, e Antônia não pôde deixar de apreciar a
fragrância masculina que ele exalava.
Dentro da casa, o ambiente estava animado, cheio de música e
risadas. No momento em que cruzaram a porta, era como se houvessem entrado
em um mundo novo. Antônia parou por alguns segundos e piscou várias vezes, para
se adaptar à transição entre a hostilidade e escuridão e a alegria e luz.
Depois, um grito de alegria se elevou, e ela viu sua anfitriã se
separar de um grupo de pessoas com que estivera conversando. Acompanhando-
a estava o homem com quem se casara havia um ano.
Alto e moreno, bonito e elegante, Franco de Maggio tinha a mesma
sofisticação de Marco. Poderiam ter sido rivais naturais, mas a verdade era
outra. Haviam se conhecido nos primeiros anos de escola e se tornado amigos
desde então.
Com os longos e escuros cabelos soltos, olhos negros maravilhosos,
vestida em um crepe de seda preto que emoldurava a sua figura sensacional,
Nicola de Maggio era tudo o que Antônia não era. Era italiana, rica, e o seu lugar
ao lado de Franco ou de qualquer outro homem da estirpe dele sempre estivera
garantido desde o dia em que nascera para urna vida privilegiada.
Pertencia àquele lugar. Para Nicola, ser parte daquela sociedade era
tão natural quanto o ar que respirava, o que fazia com que as pessoas gostassem
dela instintivamente e apreciassem sua presença.
Antônia gostara dela desde o momento em que se viram pela
primeira vez; ela como a nova amante de Marco, e Nicola como a noiva de Franco.
A simpatia mútua se desenvolvera para uma afeição verdadeira, e haviam se
tornado amigas íntimas, da mesma forma como Marco e Franco, apesar de
Antônia não deixar de ter consciência de que era uma estranha no ninho.

Projeto Romances 18
Desejo Incontrolável Michelle Reid

Seu sorriso era espontâneo bem como as calorosas boas-vindas, o


que deu a oportunidade a Antônia de se afastar de Marco. Ambos agradeceram
o presente e, tentando adivinhar o que poderia ser, colocaram-no ao lado dos
outros presentes à espera de serem abertos. —Está parecendo o dia do nosso
casamento novamente —Nicola suspirou cheia de felicidade. —Espere até chegar
a sua vez, Antônia, e vai se sentir muito abençoada.
Marco ficou imóvel, e Antônia não pôde ocultar um leve tremor.
Percebendo a reação, Nicola empalideceu. Com um olhar arguto,
Franco logo salvou a situação.
—Acho que você deveria explicar o quão abençoada, amore —ele
murmurou, colocando o braço ao redor dos ombros da esposa.
Era um abraço protetor. Um abraço que lhe servia de apoio sempre
que se encontrava em situação difícil ou constrangedora, como aquela.
Antônia quis fugir dali, já que estava bem claro que Marco não
desejava de forma alguma facilitar as coisas para ela.
—Vamos ter um bebê! — Nicola anunciou subitamente, com a voz
comovida. — Não pretendíamos contar... Só mais tarde.
Ela poderia estar sorrindo de alegria, mas não sorria pois estava se
sentindo perturbado, depois do comentário que havia feito. Assim, reunindo
forças, Antônia se antecipou, sorriu e exclamou:
—Oh, isso é maravilhoso! —Sorriu enquanto abraçava Nicola, sorriu
quando beijou Franco na face. Sorriu até mesmo para Marco, apesar de querer,
na verdade, vê-lo longe dali.
Ele a envolveu pela cintura e a atraiu para si. Não deixava de ser
um gesto de coragem.
—Vamos comemorar com um jantar na próxima semana. Só nós
quatro.
Não estarei aqui na próxima semana, Antônia pensou, sem deixar de
sorrir.
—Faremos isso, depois do nascimento do bebê! — Nicola protestou.
—Mas poderemos fazê-lo já, em homenagem à futura mãe —Marco
retrucou, beijando Nicola afetuosamente.
De qualquer forma, o momento embaraçoso havia sido desfeito.
Nicola estava feliz novamente, como devia ser. Franco, por sua vez, parecia estar
curioso em relação ao que poderia estar acontecendo entre Marco e Antônia,
mas conteve-se.

Projeto Romances 19
Desejo Incontrolável Michelle Reid

Felizmente, vários convidados retardatários chegaram, dando ao


casal a oportunidade de se envolver em outros grupos. Outra vez, Antônia se
afastou de Marco.
E ele a deixou ir.
Antônia resolveu aproveitar a festa, talvez a última na qual
participaria junto àquelas pessoas. Ela sorria e conversava animadamente em
italiano, a língua que aprendera a falar naquele ano de convivência. E dançou,
comeu, bebeu champanhe, sem saber direito o que estava fazendo.
Conseguindo um tempo para estar com ela, Nicola perguntou-lhe o
que estava acontecendo.
—Se vocês dois estão se evitando desse jeito só por causa do que
falei, sinto muito! — ela exclamou. —Não posso lhe dizer quão mal me senti depois
de colocá-La naquela situação!
—Não seja tola — Antônia respondeu, sorrindo. —Realmente, não
teve importância.
—De certo que teve importância! —Nicola insistiu. —Eu a feri e
aborreci Marco! Ele mal fala com as pessoas, enquanto você está festejando
como se esta fosse a sua última noite sobre a terra!
—Se Marco ainda está aborrecido por causa do que você disse, o
problema está na falta de sensibilidade dele — ela respondeu. —O que ele
esperava que eu fizesse? Saltasse em cima dele e perguntasse quando é que eu
ia me sentir abençoada?
—Você está com ele mais tempo do que qualquer outra das
namoradas anteriores.
Nicola repetia uma frase que Antônia ouvira muitas vezes naqueles
últimos dias. Especialmente quando era para afirmar que o fim do relacionamento
estava à vista.
—Isso significa alguma coisa, não? — Nicola perguntou.
—Significa que eu devo ser muito boa no que faço — ela respondeu,
com uma expressão cínica. —Você acha que serei procurada quando souberem
que estou sozinha novamente?
Nicola ficou boquiaberta.
Do outro lado da sala, de pé junto ao bar, Marco viu o que acontecia
e ficou imaginando o que Antônia devia ter dito para Nicola ficar assim.
Nada de bom, ele concluiu ao ver que Nicola procurava pela sala até
vê-lo e, imediatamente, ela desviou os olhos. Marco ficou alerta.
Não estava gostando nada daquilo. O dia inteiro tinha sido de
desencontros e desentendimentos, ele havia perdido o controle de tudo. E agora,

Projeto Romances 20
Desejo Incontrolável Michelle Reid

algo que ele desconhecia estava acontecendo. Está certo que Antônia estava
aborrecida, e talvez ele merecesse tal tratamento. Mas fosse o que fosse que
ela dissera para Nicola, deveria ter sido algo mais do que uma simples queixa
sobre o seu mau gênio. A esposa do seu amigo demonstrara estar realmente
chocada e horrorizada.
Percebeu que Nicola estava falando nervosamente, certamente
dizendo que Marco as observava. Nesse momento, Antônia voltou-se e Marco
pôde ver um olhar de desafio e antagonismo no belo rosto. Olharam-se, e Marco
ergueu o seu cálice em um brinde silencioso, para demonstrar que não se
importava a mínima com o que elas pudessem estar conversando.
Mas não era verdade. E esse era o grande problema no que dizia
respeito a Antônia. Mesmo então, enquanto trocavam olhares inamistosos
através da sala cheia, ele sentia tanta atração por ela, que se houvesse uma
forma polida de agir, ele a levaria para longe dali, para poder demonstrar quanto
ela o afetava.
E isso dizia tudo sobre a grande luta íntima que ele travava consigo
próprio. Ele a queria. Sempre a quisera! Com raiva ou não.
Sala cheia ou não!
Por que desistir de algo que ele desejava daquela forma?
No momento em que se conscientizou disso, percebeu que não era a
única pessoa a poder fazer uma escolha naquela relação.
Uma breve movimentação junto à porta chamou a atenção de
Antônia. Ela olhou naquela direção, e Marco lhe seguiu o olhar. Foi quando se
sentiu esmorecer completamente ao ver Stefan Kranst em pessoa.
No momento em que o viu, o belo rosto de Antônia se iluminou, sua
boca maravilhosa se abriu no mais belo dos sorrisos, e ela se apressou em direção
de Kranst como a ave que reconhece o ninho.

CAPÍTULO 3

Projeto Romances 21
Desejo Incontrolável Michelle Reid

Marco observava o encontro dos dois. Viu eles sorrirem e


murmurarem coisas um para o outro. Viu Antônia pousar a mão em seu ombro,
Stefan Kranst enlaçá-la pela cintura e beijaram-se ternamente.
Tentou se convencer de que se tratava apenas de um cumprimento
afetuoso, natural como qualquer outra forma de demonstração de amizade. Mas
não era verdade, e todos sabiam disso. As conversas cessaram, e as cabeças se
voltaram para observarem a amante de Marco Bellini abraçar o ex-amante com
visível emoção.
Alto e bem-apessoado, Stefan Kranst demonstrava ser uns dez
anos mais velho do que Marco, mas tinha a mesma facilidade de atrair as
mulheres. E ele havia tido várias depois que Antônia o havia deixado, Marco
ponderou incomodado.
Mas agora aquela mulher lhe pertencia. Vivia com ele, dormia em
sua cama e vestia-se com o dinheiro que ele lhe dava, O que fazia com que aquela
boca sensual pintada de vermelho que Kranst agora beijava fosse sua exclusiva
propriedade.
O primitivo sentimento de posse queimou-lhe o peito, fazendo com
que sentisse um desejo intenso de ir separá-los abruptamente. Conteve-se.
Todos estavam olhando, esperando, desejando que ele fizesse alguma coisa, o
que geraria comentários para um longo tempo.
Além disso, o vestido de Antônia era muito curto, suas pernas
longas elevadas pelo salto alto eram esculturais, Marco considerou, recusando-
se a se lembrar que havia pensado exatamente o oposto antes de vê-la envolvida
pelos braços de outro homem.
Teria ela feito aquilo só para o provocar? Será que ela se vestira
daquela forma por que sabia que Kranst estaria lá, e ela desejava agradá-lo?
Lembrou-se que ela estava sem sutiã, ao ver que os bicos eretos pairavam poucos
centímetros do peito de Kranst naquele momento. Sabia qual era a sensação que
Kranst deveria estar sentindo.
Conhecendo-a, sabia que também não deveria estar usando calcinha.
Desceu os olhos para constatar a falta de sinais reveladores dos sensuais fios
dentais que ela usava de vez em quando, geralmente para o seu exclusivo prazer.
Assim, quando viu os longos dedos de Kranst tocarem a curva dos quadris, Marco
tomou como um insulto pessoal aquele gesto de intimidade, como se aquele
homem ainda tivesse direitos sobre ela.
O súbito riso de Antônia fez com que ele erguesse os olhos para
vê-la colocar a mão na nuca de Kranst e começarem a conversar como se fosse
perfeitamente aceitável tal atitude em público.

Projeto Romances 22
Desejo Incontrolável Michelle Reid

Mas aquilo não era aceitável, e ela deveria saber. Deveria saber que
se comportar assim com um homem que fora seu amante antes de Marco somente
a faria parecer vulgar, e ele um idiota!
Será que ela estava fazendo aquilo deliberadamente? Seria a
maneira de fazer com que ele percebesse que não era o único na jogada?
Algumas vezes, Marco a odiava de tal forma que se espantava de
perceber, logo depois, que a desejava tanto. Ela não era o seu tipo de mulher.
Nunca fora. Era jovem demais, sem estudo e muito livre! Seria por isso que
escolhera se expor como uma flor exótica em um vestido de seda vermelho,
enquanto todas as outras mulheres da sala se vestiam de preto clássico e chique?
Alguém se aproximou de Marco.
—Bem, caro, não há dúvida de que ela sabe como dar as boas-vindas
a um homem — soou uma voz feminina, cheia de zombaria.
Cerrando os dentes, Marco ignorou a indireta aveludada de Louisa
Florenza, mantendo-se quieto enquanto via Kranst conduzir Antônia até o
pequeno tablado de dança.
A mão de Antônia permanecia apoiada na nuca de Kranst que a
segurava pelos quadris enquanto se moviam ao ritmo da música, conversando.
Estavam tão concentrados um no outro que se percebia claramente que Antônia
havia se esquecido completamente do homem com quem chegara à festa.
—Você sabe que é impossível não se impressionar com a completa
falta de malícia dela. —Louisa alfinetou. —A maioria das mulheres morreria de
constrangimento ao se defrontar com o ex-amante em uma sala repleta de
amigos do seu atual amante. Entretanto, ela nem parece se importar!
—Como pode ver, cara — Marco disse, —não estou nem um pouco
embaraçado.
Como resposta, Louisa enlaçou o braço no braço dele.
—Já tivemos bons tempos juntos, não foi Marco? —ela murmurou
sonhadoramente.
Bons tempos? Observando Antônia dançar sensualmente ao som da
música, ele teve a certeza de que se a distância entre os dois ficasse ainda
menor, ele iria até lá e...
—Você era uma gata com garras, Louisa — ele disse, secamente. —
O que fez com que aqueles tempos não fossem tão bons e freqüentes.
—Mesmo assim, eu costumava ronronar na sua cama —ela sussurrou
maliciosamente.

Projeto Romances 23
Desejo Incontrolável Michelle Reid

Ele nem se abalou com aquelas recordações, já que no momento só


se importava com a visão de Antônia movendo-se e falando sensualmente com
Kranst o que estava deixando doido.
—Mas você gostava de sentir as minhas garras de vez em quando...
—Ainda tenho algumas marcas! — ele exclamou.
—Muito bom — ela disse, percebendo que ele estava totalmente
atento ao que se passava no meio do salão. —Espero que nunca se desfaça delas,já
que o que você está sentindo ao vê-la nos braços dele era o que eu sentia todas
as vezes que o via com ela. Essas marcas vão ficar para sempre, Marco, posso lhe
assegurar.
A amargura da voz fez com que Marco se voltasse para ela, vendo
o rosto de uma das mais belas mulheres da Itália. Sorriu com desdém.
—Qualquer marca que guardar por minha causa — ele murmurou —
deve-se exclusivamente ao fato de ter perdido os benefícios do meu dinheiro.
Desarmada pela afirmação, Louisa enfrentou-lhe o olhar.
—Está querendo dizer que ela não desfruta do mesmo privilégio?
—Não — ele respondeu, e o seu sorriso começou a se desfazer
quando voltou a olhar os dois corpos tão unidos no salão. —Mas ela ainda vai ter
esse privilégio.
—Garota esperta — Louisa acrescentou.
Não tão esperta, Marco considerou silenciosamente ao vê-la
sacudir os cabelos dourados, fazendo com que a presilha de diamantes reluzisse
na luz. Depois, ela colocou a mão sobre a boca de Kranst, como que para fazê-lo
parar de dizer alguma coisa.
Será que estava pedindo para ela voltar com ele? Ou será que
estava pedindo para retratá-la novamente? Será que falavam sobre sexo, tal
qual ele e Louisa estavam conversando?
A intimidade era totalmente odiosa, ele pensou. Principalmente
porque dava à pessoa com a qual você já não se relaciona mais um poder impossível
de se evitar.
—Ele ainda a quer. —A observação de Louisa o atingiu em cheio,
como se estivesse lendo os seus pensamentos.
—Os desejos dele não me interessam —ele respondeu,
demonstrando desinteresse. A questão era saber se Antônia ainda o queria.
Um outro pensamento insinuou-se em sua cabeça, enchendo-o de
espanto. Será que Antônia estava se desinteressando dele?

Projeto Romances 24
Desejo Incontrolável Michelle Reid

Aquela possibilidade lhe era tão impossível que não sabia o que
pensar. Em sua lembrança, nenhuma mulher fora capaz de deixá-lo, a não ser que
ele o permitisse!
Não, não seria possível! Marco desfez-se da idéia, com uma certeza
que beirava a arrogância. Ela o adorava. Sempre o adorara. Se caminhasse até
eles naquele instante, e a tomasse nos braços, Antônia voltaria a ser a sua
adorável sereia, em segundos, e Kranst seria deixado de lado.
—Ele não é de se jogar fora, caro. — Novamente Louisa interrompeu
os seus pensamentos. —Tem um corpo invejável, e dizem que é um amante
incrível. E, apesar de não ter a sua posição social, possui a fama que neutraliza o
nome Bellini. De fato — ela concluiu, —a única coisa que você tem a seu favor é
a riqueza da qual você diz que Antônia não tira proveito. Mas é interessante como
tudo sempre volta a girar em torno do dinheiro, não?
Mesmo para própria surpresa, Marco teve um acesso de riso ao se
lembrar de Antônia passando pelo Lótus vermelho naquela noite sem nem mesmo
olhar para ele. Lembrou-se das inúmeras jóias que ela deixava de usar porque às
vezes se encantava com imitações, como a pulseira que brilhava em seu braço.
Lembrou-se ainda da conta que mantinha no banco, na qual depositava dinheiro
que ela raramente usava.
Assim, realmente a cobiça não constituía o pecado de Antônia. Mas
o que Louisa dissera servira pelo menos para fazer voltar o seu bom humor. Por
isso, ele, em reconhecimento, inclinou-se e lhe deu um beijo na boca. Ela se
agarrou a ele, o que não o surpreendeu, apenas deixou-o indiferente, o que era
uma vergonha, já que Louisa seria a mulher que sua mãe gostaria de ter como
nora.

—Olha lá! — Antônia exclamou. — Não lhe disse?


Ela viu o beijo que Marco acabara de dar em Louisa Florenza, como
a prova irrefutável de que Marco não a queria mais.
—Homens como Bellini não substituem o velho com o mais velho —
Stefan murmurou ironicamente. —E você acabou de me beijar — ele ponderou.
—Eu ficaria lisonjeado em pensar que foi porque você estava me querendo para
amante substituto, mas nós sabemos que isso não é verdade.
—Eu o amo mais do que a qualquer outro no mundo, e gostaria de
nunca tê-lo conhecido — Antônia disse com tanto sentimento que Stefan não
pode deixar de suspirar.
—Minha querida, o homem está enfeitiçado por você. Está apenas
fazendo o mesmo que você está fazendo para ele.

Projeto Romances 25
Desejo Incontrolável Michelle Reid

—Se ele me amasse, arrancar-me-ia de seus braços ao invés de


estar rindo com ela.
—Então devo ficar agradecido — Stefan disse, demonstrando
ironia.
—De qualquer jeito, é por culpa sua — ela declarou. — Se você não
houvesse me retratado nas suas pinturas, ele não teria vindo atrás de mim!
—Eu não a encorajei a aceitar. —Foi a vez de Stefan rir, e Marco
se voltou para observar. —Você fez tudo por conta própria, Antônia. E bem me
lembro de haver tentado dissuadi-la.
Ela sabia que era verdade, e as lágrimas lhe vieram aos olhos.
Vendo isso, Stefan suspirou fundo e se aproximou ainda mais dela.
—Você está com ele já faz um ano — ele a recordou gentilmente. —
Muito mais tempo do que qualquer outra mulher do seu harém.
—Cuidado... Pretendo esbofetear a próxima pessoa a me dizer isso
— ela disse com amargura.
—Mas isso quer dizer alguma coisa, querida — ele persistiu.
—Você pode honestamente jurar que ele disse que não a quer mais?
Antônia sorriu cinicamente. De que outros sinais ela precisava para
perceber a intenção de Marco? Mesmo a semana em Portofino parecera ter sido
o canto do cisne daquele relacionamento. Tinham tido uma discussão dias antes
sobre a possibilidade de passarem alguns dias na propriedade em Toscana dos
pais de Marco. Ela havia se ofendido por Marco ter se recusado a permitir que
Antônia os encontrasse, mesmo depois de um ano de relacionamento, ao que ela
alegara que Marco tinha vergonha dela.
—Meu pai está doente — ele objetara. — Tenha um pouco de
consideração pelas necessidades dos outros.
Entretanto, ele não havia se defendido da acusação de se
envergonhar dela. Assim, ele viajara sozinho para Toscana, e não dera notícias
durante os três dias em que lá permanecera. Na volta, demonstrara tanta
irritação, que a proposta de passarem uma semana em Portofino a surpreendera.
— Isso depende do sentido que se queira dar à palavra querer —ela
disse para Stefan, com um sorriso incerto. — Ele ainda me quer na cama, mas
fora dela eu não passo de um aborrecimento.
—Por causa disso, minha querida, está aqui comigo, com a intenção
de irritá-lo ainda mais — Stefan concluiu inexoravelmente. —Você está
pretendendo se matar, Antônia, ou algo parecido? Porque se Marco Bellini a ama
ou a odeia, ele não é o tipo de homem que permita que uma mulher o embarace

Projeto Romances 26
Desejo Incontrolável Michelle Reid

na frente dos amigos — ele declarou cheio de preocupação. —Ele vai lhe dar um
troco tão violento que você não vai perceber o que foi que a atingiu.
Com o canto dos olhos, ela viu Marco se juntar aos casais no salão
de dança, levando Louisa pelo braço. Enquanto Stefan a conduzia, Antônia viu
Nicola de pé observando-os cheia de ansiedade, enquanto que ao lado dela,
Franco demonstrava raiva. Percebendo que havia uma atmosfera desfavorável no
ar, ela se deu conta da razão de Stefan ter feito a advertência.
Uma tormenta estava se formando na sala de Nicola, que em sua
ansiedade por ajudar, havia sido a causadora de tudo.
—Como você conseguiu um convite para esta festa? — Antônia
perguntou a Stefan, percebendo subitamente que nem Franco e nem Nicola
teriam sido tão insensíveis a ponto de convidá-lo, sabendo do seu relacionamento
passado com a atual amante do seu melhor amigo.
Ele deu um sorriso.
—Vim com Rosetta Romano — ele explicou, citando a famosa
proprietária da Galeria Romano no Quadrilátero. —Fui o suficientemente bom
para substituir um artista que cancelou sua apresentação na galeria em um
ataque temperamental. E exibir-me nos locais da moda de Milão é a sua maneira
de fazer publicidade gratuita antes de a amostra começar.
—Obviamente, a signora Romano não estava sabendo que poderia
estar cometendo uma gafe incrível ao reunir você, eu e Marco em um mesmo
espaço — Antônia disse, secamente.
—De certo que sabia. — Stefan disse, rindo. —Quanta publicidade
de graça você acha que ela vai ter montando este cenário explosivo?
—E a publicidade não será apenas para a Galeria Romano —ela
acrescentou, querendo dizer que Stefan Kranst também não se opunha a se
expor à notoriedade em beneficio do seu trabalho.
Seu arquear de ombros constituía uma arrogante demonstração de
que tinha consciência de seus atos.
—Sou um pintor e não um diplomata. E, de qualquer jeito —ele
acrescentou, olhando-a nos olhos, —estava querendo vê-la, mas tentar fazê-lo
pelos meios normais é praticamente impossível. Tenho deixado recados com a
sua caseira durante toda a semana, Antonia. Você não os recebeu?
—Estivemos fora durante toda a semana de férias — ela explicou
—E só voltamos hoje à tarde. Hoje é o dia de folga da caseira. Não tenho visto
Carlotta e nem tive a oportunidade de checar os recados ou fazer outra coisa
senão me preparar para esta festa.

Projeto Romances 27
Desejo Incontrolável Michelle Reid

Então ele ainda não começou a censurar os seus recados?— ele


provocou com um sorriso cínico. — Estava imaginando como ia poder falar com
você pessoalmente — ele admitiu. —Porque você pode apostar o seu lindo sorriso,
minha querida, que no momento em que concordei em fazer uma exposição em
Milão, o Senhor Protetor das Artes já sabia disso.
Stefan estava querendo dizer que Marco sabia que ele estava em
Milão e que deliberadamente deixara de informá-la! Aquele pareceu o momento
apropriado para a música cessar. Stefan a conduziu para fora do salão e nada
disse, enquanto ela chegava a acreditar na terrível possibilidade de que ele
poderia estar certo. Porque se havia alguém que soubesse exatamente o que
estava acontecendo no mundo das artes, ali, em Milão, esse alguém seria Marco!

Antônia praguejou. Marco podia não querer mais nada com ela, mas
seu ego imenso não iria permitir vê-la com um homem que sempre a desejara!
—Eis —Stefan lhe ofereceu uma taça de champanhe — Beba. Vai se
sentir melhor.
Deixando de lado o pensamento de que já tivera champanhe
suficiente para uma noite, ela aceitou a bebida e a bebeu toda em grandes goles.
O champanhe começou a se misturar com a raiva que sentia, em uma
combinação perigosa.
—Acho que o odeio! — ela exclamou, com uma profunda sensação
de felicidade por ter pronunciado as palavras em voz alta.
—Bem... Nesse caso os próximos minutos deverão ser muito
interessantes — Stefan murmurou. Olhando por sobre o ombro dela, ele
acrescentou à veemência dela um desafio. —Este pode ser um bom momento para
que demonstre quanto o odeia. A guerra acaba de ser declarada.
Ela percebeu que ele devia estar se referindo a Marco, e começou
a sentir os efeitos do champanhe. Entreabriu os lábios e seus olhos se
enevoaram, deixou a taça vazia e procurou outra cheia.
Com um suspiro, Stefan sacudiu a cabeça.
—Doce idiota — ele murmurou, —não lhe passou pela cabeça nem
uma única vez que não deve se envolver em nenhuma confrontação com ele?
Aquela era uma pergunta pertinente e ao mesmo tempo dolorosa,
porque, nessa manhã, ela considerara e aceitara a idéia de não estar pronta para
nenhuma definição quanto ao relacionamento deles. Agora, lá estava ela pronta
para uma cena, em uma sala cheia de aliados leais de Marco.
Antônia sentiu-se como um pássaro fora do ninho.

Projeto Romances 28
Desejo Incontrolável Michelle Reid

—Seja corajosa, minha amiga — Stefan a encorajou baixinho. A


seguir, saudou em voz alta: — Boa noite, Marco. — Sorriu. — É um prazer vê-lo
novamente.
Mas não era um prazer para nenhum deles. Hirta ao lado de Stefan,
Antônia foi assaltada pelo aroma peculiar de Marco, antes de perceber a sua
presença física. Ele chegou ao seu lado, fazendo-a se sentir pequena. Como de
costume arrepiou-se com a proximidade, os dedos agarraram com força a haste
da taça, enquanto esperava que ele dissesse alguma coisa totalmente
imperdoável.
Ele somente estendeu a mão para cumprimentar Stefan, sem
demonstrar qualquer sinal de animosidade.
—Creio que vai estar com uma exposição na Galeria Romano durante
toda a próxima semana, não? —Continuando a falar suavemente, Marco informou
Antônia de que sabia que Stefan estava em Milão, mas que não tinha se importado
em avisá-la.
—Vamos começar no sábado — Stefan confirmou. —Estava
perguntando a Antônia se vocês não iriam comparecer à vernissage na sexta-
feira à noite — ele acrescentou, com uma tranqüilidade fingida.
—E por certo ela garantiu que não vamos faltar — Marco respondeu,
no mesmo tom.
—De certo — Stefan confirmou polidamente. — Especialmente
porque lhe disse que vou lhe dar uma coisa quando ela estiver lá.
—O sorriso e o toque com o dedo em seu queixo, ela tinha certeza,
haviam sido só para contrariar Marco. —Digamos que seja um presente de
aniversário atrasado — ele acrescentou. —Se você ainda tiver o meu Mulher no
Espelho, Marco, vai lhe interessar também — ele disse enigmaticamente.
Era a isca.
—É intrigante. —Marco sorriu, e Antônia estremeceu diante da
menção ao quadro que dera fama a Stefan e notoriedade a si mesma.
Ela o vira somente uma vez desde a primeira noite em que chegara
ao apartamento de Marco, um ano atrás. A pintura estivera dependurada na
parede do seu estúdio, e quando ele a mostrou, Antônia não pôde esconder o
espanto, já que não sabia que ele comprara o quadro.
Depois disso, Marco havia levado a pintura para uma sala mais
segura ligada ao escritório, onde ele mantinha os seus investimentos mais
particulares.
Agora, Stefan dava a entender que tinha um quadro igual. E, apesar
de saber que ele era capaz de reproduzir uma pintura centenas de vezes

Projeto Romances 29
Desejo Incontrolável Michelle Reid

exatamente igual, sem precisar que a modelo pousasse, era muito perturbador
ouvir Stefan sugerir a Marco que havia voltado a incluí-la em seus trabalhos. O
que a levava diretamente a outra indagação que a deixou temerosa enquanto
olhava para a sua face sorridente.
Será que Stefan deixara de cumprir a promessa que lhe fizera?
Stefan ignorou o seu olhar indagador. Ao seu lado, Marco estava
agindo tão naturalmente, que Antônia se indagou se ele estava preocupado. Mas,
já que estavam prestes a se separar, por que ele haveria de se importar?, ela se
perguntou. E, da mesma forma como agira pela manhã, Antônia simplesmente se
voltou e se afastou dali, sem poder mais suportar aquele jogo.
Só que dessa vez, Marco não a deixou ir muito longe, e quando a
pegou pela mão, ela tentou se desvencilhar.
—Pare com isso — ele disse, fazendo com que ela o encarasse.
Ela estava pálida, os olhos ensombrecidos, os lábios trêmulos.
Marco a conhecia, sabia que ela estava sofrendo, o que naquele
momento não o incomodou.
Intimamente, ele gostaria de socar Stefan por ter sido tão
insensível ao mencionar o Mulher no Espelho, quando Marco tinha certeza de que
ele devia saber como isso a poderia afetar. Por outro lado, gostaria de censurá-
la por ainda ser tão vulnerável a algo que fizera, no auge da sua beleza física.
—Você colhe o que plantou, cara — ele disse com a expressão
fechada, enquanto lhe tirava a taça de champanhe da mão. Depois, afastou-se
com ela, tomando-a nos braços. — Agora, vamos dançar — ele ordenou,
pressionado-a contra si, ao mesmo tempo em que ela procurava se safar. —
Lembre-se de onde você está, e a quem irá magoar se provocar uma cena.
Como se adivinhando o impasse, Franco e Nicola se aproximaram
deles, dançando.
—Ciao — Nicola os saudou apreensiva. — Estão se divertindo?
—Estamos tendo uma ótima noitada — Antônia respondeu,
sorridente, pousando a mão intimamente no pescoço de Marco, cravando-lhe as
unhas na nuca. — Adoro quando Marco demonstra todo o seu poder.
Franco olhou para Marco, com uma expressão de sarcasmo. Nicola
desviou o olhar.
—Conquanto que vocês estejam felizes — a anfitriã murmurou,
respirando aliviada quando o marido a afastou dali.
—Ela odeia cenas — Marco disse. — Sempre odiou.
—Eu o odeio — Antônia respondeu. —Isso significa que eu também
mereço um pouco de simpatia?

Projeto Romances 30
Desejo Incontrolável Michelle Reid

Com vontade de rir, mas ainda furioso, ele respondeu:


—Não. Você vai ter de ir para casa com o homem que você odeia,
para receber o prêmio em particular. — Dizendo isso, ele afastou-lhe a mão da
nuca, e a prendeu entre os corpos dos dois.
—Agora, olhe para mim e sorria — ele disse por entre os dentes.
—Ou acha melhor que eu a beije sem piedade?
Se ele estava pensando que daquela forma ia dominá-la, enganou-
se. Com absoluta audácia, Antônia olhou-o nos olhos, umedeceu os lábios rubros
com a língua, ergueu-se na ponta dos pés e lambeu-lhe a boca.
Ele sentiu o fogo dominar-lhe o corpo, as zonas erógenas foram
despertadas com uma urgência que doía.
Teria ela beijado Kranst daquela maneira? Feito com que ele ficasse
daquele jeito?
—Madre di Dio — ele não pôde suportar o ciúme que o dominou.
—Vamos embora — ele anunciou.
—Eu quero ficar — ela respondeu amuada, fazendo o jogo da
sedução, que conhecia bem.
De certa forma, ele estava feliz, amando a falsa resistência, a
demonstração pública de desejo. Por outro lado, ficou a imaginar se não fora
Kranst quem a incitara a agir assim. Com a mão espalmada na parte inferior do
corpo de Antônia, ele sentiu a suavidade da carne nua debaixo do tecido
aderente, e logo lembrou-se de Kranst fazendo o mesmo.
Ela estremeceu. Estremecera com Kranst? Com a visão periférica,
pôde ver o pintor de pé, observando-os. Começou a sentir uma fúria incontida,
que aumentava com o pulsar do coração. Disse suavemente: — Estou pronto, se
você estiver.
Com os lábios secos, Antônia sentiu o calor daquele desafio
percorrer-lhe o corpo. Em qualquer circunstância, Marco era um homem de uma
beleza viril de tirar o fôlego. Mas, ela não sabia que tomado por sentimentos
contraditórios e sexualmente excitado, ele podia desencadear sensações que ela
desconhecia, uma fraqueza e sensualidade feminina, que faziam dele o macho
agressor e dela, a escrava submissa.
Odiou tudo aquilo.
—Está bem — ela sussurrou derrotada. —Podemos ir.

Projeto Romances 31
Desejo Incontrolável Michelle Reid

CAPÍTULO 4

A volta para o apartamento foi feita em silêncio.


Ambos estavam tensos e aborrecidos devido às próprias
convicções. Ambos estavam sexualmente tão excitados que o ar parecia
carregado de eletricidade.
Antônia saiu do carro antes mesmo de Marco o haver estacionado.
Dirigindo-se diretamente para o elevador, ela cometeu o último pecado ao não
esperá-lo para subir até a cobertura. Esperar impacientemente pela volta do
elevador, na garagem não ajudou nem um pouco a melhorar o estado de ânimo de
Marco.
Ao chegar no quarto, ele a encontrou trancada no banheiro. Podia
ouvir o barulho do chuveiro ligado, o vestido vermelho estava jogado como uma
mancha no chão de cerâmica branca, ao lado das sandálias de salto alto.
Sentindo-se completamente frustrado, ele tirou o paletó e teve a
tentação de atirá-lo sobre o vestido, em uma declaração silenciosa de desejo.
Ao perceber a infantilidade do gesto, parou para refletir sobre o
que estava sentindo: raiva, frustração, imaturidade, ou seriam apenas
demonstrações temperamentais? Não eram essas as emoções com que ele
pretendia preencher o seu lar! Eram sentimentos que careciam da sofisticação
própria da sua vida privada.
Mas, acima de tudo, ele estava começando a se sentir como um
marido ciumento, o que não combinava com o seu modo de ser.
Ele estava dispondo a roupa em um cabide, quando Antônia saiu do
banheiro. Ao vê-lo em mangas de camisa, ela quase não pôde conter o desejo de
tocá-lo, acariciar aqueles ombros largos, o corpo perfeito, as nádegas firmes, as
pernas musculosas, tudo ressaltado pelo amorenado da pele. Desejou que ele a
tomasse naquele instante, sem que houvesse qualquer tipo de resistência.
Mas ele não o fez. Quando se virou para encará-la, mesmo
demonstrando um frio desdém, ela não pôde deixar de sentir um fluxo de desejo,
e seu corpo latejou debaixo do robe de seda.
Quis odiá-lo por exercer tal poder sobre ela. Especialmente quando
ele a olhou com uma expressão de censura e se afastou.
—Você esteve trabalhando com Kranst novamente —ele disse com
a voz contida.

Projeto Romances 32
Desejo Incontrolável Michelle Reid

Sem se importar em responder, ela inclinou-se para apanhar o


vestido e as sandálias que deixara jogados no chão, levando-os para o guarda-
roupa na frente do qual ele se encontrava parado.
Abriu uma das portas, que ele fechou abruptamente.
—Responda — ele ordenou friamente.
—Não percebi que você havia feito uma pergunta — ela respondeu,
com igual frieza. —Soou mais como uma afirmação.
Com o canto dos olhos, ela observou as feições contraídas de
Marco, e continuou na tarefa de dispor o vestido no cabide e as sandálias na
sapateira.
—Então me explique o que ele quis dizer esta noite quando falou
sobre algo interessante.
Ela encolheu os ombros.
—Não faço a mínima idéia — ela disse, apesar de ter algumas
suspeitas não muito agradáveis.
—Você deve saber — Marco insistiu. —Conhece muito bem aquele
homem. Viveu com ele por mais de cinco anos.
Dez, ela quis corrigir, mas deteve-se.
—E com você durante um ano — ela acrescentou, fechando a porta
do guarda-roupa. —Mas não vejo por que se preocupar.
—Oh, muito confortador — ele caçoou. —Agora, responda a minha
primeira pergunta e me diga se esteve trabalhando em segredo com ele.
—Para um homem famoso por sua inteligência, você, por vezes,
parece meio lento — ela respondeu. —Pergunte-se a si mesmo. Quando? — ela
sugeriu. — Acha que tive a oportunidade de trabalhar ou fazer alguma coisa mais
com o Stefan?
Ele não gostou da ironia, suas feições se contraíram.
—Pelo que sei, o homem pode ter um estúdio secreto montado aqui
em Milão onde vocês dois se encontram regularmente.
—Então, estou fazendo a felicidade de dois? — Sua risada era de
caçoada. Mas mesmo ela percebeu que sua expressão devia ter mudado, porque
Marco, sem querer, havia se aproximado de um segredo seu muito bem guardado.
Realmente, ele percebera a mudança, decerto que sim. Estendendo
a mão, puxou-a para perto de si. Seus olhos tinham uma expressão de suspeita,
seus dedos comprimiam-lhe o pulso.
—Você está me escondendo alguma coisa! — ele exclamou.

Projeto Romances 33
Desejo Incontrolável Michelle Reid

Ela se recusou a responder e manteve a boca fechada, em uma clara


demonstração de desafio. Com isso, Marco confirmou ainda mais as suas
conclusões.
—Se vocês estiverem tramando alguma coisa contra mim na sexta-
feira, juro que você irá se arrepender de me haver conhecido!
—Por que não me ouve? — ela perguntou. —Eu não sei o que Stefan
está planejando para a sexta-feira!
—Então por que esse ar dissimulado?
—Você não tem o direito de se intrometer em tudo o que me diz
respeito! -— ela respondeu, cheia de indignação. — Sou apenas a sua amante, e
não a sua esposa!
Isso veio ao encontro do que ele próprio estivera pensando. Seu
semblante se obscureceu ainda mais.
—A forma como os dois estavam perdidos em profunda
conversação, enquanto você se grudava nele, demonstrava que estavam tratando
de algo importante. Eu quero saber do que se tratava!
—Estávamos falando sobre você! — ela exclamou. — Se estava no
tempo de eu deixá-lo ou não!
Aquilo o atingiu em cheio. Antônia o viu tencionar o maxilar.
—Você está dizendo que ele a quer de volta? — ele perguntou.
—Ele sempre me terá de volta! — ela respondeu, no mesmo tom. —
E quando eu estiver pronta para deixá-lo, na certa voltarei para ele!
Ao dizer aquilo, ela deu um safanão para libertar o seu pulso,
afastando-se orgulhosamente, tentando de não demonstrar o quão triste estava
com tudo aquilo. Aquela, sem dúvida, era a pior discussão que haviam tido, até a
data.
Precisando fazer alguma coisa, depois do silêncio que se seguiu, ela
se sentou diante da penteadeira e soltou os cabelos.
—Se houvesse a mais remota possibilidade de você me deixar, você
já o teria feito, sem precisar ficar ameaçando — Marco disse, demonstrando
dúvida.
—Você acha que eu sou uma verdadeira bobalhona, não? — ela
perguntou, jogando os grampos sobre a penteadeira. —Pensa assim porque é tão
sexy e rico a ponto de poder comprar tudo o que quiser, e que eu deveria
agradecê-lo por ter decidido me comprar!
—Eu não a comprei! — ele retrucou. —Eu a escolhi. Há uma enorme
diferença.
Sua arrogância, ela pensou, não tinha limites.

Projeto Romances 34
Desejo Incontrolável Michelle Reid

—Entretanto, se você se vendeu ou não para mim, essa é uma


questão que não me diz respeito — ele concluiu.
—Por que não? — ela desafiou, olhando-o através do espelho.
—Está com medo de descobrir que talvez a sua riqueza me seja mais
atraente do que o seu corpo?
Ele estava a ponto de desfazer a gravata borboleta, e ela o viu
parar e se retesar. Ficou satisfeita por vê-lo assim contrafeito.
—Fico aqui sentada, envolta nas mais caras sedas — ela continuou,
para desconcertá-lo ainda mais, —usando os mais caros cosméticos que o
dinheiro pode comprar. Vivo em um luxo que a maioria das pessoas só vê nas
páginas das revistas e, lá embaixo, na garagem, tenho um carro que é o sonho de
grande parte das mulheres.
—Aquele carro é meu — ele aparteou. —Somente permito que você
o use.
—Permite! — Com um soluço, ela se voltou para olhá-lo. —Então
agora chegamos ao ponto. O carro é seu, estas acomodações luxuosas são suas,
as roupas caras que uso lhe pertencem, bem como as jóias caras que você mantém
guardadas no cofre, até que eu as peça para usar. Portanto é natural que você
acredite que
tenha me vendido para você também.
—Nunca disse isso — ele respondeu, a irritação visivelmente
estampada no rosto.
—Então, vamos esclarecer as coisas de uma vez por todas! —
Erguendo-se, ela foi se postar em frente dele. —Se eu, digamos, decidisse ir
embora neste instante, o que poderia levar comigo?
—Isso é estupidez — ele disse, com um suspiro, retirando a gravata
borboleta. —Principalmente porque sabemos, muito bem, que você não tem a
intenção de ir para lugar algum.
—O carro? Não — ela continuou, sem se deter. —As jóias?
Definitivamente, não. E todas aquelas roupas de grife? Será que desempenhei a
contento o meu papel para poder levá-las, Marco? —ela perguntou de modo
provocador. —Ou pretende me deixar partir completamente nua? Se for assim
— ela acrescentou, sem lhe dar chance de responder, —você não vai poder
afirmar que eu me vendi a você. O que eu ganharia com isso?
—Um ano de muito sexo? — ele sugeriu.
—Oh! — ela exclamou. —Estava esperando que você tivesse as boas
maneiras de deixar o sexo fora disso.

Projeto Romances 35
Desejo Incontrolável Michelle Reid

—Por quê? — ele perguntou, desafiando-a. — Quando isso é tudo


que eu...
Marco se deteve quando sentiu que a raiva o assaltava com maior
intensidade, ao perceber uma expressão de triunfo no semblante de Antônia.
—Você me forçou a dizer isso — ele insistiu, desejando nunca ter
começado aquela discussão.
—Sim — ela concordou. —Eu o forcei a isso. Mas o tom belicoso
havia desaparecido da sua voz.
Ele se sentiu arrasado.
Ela se afastou.
E foi a frustração com aquela cena sórdida que o fez detê-la, Marco
imaginou. Não tinha nada a haver com a súbita suspeita de que se a deixasse ir,
ela não mais voltaria para ele.
Enlaçou-a pela cintura e a atraiu para si. Depois, simplesmente
movido por uma necessidade inadiável, inclinou a cabeça e a beijou com paixão.
Ela não resistiu nem tampouco correspondeu. Entregou-se ao beijo
imóvel e sem vida, sem retribuir.
Não gostando nada daquilo e menos ainda ao perceber que ela podia
ficar ali insensível, enquanto o seu corpo reagia com a paixão costumeira, ele
continuou determinado a demolir qualquer resistência.
Ele conhecia aquela mulher, e começou a lhe cobrir a face com
beijos tentadores que sabia a excitariam. Percorreu todos os pontos
sabidamente sensíveis, evitando a boca expectante. Com um soluço desamparado,
ela se descontraiu e ficou à espera.
Sim, ele confirmou triunfantemente, conhecia-a muito bem.
Apreciou a forma como sua respiração se acelerou e como começava a
corresponder à carícia de suas mãos, que, descendo costas abaixo, desfizeram o
nó do robe.
Quando ela soltou um suspiro de incontrolável surpresa, ele, por
fim, tomou-lhe a boca novamente. E ela se entregou ao beijo como uma mulher
com febre de amor. Agarrou-se aos músculos sólidos do seu braço, enquanto ele
acariciava-lhe os cabelos, o corpo, os seios voluptuosos.
Dentro de segundos, ela estava gemendo. Os olhos fechados, a
cabeça lançada para trás, os cabelos soltos, que ele agarrava para obrigá-la a se
submeter cada vez mais. Quando os gemidos se tornaram soluços de prazer, ele
consolidou o seu sucesso, deslizando a mão pelas coxas, até que encontrou o ninho
de pêlos sedosos que envolviam a gruta do amor. O robe já não constituía uma

Projeto Romances 36
Desejo Incontrolável Michelle Reid

barreira e abria-se totalmente para lhe dar livre acesso. Entretanto, o triunfo
verdadeiro veio quando ela, trêmula, fez-lhe um convite silencioso.
Na cabeça de Marco, a batalha estava ganha. Assim, abruptamente,
como a havia começado, ele a terminou, ficando a observar Antônia, com um
sorriso nos lábios, enquanto ela se apoiava lânguida contra ele, tonta e
desorientada, incapaz de se sustentar por si própria.
—Você me quer, Antônia — ele declarou, com uma voz impessoal e
fria que a fez gelar. —Assim, deve aprender a não me provocar ciúme com outro
homem, só para apimentar as coisas entre nos dois.
Uma advertência direta.
Ali de pé, em seus braços, Antônia não disse nada. Ele havia
procedido daquela forma só para demonstrar a sua força.
Era humilhante!
Depois de alguns momentos, ele deu um suspiro e a soltou. Ela
recobrou o equilíbrio e se manteve imóvel, enquanto ele se encaminhava para a
porta. Qual seria a imagem que ele estaria levando dela?, Antônia se perguntou
ao vê-lo sair.
Ela estava ali, de pé, vestida com um robe de seda vermelha, que
pendia preso à cintura pelo cinto, seus seios ainda palpitantes, tal como a sua
boca, como o seu sexo!
Nunca se sentira tão enojada em toda a vida. Por causa dele e por
si própria. Enojada por saber que ambos não prestavam. Marco só sabia receber
e receber, e ela permitia que ele agisse assim.
—Eu o odeio — ela sussurrou, sem ter certeza se a afirmação se
destinava a ela própria ou ao homem que estava saindo.
Como quer que fosse, ele ouviu, parou e se voltou. Havia desprezo
no rosto bonito. Desprezo suficiente para fazê-la corar.
—Aceite o meu conselho, cara, e considere de onde vem o seu
sustento. Mulheres bonitas não faltam hoje em dia. — O cinismo dele era
suficiente para ela sentir o sangue ferver. —Qualquer uma pode ser
perfeitamente substituída.
Ao estalar dos longos dedos morenos, Antônia estremeceu. Marco
fez um leve sinal com a cabeça como se pondo um fim na conversa, e saiu do
quarto.
Levou consigo a imagem dela de pé, semidespida, e suspirou
novamente, ao fechar a porta do escritório. Apesar da rudeza com que a tratara,
a atitude dela de não se cobrir parecia lhe dar a última palavra, o que era muito
perturbador.

Projeto Romances 37
Desejo Incontrolável Michelle Reid

O que exatamente ele tentara provar?, ele se perguntou, ao se


dirigir para pegar a garrafa de uísque. Que ela tinha de amá-lo mais do que amava
Kranst?
Ela havia abandonado o simpático bastardo, não havia? Marco
ponderou, com a cabeça cheia de contradições. E porque estaria invocando o
amor, se nunca necessitara ou desejara o amor de mulher alguma?
Mas também não queria acreditar que ela tivesse a capacidade de
amar outro homem, sua consciência o delatou. Você é um idiota arrogante, Bellini,
ele disse a si próprio. Quer tudo, sem procurar dar nada de volta.
Levou a garrafa e o copo para a escrivaninha e sentou-se. Serviu-
se e tomou um gole. Inclinou-se para trás e ficou olhando para o nada, com uma
expressão indefinida.
Nunca se sentira daquele jeito anteriormente, e não estava
gostando! Sentia raiva e culpa, e, sim, admitiu, sentia ciúme, que aumentava toda
vez que ouvia o nome de Stefan Kranst. A visão de Antônia feliz com aquele
homem o fizera perceber que abrigava sentimentos antagônicos.
—Ele ainda a quer — Louisa havia dito.
Um longo gole de uísque desceu queimando garganta abaixo.
Ele não ia ficar olhando ela se atirar nos braços do ex-amante sem
fazer nada, como se Marco Bellini não existisse!
Era isso? ele se perguntou de repente. Era aquilo que o estava
realmente preocupando? A idéia de que, se a deixasse continuar a arrumar as
coisas, ela simplesmente voltaria ao lugar de onde viera, sem ao menos derramar
uma lágrima?
Para o inferno com Kranst. Antônia era a sua mulher! Ele que fosse
buscar inspiração em qualquer outra pessoa.
Isso o fez lembrar da insinuação que Kranst fizera naquela noite.
Levantando-se, esfregou o rosto, olhou para a garrafa de uísque e espantou-se
ao ver quanto bebera.
Bêbado. Estava bêbado! Pela primeira vez desde a juventude,
pensou, fazendo uma careta. Será que Antônia ficaria feliz ao ver em que estado
o havia deixado?
Concentrando-se para andar em linha reta, dirigiu-se para um
gabinete e digitou alguns números secretos em um painel. A porta se abriu para
dar acesso à sua coleção de arte. Obras de Rembrandt, Ticiano, Severini e
Boccioni, as quais sua seguradora havia insistido que fossem guardadas em um
lugar seguro.

Projeto Romances 38
Desejo Incontrolável Michelle Reid

Será que Antônia ficaria contente em saber que mais ele guardava
naquele lugar? ele pensou enquanto, com o copo na mão, passava pelos mestres,
fixando sua atenção somente na obra de Stefan Kranst, Mulher no Espelho.
Era um quadro de uma série que o artista produzira ao longo dos
anos. Cada pintura era diferente, mas o tema era sempre o mesmo: a perfeição
vista através do reflexo de um espelho.
O que Kranst pretendera realmente dizer quando pintara Antônia
daquela forma? Marco ponderou pensativamente. Que o espelho refletia a
perfeição que a realidade não era capaz de refletir? Ou que Kranst fora
simplesmente um voyeur, capturando na tela somente algo que de outra forma
nunca poderia ter?
Ficou conjeturando sobre qual teria sido a real intenção do artista.
A idéia de que fosse um mero voyeur, por exemplo, caia por terra no momento
em que se lembrava dos dois juntos. Conheciam-se mútua e intimamente.
Intimidade essa que ele nunca presenciara antes em relação a outras pessoas, a
não ser entre ele próprio e Antônia.
Quando à perfeição da imagem que se via no espelho, a pintura não
mentia. Antônia era tão perfeita na vida real quanto na forma como Kranst a
havia pintado.
Mulher no Espelho era o melhor quadro da série, fato que levara
Marco a comprá-lo. Era também o mais perturbador, já que era o único em que
Antônia se via em pleno foco. Fora retratada em um balcão. Um balcão inglês, ele
pensou, fazendo uma careta. Bela e elegante, nua e sensual, com o sol da manhã
acariciando-lhe a pele dourada. Ela se encontrava olhando para trás, por sobre o
ombro, para o espelho, demonstrando uma terrível tristeza nos belos olhos.
Passou o dedo pela tela, em uma carícia incomum. Depois, voltou a
atenção para aquele olhar, de expressão vazia e desafiadora. O que estaria vendo
quando olhou para o espelho daquela forma? Ela própria? O artista? Algo nunca
visto por alguém daquele ângulo?
Uma vez perguntara a Antônia o porquê daquele olhar.
—A vida — ela respondera laconicamente. —Ela está vendo a vida.
—Depois, dera de ombros e saíra dali para nunca mais pedir para ver a pintura
outra vez.
Fora uma resposta inesperada para alguém que não demonstrava
qualquer sinal de embaraço diante da própria nudez nos inúmeros quadros que se
seguiram. Reproduções em calendários, cartões-postais e demais trabalhos
gráficos, que foi o modo com o que o artista ganhou fama e fortuna.

Projeto Romances 39
Desejo Incontrolável Michelle Reid

Somente aquele quadro a aborrecia. Seria pelo fato de esse quadro


lhe pertencer? Ela se recusava a falar sobre o assunto, e ficaria ainda mais
estarrecida se soubesse que, para adquiri-lo, tivera de convencer a própria mãe
a que Lhe vendesse.
A ironia o fez sorrir.
—Stefan Kranst é um bom investimento — sua mãe lhe dissera.
—Ele tem a capacidade de capturar o mais profundo da alma das
pessoas a quem pinta. Essa pobre criatura, por exemplo, está morrendo dentro
daquele belo corpo. Sinto por ela. Sinto pelo artista porque ele demonstra de
forma clara que ama essa mulher oculta.
Sua mãe havia admirado a mulher do quadro antes de saber que
Antônia havia se juntado a ele. Tudo o que via agora era uma mulher desejosa de
se expor a todos e que não tinha escrúpulo algum em fazê-lo. Desesperava-se
também porque o filho ainda não se decidira em relação ao que ela considerava
ser uma obsessão tanto quanto à mulher e quanto ao quadro.
O sorriso transformou-se em um suspiro, já que tinha consciência
de que isso não era verdadeiro, nem em relação ao desejo que sentia pela mulher,
nem em relação ao fascínio que sentia pelo quadro.
Agora Kranst estava insinuando que havia uma outra pintura igual
àquela. O que isso exatamente queria dizer? Que Kranst continuava com sua
obsessão por Antônia? Que a nova pintura iria lhe dizer coisas que ele não
desejava saber?
Se essa era a intenção de Kranst, Marco, apesar de querer ignorar,
via-se tentado a saber. Não queria ir à vernissage de Kranst, mas teria de ir.
Também não queria perder Antônia, mas tinha o terrível
pressentimento de que iria perdê-la de uma maneira ou outra. Suas atitudes
estúpidas, aliadas às forças externas representadas por sua mãe e Kranst o
compeliam a realizar o desejo de seu pai.
O uísque já perdera o sabor. A pintura de Antônia não mais
representava nada, desejava a mulher de verdade. A que ferira com o simples
intuito de reafirmar o próprio ego.
Entretanto, ela era ainda a mulher quente e acessível que,
provavelmente, estaria dormindo em sua cama, naquele instante. Com esse
pensamento, ele sorriu e deixou o escritório, fechando a porta atrás de si.
Depois, com o andar incerto, foi se juntar a ela.
O quarto estava na penumbra, a cama apenas uma sombra no lado
oposto. Cuidando para não fazer barulho, entrou no banheiro e fechou a porta

Projeto Romances 40
Desejo Incontrolável Michelle Reid

silenciosamente, para se livrar dos efeitos da bebida com um banho frio. Refeito,
voltou para o quarto.
Desejava acordá-la, surpreendendo-a com uma série de beijos em
lugares estratégicos. Ela iria ficar amuada, de certo, mas ele contornaria a
situação. Antônia também lutaria com Marco, afinal era de se esperar. Ele iria
se humilhar um pouco, mas ela merecia essa desforra, antes que pudesse
mergulhar no mais doce dos prazeres já criado para ser partilhado entre o
homem e a mulher.
Naquele instante, parou e franziu os olhos ao se descobrir olhando
para a suavidade de uma cama acolhedora e vazia.

CAPÍTULO 5

Sentiu um frio percorrer-lhe o corpo. Olhou ao redor, na penumbra,


procurando um sinal da sua presença, talvez enrodilhada em um sofá, ou de pé ao
lado da janela.
Mas ela não estava lá. O coração disparou. Ela não teria sido capaz!
Não poderia ter se vestido e ido embora, enquanto ele estava tentando esquecer
as mágoas.
Não era possível! Ele podia ter agido como um idiota, mas Antônia
não poderia fazer uma coisa dessas!
Lembrou-se de que Kranst estivera sempre à espera. Começou a se
mover tão confuso e amedrontado que suas pernas bambearam!

Projeto Romances 41
Desejo Incontrolável Michelle Reid

Era o uísque, ele disse para si mesmo. Assim mesmo, sentia vontade
de matá-la, por assustá-lo daquela forma. Começou a abrir e fechar portas, até
que chegou à uma porta trancada que dava para um dos quartos vagos.
Aliviado, enfureceu-se com a atitude dela. Esquecendo-se da sua
própria culpa, bateu na porta com força.
—Se não abrir esta porta, vou arrombá-la! — ele ameaçou e
continuou a esmurrar a porta, até que ela se abriu repentinamente.
Antônia já estava se afastando, antes mesmo de ele entrar.
—Nunca mais faça isso — ele reclamou, aproximando-se dela.
—Nada tenho a falar com você — ela replicou, em um tom
indiferente que o deixou gelado.
O desejo de recriminá-la desapareceu, restou apenas a necessidade
de lembrá-la quem ditava as ordens naquela casa.
Chegando junto da cama, ela se preparou para deitar. Adiantando-
se, ele a impediu, segurando-a pelos pulsos. Ignorou-lhe os protestos e as
tentativas que ela fazia para se libertar. Determinado e sem dar uma palavra,
ele a pegou no colo e carregou para fora do quarto.
—Você é um primitivo, debaixo dessa camada de civilização —ela
gritou, debatendo-se.
Ele parou e, inclinando a cabeça, beijou-a, tão violenta e
imperativamente que ela se sentiu sufocada,
—Fui o suficientemente primitivo? — ele perguntou, sem se
demonstrar ofendido pelo tratamento. Ao contrário, ele estava gostando de tudo
aquilo, já que começava a se sentir primitivamente excitado.
Marco fechou a porta atrás de si com o pé. A cama os esperava.
Jogou-a sobre a colcha azul, e se atirou sobre ela.
Os olhos de Antônia dardejavam todo o ódio que lhe ia na alma.
Com os cabelos desfeitos, ela tentou se defender com os punhos
cerrados.
—Saia de cima de mim — ela gritou. —Você não passa de um grande
bruto, e está cheirando a uísque!
—E você tem o gosto de champanhe e de mulher. Minha mulher! —
Marco rosnou, gostando imensamente do papel de homem primitivo, que lhe
permitia o raro luxo de ser o dominante.
Os seios de Antônia ondulavam debaixo do sólido peito de Marco, e
o seu baixo ventre estremecia deliciosamente debaixo da virilha dele. Sentiu a
rigidez do seu desejo e lutou ainda mais. Ele a conteve e se manteve senhor da
situação, com um sorriso cínico.

Projeto Romances 42
Desejo Incontrolável Michelle Reid

Ela reagiu, dizendo:


—Stefan estava certo sobre você. Você é um...
Segurando-a com força, ele a interrompeu com um beijo. Não a
deixaria falar sobre Stefan naquela cama! ele pensou, determinado. Continuou a
beijá-la até que ela desistiu de socá-lo e passou a acariciar-lhe os braços que a
subjugavam.
Marco sentiu o prazer do triunfo e o calor do desejo percorrer-lhe
o corpo. Amou-a como se não houvesse amanhã, e como ainda persistisse o
fantasma do ressentimento, ele a fez chegar várias vezes ao limiar do prazer
para depois iniciar tudo de novo.
—Odeio quando faz isso — ela soluçou, cheia de frustração
—Você iria me odiar muito mais, se eu não o fizesse — ele
respondeu.
O arfar de Antônia transformou-se em uma lamúria porque ela
sabia que ele tinha razão. Aquele som provocou um sentimento nele que mulher
alguma poderia entender. Penetrou-a com força e em demonstração de absoluta
posse.
—Você me pertence, lembre-se disso na outra vez que se envolver
com outro homem!
Se ele pretendia que ela respondesse, não foi o que aconteceu.
Com um girar de corpo, ela o surpreendeu assumindo a posição
superior; ficando por cima dele. Nos momentos seguintes, ele experimentou a
sensação de se sentir seduzido por uma mulher, que se empenhava em fazê-lo
sentir a dubiedade do seu papel.
Mas isso não aconteceu, ele não era um adversário fácil. Mas
Antônia agindo daquela forma se tornava irresistível, era a própria sensualidade
nascida para dar prazer a um homem. Beijou-o e o cavalgou até levá-lo ao céu. E
quando ele começou a sentir o limiar do gozo e as batidas do coração aceleraram,
ela se vingou, desligando-se dele abruptamente.
De pé sobre ele, com as mãos na cintura e os cabelos dourados
desalinhados emoldurando-lhe a face, ela perguntou:
—E a quem você pertence, Marco?
Aquela era sua pequena, bela e ultrajante sedutora! ele pensou e,
com uma risada de apreciação, sentou-se e a abraçou pelos quadris, forçando-a
a baixar novamente.
A batalha evoluiu para um nível diferente. Ela soluçou e protestou,
agarrando-o pelos cabelos, tentando se libertar. Finalmente, perdeu o equilíbrio
e desabou sobre ele. Rosnando e tremendo, mas ainda na luta, correspondeu beijo

Projeto Romances 43
Desejo Incontrolável Michelle Reid

com beijo, carícia com carícia, prosseguindo nas mais intrincadas carícias, que os
levaram a prazeres jamais experimentados.
Quando ele voltou a ocupar a posição que lhe competia, por cima e
profundamente mergulhado nela, a derradeira viagem começou. Quentes,
banhados de suor e completamente fora deste mundo, perseguiram a escalada
do prazer com uma compulsão que não os deixava perceber mais nada ao redor.
Ele chegou ao clímax primeiro, já que ela estava determinada que
isso acontecesse. Seguiu-o segundos depois, e ficaram unidos por longo tempo
depois do orgasmo.
Sim! Ele pensou com profundamente satisfeito, enquanto jazia
pesado sobre ela, procurando recobrar a respiração. Aquilo era o elixir da vida,
e que Kranst fosse para o inferno. Que fosse para o inferno sua própria mãe que
desaprovava aquele relacionamento! ele acrescentou, sem poder repetir a
maldita ameaça de seu pai. Intimamente a percepção de que deveria se manter
ao lado de Antônia começava a suplantar qualquer outra certeza.
Debaixo dele, completamente envolvida por seu corpo e cheiro,
Antônia imaginava se teria forças para se mover. Sentia-se drenada de energia,
e seus músculos pareciam não corresponder ao seu comando.
Não conseguia entender era como pudera corresponder àquelas
carícias depois de tudo o que acontecera. Deveria ter sentido repulsa pelo seu
toque, deveria ter permanecido como uma estátua debaixo dele. Mas isso não
acontecera...
Fraca. Você é uma fraca, ela se incriminou, miseravelmente,
fazendo um movimento para que ele se lembrasse de que ela ainda estava lá, em
caso de ele ter se esquecido, perdido que estava no próprio prazer.
Com um beijo na testa, ele demonstrou consciência da sua presença
e depois a livrou do seu peso, posicionando-se bem juntinho ao lado dela.
—Você se mexe como nenhuma outra mulher — ele murmurou, com
a voz rouca.
Seria aquilo um elogio? ela se perguntou. Não pretendia ser
rotulada e avaliada de acordo com o seu desempenho sexual. De fato, se
estivesse em condições, teria se levantado e ido embora, seriamente ofendida!
Mas estava sem energia, aquele era o grande problema. Precisava
estar com ele, embora não quisesse. Ele era arrogante, egoísta, insensível e...
Suspirou junto ao pescoço de Marco, que, voltando-se a beijou.
Quando o beijo terminou, ela cariciou-lhe os lábios com os dedos, sem poder crer
que ele pudesse beijar tão suavemente e não sentir algo mais profundo do que
um simples desejo por ela.

Projeto Romances 44
Desejo Incontrolável Michelle Reid

—As vezes, desejaria não o ter conhecido — ela disse baixinho.


—Só às vezes? — ele perguntou.
Erguendo os olhos, ela pensou que ele estaria sorrindo. Entretanto,
ele tinha uma expressão sombria ao olhá-la, admirado por vê-la mais bela do que
qualquer artista poderia representá-la.
—Quer que eu me desculpe pela forma como agi? — ele perguntou,
com a voz rouca, demonstrando sinceridade.
Não, ela pensou com tristeza, quero apenas que me ame. Com um nó
na garganta, teve de esforçar-se para não chorar, enquanto sacudia a cabeça.
—Só quero que me prometa não fazer nada daquilo novamente —ela
replicou.
Os olhos azul-escuros demonstraram arrependimento.
—Pela minha vida —ele prometeu, selando a promessa com um beijo,
que repetiu vezes e vezes, até que promessas e beijos se tornaram uma forma
de sedução.
Aquele lado humilde e prestativo do caráter orgulhoso de Marco,
mais do que a anterior rudeza, teve o poder de demolir a resistência de Antônia,
cujos dedos começaram a acariciar-lhe os cabelos despenteados e os músculos
definidos.
Ele fora feito para ser adorado, ela pensou, para fazer qualquer
mulher se derreter de paixão. Esse pensamento a levou a transformar aqueles
beijos de arrependimento em um banquete de delicias. Deitou-se de costas e o
atraiu para cima de si, em uma maravilhosa intimidade que a fazia cerrar as
pernas sobre o corpo dele e se arquear no ritmo sensual do amor.
Ele deixou de beijar-lhe a boca, para experimentar os outras partes
do seu corpo. Ela arfou de prazer quando sentiu que ele lhe beijava os seios.
Agarrou-se aos cabelos dele, deslizando as mãos para as costas musculosas de
pele acetinada. Ele aprofundou-se na carícia, passando a sugar-lhe os mamilos.
Isso bastou para que Antônia se sentisse totalmente tomada pelo fogo do
desejo, tão rapidamente que começaram tudo de novo. Dessa vez, sem a batalha
dos egos.
Em segundos, ele a tinha para si e, abandonando seus mamilos
intumescidos, ele pediu:
—Posso?
—Oh, sim — ela respondeu, consciente de que estavam mais do que
prontos.

Projeto Romances 45
Desejo Incontrolável Michelle Reid

Dessa vez, ele a penetrou com a gentileza de um homem consciente


da sua força. Ela o aceitou desejosa, e não se surpreendeu ao perceber que
ambos chegaram ao clímax ao mesmo tempo.
Antônia perguntou-se se um dia seria capaz de deixar aquele homem
e, no instante seguinte, questionou-se se ele realmente desejava que tudo
terminasse?
Como que lendo os seus pensamentos, Marco soergueu-se sobre ela,
os olhos enevoados de paixão, a boca quente e úmida, ávida.
—Isto é muito especial — ele disse, com a voz rouca. —E só nosso.
— Algumas vezes, sinto como se você me odiasse — ela murmurou.
—Não, nunca — ele respondeu, tomando-lhe a boca com um beijo e
afastando-lhe todos os pensamentos.
Na manhã seguinte, o doce roçar dos lábios de Marco em sua face
a acordou. Abrindo os olhos, ela sorriu para ele.
Recém-barbeado e exalando um delicioso perfume, ele já estava
vestido para ir ao trabalho, com um terno cinzento e camisa azul clara que
ressaltavam a sua pele dourada.
—Levante-se, vista-se e venha tomar o café comigo — ele a
convidou. — Tenho uma surpresa para você.
—Uma surpresa? — ela repetiu, espreguiçando-se com um bocejo.
—Venha — ele murmurou, demonstrando mistério.
Ela estendeu os braços, como em uma súplica por ajuda.
—Mostre-me agora — ela pediu baixinho.
Ele pegou-lhe as mãos e as beijou, e depois as soltou, falando com
firmeza:
—Não, senhora. Primeiro você vai ter de se aprontar e descer.
Saiu do quarto, deixando-a curiosa. Antônia percebera o leve
sorriso em seus lábios, e ficou a imaginar como uma boa noite de amor podia
fazer os sentimentos mudarem. Aquele homem era um enigma, em um minuto
parecia querer se livrar dela, e no outro morria de prazer em seus braços. Agora
estava querendo agradá-la com surpresas. Não conseguia imaginar como ele havia
conseguido algo para surpreendê-la às sete da manhã.
Marco era inventivo, ela pensou com ternura saltando da cama para
ir tomar um banho e se vestir, com algo especial, como ele havia pedido. Escolheu
um terninho de linho branco adornado com acessórios âmbar, que combinavam
com a cor dos seus olhos.
No caminho para a copa, olhou pela porta da cozinha e se admirou
por não ver a governanta que usualmente lhe dava o bom-dia. Ainda preocupada

Projeto Romances 46
Desejo Incontrolável Michelle Reid

com a ausência de Carlotta, entrou na ensolarada copa para encontrar o seu


desjejum favorito composto de frutas frescas e café fumegante esperando por
ela na mesa. E o seu homem reclinado na cadeira, lendo o jornal da manhã.
Ele parou de ler e observou-a se aproximar, com os olhos cheios de
admiração.
—Perfezione — ele murmurou, enquanto ela se inclinava para lhe
dar um beijo de bom-dia.
—Grazzie — ela respondeu, demonstrando alívio. — Foi o melhor que
achei para vestir.
O sol ressaltava o tom dos seus cabelos, e reluzia em contraste com
o âmbar da blusa de modelo conservador que ela usava. Nos pés, vestia sapatos
clássicos, e um colar simples de pérolas lhe adornava o pescoço esguio. Sua
maquiagem de tão natural era quase imperceptível. E o mais importante, o seu
sorriso era uma demonstração de que tudo estava bem.
— Onde está Carlotta? — ela perguntou, ao se sentar.
— Deixou recado dizendo que está doente — Marco explicou. —
Encontrei a mensagem dela na secretária eletrônica, no meio de centenas e
algumas outras...
Antônia sentiu a mão tremer ao pegar o bule de café. Lembrou-se
que Stefan havia dito que deixara um monte de recados na semana anterior.
Ficou na expectativa, esperando ver o que Marco iria dizer.
Entretanto, ele não disse absolutamente nada, e quando ela ousou
olhar para ele, viu-o imerso na leitura do jornal. Percebeu que ele não iria fazer
menção às chamadas de Stefan. E não seria ela quem iria fazê-lo, pondo em risco
toda aquela maravilhosa harmonia.
Dessa forma, procurou dizer alguma coisa.
—Carlotta falou do que se trata?
O jornal moveu-se nas mãos longas e fortes, em uma demonstração
silenciosa de que Marco estava ciente das chamadas de Stefan e de que ela iria
fingir que elas nunca haviam acontecido.
—Gripe de verão — ele respondeu. —Ela não quer nos contaminar.
Dessa forma vai ficar de cama pelo resto da semana.
—Pobre, Carlotta. Preciso mandar-lhe um cartão de breve
restabelecimento — ela murmurou, acabando de se servir de café. —Foi você que
preparou tudo isso? — ela perguntou.
—Hum... — Foi somente o que ele respondeu. Será que ele estava
aborrecido? Estaria incomodado por saber que ela não iria falar sobre os recados
de Stefan?

Projeto Romances 47
Desejo Incontrolável Michelle Reid

—Molti grazie, mi amante — ela retrucou, mantendo o tom amável.


—Esse ato de atenção é definitivamente a maior surpresa destes últimos
tempos.
A sonora gargalhada tipicamente masculina a fez estremecer, e ela
se sentiu aliviada quando ele dobrou o jornal e deixou-a ver o bom humor
refletido na bela face.
Ele não estava preocupado com Stefan. Algumas mensagens tolas
não iriam interferir na harmonia deles.
—Coma sua fruta e beba o seu café —. ele disse, em um tom de
indulgência. — Temos aproximadamente dez minutos antes de viajar.
—Viajar? — Ela franziu a testa. — Por quê? Para onde iremos?
—Eu vou para Veneza — ele replicou, enquanto se levantava. —E
você, mi bellisima, virá comigo.
Dito isso, ele lhe deu um leve beijo nos cabelos e começou a se
dirigir arrogantemente para o hall de entrada.
Era a primeira vez que Marco queria que ela o acompanhasse em
uma viagem de negócios, o que parecia muito em nome da harmonia, ela pensou
sombriamente.
—Quando decidiu me levar consigo? — ela perguntou. —Antes ou
depois de ouvir as mensagens da secretária eletrônica?
Ele parou de andar e se voltou, um semblante subitamente talhado
em bronze.
—Antes — ele respondeu, demonstrando um ar de incredulidade. —
Foi o fato de saber que Carlotta não poderia vir trabalhar que fez com que a
escolha recaísse sobre você — ele respondeu. —Porque nenhuma mulher se
demonstra desleal com Marco Bellini enquanto ele está em outro lugar, capisce?
Oh, ela entendia tudo muito bem. Ele não confiava em deixá-la
sozinha em Milão sabendo que Stefan estava na cidade.
—Então a surpresa que me prometeu não foi uma surpresa
agradável — ela concluiu, sorrindo cinicamente. —Bem típico de você, dar com
uma mão e tirar com a outra.
—Ao contrário — ele argumentou. — A viagem para Veneza pode
constituir um prazer para nós dois. Depende da sua vontade de que seja assim.
—Ou não, se, ao contrário, eu decidir ficar aqui — Antônia
ponderou.
A conversa o fez voltar. Quando chegou ao lado dela, inclinou-se
para apoiar uma mão no espaldar da cadeira, a outra na mesa. Havia um sinal de
ameaça em seus olhos. Colocando o garfo na cesta de frutas, Antônia escondeu

Projeto Romances 48
Desejo Incontrolável Michelle Reid

as mãos sobre o colo para que não demonstrassem o seu tremor. Sentou-se
rígida, e lhe devolveu o olhar.
—Você prefere ficar aqui?
Havia desafio na sua expressão. Se respondesse que sim, ela estaria
mentindo, sem se esquecer de que seria também uma confirmação das suas
suspeitas. Dizer que não iria alimentar o seu ego, o que ela não desejava, pelo
menos naquele momento.
Ela preferiu abrir o jogo.
—Stefan é meu amigo. Por que você não pode aceitar isso?
Ele continuou a olhá-la firmemente.
—Você prefere ficar? — ele repetiu.
Entretanto, Antônia desviou o olhar, demonstrando irritação.
—De certo que gostaria ir com você — ela disse, dando um suspiro.
— Mas, não sob pressão, não porque você acha que deve ser assim.
—Eu poderia jogá-la para fora de minha vida. Essa é uma outra
opção.
—Eu poderia sair por minha própria vontade! — ela exclamou. —
Acho que seria a melhor das opções.
—Você virá comigo? — Aquele homem não cedia nem um pouco que
fosse.
—Sim! — ela respondeu, levantando-se impulsivamente, cheia de
raiva.
Ele a olhou com uma expressão de caçoada.
—Então, coma a sua fruta e beba o seu café ele sugeriu, afastando-
se novamente. — Passe pelo meu escritório quando estiver pronta.
—Não vou precisar mais de dez minutos para arrumar tudo aqui
antes de ir — ela dardejou impacientemente.
—Por você, mi amante, poderei até mesmo atrasar o nosso vôo!
Magnânimo na vitória, ele a deixou parada, sem saber se ria ou
esbravejava. Ganhou o sorriso. Vinte minutos depois, ela estava com raiva
novamente porque ele não lhe havia dito que iriam pernoitar em Veneza, e ela não
pudera fazer as malas.
—Compre o que precisar, quando estivermos lá — Marco disse,
demonstrando que para ele dinheiro não significava muito.
—Querer apenas mais cinco minutos não me parece extravagância
— ela se queixou.
—Tempo é dinheiro para mim, cara — ele respondeu.

Projeto Romances 49
Desejo Incontrolável Michelle Reid

—Então, sinto muito o dinheiro que lhe custei por me esperar —ela
acrescentou ironicamente. —Só lhe causo problemas.
Com sarcasmo ou não, ele riu para ela.
—O meu maior problema vai ser manter a minha atenção centrada
nos negócios, tendo-a por perto — ele murmurou preguiçosamente.
—Espero então que você passe todo o tempo em um estado de
permanente concentração.
—Enquanto isso, você vai ficar fazendo o quê?
—Gastando o seu dinheiro, o mais rápido possível — respondeu ela.
Ele riu e a beijou até que o elevador chegasse. Antônia finalmente
deixou de se importar com a idéia de que ele estava procedendo daquela forma
somente para mantê-la afastada de Stefan. A harmonia entre eles estava de
volta, e ela estava feliz. Feliz por toda a sorte de atenções que Marco lhe
propiciou durante a breve viagem para Veneza, e durante o trajeto para o hotel,
através dos canais. As pessoas se voltavam e olhavam, por ela estar com Marco
Bellini. Tudo se tornava mais fácil, as pessoas mais atenciosas. Ele era rico,
conhecido, bonito e solteiro. As mulheres a invejavam, e os homens gostariam de
desfrutar de todas as vantagens que ele tinha.
Deixando-a em segurança no hotel, ele saiu para tratar dos seus
negócios. Antônia fez compras e comprou a mais não poder. Gastou o tempo
restante percorrendo os roteiros turísticos, no meio da turba que derretia no
calor do verão.
Quando voltou à suíte do hotel, estava tão cansada que apenas
ocupou-se em encher a banheira de água quente e mergulhar nela.
Sobre a cama as compras e no chão as roupas que havia tirado.
Atrasando-se um pouco para voltar, Marco sorriu ao ver as
evidências do que ela estivera fazendo. Antônia era desorganizada por natureza,
apesar de se esforçar para se corrigir a fim de não irritá-lo.
Mas ele não ficou irritado. Na verdade, gostava de andar pelo
quarto e sentir a presença dela. A porta do banheiro estava entreaberta, e ele
podia ouvir os ruídos que indicavam o que ela estava fazendo.
Foi a coisa mais fácil do mundo, ele se despir e ir se juntar a ela.
Imersa até o pescoço na espuma aromática, ela sorriu ao vê-lo se aproximar.
Ergueu os joelhos para que ele tivesse espaço na outra extremidade da banheira.
Depois, dando um suspiro de satisfação colocou os pés no peito dele, enquanto
Marco estendia as longas pernas de ambos os lados dela.
—Teve um dia atarefado? — ele perguntou.

Projeto Romances 50
Desejo Incontrolável Michelle Reid

— Gastei o seu dinheiro. Agi como turista, passei muito calor.


Arruinei os pés e voltei para sobreviver. E você? — ela perguntou.
—Ganhei algumas liras e investi outras tantas — ele disse, com um
encolher de ombros. — Exerci a minha influência em vários lugares, e voltei para
fazer amor com uma mulher adorável.
Os olhos de Antônia brilharam.
—Belisima — ele murmurou baixinho, começando a massagear-lhe a
sola dos pés.
Ela adorou. Fechando os olhos, recostou-se na banheira e se deixou
levar por aquela sensação deliciosa.
Marco a agradou de várias maneiras nos dias que se seguiram.
Jantaram em lugares desconhecidos pelos turistas, caminharam de
mãos dadas através das ruas estreitas e escuras. E fizeram amor pela noite
afora. Quando tinha de deixá-la para comparecer a reuniões de negócio, ele as
abreviava, para demonstrar o verdadeiro intuito que o levara a Veneza.
Isso era para Antônia urna demonstração de estava se tornando
cada vez mais importante na vida dele, mais do que alguma vez imaginara.
Quando tomaram o avião de volta para Milão, na sexta à tarde, ele
estava certo de que estava pronto para uma decisão séria. Mas...
Marco queria ver o que Kranst havia planejado antes de se declarar.
Antônia não havia mencionado o nome de Stefan nem uma vez, mas será que ela
se comunicara com ele? Saberia o que Kranst estava planejando? Será que sabia
quanto ele, Marco, estava preocupado?
Será que se importava com seus sentimentos?
Precisava saber de todas essas respostas antes de se
comprometer, afinal, ele tinha o seu orgulho a ser preservado!
Apenas um pequeno instante de hesitação iria fazer a diferença,
embora Marco não houvesse como saber.
Chegaram ao apartamento no fim da tarde da sexta-feira, para
encontrar Carlotta de volta ao trabalho, sorrindo e dando-lhes as boas-vindas
como de costume. Ela agradeceu pelo cartão-postal que Antônia mandara para
ela e depois passou a transmitir uma série de recados, a maioria de negócios,
mas alguns da mãe de Marco que desejava que ele lhe telefonasse o mais rápido
possível.
—Alguma coisa com o meu pai? — ele perguntou.
Ao que Carlotta sacudiu a cabeça negativamente.
—Eu perguntei sobre ele — ela respondeu. — Sua mamma me
assegurou de que está tudo bem com ele.

Projeto Romances 51
Desejo Incontrolável Michelle Reid

Ele demonstrou alívio e decidiu fazer a chamada para casa mais


tarde.
Esse foi um erro.
Havia também várias chamadas de Stefan Kranst para Antônia, as
quais demonstravam que ela se mantivera fiel e não entrara em contato com ele
enquanto estiveram em Veneza. Desejou abraçá-la e beijá-la por isso, mas
conteve-se em nome do bom senso e também porque ela evitara fazer qualquer
pergunta sobre os pais dele.
Franco telefonou enquanto eles estavam saboreando uma xícara de
café diante da tevê. Marco se sentia em paz consigo mesmo e com a bela criatura
enrodilhada ao seu lado. Conversaram como dois bons amigos. Franco agradeceu
pelo quadro que haviam dado como presente de aniversário de casamento, e pela
intenção que haviam tido. Marco se portou como se soubesse exatamente o que
Franco estava querendo dizer, mas não sabia, e sua expressão era cínica quando
se lembrou de quão facilmente deixara Antônia se esquivar de responder sobre
a pequena contradição entre eles. Depois, Marco sugeriu que jantassem em algum
lugar após a vernissage de Kranst.
Foi naquele instante que a tensão começou a crescer. Antônia
sentou-se longe dele. Estudando-lhe o perfil, ele ouviu Franco dizer que ele e
Nicola não compareceriam à vernissage daquela noite já que iriam passar o fim
de semana no lago de como com os pais.
Franco sugeriu que se encontrassem na quarta-feira, e Marco
concordou rapidamente e desligou.
—Algum problema? — ele perguntou imediatamente.
—Nenhum — ela respondeu. — Acho que vou tomar banho agora...
Mas Marco não era fácil de ser enganado.
—Kranst só poderá feri-la se você deixar — ele disse calmamente.
—Não é a mim que Kranst fere, Marco — ela replicou, dando-lhe um
sorriso triste, antes de sair.
Ela estava se referindo a ele, de certo, e era uma estranha
experiência saber que ela estava certa. Kranst tinha o poder de feri-lo, ferir o
orgulho e o ego de Marco. Antônia se recusara a aceitar qualquer crítica que
envolvesse Kranst, enquanto que em relação a Marco ela podia atribuir todos os
defeitos possíveis. E isso o magoava muito.

Projeto Romances 52
Desejo Incontrolável Michelle Reid

CAPÍTULO 6

A Galeria Romano desfrutava de prestígio no famoso Quadrilátero.


Sua fachada era de vidro e moldura de aço preto, e o nome de Rosetta Romano
aparecia em letras discretas na porta de entrada.
Não demonstrava classe, mas só as pessoas de posses ousavam
visitá-la. Um recepcionista de terno escuro recebeu Marco e Antônia.
—Buon giorno, signor Bellini... Signorina.
O interior da galeria era uma demonstração de concepções
artísticas. As paredes e o chão eram brancos, e uma escada, também branca,
conduzia para as salas principais de exposição. Spots negros estrategicamente
colocados em uma das paredes, aumentava a perspectiva das obras.
Com a mão apoiada em sua cintura, Marco conduziu Antônia para a
base da escada. Subiram-na juntos, indo de encontro a dois garçons que os
esperavam com bandejas de prata, cheias de taças de champanhe. Nenhum dos
dois aceitou a bebida. Seria impossível devido à tensão que aumentava desde que
haviam deixado o apartamento.
Ela havia pensado em telefonar para Stefan para obter
informações sobre a pintura, e assim decidir se iriam ou não à galeria.
Entretanto, duas coisas a haviam detido. Uma tinha a ver com lealdade, falar
com Stefan justamente naquele momento parecia colocar em dúvida sua lealdade
para com Marco. E a segunda era porque sabia que Marco iria insistir em
comparecer à vernissage não importava o que ela decidisse. Stefan o havia
desafiado, e Marco daria o próprio pescoço para comparecer e manter intacto
seu orgulho masculino.
Antônia pensara em várias possibilidades, lembrara-se de todas as
pinturas dos dias em que vivia com Stefan, procurando se recordar de alguma
que ele não houvesse ainda exibido em público.
Não conseguia lembrar-se de nada em especial, o que a fazia ficar
mais preocupada, já que ele deveria ter algo em mente, uma vez que fizera
insinuações a Marco.
Antônia estava vestida de preto, da cabeça aos pés, tinha os
cabelos presos no alto da cabeça por uma fita de veludo preto, e como único
adorno uma grossa corrente de ouro enfeitada com uma gota de diamante que

Projeto Romances 53
Desejo Incontrolável Michelle Reid

Marco havia colocado em seu pescoço pouco antes de deixarem o apartamento.


O diamante contrastava com o negro do vestido e cintilava conforme ela andava.
—Estonteante — Marco havia dito. — Adorável demais para se
resistir. Perfeita demais para se tocar.
Mesmo assim, ela ainda não merecia usar o seu sobrenome, ela
pensou, com uma ironia que estava longe de ser bem-humorada.
—Ah, buona sera! — Rosetta Romano aproximou-se para saudá-los,
com a extravagância peculiar a uma anfitriã italiana. —Marco, mi amore... — Ela
o pegou pelo rosto e a aplicou-lhe beijos em ambas as faces. — Já faz um ano
que você não vem aqui!
Era uma reprimenda feita da forma mais delicada possível.
Enquanto Marco respondia polidamente, Antônia observava Rosetta Romano, que
havia sido, no seu tempo, famosa por escolher maridos pelo tamanho das suas
carteiras. Agora que sua beleza aos poucos a abandonava, preferia ser conhecida
pelo seu faro artístico. Todos os grandes nomes haviam exibido suas obras
naquela galeria. Dois anos atrás, Stefan não teria tido chance alguma. Agora...?
Rosetta se voltou para Antônia. Os olhos argutos se estreitaram.
—Sim. — Ela assentiu com a cabeça. —Vejo que sim. Stefan me havia
assegurado. Buona sera, signorina Carson — ela a cumprimentou com um sorriso
enviesado. —É um prazer finalmente conhecê-la.
Beijos em ambas as faces era uma necessidade em Milão. O que ela
sussurrou no ouvido de Antônia, não.
—Stefan é um homem terrível. Espero que você esteja preparada.
Não. Ela não estava, mas não demonstrou, mantendo o auto-
controle. Entretanto, não pôde evitar sentir um frio correr-lhe espinha abaixo.
Marco percebeu e a atraiu para si.
—O que foi que ela lhe disse? — ele perguntou, quando Rosetta se
afastou para saudar outros convidados.
Antônia nem tentou dissimular a apreensão.
—Ela queria saber se eu estou preparada para o que vai acontecer.
—E você está? — ele perguntou laconicamente.
Ela lançou-lhe um olhar.
—A questão é: você está? — ela rebateu friamente. — Você parece
acreditar que tudo que diz respeito a mim e a Stefan destina-se
deliberadamente a atingi-lo.
Ela estava certa, e Marco sabia disso. Contraiu a mandíbula, mas
depois foi forçado a sorrir amavelmente para alguns amigos que se aproximaram.
Sempre com o braço ao redor da cintura de Antônia, Marco conversou

Projeto Romances 54
Desejo Incontrolável Michelle Reid

rapidamente com os convidados, e ficou procurando ver Stefan no meio dos


convidados que não paravam de chegar. Ele ainda não havia chegado.
O que Stefan pretendia? Por que estava fazendo com que a tensão
aumentasse tanto?
As pessoas começaram a preencher as salas adjacentes.
Esgueirando-se entre elas, Marco conduziu Antônia para a galeria principal.
Juntos ali ficaram, juntos aceitaram o que lhes serviam, juntos começaram a se
aborrecer.
Isso porque nada havia nas paredes que pudesse confirmar o
desafio, pelo qual Stefan os havia atraído para lá. Isso se não se contasse com o
fato de Stefan haver encontrado um novo tema em que aplicar o seu talento.
A modelo era alta, negra e exoticamente diferente, o corpo esguio
emanava uma sensualidade que perturbava os sentidos. A pele sedosa pedia para
ser tocada, acariciada. Entretanto, como era usual com as pinturas de Stefan,
eram os seus olhos o ponto máximo de atração.
Nenhum sinal de espelhos ou fantasmas, mas uma escuridão
luxuriosa que parecia encerrar todos os segredos do mundo.
Entenderam que naquelas molduras se encontrava a salvação de
Stefan.
Ele havia se libertado.
—Você está bem? — Marco perguntou rispidamente.
—Sim — ela sussurrou, mas não estava.
Marco percebeu que ela estava à beira das lágrimas enquanto
olhavam os quadros.
—Ela é incrível, não acha? — Antônia procurou disfarçar seu
constrangimento.
—Belisima — Marco concordou simplesmente. Ele estava feliz com
o que estava vendo, mas queria torturar Kranst por escolher aquela forma de
dizer que finalmente havia encontrado alguém que merecia o empenho da sua
arte.
—Pela sua resposta, presumo que não saiba nada sobre ela, não?
—Nada — ela respondeu, engolindo as lágrimas.
—Talvez devesse perguntar a ele — Marco sugeriu, voltando sua
atenção para onde Stefan Kranst estava desde que chegara, não muito longe
deles, observando a reação de Antônia com uma intensidade que fez o sangue de
Marco ferver.
Ela virou a cabeça, reteve a respiração por instantes e se separou
de Marco. Sem uma palavra, atravessou a sala em direção a um homem que

Projeto Romances 55
Desejo Incontrolável Michelle Reid

sempre exercera um grande poder sobre ela, para intranqüilidade de Marco.


Carrancudo, ele a viu parar a uma certa distância de Stefan, inclinando a cabeça
com quando desejava fazer uma pergunta. Viu Stefan Kranst sorrir e desejou
bater naquele bastardo egoísta!
—Quem é ela? — foi a pergunta que Antônia fizera a Stefan.
—Minha salvadora — Stefan respondera, com o mesmo sorriso.
—Como ela se chama? — ela perguntou.
—Tanya.
—Tanya... — Antônia repetiu, voltando os olhos para o quadro mais
próximo, onde o sorriso de Tanya demonstrava conhecer a necessidade de todos
os homens. — Combina com ela — ela murmurou. Depois, começando a rir, atirou-
se nos braços dele. — Oh, estou tão feliz por você! — ela exclamou.
Do outro lado da sala, Marco desviou os olhos da cena para também
observar a pintura em sua frente, como se não sentisse nada ao ver sua mulher
se lançar nos braços do ex-amante novamente. Alguém parou ao seu lado.
De certo que tinha de ser Louisa.
—Eu realmente admiro a sua confiança naqueles dois, Marco —ela
murmurou, cheia de intenção. — Agora, se ele por ventura me pertencesse, eu já
teria arrancado os olhos dela.
—Mas acontece que ele não lhe pertence. Ele pertence a ela —
Marco respondeu, indicando a bela mulher negra, cujo corpo nu e sensual se via
retratado em todos os quadros. — E Antônia — ele acrescentou suavemente, —
pertence a mim.
Ao dizer aquilo, afastou-se, sem vontade de se submeter a diz-que-
diz naquela noite. Queria sua mulher de volta, e naquele momento!
—Quando posso encontrá-la? Onde ela está? — Antônia estava
perguntando a Stefan.
—Voltou para Londres, para fugir de você — ele respondeu
vagarosamente. — Na hipótese de eu estar errado em relação a você, e você
estar secretamente apaixonada por mim.
Ouvindo o ataque de riso de Antônia ao se aproximar, Marco
também ouviu Antônia responder rindo:
—Certamente você lhe disse que eu sempre o amarei?
—Olá, Marco — Stefan o saudou, um pouco secamente. — Veio
reclamar Antônia?
O homem parecia ler pensamentos.
—Temos de ir embora — Marco respondeu, com delicadeza. —Outro
noivado—ele inventou com naturalidade.

Projeto Romances 56
Desejo Incontrolável Michelle Reid

No momento em que começou a falar, Antônia ficou ao seu


lado,dando-lhe o braço, em uma demonstração pública que o agradou.
Mas por que ele se sentia em segundo plano quando ela agia daquela
forma?
Sentiu uma ponta de irritação. Nunca havia ficado em segundo plano
em sua vida!
—Posso pedir a opinião de um especialista em arte? — Kranst
perguntou, dirigindo-se para Marco, com uma expressão de desafio.
Mas Marco não queria continuar ali, muito mesmo aceitar o jogo de
Kranst. Queria ficar sozinho com Antônia em algum lugar tranqüilo para fazê-la
se esquecer do nome de Stefan Kranst!
Dessa forma, respondeu apenas:
—Você deve saber que conseguiu o sucesso novamente — ele disse,
demonstrando sinceridade. — Já vendeu os direitos de reprodução?
—Ainda estou negociando — Stefan respondeu, sorrindo. Depois,
acrescentou: — Obrigado, Marco, sua opinião é muito valiosa para mim.
Viu que Antônia sorria para Stefan toda feliz, como se o elogio de
Kranst houvesse sido uma deferência especial. Isso o fez querer sacudi-la para
deixar de se tão servil ao ego do pintor, quando ele não se preocupava a mínima
com ela!
—Está na hora de irmos embora — Marco disse uma vez mais,
desejando nunca ter comparecido àquele evento. O homem era uma verdadeira
ameaça para ele e para Antônia!
—Antes que o façam — Stefan Kranst acrescentou, olhando para
Antônia: — tenho alguma coisa para você, querida, se você se lembra...
Ao seu lado, Marco a sentiu se enrijecer.
—Quer dizer que o que vimos já não foi suficiente? — ela
perguntou, rindo, a voz demonstrando tensão.
—Não. — O sorriso do artista era enigmático. — Presentes
especiais vêm em forma sólida.
Marco franziu a testa diante da resposta, porque aquilo não era
verdade. Pelo menos, não no que dizia respeito a Antônia. Era uma lição que ele
havia aprendido na última semana quando lhe dera o Lótus vermelho. Lembrou-se
depois da observação de Stefan quanto ao Mulher no Espelho, e sentiu a tensão
aumentar, ao se lembrar da observação de Antônia sobre o significado do quadro.
—Está esperando no escritório de Rosetta — Stefan Kranst disse,
lentamente, voltando-se para se dirigir para o escritório particular de Rosetta
Romano.

Projeto Romances 57
Desejo Incontrolável Michelle Reid

Marco e Antônia não tiveram outra escolha se não segui-lo.


—É bom que tudo isso tenha algum significado — Marco murmurou.
—Espero que não — Antônia respondeu baixinho, o que bem
representava a opinião dos dois.
O escritório de Rosetta Romano era grande, espaçoso e o branco
predominava na decoração moderna. Entretanto, naquele aposento destoava um
gigantesco cavalete de pintor onde se encontrava uma grande moldura coberta
por um pedaço de musselina preta.
No momento em que viu aquilo, Antônia soltou uma exclamação de
reconhecimento — Stefan... Não!
Mas Stefan ignorou aquele pedido velado. Já de pé ao lado do
cavalete, com enervante lentidão, começou a retirar o pano que o cobria.
Fez-se total silêncio. Antônia começou a tremer. Marco
simplesmente a deixou ali e se afastou com medo de não suportar.
Poderia ter sido uma cópia do Mulher no Espelho. Certamente
tratava-se do mesmo balcão, da mesma luz da manhã cobrindo de luz dourada a
pele acetinada. E não havia dúvida de que era Antônia que ali se achava retratada
nua, olhando para trás por sobre o ombro, da mesma forma como se encontrava
no Mulher no Espelho.
Entretanto, não se tratava da mesma pintura, já que nela não havia
o reflexo no espelho, e não se percebia o vazio nos belos olhos.
Em vez disso, o olhar se mostrava repleto de verdade.
Antônia estava paralisada diante da pintura, os olhos fixos no perfil
de Marco, o coração disparado. Queria sair correndo, mas não tinha forças.
Queria dizer algo em defesa própria, mas seria inútil porque as evidências eram
fortes demais.
Stefan se aproximou dela, tomou-lhe a mão e a apertou tentando
confortá-la, inutilmente. Ficou a olhar o homem que amava tomar conhecimento
de que ela o estivera enganando. Isso a fez estremecer de agonia.
—Não acredito que você tenha feito isso sem a minha aprovação —
ela conseguiu dizer, com voz entrecortada.
—Se eu lhe houvesse pedido, você não me teria autorizado —Stefan
replicou.
—Mas, por que fez isso? — Parecia uma traição sem igual partindo
de uma pessoa em quem ela confiava completamente.
—Já era tempo dele ficar sabendo — ele respondeu, simplesmente.
— Você permitiu que tudo se prolongasse por muito tempo. Agora já deve ter
percebido.

Projeto Romances 58
Desejo Incontrolável Michelle Reid

—Você não deveria ter feito isso — ela sussurrou, sentindo os olhos
arderem, enquanto Marco estendia a mão para tocar o quadro. Era como se ele a
tocasse.
—Nunca vou perdoá-lo —ela disse para Stefan, distanciando-se
dele e aproximando-se do homem que lhe era tão importante.
Marco se voltou para ela. O rosto parecia talhado em mármore.
Depois, olhando diretamente para Stefan, exclamou:
—Você não pintou isso!
Era uma acusação clara e definitiva.
—É um conhecedor quem está dizendo. — Stefan sorriu. —
Realmente, não fui eu — ele admitiu. — Foi...
—Fui eu — Antônia interferiu. — É meu! — Ela olhou para Marco,
procurando compreensão.— Esse quadro me pertence! Ninguém...
Marco a olhou com uma expressão concentrada.
—Quem foi que o pintou? — ele perguntou.
—Isso importa? ela suplicou. — Nunca foi exposto publica-mente e
nem nunca será, Marco! Eu nunca...
—Não perguntei se ele já foi exposto — ele a interrompeu. —
Perguntei quem o pintou!
Ele estava furioso. Antônia recuou, espantada.
—Acho que você não está entendendo, Marco Stefan acrescentou,
rapidamente. Não lhe mostrei este quadro para...
Aconteceu tudo tão de repente que Stefan não teve tempo de
reagir. Com um movimento inesperado, Marco balançou o corpo e impulsionou o
braço, dando um soco no queixo do pintor.
Stefan deu um gemido e se estatelou aos pés de Marco. Com um
grito, Antônia se lançou para acudir.
—Por que você fez isso? ela soluçou, enquanto se ajoelhava ao lado
de Stefan.
—Por se intrometer na sua vida, e por se intrometer na minha vida!
— ele exclamou irado, dirigindo-se para a porta.
Antônia o ficou olhando ir embora, sem saber o que fazer. Dando
um gemido, Stefan sentou-se e pôs a mão no queixo. Sacudiu a cabeça, como se
não acreditasse que aquilo houvesse acontecido.
—Olha só o que fez comigo! — Antônia soluçou.
—Realizei um dos seus maiores desejos e levei um soco na cara —
Stefan respondeu secamente.
Sem qualquer vontade de brincar, ela se ergueu e o ajudou a se

Projeto Romances 59
Desejo Incontrolável Michelle Reid

levantar.
—Ele o machucou? — ela perguntou.
—Não pareça tão compadecida assim — Stefan respondeu com
ironia. — Só cortou o meu lábio — ele explicou, começando a gargalhar.
Isso a deixou furiosa.
—Pare! — Ela soluçou. — Como ousa rir em um momento como este?
O que você fez para mim, Stefan? Por que fez isso? — As lágrimas começaram a
rolar pela face, enquanto ela ficou olhando para a porta fechada. — Ele jamais
me perdoará por causa disso. Você sabe! — ela exclamou transtornada. — Foi
embora, deixando-me aqui!
—Não aquele homem — Stefan disse, demonstrando certeza.
—Dê-me um minuto para pôr gelo no lugar do soco, e iremos atrás
dele. Prometo — ele disse, preocupado com a expressão preocupada de Antônia.
— Ele vai estar lá...
Mas Marco não queria que o encontrassem. Depois da cena, ele
estava na frente da Galeria, flexionando os dedos, e se preparando para
enfrentar mais problemas.
Sua mãe havia chegado. Deus sabe de onde e por que motivo, quando
ele imaginava que ela deveria estar segura na Toscana. Mas lá estava ela, no meio
da ante-sala, cercada por uma porção de velhos amigos e conhecidos.
Com o péssimo estado de ânimo em que se encontrava, ele fingiu não
vê-la, saindo rapidamente antes que ela o visse.
Só que não pretendia ir embora sem Antônia, ele decidiu, com uma
certeza que prometia causar mais problemas para alguém. E o pouco bom senso
que restava lhe dizia que não seria possível deixar de falar com a mãe!
Um encontro dela com Antônia? Gelou só de pensar nessa
possibilidade. Dissimulou a raiva que estava sentindo, e se dirigiu para onde a
mãe se encontrava, com a intenção de falar com ela antes que Antônia decidisse
aparecer na companhia do famoso ex-amante.
Entretanto, a sorte não estava trabalhando a favor de Marco
naquela noite. O salão estava repleto de pessoas da alta roda de Milão. Gente
que se conhecia pelo primeiro nome. Isabella Bellini era muito conhecida e
apreciada por muitos.
Quando o filho se aproximou, ela se abriu em um sorriso adorável,
Embora forçado, ele sorriu e a abraçou, oferecendo-lhe a face que ela encheu
de beijos.

Projeto Romances 60
Desejo Incontrolável Michelle Reid

Depois dos beijos, foram os carinhos e as declarações públicas de


como ele era lindo, da sua crueldade em não responder às chamadas dela. Ele se
desculpou e perguntou pela saúde do pai, demonstrando sinceridade.
—Ele está tendo uma ótima semana — a mãe o informou, bem como
às pessoas que a circundavam, — Ele me mandou viajar e não voltar senão em dois
dias. Diz que eu me preocupo muito, mas, na verdade — ela confidenciou, — ele
quer jogar baralho e beber vinho com os amigos, sem que eu esteja presente
para desaprovar.
Todos riram. Nesse instante, Marco percebeu que a porta do
escritório de Rosetta Romano se abriu e ficou em estado de alerta.
Isabella olhou para o filho.
—E este aqui — ela anunciou para os que a ouviam, — nem tem
tempo, na sua vida ocupada, para responder aos recados da mãe! Tenho de falar
com a sua governante.
Antônia estava se aproximando dele pela direita. Ela estava pálida
e demonstrava ansiedade. Ela não imaginava o que estava para acontecer.
—Deixei recados na secretária eletrônica — sua mãe continuava a
explicar. — Tive de telefonar aos amigos dele, para descobrir onde ele iria estar
esta noite!
Marco sorriu e desejou saber quem fora o amigo que o metera
naquela enrascada.
Antônia estava agora a poucos passos deles. Ao seu lado, Stefan
Kranst sorria, mostrando o lábio ferido. Era hora de decisão, Marco ponderou.
Ou a apresentava à mãe e se arriscava a ofendê-la por falta de decoro social, ou
ignorava Antônia, fazendo com que ela se ofendesse. Uma escolha difícil.
Alguém se aproximou pelo lado esquerdo, desviando a atenção de
sua mãe. Isabella sorriu satisfeita.
—Ah, Louisa! — ela exclamou. — Hei-la! Bonita como sempre. Estava
justamente dizendo a todos como tive de lhe telefonar para descobrir onde o
meu próprio filho poderia ser encontrado nesta noite.
Tinha sido Louisa, Marco pensou, com raiva. Saber disso fez com
que ele se decidisse. Ninguém tinha o direito de manipulá-lo, nem à sua vida. E
talvez fosse tempo de ambas ficarem sabendo disso!
Louisa estava sendo recebida com os beijos usuais, quando Marco
deslocou-se um pouco para poder ser visto por Antônia. Notou incerteza em seus
olhos, já que ela devia ter percebido quem era o centro das atenções. Marco
sentiu um calor no coração. Ela era tão bonita, tão sua mulher, não importava

Projeto Romances 61
Desejo Incontrolável Michelle Reid

quais segredos ela escondesse. Estendeu o braço em um convite silencioso para


que ela se juntasse a ele.
Com um ar de alívio no rosto, ela deu os poucos passos para se
colocar sob os braços protetores de Marco e integrar o circulo sorridente de
pessoas.
Esguia, finamente vestida em crepe preto fusco, os cabelos escuros
sedosos emoldurando a bela face, Isabella Bellini estava acabando de se soltar
do abraço de Louisa, quando percebeu a chegada de Antônia. Sua expressão
tornou-se fria.
—Mãe — Marco disse, com uma postura formal. — Gostaria de lhe
apresentar...
Como se ele não lhe houvesse dito nada, e nem Antônia estivesse lá,
Isabella Bellini simplesmente lhe voltou as costas. Pairou um silêncio profundo
entre todos.
Fora um ato tão claramente deliberado que Antônia só pôde ficar
ali plantada, os olhos baixos procurando dissimular a profunda humilhação,
enquanto Marco mantinha-se como um pilar de granito.
Quantas pessoas haviam testemunhado o que havia acontecido,
Antônia não sabia. Mas não era necessária uma audiência daquela para ela saber
que o momento chegara.
Depois que o momento de tensão se desfez, ela sentiu o toque gentil
de Stefan.
—O que aconteceu foi imperdoável — ele disse perplexo.
Ela começou a tremer, e o pintor olhou sombriamente para Marco
que não movia nem um músculo sequer. Stefan murmurou para ela:
—Vamos para o escritório de Rosetta...
—Não! — Marco exclamou, saindo do seu estado de perplexidade.
— Nós vamos embora — ele anunciou.
Antônia sentiu sua mão pressionar-lhe o ombro.
—Vou com vocês — Stefan declarou, ainda segurando o braço de
Antônia. — Não pretendo...
Novamente Marco o interrompeu.
—Apreciamos o seu interesse, mas isso não lhe diz respeito.
—Tudo me diz respeito quando insultam Antônia — Stefan
respondeu, com raiva.
—Foi a minha mãe quem a insultou — Marco declarou friamente.
—Desculpem-me — Antônia sussurrou, livrando-se de ambos. Ela
precisava sair dali imediatamente. Lutando com as lágrimas, com o sentimento

Projeto Romances 62
Desejo Incontrolável Michelle Reid

de humilhação e procurando manter a cabeça erguida, ela se dirigiu rapidamente


para a escada. Se houvesse olhado para trás, perceberia que a mãe de Marco já
estava sentindo o desconforto do arrependimento.
Isabella estava tocando o braço do filho, para lhe chamar a atenção.
Mas Marco, sem ao menos olhá-la, correu atrás de Antônia. Prendeu-a pela
cintura e a atraiu para si. Juntos começaram a descer os degraus. Na pressa,
Antônia perdeu o equilíbrio sobre os saltos altos, e Marco a segurou.
Chegaram à porta de vidro no mesmo instante em que o porteiro a
abriu. Não perceberam que a porta estava sendo aberta para alguém que acabara
de chegar. Houve um encontro de corpos.
—Scuze signor... signorina — disse uma voz profunda e modulada.
Automaticamente, ambos olharam para quem se desculpara. Antônia se deparou
com um estranho que a olhava e qualquer tentativa de falar foi totalmente
sufocada naquele momento de espanto.
Um homem de cabelos grisalhos, olhos cinzentos com reflexos
esverdeados, tão alto quanto Marco, porém mais magro, era um homem no outono
da vida.
Antônia sabia exatamente quem ele era, e o pior, ele sabia que ela
o conhecia.
— Madona mia — ele sussurrou em visível consternação. —
Anastasia.
Anastasia... Era muito para uma só noite! Ela se encolheu para
encontrar abrigo nos braços de Marco.
Marco estava imerso em sua raiva, mas ainda assim pôde perceber
aquela troca de olhares, além de ouvir aquele nome pronunciado pelo estranho.
Sabia que algo estava acontecendo e que lhe era desconhecido.
—O senhor está equivocado — ele disse para o outro homem. —E,
por favor, desculpe-nos — acrescentou friamente, saindo com Antônia, antes que
algo mais acontecesse com eles.
Fora, o Quadrilátero estava repleto de passantes. O carro de
Marco estava estacionado em uma rua lateral não longe dali. No trajeto,
manteve-se calado, procurando se recompor.
Abrindo a porta do passageiro, ajudou-a a se sentar no assento de
couro preto. Depois, inclinou-se para ajustar o cinto de segurança. Ela nem notou.
Irritado, ele segurou-lhe o queixo e a obrigou a olhar para ele. Os olhos de
Antônia estavam escuros, sua pele pálida e os lábios completamente sem sangue.
Parecia frágil como uma peça de vidro veneziano, prestes a se quebrar.

Projeto Romances 63
Desejo Incontrolável Michelle Reid

De fato, Marco desejava que ela se quebrasse, para que ele pudesse
descobrir a mulher real, já que aquela se tornara uma completa estranha para
ele!
Com um suspiro, soltou-a, ergueu-se e fechou a porta. Foi se sentar
à direção e deu partida no carro. Com o rosto contraído, dirigiu pelas ruas de
trânsito caótico de Milão.
Estava com muita raiva! Raiva de Kranst e das suas artimanhas.
Raiva da imperdoável atitude da sua mãe! E raiva de Antônia por permitir que ele
acreditasse que a pintura que tinha no apartamento fosse dela!
E agora havia acontecido aquele incidente na porta da galeria.
Apesar de ter demonstrado o contrário, ele havia reconhecido aquele homem.
Seu nome era Anton Gabrielli, um rico industrial recluso, que raramente se via
em público, desde a morte da mulher, havia alguns anos.
Ele podia ter chamado Antônia de Anastasia, mas o erro era
irrelevante. O que importava era que ele a conhecia! E, o mais relevante, Antônia
o havia reconhecido!
—Como você conheceu Anton Gabrielli? — ele perguntou.
Era como se estivesse falando com um fantoche.
—Eu nunca o encontrei antes em minha vida — ela respondeu
baixinho.
—Não minta! — ele gritou. —Ele pode tê-la chamado pelo nome
errado, mas vocês se reconheceram. O espanto mútuo foi muito revelador.
—Já disse que nunca o encontrei antes! — ela gritou descontrolada.
Diante da flagrante mentira, ele a olhou de soslaio. Ela estava
tremendo tanto que o diamante do seu colar reverberava. Dando um pequeno
soluço, ela virou o rosto para o outro lado, para que ele não a pudesse ver.
Mantendo-se calado, ele voltou a atenção para o tráfego, enquanto
mais suspeitas começavam a surgir. Anton Gabrielli era da mesma idade de
Kranst. Se ela apreciava ter Kranst como amante, por que não Gabrielli? Afinal
de contas o que sabia da vida de Antônia antes do seu caso com Stefan?
Absolutamente nada, ele percebeu.
Quando o monstro do ciúme já começava a tomar-lhe o coração,
finalmente chegaram à garagem do apartamento. Desligou o motor do carro e,
com a mão pesada sobre a coxa de Antônia, impediu-a de soltar o cinto de
segurança.
—Espere — ele ordenou. Ela não iria deixá-lo ali, para se dirigir
sozinha para o elevador, como fizera anteriormente.

Projeto Romances 64
Desejo Incontrolável Michelle Reid

Ela se recostou no assento, ainda sob a pressão da mão em seu colo.


Com um suspiro de satisfação, ele saiu do carro, contornou-o e foi abrir a porta
para que ela saísse. Antes, inclinou-se e a ajudou a soltar o cinto de segurança.
O elevador os levou para cima. Antônia tremia, e Marco se continha
para não agarrá-la e sacudi-la ainda mais! Quando chegaram, Marco abriu a porta
já que Antônia não parecia capaz de fazê-lo. Dentro, os poucos segundos que ele
levou para desatiVar o sistema de alarme, foram suficientes para ela escapulir
para dentro de seu quarto.
Marco ficou onde estava, tempo suficiente para se acalmar antes
de ir atrás dela, desejando que ela não houvesse trancado a porta.
A porta não estava trancada, e o que ele viu quando a abriu fez com
ficasse parado de espanto.

CAPÍTULO 7

—Que você está fazendo? — ele perguntou, demonstrando


incredulidade.
Mas era óbvio o que ela estava fazendo. Uma maleta estava aberta
sobre a cama dentro da qual ela jogava as roupas apressadamente, como se fosse
de uma criminosa prestes a fugir.
—Antônia! — ele gritou, ao não obter resposta.
—Estou indo embora — ela respondeu, lutando para se manter firme
diante das emoções contraditórias.
—Você não vai sair daqui! — ele replicou, severamente, apesar de
se sentir inseguro.
Quando ele se aproximou, Antônia se voltou em um sobressalto, com
uma expressão tão alterada como ele nunca havia visto na vida.
—Cara... — ele murmurou roucamente. — Por Deus...
—Vou deixá-lo, Marco! — ela exclamou, com a voz alterada. —Hoje
à noite! Nunca mais quero vê-lo.
Apesar de perceber o esforço que ela fazia para dizer aquilo, Marco
não se sentiu melhor. Percebeu que ela realmente ia partir e que estava morta
de medo.
Quando ela se voltou para continuar a arrumar as coisas, ele deu um
golpe na maleta que a fez cair ao chão. Roupas se espalharam para todos os lados,
peças simples como um jogo de roupa íntima, algumas saias, tops...

Projeto Romances 65
Desejo Incontrolável Michelle Reid

Ele tentou entender seu próprio comportamento... Precisava


encontrar evidências para provar alguma coisa a si mesmo, mas teve de se
conformar. Isso porque mulher alguma havia deixado Marco Bellini somente com
as roupas com as quais havia chegado!
Nenhuma mulher deixava Marco Bellini.
—Você não vai a lugar algum antes de me responder algumas
perguntas — ele resmungou, agarrando-lhe a mão. — Talvez depois que fizer isso,
eu possa querer vê-la pelas costas. — Ditas essas palavras, ele a puxou,
conduzindo-a atrás de si escada abaixo, apesar do esforço que ela fazia para se
libertar.
Escancarando a porta, ele a forçou a entrar no escritório. Ainda
segurando-a pela mão, digitou o número no painel do compartimento secreto e a
introduziu no aposento. Depois a levou para frente do quadro Mulher no Espelho.
— Agora, vamos começar — ele disse, com a voz alterada. —Quem
é ela?
Anastasia, Antônia pensou, emocionada, lutando para não irromper
em choro. Era a triste, trágica e bela Anastasia.
— Espelho, espelho — ela sussurrou, enigmaticamente.
— O que quer dizer com isso? — Marco perguntou atônito.
Não adiantava querer mentir; tentar fingir que não sabia de nada.
O jogo terminara. Antônia tinha de se expor como a fraude que era.
—Esta — ela disse —, é Anastasia...
Marco precisou de alguns momentos para entendê-la, por fim se
conscientizar e perguntou com um tom de horror na voz:
—Meus Deus! Está querendo dizer que ela é a sua irmã gêmea?
Um soluço irrompeu da sua garganta, e as lágrimas começaram a
rolar dos seus olhos cor de âmbar, porque Anastasia teria adorado estar ali para
ouvir aquele homem importante dizer aquilo.
—Não, ela não é minha irmã gêmea — ela murmurou baixinho. —Ela
era a minha mãe... Minha pobre, desventurada e assombrada mãe — ela ficou a
murmurar, enquanto o silêncio se tornava obsessivo ao redor deles.
—Mãe — Marco repetiu, sem poder acreditar. — Está querendo
dizer que você e Stefan na verdade...
Ele parou de falar.
Antônia voltou-se para olhá-lo.
Marco estava completamente aturdido pelo choque, horrorizado.
—O quê? — Ela logo indagou ao sentir a raiva surgir da percepção
do que ele poderia estar imaginado. — Nós nos unimos para enganar os outros?

Projeto Romances 66
Desejo Incontrolável Michelle Reid

Sim — ela admitiu abertamente a fraude. Quer saber se eu posei nua para Stefan
para que ele fingisse que eu era a minha mãe? Não. Eu não fiz isso — ela negou.
— Stefan e minha mãe foram amantes durante dez anos! Ele a adorava. E
respondo não novamente, antes que você tire conclusões errada, — ela
acrescentou friamente. — Stefan não partilhou da cama da minha mãe ao mesmo
tempo em que partilhou da minha!
—Eu nunca imaginei isso... — Marco começou a se justificar.
Entretanto, ela o interrompeu, cheia de ressentimento.
—Você sempre imaginou isso! — ela exclamou. — Desde o começo,
você imaginou que nós dois éramos amantes. Stefan é meu amigo! — ela
acrescentou. — Um amigo querido que chegou cm nossa vida quando realmente
precisávamos de alguém carinhoso e generoso como ele! Nós dois cuidamos de
minha mãe durante a sua interminável e miserável doença. E qual foi o resultado
daqueles anos de escuridão? —Ela fez um gesto com a mão, indicando a pintura.
— Minha mãe queria que ele sempre se lembrasse dela. Mas, não destruída e
acabada como ficara quando estava perto do fim!
As lágrimas inundaram os seus olhos, o corpo sacudido pelos soluços
incontroláveis.
—Então, ele pintou uma mentira — Marco disse taciturnamente.
—E se for isso? — ela replicou. — O que importa aos outros se a
imagem não corresponder à realidade cruel?
—Por isso o espelho!
Marco era muito bom em interpretar obras de arte, e Antônia tinha
de reconhecer isso.
—Reflete o que era — ela confirmou. — Stefan poderia pintá-la,
ainda agora, exatamente assim. Ele a amava muito...
—Ainda que fosse rápido em vender os quadros quando a
oportunidade surgia — Marco acrescentou cinicamente. — E se apressou em
fazer com que você se passasse por ela, para conseguir notoriedade às vendas!
—Eu não disse que ele era perfeito — ela redargüiu. — E as pinturas
foram exibidas antes que minha mãe morresse! — ela esclareceu. — A seu pedido!
Para prazer dela! Ela se divertia quando as pessoas me tomavam por ela! E tudo
o que a tornasse feliz, eu e Stefan fazíamos! — Os olhos de Antônia brilhavam
ao dizer isso, sem vislumbre de arrependimento.
Marco, entretanto, estava amargurado.
—Tudo bem... Mas você não acha que devia me dizer a verdade?

Projeto Romances 67
Desejo Incontrolável Michelle Reid

—Por que eu deveria? — ela respondeu indignada. —Você conseguiu


o queria, Marco — ela lhe disse. — Conseguiu a mulher que estava na pintura.
Você não tinha interesse por mim, queria apenas poder realizar uma fantasia!
Marco empalideceu, seu corpo se contraiu na confrontação.
—Isso não é verdade —. ele se defendeu.
—É verdade, sim — ela insistiu. — Deixe de lado a glória de eu ser
a modelo sensual dos quadros de Stefan Kranst e toda a atração se esvairá.
Sempre soube disso.
Marco se manteve calado. Para ela, aquele silêncio dizia tudo.
Olhando para a figura da mãe, uma vez mais, Antônia tocou com os dedos a marca
de nascença que ela tinha no ombro. Sorriu e disse:
—Eu a amo. — Deixou de sorrir e se dirigiu para a porta.
—Para onde vai?
Ela se deteve, mas não olhou para trás.
—Para minha casa — ela murmurou. — Não há nada meu aqui.
—Eu estou aqui — Marco disse baixinho.
—Não, você não está. Antônia sacudiu a cabeça. — Você está em um
lugar onde eu nunca poderei alcançá-lo. É o que chamamos de escala social. Você
não se importa de descer para as esferas mais baixas para se divertir de vez em
quando. Mas quando se trata de elevar alguém até o seu status... Não há essa
possibilidade!
Ela riu com amargura. — A elite se casa com a elite. Querido, vá que
sua mamãe o está esperando.
—Deixe minha mãe fora disto — ele grunhiu, com raiva.
—E por que deveria? — ela se virou para perguntar.
Marco se mostrava tão sombrio e remoto que parecia já estar de
volta ao seu lugar no status social, bem distante dela.
—Na verdade — ela disse, —estou muito agradecida à sua mãe pelo
que ela fez hoje à noite. Ela me fez perceber como estive perdendo tempo ao
viver com você aqui.
—Acha que perdeu tempo porque eu não a pedi em casamento? —
ele retrucou, com desdém. — Porque não viu resultado no investimento que fez a
longo prazo, cara?
Dê a um homem o que você acha que ele quer. Minta para ele,
engane-o se necessário, com o intuito de receber de volta todos os dividendos?
Era assim que ele se via?
—Seu bastardo arrogante — ela disse, cheia de indignação. — Eu
investi no amor! — ela exclamou. — Como se o meu amor por você fosse o

Projeto Romances 68
Desejo Incontrolável Michelle Reid

suficientemente forte para fazer com que você gostasse de mim! Mas isso nunca
aconteceu. Não foi, Marco? — Seus olhos começaram a brilhar como o diamante
que levava preso ao colar. —E mesmo depois de um ano de vida em comum, você
se envergonha de mim e recua de medo diante da desaprovação da sua mãe.
—Eu não me envergonho de você! — ele redargüiu enraivecido. —
Envergonho-me da minha mãe!
Mas Antônia a já não estava ouvindo. Saíra do escritório, depois de
dizer suas últimas palavras. Por alguns momentos, ele permaneceu ali, permitindo
que ela se fosse para manter a dignidade. Lembrou-se depois da maleta jogada
no chão do quarto e calculou quanto tempo ela precisaria para refazê-la.
Tomado de raiva, começou a praguejar. Odiava se sentir assim!
Ela estava no quarto, de pé com a maleta na mão.
—Está bem! — ele exclamou. — Case-se comigo! Se isso vai fazer
com que você esqueça esta idiotice. Case-se comigo!
Ela se voltou para olhar para ele, com uma expressão indefinida nos
olhos.
Abalado profundamente pela própria proposta e à espera da
resposta, ele a observou se aproximar com uma expressão enigmática.
—Vá para o inferno, Marco — ela murmurou vagarosamente,
forçando-o a lhe dar caminho para passar.
Demorou para que ele se desse conta do que havia acontecido. Ouviu
a porta do hall se fechar. Olhando ao redor, para o caos que ela havia deixado,
sentiu-se como um homem no meio de ruínas, sem saber como tudo havia
terminado.
Finalmente, conseguiu se mover e caminhar através das roupas
atiradas no chão. Sentou-se na cama e inclinou-se para frente, com a cabeça
entre as mãos.
Ele poderia agir como fizera anteriormente e ir atrás dela. Mas isso
não lhe parecia uma boa opção dessa vez. Ela precisava se acalmar, e ele
precisava retomar as rédeas dos acontecimentos!
Em um minuto era ele quem tinha todas as razões, no seguinte fora
Antônia que descarregara todas as queixas contra ele. Suspirou profundamente,
procurando se desfazer da raiva e da frustração, já que muito do que ela dissera
era verdade!
A mãe dela... Ele ergueu-se repentinamente. Dirigiu-se de volta para
o escritório, e parou de frente para o quadro, de onde ficou olhando para o rosto
que ele acreditara conhecer. Entretanto, as diferenças já se manifestavam
claras, como se alguém houvesse alterado certos detalhes com um pincel. A curva

Projeto Romances 69
Desejo Incontrolável Michelle Reid

das sobrancelhas, o formato da mandíbula, a forma como o pescoço esguio se


ligava aos ombros bem formados. A marca de nascença que ele presumira ser um
descuido do pincel do pintor. Todas as diferenças sutis que só um olhar
experimentado poderia notar.
Ele imaginara possuir um olhar experiente, acreditara ser um
grande conhecedor, quando realmente era um dos que somente viam o que
queriam ver. Agora ele podia olhar para aquela triste criatura e perceber uma
centena de diferenças que existiam entre ela e a bela filha. Até parecia pecado.
Sempre considerara Kranst um voyeur e não estava se sentindo confortável ao
perceber que o verdadeiro voyeur havia sido ele.
Teve vontade de tirar o quadro da parede, desfazer-se dele e
esquecer para sempre que o vira. Mas aquela era a mãe de Antônia, ele pensou,
tristemente. Antônia amara aquela mulher. Desfazer-se do quadro seria rejeitar
alguém que era precioso para Antônia, como sua própria mãe era para ele.
Apesar disso, ele não queria pensar na mãe naquele momento.
E Antônia nunca se demonstrara incomodada com a nudez na
pintura. Sua tristeza estava em ver alguém que amara e perdera, não a nudez em
si.
Antônia havia vivido durante dez anos com um artista especializado
em pintar formas femininas nuas. Ele tinha um dom. Não, era um gênio no gênero!
Sendo assim, era natural que ela aprendera a ver a nudez como algo a ser
apreciado como arte, e não algo a que se tinha de virar as costas com vergonha.
Como acontecera com ele, até que descobrira para quem ele realmente estivera
olhando!
Desde quando ele havia desenvolvido uma visão intolerante a algo
tão especial?, Marco se perguntou. Aquilo era arte! Arte de um mestre! Se
estivesse em boas condições mentais, teria comprado algumas das últimas obras
de Kranst. Não só como investimento, mas por que gostava do que Kranst pintava!
Mas quem havia pintado a imagem de Antônia nua?, ele se perguntou
depois, sentindo cair por terra toda a sua certeza. Sentiu raiva quando se
conscientizou de que poderia aceitar Kranst como o pintor do retrato dela, mas
não algum outro homem.
Como ela conseguira desviar sua atenção a ponto de ele se esquecer
sobre sua dúvida de quem fora o autor? E também havia a incógnita sobre qual a
importância de Anton Gabrielli naquela história toda.
Atrás de Marco, o telefone começou a tocar. Isso o distraiu do
pensamento que começava a irritá-lo novamente.

Projeto Romances 70
Desejo Incontrolável Michelle Reid

Aproximou-se da escrivaninha, incerto quando a atender ou não.


Seria sua mãe? ele se perguntou. Querendo dizer da sua desaprovação com mais
detalhes? Ou Kranst desejando saber se Antônia ainda estava viva?
Deixou que a secretária eletrônica atendesse. No momento em que
o telefone deixou de tocar, ele já havia fechado a porta do escritório. Não queria
falar com ninguém.
Queria apenas Antônia. Mas não ainda, ele considerou, com o ar
sombrio. E muito menos naquela noite. Somente quando aqueles sentimentos
horríveis houvessem cessado de o atormentar.

Antônia tremia por dentro, o esforço para conter as lágrimas


dificultava-lhe a respiração. Sem realmente saber o que estava fazendo,
encaminhou-se para a cama, começando a se despir.
O zíper se prendeu na altura dos omoplatas. Ela lutou com ele, por
momentos, com a cabeça abaixada e os olhos concentrados no diamante do colar.
O zíper não queria deslizar, o que parecia um reflexo da noite que tivera. Dando
um suspiro de frustração, ela dirigiu a atenção para o colar. Removeu-o e depois
ficou ali olhando para o nada.
Teria ele realmente tido a ousadia de lhe oferecer casamento, para
depois ficar com uma expressão de quem cometera um pecado mortal?
Ela se engasgou com o choro incontrolável. Deveria odiá-lo, deveria
odiá-lo pela forma como formulara o pedido, mas não era ódio o que ela estava
sentindo, era dor, porque ele não falara com sinceridade. Apenas estava
determinado a não se deixar vencer! Que noite terrível! Que miserável noite de
revelações!
A noite começara com Stefan revelando aquela pintura sem avisá-
los. Depois o incidente com a mãe de Marco, para aumentar a sua mortificação.
E como se tudo não houvesse sido suficiente, ela teve de se encontrar com Anton
Gabrielli! Um arrepio de ódio lhe percorreu o corpo. Como ele ousava pronunciar
o nome de sua mãe, depois de tudo o que provocara!
Mas fazê-lo diante de Marco e de todos ultrapassou todos os
limites do aceitável, e ela jamais lhe perdoaria. Ele havia sido a razão da ruína
final. Fora a razão de ter de ir embora, com o risco de provocar um escândalo
que Marco jamais perdoaria.
Será que Anton Gabrielli sabia? Teria ele percebido que se
deparara frente a frente com a sua filha?
Não, ela pensou. Ela não era filha dele. Ele era meramente a
semente que propiciara a sua concepção. Ela nunca o conhecera, nunca o havia

Projeto Romances 71
Desejo Incontrolável Michelle Reid

encontrado e nem queria isso. De fato, ela preferia continuar a ser conhecida
como a famosa Mulher do Espelho do que reclamar a paternidade de um homem
que havia abandonado a sua mãe, logo que soubera que ela estava grávida.
E qual fora o argumento dele? Homens como eu não se casam com a
amante. Não é a sua função.
Por Deus, como o odiava!
Portanto, devia odiar Marco também, já que ele usara palavras
semelhantes, não havia muito tempo. O que sua mãe diria se soubesse sobre
Anton Gabrielli? Ela poderia alegar que Antônia herdara o pecado da mãe. A
mesma aparência, as mesmas pinturas, a mesma atração por milionários italianos
altos e morenos!
A amargura e as lágrimas a embalavam. Ela se voltou para a porta,
com a intenção de se manter fiel à decisão primeira de ir embora dali!
Mesmo quando chegou junto da porta, sentiu que não podia fazer
aquilo! Oh, o que seria dela se não conseguisse partir, quando não restava mais
nada para ela ali?
Eu estou aqui, dissera Marco.
Envolvendo-se nos próprios braços, ficou a repetir aquelas palavras
como uma cantiga monótona, enquanto se encaminhava para as portas amplas que
davam acesso ao terraço.
Abrindo uma delas totalmente, saiu para o ar fresco, com a intenção
de se recompor da extrema confusão em que se achava. Dirigiu-se para uma
espreguiçadeira, tirou os sapatos, sentou-se com os joelhos dobrados, apoiando
o queixo sobre eles.
O terraço era uma das partes mais agradáveis do apartamento que
abrangia toda a extensão do prédio. Quando Marco oferecia alguma das suas
festas extravagantes, todas as portas eram abertas, de modo que todas as salas
que davam para o terraço podiam ser usadas para as mais diferentes atividades,
e o som da música e as risadas ecoavam por toda parte.
Entretanto, naquela noite tudo estava silencioso, como ela nunca
vira. Mesmo o constante tráfico de Milão, abaixo dela, parecia ter diminuído.
Ou talvez fosse ela quem estivesse diferente, Antônia ponderou,
tristemente. O destino a havia tratado naquela noite de maneira a fazê-la
aceitar sua própria realidade.
Mas ela não queria a dura realidade, ela pensou dando um suspiro.
Queria que as coisas voltassem a ser como antes, mesmo com mentiras,
incertezas e tudo o mais.

Projeto Romances 72
Desejo Incontrolável Michelle Reid

CAPÍTULO 8

Eram duas da manhã quando Marco abriu a porta e saiu para o


terraço. Atrás de si estava a cama desarrumada da qual acabara de se levantar.
Não conseguia dormir. A cama parecia estranha sem a presença de Antônia. Por
isso ele havia vestido o robe preto para ir à cozinha ver o que havia na geladeira,
antes de decidir ir comer o sanduíche no terraço, beber um copo de vinho tinto,
e remoer pensamentos.
Dirigiu-se para uma das espreguiçadeiras, ajustou a inclinação do
encosto e se sentou. Esticou as longas pernas, dando um suspiro.
Era uma noite quente e úmida, mas ele preferia permanecer o resto
da noite ali a voltar para a cama solitária.
Era isso ou teria de convencê-la a abrir a porta para ele, mas
concluiu que seria melhor continuar ali até amanhã. Procurou se acomodar melhor
nas almofadas, bebeu um gole de vinho e fechou os olhos.
Notou que tudo estava calmo. Agradável mesmo, apesar do calor.
Além disso, a escuridão funcionava como uma cortina, ocultando todas as coisas
nas quais não queria pensar.
Um leve ruído o perturbou. Na realidade Marco o teria ignorado,
não houvesse algo de familiar nele. Lembrava o respirar de Antônia quando ela
estava dormindo.
Abrindo os olhos, ele virou a cabeça.

Projeto Romances 73
Desejo Incontrolável Michelle Reid

Ela estava a menos de dois metros dele, deitada de lado, de costas


para ele. Não fosse pela cor bege das almofadas, ele não a teria vislumbrado na
penumbra, o corpo esguio ressaltado pelo vestido preto.
Sentiu o coração descompassar. Erguendo-se, colocou o prato e o
copo de vinho em uma mesa próxima e se aproximou dela silenciosamente, com
os pés descalços. Circundando a espreguiçadeira, ficou a observá-la. Havia um ar
de vulnerabilidade na forma como ela se deitara enrodilhada, com os braços
cruzados no peito e a cabeça abaixada de modo que seus cabelos lhe escondiam
a face.
Agachando-se, gentilmente afastou os cabelos do rosto de Antônia
e pôde perceber os sinais das lágrimas recém-derramadas. Não lhe agradava a
idéia de que ela estivera chorando sozinha naquele lugar. E provavelmente por
sua causa...
Ela devia ter sentido sua presença porque estremeceu e abriu
levemente os olhos, dando um suspiro. Olhou para ele e sorriu.
Quando é que ela havia acordado e não dado um sorriso para ele
daquele jeito? Marco se perguntou, sentindo uma dor no coração. Ela sempre
fora amorosa. Por que ele achava impossível retribuir de igual forma? Emocionou-
se. Dio, sempre sentira aquele amor, só que se recusava a admitir.
A mão de dedos longos e elegantes ergueu-se para acariciar-lhe o
rosto. Deslizaram até a testa e foram pousar na boca entreaberta em um meio
sorriso. Para um homem que crescera tendo o rosto acariciado daquele jeito,
aquela carícia era única. Era como se estivesse recebendo a mais doce das
bênçãos.
Tomou-lhe a mão e a levou à boca para retribuir a carícia com um
beijo. Os olhos de Antônia estavam cheios de ternura, e os de Marco começaram
a brilhar. Sempre haviam feito amor ao menor aceno de intimidade. Era o que
fazia aquele relacionamento tão especial.
—Olá — ele murmurou suavemente. — O que está fazendo aqui
fora?
Foi quando ela percebeu onde estava e, o mais importante, o porquê
de estar ali. Puxou a mão e parou de sorrir e de demonstrar amor. Desviando os
olhos, pousou os pés no chão e ergueu-se. Foi a vez dele erguer-se e dar espaço
para ela, mas isso não queria dizer que iria deixá-la partir, agora que a tinha ao
alcance das mãos! Permaneceu á sua frente, enquanto ela procurava se recobrar,
passando os dedos entre os cabelos.
— Que horas são? — Antônia perguntou.
A irritação voltou. Que importavam as horas?

Projeto Romances 74
Desejo Incontrolável Michelle Reid

— Você não me respondeu a pergunta ele retrucou.


— O zíper se prendeu no meu vestido — ela explicou, como se aquilo
explicasse alguma coisa.
— E você não podia ir me pedir ajuda? — ele perguntou.
A expressão do rosto de Antônia era uma afirmação tácita de que
ela não poderia fazer aquilo. Ela tentou se afastar, mas ele a deteve com a mão
no ombro.
—Não se vá, cara — ele disse.— Pelo menos não até que você me
pergunte o que estou fazendo aqui fora.
A afirmação a fez hesitar. Olhou para ele, incerta. Ele sorriu.
—A cama estava muito vazia, sem você ao meu lado — ele declarou,
sentindo que ela estremecia. — Volte para a cama comigo! —acrescentou,
olhando-a profundamente.
É claro que ela o queria, Marco percebeu isso em seus olhos, antes
que Antônia os baixasse e sacudisse a cabeça.
—Não acho que seja uma boa idéia — ela murmurou.
—Só porque discutimos? — ele perguntou. — Nós sempre
discutimos. É assim que somos.
Entretanto, ele sabia que dessa vez as coisas eram diferentes.
—Aconteceram muitas coisas...
—Nada que não possamos resolver, cara mia — ele afirmou
suavemente. Jurou para si mesmo que empregaria outros métodos de persuasão
mais convincentes caso ela não cedesse.
—Não quero falar sobre isso — ela foi lacônica, fez uma pausa e
acrescentou: —Também não quero fazer aquilo.
A sombra de um sorriso lhe passou pelos lábios, ao fazer tal
afirmação.
—Vamos dormir — ele a convidou. — Em nossa cama, onde nós dois
preferimos estar... abraçadinhos. O que acha, cara?
O que poderia dizer, Antônia se perguntou, esperançosa. Respondeu
que sim, porque nunca fora capaz de dizer não. Além disso, estava cansada e se
sentia miserável. Melhor seria se sentir miserável ao lado dele do que ficar
miseravelmente sozinha lá fora.
Assim, com um leve aceno de cabeça, ela aceitou o convite. Ele a
enlaçou pelos ombros, e Antônia se sentiu muito melhor. Nada falaram, enquanto
deixavam o terraço em direção ao quarto. Marco se mantinha calado, porque
obtivera o que queria e não desejava estragar tudo novamente. Antônia estava

Projeto Romances 75
Desejo Incontrolável Michelle Reid

silenciosa porque sabia que não podia permitir que ele se aproximasse dela
daquela forma, embora não conseguisse se afastar.
Marco era o seu ponto fraco. E sempre seria.
Antônia notou, quando adentraram o quarto, que suas roupas e sua
maleta haviam sido removidas do aposento. Viu também a cama desarrumada,
testemunha do que acontecera.
Ainda silenciosos, eles aproximaram-se da cama e Marco a fez se
virar para poder dar um jeito no zíper que havia emperrado. O vestido era preto
assim como o zíper, por isso ele levou algum tempo para conseguir desprender
uma ponta de tecido que ficara presa no dente do fecho. Quando terminou,
Marco sentiu que ela conteve a respiração, e se afastou para se desvestir.
Ele sorriu e conteve o desejo de envolvê-la em um forte abraço, o
que sempre lhe dava prazer. Ao invés disso, ficou contemplando o amarrotado
dos lençóis, muda testemunha das intranqüilas horas que passara sozinho ali.
Quando se voltou, ela já havia se despido e estava de pé vestida apenas com as
roupas íntimas de seda preta que contrastavam com sua pele clara. E, apesar de
estar escuro, ele podia jurar tê-la visto corar, e isso o comoveu porque não se
lembrava de outra vez em que ela demonstrara timidez na frente dele.
A não ser na primeira vez em que fizeram amor. Se não lhe
conhecesse a história, poderia jurar que ele era o seu primeiro amor.
Mas, o pior estava por vir, quando ele a viu se deitar sem tirar mais
nada. Culpa daquelas pinturas? Da sua mãe? Ou sua própria culpa por ela querer
esconder sua nudez com a qual sempre se sentira tão confortável?
—Não — ele disse em um tom de protesto que se transformou em
uma súplica.
Ao vê-la hesitar, ele se aproximou e soltou o fecho do sutiã, que
caiu, deixando livre os belos seios de pele acetinada. Ela retirou a calcinha, sem
fazer comentários, e deslizou para debaixo dos lençóis. Tudo sem fitá-la
diretamente.
Excitado, ele tirou o robe e se juntou a ela. Silenciosamente,
encaixou-se nas curvas do seu corpo, e ela permaneceu quieta, demonstrando que
um turbilhão de emoções não lhe permitia corresponder.
A necessidade de dizer alguma coisa foi maior e, mesmo com o risco
de provocar uma outra cena, ele falou:
—Não gosto de brigar com você — Marco disse, mergulhando o
rosto na massa de cabelos sedosos.
—Eu sei — ela replicou.

Projeto Romances 76
Desejo Incontrolável Michelle Reid

Ele percebeu que era verdade. Teve de admitir que Antônia sabia
muito sobre ele.
— Mas isso não muda em nada as coisas, Marco — ela acrescentou.
Será que ela estava falando sobre deixá-lo? Com aquele pensamento
desagradável, ele tomou-lhe os seios nas mãos, e colocou uma das suas pernas
sobre ela, no intuito de mantê-la junto de si.
—Durma — ele disse, dando um suspiro profundo, tentando fazer o
mesmo.
Entretanto, não era possível, permanecer tão próximo da mulher
desejada que pretendia abandoná-lo, sem procurar dissuadi-la. Debaixo da palma
das mãos sentiu os mamilos se enrijecerem, como uma resposta natural à carícia
implícita. Iniciou, então, um movimento circular com os dedos ao redor dos
mamilos túrgidos. Percebeu que ela começava a respirar mais rapidamente, e que
sua pulsação se acelerava. Em um ímpeto, mergulhou ainda mais o rosto nos
cabelos até desvendar a nuca.
Como resposta, ela se virou até estar de frente para ele, e seus
olhares se encontraram.
—Você não está jogando limpo! — ela protestou.
—Grazie — ele replicou, como se ela lhe houvesse feito um elogio,
beijando-a de forma a impedir qualquer outro tipo de argumentação.
O que se seguiu foi uma demonstração do inevitável. À virilidade de
Marco se contrapôs a suavidade de Antônia.
Ela era linda, e Marco a adorava. Nenhuma mulher o fizera se sentir
assim antes. Beijou-lhe o corpo todo, até ela desistir de tentar resistir, para,
com um suspiro, começar a corresponder plenamente. No momento em que a
posse se concretizou, ele teve certeza de que ela lhe pertencia por completo.
Não havia dúvida. Ele a viu perseguir o prazer até quase chegar ao clímax. Com
os dentes cerrados e o sexo intumescido, ele a manteve naquele ponto, o mais
que pôde. Somente quando ela finalmente abriu os olhos em uma indagação
aturdida foi que ele se rendeu e se entregou desencadeando o clímax final.
Entregara-se como nunca antes.
Aquele fora um momento perfeito para desfazer tudo o que passara
e para terem a certeza de que haviam partilhado algo especial.
Deitada satisfeita, com a face apoiada no peito de Marco e a mão
espalmada em seu peito, sentindo-lhe o palpitar do coração, Antônia queria
apenas dormir.
Entretanto, Marco não concordou. Voltara-lhe a velha e conhecida
autoconfiança o que lhe dava confiança para desfazer aquela relativa paz.

Projeto Romances 77
Desejo Incontrolável Michelle Reid

—Diga-me o que Anton Gabrielli significa para você — ele


perguntou.
—Você não consegue se conter, não? — ela replicou secamente,
afastando-se dele para se sentar.
—Não gosto de mistérios — ele respondeu. —E não venha me dizer
que não conhece aquele homem!
Conhecê-lo? Ela deu uma risada curta, com um meneio de cabeça.
Bem, ela ponderou consigo própria, seria melhor contar-lhe tudo e acabar com a
história ou manter o segredo como tal? Finalmente decidiu-se e começou a dizer:
—Minha mãe foi amante dele há muitos anos. Ele a colocou em um
apartamento em Nápoles e a visitava regularmente. Levava-a para se divertir
com os amigos. Adorava-a, mas esqueceu de lhe dizer que era casado. Quando
ela descobriu, abandonou-o. —Aquela lhe pareceu ser a forma mais simples de
contar a história.
—Você estava por perto para testemunhar o que aconteceu? —
Apesar do tom casual, Antônia sabia muito bem em que ele estava pensando.
—Sim, eu estava por perto — ela respondeu, agarrando-se ao lençol
da cama. Depois, com um movimento de cabeça, ela se obrigou a olhar para ele.
— Como está vendo, foi apenas um outro caso de erro de identidade — ela
explicou, demonstrando tristeza.
—Então, teremos como prioridade amanhã corrigir esse erro.
—Marco, você está planejando publicar um anúncio no jornal
dizendo que sua amante não é a Mulher no Espelho? Crê honestamente que
alguém vai acreditar?
—Podemos, pelo menos, tentar corrigir o erro.
—Com que objetivo? — ela perguntou. — Para que você se sinta
melhor? Sua mãe? Eu? Não vê que não importa quem seja a modelo? As pessoas
sempre olharão para mim e verão a mesma mulher! Não posso mudar isso. Pareço-
me com ela! A não ser pelo nome, eu poderia ser ela! Você precisa aprender a
aceitar isso, ou não temos nada que...
Com mãos firmes, ele a puxou de volta ao seu lado.
—Não fale mais — ele pediu. — Sei o que ia dizer, por isso é melhor
que se cale!
—Foi você quem começou esse assunto — ela respondeu, dando um
suspiro.
—E estou pondo um ponto final! — Marco procurou ocupar-se com
um novo jogo de sedução.

Projeto Romances 78
Desejo Incontrolável Michelle Reid

Tudo foi muito intenso e possessivo, mas o sexo não era uma solução
mágica para todos os problemas. Não havia dúvida de que na cama os dois eram
compatíveis, mas o que dizer fora dela?
Nada podia mudar aquela maneira de ser. Marco queria consertar o
que não podia ser consertado, razão pela qual Antônia não havia lhe contado toda
a verdade sobre Anton Gabrielli. Podia amá-lo, mas certos segredos somente
podiam ser confiados a alguém que continuaria a amá-la apesar de todas as
confidências.
E Marco não a amava dessa forma.
Antônia dormiu após o cansaço do desejo satisfeito. Entretanto,
Marco continuou acordado, agitando-se até o fim da madrugada, quando a luz do
sol começou a se infiltrar pelas frestas das janelas. Desgrudando-se de Antônia,
ele deslizou para fora da cama.

Duas horas depois, ele estava em um helicóptero, voando para a


casa dos pais na Toscana, para ter um encontro com o pai, enquanto Antônia
acabava de acordar e descobria que ele havia saído, deixando apenas um bilhete
sobre o travesseiro.
Não me deixe preocupado, cara. Esteja aqui quando eu voltar.
Nao me deixe preocupado, ela leu novamente. Esteja aqui...
Palavras tão emotivas, ela pensou com tristeza. Mas o que
significam? Que ele não queria que ela partisse? Não haviam resolvido nada. Não
haviam falado sobre a conduta da mãe dele na noite anterior. Antônia precisaria
ser muito descarada para enfrentar os amigos, depois da humilhação pública por
que passara, e ela não se considerava descarada.
Antônia não sabia se deveria estar ali, esperando por Marco. Ela
não sabia como decidir. Partir seria doloroso, ficar também. O problema estava
em calcular qual das duas decisões a machucaria menos.
Saindo da cama, ela tomou banho e se vestiu com uma saia cor de
malva que combinava com o top cereja. Depois foi à procura de Carlotta para
perguntar se sabia para onde Marco havia ido.
Era sábado, e ele raramente trabalhava nesse dia, pois preferia
ficar descansando, sem fazer quase nada.
Carlotta estava acabando de servir a mesa do desjejum, quando ela
entrou na copa ensolarada.
Não, ela não sabia para onde Marco tinha ido.

Projeto Romances 79
Desejo Incontrolável Michelle Reid

O cheiro das torradas fez Antônia perceber que praticamente nada


comera desde à tarde do dia anterior. Estava esfomeada, e aquele era um
problema fácil de se resolver.
Queria realmente saber para onde Marco havia ido? ela se
perguntou, lembrando-se de que ele ameaçara ir ver Anton Gabrielli. Ele também
tinha também de resolver algumas pendências com a mãe. Poderia ter ido falar
com Stefan devido ao que ela lhe havia contado? Pediria a devolução do dinheiro
pago pela tela Mulher no Espelho?
Uma possível confrontação entre Marco e Anton Gabrielli não lhe
parecia favorável, apesar de que o homem talvez lhe contasse mais ou menos o
que ela própria havia dito.
Quanto a uma entrevista com a mãe também não poderia resultar
em nada agradável. Não se sentia confortável com a idéia de que era a causa da
discórdia entre mãe e filho.
Depois havia Stefan, o imprevisível Stefan, que poderia se calar se
Marco o forçasse em demasia. E, como ele sabia tudo a respeito dela, seria outra
confrontação que não a agradava nem um pouco.
Antônia se sentiu incomodada com tantas dúvidas e possibilidades.
Por que todas aquelas pessoas discutiam a seu respeito como se ela não tivesse
voz própria? Nada daquilo seria necessário se Antônia contasse tudo a Marco,
sem reservas.
Talvez esse fosse o caminho.
Carlotta apareceu.
—Um senhor chamado Gabrielli está no hall de entrada, signarina —
ela informou. — Pergunta se a senhora pode lhe dispensar alguns minutos?
Signor Gabrielli. Antônia sentiu uma ânsia no estômago, e o café,
subitamente, perdeu o sabor. Será que ele sabia? Poderia saber da verdadeira
história? Não, ela disse para si mesma, com firmeza. Ele não poderia saber de
nada. Provavelmente, estava ali para perguntar sobre Anastasia. Talvez quisesse
apenas descobrir como sua ex-amante havia se conservado tão bem depois de
vinte e cinco anos!
Bem... Sentiu-se pronta para ir falar com ele.
—Por favor, Carlotta, faça-o subir e conduza-o para a sala de
visitas.
A maneira formal de falar e a expressão determinada fizeram com
que a governanta hesitasse, antes de ir cumprir a ordem.

Projeto Romances 80
Desejo Incontrolável Michelle Reid

Novamente sozinha, Antônia bebeu mais alguns goles de café,


comeu um pedaço de torrada e se preparou para um encontro que demorara vinte
e cinco anos para acontecer.

CAPÍTULO 9

Anton Gabrielli vestia um terno negro, camisa branca e gravata


cinzenta. Estava elegante mas não conseguia ocultar a impressão de estar tenso.
Na única foto do recorte de jornal que ela tinha, ele não parecia tenso. Parecia
jovem e vital, muito semelhante a Marco.
Mas, a foto havia sido feita vinte anos atrás. Talvez em vinte anos
a desilusão com a vida pudesse tornar Marco semelhante àquele homem, apesar
de ela não desejar isso.
—Bom dia, signor — ela o saudou em inglês. — Creio que deseja falar
comigo? — perguntou de maneira graciosa e polida, sem dar sinal de que soubesse
qualquer coisa sobre ele.
Ele não respondeu ao cumprimento. Na verdade, não fez mais do
que estreitar os olhos para examiná-la como a um espécime raro. Ela se contraiu
quando percebeu-lhe o rosto como talhado cm pedra e sua boca fina, esquecida
de sorrir.
—Você é filha de Anastasia! — ele finalmente exclamou, depois do
acurado exame.
—Sim — ela confirmou. — Foi por causa da minha mãe que desejou
me ver?
Ele demonstrou intranqüilidade.
—Sim — ele respondeu. —E não — acrescentou depois. — Pela sua
resposta, presumo que saiba de mim?

Projeto Romances 81
Desejo Incontrolável Michelle Reid

—Do seu caso com a minha mãe? Sim. Ela não via razão para
esconder.
Ele balançou a cabeça.
—Talvez tenha sido lamentável a forma como nos encontramos na
noite passada.
—Lamentável? Acho que o choquei — ela considerou. — E sinto
muito por isso.
Ele tinha uma expressão cínica diante do pedido de desculpa.
—Até vê-la, acreditava que as pinturas de Stefan Kranst se
tratavam de sua mãe. Mas, até então, não sabia que você existia.
Pela primeira vez, alguém presumira o certo em relação ao modelo
de Stefan. Era irônico perceber que ele estava agora mudando de opinião em
relação ao que os outros acreditavam.
—Nós éramos extremamente parecidas — ela disse. — Poucas
pessoas podiam notar a diferença.
—Onde...? — ele perguntou repentinamente, sem forças para
concluir seu pensamento.
—Minha mãe morreu dois anos atrás — ela explicou.
—Sinto muito — ele murmurou polidamente.
—Obrigada — ela replicou.
Aquela formalidade começava a incomodar Antônia. Ela não deveria
estar sentindo alguma coisa? Não deveria sentir pelo menos alguma ligação
genética, por menor que fosse? Percebendo que ainda estava de pé na soleira da
porta, ela adiantou-se. Percebeu que ele reagia como um homem em guarda. O
que ele estaria imaginando? Que iria atacá-lo fisicamente?
—Até no andar, vocês se parecem — ele afirmou.
Antônia ofereceu-lhe um leve sorriso. Ele não ia dizer nada que ela
já não soubesse. Parecia-se com a mãe, andava como ela...
—Não gostaria de se sentar — Antônia o convidou educadamente.
— Aceita um drinque, um café, ou...
—Eu sou o seu pai — ele disse inesperadamente, fazendo com que
ela parasse de falar. Depois, com um estalar de dedos, prosseguiu: — Agora,
podemos falar francamente, sem qualquer cerimônia. O que quer?
—Como disse? — Antônia perguntou atônita.
—Você me ouviu — Anton insistiu. — Quero saber o seu preço.
Antônia não podia acreditar no que estava ouvindo e o criticou.
—Mas foi o senhor quem veio me procurar — ela o recordou.
—Eu não...

Projeto Romances 82
Desejo Incontrolável Michelle Reid

—É o que se chama fogo de encontro. Seria só uma questão de


tempo você ir me procurar — Anton a interrompeu. — Por isso estou aqui. — Ele
encolheu os ombros. — Tudo o que quero saber é quanto vai me custar o seu
silêncio.
Antônia olhou para ele sem poder acreditar. Ele havia ido procurá-
la porque achava que ela iria chantageá-lo?
—Mas, eu não quero...
—Gente da sua espécie sempre quer.
Antônia sentiu dificuldade até para respirar.
A voz dele demonstrava desprezo, seus olhos também. Ele odiava
até mesmo vê-la! Mesmo sem conhecê-la, ele a estava julgando uma mercenária.
Gente daquela espécie? Lembrou-se da mãe de Marco usando a mesma
expressão, demonstrando a mesma superioridade arrogante que imaginavam lhes
dar o direito de tratá-la daquela maneira!
—Anastasia me abandonou! — ele exclamou, demonstrando
ressentimento. — Você não deveria estar aqui. E o mais penoso é que temos de
manter esta conversação.
Será que ele sabia o que estava dizendo? Começou a sentir um
aperto no coração.
—O senhor esperava que minha mãe voltasse para a Inglaterra e se
livrasse de mim simplesmente porque era o que o senhor queria?
—Anastasia exigiu dinheiro — ele explicou. — Imaginei que ela iria
usá-lo para solucionar o problema.
O problema?
—Eu não era um problema para minha mãe! — ela exclamou. —Você,
sim! Ela precisava de dinheiro para sobreviver! Deus, ela se sentia tão mal. O
senhor foi embora, fechou a conta no banco, retirou-a do apartamento em que
ela vivia, tudo!
—É assim que essas coisas funcionam — ele disse sem um mínimo de
arrependimento. —E você vai perceber quando o seu momento chegar.
Era assim que ele tratara a sua mãe na confrontação final? Teria
sido aquela a razão por que ela nunca recobrara a auto-estima?
Como pudera amar aquele homem?
—O senhor me faz mal — ela sussurrou.
—Não me venha com pruridos de moral, signorina! — ele exclamou.
— Pois está vivendo com um homem que a torna tema de conversa de toda a Milão!
— Sua face estava impenetrável novamente, a voz fria. — Antes do falar pense
se preferiria que eu anunciasse para todo o mundo que a amante de Marco Bellini

Projeto Romances 83
Desejo Incontrolável Michelle Reid

é a filha bastarda de Anton Bellini! E que a Mulher do Espelho é, na verdade, a


prostituta da sua mãe!
Ao ouvir aquele insulto à mãe, Antônia o esbofeteou com força.
Frente a frente, ambos demonstravam profundo antagonismo, e ela não sentia o
menor remorso pelo que fizera. Ele alisou a face, e seus olhos a fuzilaram de
ódio.
—Soube o que Isabella Bellini fez para você na noite passada —ele
disse. — A galeria inteira estava comentando o incidente.
—Sorriu quando a viu empalidecer. — Acha que vai continuar aqui se
esta situação se tornar pública? Imagina que ao se declarar filha de um pai tão
rico quanto os Bellini, eles fecharão os olhos para a realidade de quem você seja?
—Como pode querer me acusar quando os seus próprios pecados
saltam à vista? —Antônia perguntou. — E por que vem aqui, se não se importa
que conte tudo aos outros? O senhor tem uma esposa. Os sentimentos dela não
contam para nada?
—Minha mulher morreu — ele disse. — Você não pode feri-la. Mas
eu posso atrapalhar a sua presença neste ambiente de luxo, se você ousar tornar
público o nosso parentesco.
—Não entendo por que o senhor imagina que eu queira fazer isso!
— A situação toda se tornara tão contraditória que ela não conseguia acompanhar
a lógica dele.
—Eu não estou certo — ele explicou. — Só queria me certificar de
que você entende qual é o seu lugar aqui. — Ele tornou as coisas claras. — Eu não
tenho serventia como trampolim para o seu casamento com Bellini. Na realidade,
constituo o maior empecilho. Mas estou disposto a aceitar a idéia de que você
possui um certo direito de me criar algum tipo de problema — ele admitiu. — E
tendo em mente que um dia Bellini se cansará de você, concordo que lhe devo
algum tipo de recompensa para se manter em silêncio sobre mim quando isso
ocorrer.
—Quero que saia daqui! — ela exclamou, sentindo-se descontrolar.
—Esta casa não é sua para que me mandar sair daqui — ele
respondeu, repetindo a pergunta que tinha em mente desde que chegara. — Diga-
me quanto...
Ela ficou estarrecida ao ver que ele levava a mão ao bolso interno
do paletó para sacar o talão de cheques! A raiva dominou a vontade de chorar.
Lá estava ele de pé, talão e caneta na mão esperando que ela
mencionasse algum valor. Era irresistível não fazê-lo.

Projeto Romances 84
Desejo Incontrolável Michelle Reid

—Dê-me tanto quanto o senhor vale! — ela exclamou, vendo a


expressão dele mudar. Dinheiro era o mais importante para ele.
—Oh, e também a reputação — ela acrescentou, uma vez que ele
realmente não podia suportar a idéia de ser atormentado por um erro de vinte
anos atrás!
Demonstrando irritação, ele disse:
—Acho que não entendeu...
Ao que ela retrucou, com um ar de ironia:
—Bem, deixe-me esclarecer as coisas, antes que haja mais
confusão. O senhor não vale precisamente nada para mim, capisce? Dessa forma
pode escrever no seu cheque: Dou à minha filha ilegítima Antônia Carson
exatamente nada! — Havia desgosto em seu olhar. — Agora, desculpe, preciso ir
— ela disse, dando-lhe as costas para sair da sala.
Se Marco estivesse lá, teria reconhecido o seu valor.
Mas ele não estava lá, e ela não pretendia esperá-lo voltar para
casa. Se o próprio pai a via daquela forma, que esperança teria de ganhar o
respeito de alguém enquanto continuasse a viver com Marco?
Tinha de ir embora e imediatamente, ela decidiu, antes que Marco
tivesse a oportunidade de convencê-la a ficar! E o mais triste era que ela sabia
que ele tinha esse poder, bastava apenas uma palavra, um toque, e ela ficaria ali
para sempre.
Carlotta estivera por perto no corredor do hall. Ela parecia
consternada, o que fez com Antônia imaginasse se ela ouvira alguma coisa.
Entretanto, mostrou-se controlada quando pediu:
—Por favor, atenda o signor Gabrielli por mim — ela lhe pediu,
dirigindo-se para o quarto principal.

No mesmo instante em que ela estava se confrontando com Anton,


Marco estava se confrontando com o seu pai na biblioteca da casa da família.
Havia ali coleções de livros valiosos. A casa, em si, era um tesouro nacional. E, lá
fora, estendia-se um vale inteiro coberto de vinhas que produziam o famoso
vinho Bellini, em uma liderança secular.
—Preciso da ajuda de vocês — Marco estava dizendo, com uma
expressão fechada. — Não pretendo me indispor com os meus próprios pais, mas
não espero que me pressionem a nada. — Era tanto um desafio como uma
advertência.
—Está esperando que eu me indisponha com sua mãe nessa
situação? — o senhor de meia-idade perguntou, dando uma risada irônica. —

Projeto Romances 85
Desejo Incontrolável Michelle Reid

Sinto muito, Marco, mas estou muito doente e tenho juízo suficiente para não
aceitar essa incumbência.
No entanto, ele não parecia tão doente quanto Marco imaginara
encontrá-lo.
—O senhor está com melhor aparência — ele observou.
—Obrigado por notar — o homem respondeu.
Na altura, aparência, e em outros aspectos físicos, Marco se
parecia muito com o pai. Entretanto, alguns meses atrás, um vírus havia
enfraquecido a vitalidade de Federico Bellini. Quando os médicos conseguiram
estabilizar sua situação, ele já havia perdido metade do peso, sofrera
complicações sérias em um pulmão, com conseqüências no coração, fígado e rins.
—Novas drogas — o homem disse com um tom de desprezo sempre
que mencionava os medicamentos que o mantinham vivo.
—Quem é essa mulher a quem sua mãe tem tanta aversão a ponto
de destratá-la em público?
—O senhor sabe quem ela é — ele disse, com um suspiro impaciente.
— Está vivendo comigo faz um ano.
—Está querendo dizer que ainda está com a mesma mulher?
Federico fingiu estar surpreso, mas não enganou Marco que, assim
mesmo, sorriu. — Não é à toa que sua mãe está em pânico.
—Não é para tanto.
—Vou repetir a pergunta. Quem é ela? — o pai perguntou com
audível ênfase no quem.
Enfiando a mão no bolso interno do paletó, Marco retirou uma
fotografia, tirada no casamento do seu melhor amigo. Depositou-a sobre a
escrivaninha na frente do pai. Federico pegou-a e a estudou.
—O seu bom gosto nunca foi posto em dúvida — ele disse, com
ironia.
—Mas? — Marco o interrogou
—Posso não ter participado de muitos eventos sociais nesse último
ano, mas vi a pintura — Federico disse. — Ela tem um corpo lindo e olhos tristes.
Marco nada disse, apesar de que poderia ter se aproveitado daquele
momento para contar a verdade. Talvez não fizesse diferença...
Antônia estava certa, ele percebeu. Quem olhasse para a mãe nua
estaria vendo a filha nua, por isso não importava o que se contasse para as
pessoas.

Projeto Romances 86
Desejo Incontrolável Michelle Reid

Marco tinha o direito de escolher o próprio futuro, e Antônia tinha


o direito de ser aceita como sua esposa. Se seus pais não quisessem aceitar,
então...
Então o quê, ele se perguntou.
—Bom para se distrair, bom para se aproveitar... — seu pai
murmurou. — Mas, só isso, Marco.
Marco pegou a foto e a colocou de volta no bolso.
—É a sua palavra final?
Seu pai lhe lançou um olhar severo, e se levantou para sair. Antes
porém perguntou:
—Ela está grávida?
Algo interessante, Marco ponderou cinicamente e sorriu com
tristeza. Uma criança Bellini concebida fora do casamento...
—Não — respondeu simplesmente e acrescentou: — Mas não é
difícil que isso aconteça.
Com satisfação viu o pai voltar-se, um ar de preocupação estampado
no rosto.
—Sente-se — Federico Bellini ordenou.
Marco obedeceu, mas somente porque aquela era a reação que
pretendera provocar.
—Agora, explique-me por que essa mulher, quando poderia ter
qualquer outra que quisesse?
Todos ali tinham a mesma arrogância no sangue. Antônia teria
adorado ouvir seu pai dizer aquilo.
—Quero apenas ela — ele declarou simplesmente. Depois, inclinou-
se para frente e olhou o pai diretamente nos olhos. — Ela é a única que pretendo
ter — afirmou com uma seriedade desconhecida. — Compreende...?
O silêncio durou cerca de uns trinta segundos. Depois, Federico
Bellini inclinou-se para trás na cadeira, soltou uma gargalhada e sacudiu a cabeça,
dizendo:
—Bem, venham aqui no próximo fim de semana. Vamos oficializar
isso.
—Grazie — Marco o agradeceu, quase não se contendo de alegria.
Entretanto, o pai ainda não havia terminado. Seus olhos adquiriram um brilho
malicioso quando disse:
—Agora, tudo o que tem a fazer é convencer sua mãe.

Projeto Romances 87
Desejo Incontrolável Michelle Reid

Quando Antônia chegou ao quarto, Carlotta já o havia arrumado.


Nada estava fora do lugar, nada que demonstrasse que aquele cômodo havia sido
usado. Aproximando-se do closet, pegou a maleta de couro. Não se surpreendera
quando Marco pusera todas as coisas de novo no lugar. Ordem masculina. Ordem
da sua governanta. Tudo em ordem em seu lugar. Aquele quarto era o refúgio de
Antonia.
Dessa vez, não houve nenhum homem raivoso para interrompê-la na
sua tarefa de acomodar as coisas. A maleta foi fechada com um estalido e,
quando ela a depositou no chão, ouviu uma batida na porta e Carlotta entrou.
Não havia como esconder a maleta. A governanta logo saberia de
tudo.
Carlotta olhou rapidamente para Antônia.
—Não, signorina, a senhora...
Algo a fez calar-se. Uma percepção do seu lugar na ordem das
coisas? A aceitação de que, para Antônia, ir embora era a coisa mais certa a
fazer?
Desviando os olhos, aproximou-se.
—O Signor Gabrielli me pediu para lhe entregar isto — ela disse,
estendendo um cheque para Antônia. Voltou-se e saiu sem mais nem uma palavra.
Sem nem mesmo olhar para o cheque para constatar quanto o seu
pai achava que ela valia, Antônia o rasgou em pedacinhos e saiu para o terraço.
Avistou Milão ao calor de um outro dia de verão. Lá embaixo, o
tráfego estava calmo e silencioso. Ao olhar em redor, a primeira coisa que viu foi
a forma de Marco impressa nas almofadas da espreguiçadeira que ele usara.
Carlotta devia ter se esquecido de limpar o local porque um sanduíche e um copo
de vinho tinto estavam sobre a mesa.
Sem conseguir conciliar o sono na noite passada, ele devia ter ido à
cozinha para preparar aquele lanche noturno. Mas ele a havia visto adormecida
na outra espreguiçadeira. Comida e vinho haviam sido esquecidos em favor de
algo mais energético.
Esquecidos tão rapidamente como a recusa de Antônia que, sem
hesitar, voltara aos seus braços e sua cama.
Antônia esforçou-se para não chorar. Lembrou-se da corrente de
ouro e do pingente de diamante. Procurou-os e os achou justamente no lugar onde
os havia deixado. Voltou ao quarto para guardá-los, quando viu o bilhete de Marco
dobrado.
—Não se preocupe, cara — ele dizia. — Esteja aqui quando eu voltar.

Projeto Romances 88
Desejo Incontrolável Michelle Reid

O primeiro soluço chegou sem ela notar, e logo foi seguido de outro,
mais outro. Sentando-se em frente à penteadeira, cobriu o rosto com as mãos e
chorou desesperadamente.
Quando terminou, ergueu-se. Levou alguns minutos para se
recompor e decidiu o que seria preciso fazer antes de ir embora...

Marco estava sozinho na biblioteca do pai, usando o telefone para


fazer uma ligação para a Galeria Romano. Queria falar com Stefan Kranst.
Rosetta Romano atendeu.
—Onde ele está? — Marco perguntou
—Viajou para Londres, esta tarde — Rosetta lhe disse. —Pensei que
você soubesse que ele só permaneceria aqui na primeira noite da vernissage. O
que quer que eu faça com a pintura da signorina Carson? — ela perguntou. —
Stefan não disse nada e a signorina Carson desligou o telefone antes que eu
pudesse lhe perguntar o que fazer, quando ela telefonou procurando Stefan há
uns dez minutos.
—Empacote o quadro e mande entregar no meu apartamento — ele
instruiu. —Antônia disse o que queria com Kranst?
—Não. Ela só perguntou onde ele ia estar e desligou. Foi tudo. Marco
também desligou. Não era com Stefan que ele estava preocupado, ele ponderou
consigo próprio. Apressou-se em se despedir do pai, para depois se dirigir ao
helicóptero que estava esperando. Só lhe ocorreu que deveria ter telefonado
para Antônia, para saber como ela estava, quando já estava no ar.
Está bem, ele disse a si mesmo, queria se certificar de que ela
realmente esperava por ele! Não confiava nela. Poderia confiar nela? Ela já lhe
havia dito, durante a noite de amor, que conhecer a verdade não mudaria nada
entre eles. Em um impulso, pegou o celular. Um olhar de censura do piloto o fez
largá-lo, relutantemente.

—Você tem de fazer isso por mim, por favor! — Antônia estava com
Stefan, e suplicou. — Deve-me isso, depois do fiasco da noite passada!
—Isabella Bellini se arrependeu da maneira como agiu — ele lhe
disse.
—Isso não me importa! — Gritou enquanto soluçava. — Não faz
diferença alguma. Já resolvi, estou deixando Milão.
—E Marco também? — ele perguntou.

Projeto Romances 89
Desejo Incontrolável Michelle Reid

Ela engoliu as lágrimas e fez que sim com a cabeça.


—Estas são as chaves — ela disse. — Tudo o que tem de fazer é
pagar o aluguel e depois pegar as minhas coisas para levá-las para Londres com
você.
Stefan se recusou a pegar as chaves.
—O que aconteceu depois que você foi embora com ele? — ele
perguntou, demonstrando impaciência.
Ela se recusou a dizer.
—Conto depois. Tenho de pegar o avião.
—Ele sabe para onde você está indo? — Stefan perguntou.
Ela não respondeu. Ele deu um suspiro.
—Querida, já lhe disse algo semelhante antes, mas vou repetir.
Marco Bellini não é um homem com quem se deve cruzar espadas.
Ela ergueu o queixo, os olhos brilhantes com uma expressão que ele
nunca vira antes. Era um cinismo amargo.
—Essa é a sua maneira de dizer que você não quer cruzar espadas
com ele?
—Meu Deus! — Stefan exclamou, pegando as chaves. — Vá —ele
disse. — Se conseguir uma passagem, vou amanhã. Mas vá se é preciso.
—Obrigada — ela sussurrou, beijando-o e deixando o hotel, sem
olhar para trás.
Se Antônia tivesse se voltado, teria hesitado porque Stefan tinha
um olhar determinado a matar qualquer um que ousasse prejudicá-la.
E ela não queria que Stefan matasse Marco. Precisava saber que ele
estava vivo e feliz. De fato, para ela era essencial saber que Marco permaneceria
exatamente igual, alto e elegante, suave e sofisticado, dono de um sorriso
verdadeiramente sensual. Queria lembrar-se dele rindo com os amigos, falando
seriamente sobre arte. Ou deitado em uma espreguiçadeira no meio da noite com
um copo de vinho tinto e um sanduíche. Sentindo falta dela...
Oh, sim, gostaria que Marco sentisse falta dela, ela admitiu,
enquanto o táxi enveredava pelo tráfego caótico de um sábado em Milão.
Ela conseguira reservar uma passagem em um vôo que saía do
aeroporto de Linate, que ficava umas quatro milhas de Milão. Quando o táxi
finalmente chegou ao perímetro do aeroporto, ela olhou para fora em tempo de
ver o sol brilhar na fuselagem de um helicóptero que pairava no ar pronto para
aterrissar.
O meio de transporte preferido de Marco quando ia para a casa de
seus pais, ela se lembrou, com um sorriso triste. Desviou os olhos, não querendo

Projeto Romances 90
Desejo Incontrolável Michelle Reid

pensar nele, justo naquele momento quando ainda poderia ser tentada a mudar
de idéia.

Marco viu o trânsito quando aterrissou e o amaldiçoou. Iria demorar


uma eternidade para voltar à cidade, no meio daquele caos. Agradecendo ao
piloto, saiu do helicóptero e se dirigiu para o edifício central. Em qualquer outra
ocasião, ele estaria se dirigindo para o estacionamento dos executivos, a fim de
pegar o carro. Entretanto a Ferrari tinha sido mandada para a manutenção
naquela manhã, e ele teria de usar um táxi. O que significava que teria de
atravessar todo o interior do aeroporto para chegar ao ponto de táxi.
Se tivesse se lembrado, teria usado o Lótus e economizado tempo,
uma vez que tinha muito que fazer, pessoas para atender, antes de voltar para
ver Antônia.
Pegando o celular, tentou ligar. Foi quando percebeu que havia se
esquecido de carregar a bateria na noite anterior. Com um suspiro de resignação,
guardou o aparelho.
O aeroporto estava cheio de turistas que transitavam por ali,
parecendo perdidos. Marco seguiu pelo caminho mais curto para a porta de saída
e teve de se esgueirar por entre as pessoas carregadas de malas. Foi nesse
momento que se lembrou de ir até a ala de partida para ver se via Stefan Kranst.
Entretanto, como o tempo era pouco, continuou a andar em direção a saída.
A fila para tomar o táxi era longa. Cheio de frustração ficou
esperando, vendo os carros que chegavam e partiam.
Finalmente, chegou a sua vez. Sentando-se no banco de detrás,
informou o taxista sobre o seu destino e fechou a porta. Foi quando teve a
estranha sensação de estar sentindo o perfume de Antônia.
O aroma estava na sua roupa ou na sua pele? Sempre estivera
impregnado daquele perfume? Gostou da idéia e sorriu, enquanto o chofer se
encarregava de enfrentar o trânsito, para chegarem ao destino.
Primeiro ao Buccellati, em busca de uma jóia especial para dar para
Antônia. Depois precisava realizar uma tarefa muito menos agradável, falar com
sua mãe.

Quando Antônia foi informada de que o horário do vôo havia sido


transferido, ficou novamente imersa em dúvidas. Não queria partir, e, ao mesmo
tempo, não queria ficar. Na realidade, não sabia o que fazer!
Baixou a cabeça e deixou que as lágrimas caíssem. Tinha a maleta
no colo. Quando a abriu para pegar lenços de papel, deparou com uma foto que

Projeto Romances 91
Desejo Incontrolável Michelle Reid

havia sido feita no aniversário de casamento de Nicola e Franco. Nela, estava de


pé ao lado de Marco que tinha o braço passado pela sua cintura. Ela parecia feliz
e ele também, apesar de que não pelo mesmo motivo. Ela demonstrava felicidade
por amá-lo, ele por... contentamento sexual.
Estava certa em partir, disse para si própria. Entretanto seus
lábios começaram a tremer e as lágrimas se tornaram mais copiosas ainda.
Stefan achava que ela estava cometendo um erro. Ficara
desapontado com ela.
—Ele vai reagir com violência — ele a havia advertido na festa de
aniversário dos de Maggio.
Oh, sim, por favor, que ele faça isso, ela pediu em pensamentos,
como tola que era. Que ele venha atrás de mim, deixe-me trancafiada em seu
quarto e jogue a chave fora. Não me importo! Gosto de ser a amante dele!
Antônia pensou em sua mãe e em Anton Gabrielli... Depois, mudou
de idéia. Não, ela negou para si mesma com veemência.
Não é verdade. Se eu ficasse grávida, Marco não...
Como saber se ele não o faria?
Ela não sabia, e existia uma real possibilidade que a mantinha presa
à poltrona na sala de espera do aeroporto ao invés de sair correndo para ir se
encontrar com ele. Percebeu que Anton Gabrielli plantara muitas tristezas em
seu coração. O desprezo, as acusações, a crença automática de que não
conseguiria nada. Ele desprezara sua mãe justamente por ser mãe! E ele a
desprezava da mesma forma. Assim como a mãe de Marco.
Subitamente, ergueu o rosto. Sentiu uma estranha sensação, como
se alguém a houvesse livrado de todos os males.
Só uma mãe poderia fazer aquilo. Só uma mãe teria o poder de
remover todas as aspirações de outra mulher em relação ao seu filho. Talvez
fosse devido ao desprezo de Isabella Bellini que ela ainda se mantinha sentada
naquele lugar. Porque, dali em diante, sem sua bênção, não haveria mais
relacionamento algum com Marco que não pudesse ser considerado sórdido.
Não sentira sordidez na noite que passara com ele. Havia sido uma
bela noite, fora especial. Marco a fizera especial.
Esteja aqui quando eu voltar.
Antônia sentiu um aperto no coração, e todo o calor e sentimento
de amor voltaram. Olhando para baixo, viu a fotografia ainda em suas mãos. As
lágrimas voltaram, assim como a indecisão. Gostaria que anunciassem o seu vôo.
Precisava partir, ir embora dali!

Projeto Romances 92
Desejo Incontrolável Michelle Reid

Marco entrou no edifício de apartamentos e se dirigiu diretamente


para os elevadores. Aquele não fora um bom dia definitivamente. Um verdadeiro
golpe de estado! Gastara muito tempo entre compromissos profissionais e o
trânsito e agora estava ansioso por ver Antônia.
Enquanto o elevador o conduzia com a suavidade costumeira, ele se
flagrou sorrindo quando sua mão apertou a pequena caixa de anel em seu bolso.
O elevador parou, e as portas se abriram. Ele saiu do elevador, pensando que
aquele era o momento mais importante de toda a sua vida!
Estranhamente, nunca se sentira tão bem.
Entrando em casa, viu o grande embrulho de papel marrom apoiado
contra a parede. Era o retrato de Antônia que lhe havia sido entregue pela
Galeria Romano. Em seguida viu Carlotta que estava de pé torcendo as mãos.
Marco se sentiu gelar.
—Antônia! — ele exclamou, com a voz rouca. — Onde ela está?
Os olhos da governanta estavam cheios de consternação.
—Ela foi embora, signor — a senhora murmurou.

CAPÍTULO 10

Ele desceu para o hall e se encaminhou para o quarto, indo


diretamente para o armário embutido. A maleta não estava lá. Não acreditando
no que via, voltou-se para dar uma busca no restante do quarto.
A confusão de roupas espalhadas que anteriormente lhe alegrava
os olhos deixara de existir, substituída por uma ordem fria e espartana.
Assim, alguns poucos objetos sobre a cama lhe chamaram a atenção.
Aproximou-se e ficou olhando para o molho de chaves do apartamento, a
corrente de ouro com o pendente de diamante os cartões de crédito e o telefone
celular.
Sentiu-se constrangido. Será que ela imaginava valer tão pouco para
ele? Até mesmo a cama parecia fazer parte daquele conjunto de objetos
devolvidos.

Projeto Romances 93
Desejo Incontrolável Michelle Reid

O celular deu um sinal. Marco olhou para ele e viu que havia uma
mensagem em inglês escrita no visor. Uma mensagem que ela havia deixado para
ele. “Sinto muito”, era tudo.
Por vezes ele se esquecia de que ela falava inglês, tão bom era o seu
italiano. Entretanto, dessa vez o sinto muito parecia dizer mais do que mi
despiace.
Aquilo era pouco para ele. Queria saber mais. Será que ela não
poderia ter confiado nele e esperado somente mais um dia?
—Quando foi que ela partiu? — Ele percebeu Carlotta de pé junto
à porta, olhando-o ansiosamente. Obviamente, ela deveria ter algo para lhe dizer,
já que o interrompera em um momento tão crucial.
—Logo depois que o signor saiu... — a governanta começou a dizer.
Signor? Marco se voltou rapidamente.
—O signor Kranst? — ele perguntou ansiosamente.
Carlotta sacudiu a cabeça em um sinal de negação.
—Um tal de signor Gabrielli — ela respondeu. — Acho que
discutiram — ela acrescentou, parecendo desconfortável ao dizer aquilo. — A
signorina me pediu para acompanhá-lo até a porta. Foi quando ele me deu um
cheque para que entregasse à signorina Antônia. —Seus olhos se voltaram e se
fixaram no cesto de lixo ao lado da penteadeira. —Ela estava muito contrariada
— ela acrescentou, enquanto Marco olhava para o mesmo lugar.
O interfone soou indicando que alguém estava querendo subir.
—Não quero receber ninguém — Marco lhe disse, com a expressão
sombria.
Com um gesto de compreensão, Carlotta saiu, deixando-o sozinho
para ir examinar o conteúdo da lixeira.

Naquele mesmo instante em que Stefan estava tentando convencer


Carlotta a deixá-lo subir, o vôo de Antônia finalmente fora anunciado.
Haviam sido duas horas de atraso e espera e, agora, seus nervos
estavam em frangalhos. Reunindo suas poucas coisas, ela se ergueu, parou e
inspirou profundamente. Chegara a hora, iria partir. Não haveria mais incertezas
e nem contradições. Seria melhor ir embora enquanto tinha forças suficientes
para fazê-lo. Melhor do que esperar para ser finalmente abandonada, tal como
acontecera com sua mãe.
Cabisbaixa, seguiu a fila que se dirigia para a entrada de embarque,
como se fosse uma turista qualquer, voltando para casa.
—Sem bagagem para embarcar, signorina?

Projeto Romances 94
Desejo Incontrolável Michelle Reid

Ela olhou para a maleta de mão quase vazia, mesmo depois de viver
quase um ano em Milão. Quando partira de Londres, tinha em mente mandar vir
mais coisas quando estivesse morando com Marco, mas ele não permitira, e lhe
comprara coisas novas.
Ela sacudiu a cabeça em sinal negativo para o atendente que estava
checando as passagens.
—Isso é tudo que levo — ela disse, e acrescentou silenciosa-mente
para si mesma: e um coração cheio de tristeza.

Marco estava recostado na janela aberta que dava para o terraço,


quando Stefan Kranst teve a petulância de entrar no quarto.
—Preciso falar com você — ele insistiu secamente. — Não sei o que
aconteceu na noite passada depois que você saiu da galeria com Antônia. Mas...
—Anton Gabrielli — Marco o interrompeu, sem se virar.
Diante daquele nome, Kranst permaneceu em silêncio, com uma
expressão de espanto.
—O que ele queria? — Stefan perguntou.
—Vejo que você também conhece aquele homem — Marco
respondeu.
—O que ele queria? — Stefan repetiu impaciente.
Marco apenas fez um aceno com a mão.
—Veja por si mesmo — ele disse, voltando-se para observar o rosto
de Kranst quando se aproximou para ver as coisas dispostas sobre a cama. O
pingente de diamante, as chaves, os cartões de crédito e o celular ainda
mostrando o recado no mostrador. E o cheque, em pedaços, cuidadosamente
recomposto. Stefan ficou olhando longamente, antes de falar.
—Eu o vi na galeria na noite passada — ele admitiu. — E intimamente
desejei que vocês tivessem saído antes dele chegar.
—Eles se encontraram face a face, e ele a chamou de Anastasia...
Stefan não fez comentários; apenas mordeu o lábio. Logo após
perguntou:
—Quando foi que isso chegou?
—Anton veio entregar pessoalmente esta manhã, enquanto eu
estava fora — Marco respondeu.
—Não foi à toa que ela se foi apressadamente. Ele a ofendeu? —
Stefan ergueu os olhos sombrios para Marco. — Você sabe quem ele é?
A pergunta foi respondida com um ar de suspeita.
—O pai dela, imagino.

Projeto Romances 95
Desejo Incontrolável Michelle Reid

—Ela lhe contou? — Stefan demonstrou tanta surpresa que Marco


não pôde evitar um sorriso.
—Não — ele respondeu. — Eu cheguei a essa conclusão. Ela parecia
não confiar em mim — ele acrescentou laconicamente. Antônia nada lhe falara
sobre a Mulher do Espelho, nem sobre o pai que ele desconhecia, e muito menos
sobre o relacionamento inocente que mantinha com Kranst.
Lá fora, no céu, ele viu o reflexo do sol na fuselagem de um avião
que passava.
—Você sabe onde ela está? — ele perguntou baixinho, enfiando as
mãos nos bolsos, em uma tentativa de conter as lágrimas. Apalpou a caixa do
anel. — Eu vou atrás dela! — ele exclamou, evitando olhar para Kranst e dirigindo-
se para a porta do quarto.
—Vim aqui por uma razão — Stefan o lembrou.
Marco deteve-se.
—Para a desforra? — ele sugeriu.
Stefan deu um suspiro profundo.
—Vamos parar com isso, Marco — ele pediu entristecido. —Eu me
preocupo com Antônia mais do que um pai. Isso significa que eu me preocupo com
o que possa estar acontecendo com ela aqui! Ela foi me ver antes de ir embora
— ele continuou. —Não gostei da expressão dela e agora sei por quê. Gabrielli
esteve aqui —ele acrescentou, cinicamente. — Mas, o ponto é que ela me deu
alguma coisa sobre a qual acho que você deve saber.
Marco se voltou.
—Chaves. — Stefan as tirou do bolso. —E um endereço em Milão.
Vim para saber se você está tão interessado quanto eu em descobrir que segredo
é esse que ela mantinha tão guardado de nós dois!

Ela não podia fazer aquilo.


Parada na saída de embarque, com a passagem na mão e somente a
alguns passos da liberdade, ela não podia dar mais nem um passo atrás!
As lágrimas toldavam-lhe a visão. Eu o amo!, ela gritava
interiormente.
—A senhorita está se sentindo bem? — alguém lhe perguntou.
Outra pessoa tentou passar em sua frente, cheia de impaciência.
—A signorina não parece bem.
—Acabei de me lembrar de uma coisa. — Ela engoliu em seco, vendo
a expressão espantada do atendente. — Pode retirar o meu nome da lista de
passageiros, por favor? Esta é toda a bagagem que tenho.

Projeto Romances 96
Desejo Incontrolável Michelle Reid

Talvez fosse aquela a razão por que escolhera a menor mala


possível. Talvez nunca tivesse realmente pretendido abandonar Marco! Talvez
tivesse sido preciso levar as coisas até aquele ponto para finalmente aceitar o
fato de que não poderia viver sem aquele homem. Não seria possível!
Deixando a passagem sobre o balcão, ela se voltou e saiu correndo.
Precisava voltar para ele. E depressa!
Não me deixe preocupado, ele havia escrito. Esteja aqui quando eu
voltar!
Ele a queria. Por Deus, estava evidente! Ele se preocupava com o
fato de a mãe a haver ofendido! Havia até mesmo a pedido em casamento para
que ela não fosse embora!
Oh, Deus. Por que tomara consciência disso tão tarde? Por que não
o esperara voltar para lhe contar sobre Anton Gabrielli, ao invés de fugir sem
lhe dar a chance de falar? E ele não se parecia com Gabrielli! Como ousara
comparar os dois?
A fila de táxi era enorme. Depois de meia hora de espera, conseguiu
embarcar no mesmo táxi que a havia levado até o aeroporto. Deu o endereço do
apartamento, e o taxista ergueu a sobrancelha, olhando-a através do retrovisor.
—Esse é um endereço muito conhecido — ele disse. — Foi lá que a
peguei hoje de manhã — ele se lembrou. — Depois levei outra pessoa para lá, esta
tarde. Agora a estou levando de volta. A senhora acha que aquele senhor vai
estar esperando para que eu o traga de volta para o aeroporto?
Ele achou graça, mas Antônia não.
—O senhor sabe o nome daquele passageiro? — ela perguntou, cheia
de expectativa.
—De certo — ele respondeu. — Todos conhecem o signor Bellini. Ele
dá ótimas gorjetas.

Marco pagou ao taxista e saiu do táxi para esperar por Stefan. A


Ferrari não havia voltado da manutenção, e ele não quis usar o Lótus de Antônia.
O carro ia ficar exatamente onde estava, até que ela voltasse para reclamá-lo.
—O que ela esteve fazendo em um lugar como este? — ele
perguntou, demonstrando espanto.
Stefan não respondeu. Caminhando até a porta, ele pegou a chave,
abriu a porta e entrou. Acompanhado por Marco, subiu os vários lances de
escada, passando por portas que tinham placas de natureza suspeita.
—Você sabe que este lugar faz parte da zona de prostituição?
—Marco perguntou a Stefan.

Projeto Romances 97
Desejo Incontrolável Michelle Reid

—Sei — o outro homem respondeu. E, apesar de não ter a menor


idéia, do que Antônia poderia estar fazendo ali, estava começando a se
preocupar.
Chegaram ao último andar. Os dois mantiveram-se calados ao se
depararem com a única porta. Stefan girou a chave e entrou primeiro, dominado
pela tensão.
Ficou parado por segundos, antes de murmurar:
—Bem isso é um alívio. — Depois começou a rir.
Para Marco a incógnita continuava. O que sabia sobre aquela
mulher?, perguntou-se, ao ficar do lado de Stefan olhando o que se poderia
chamar de ateliê de pintura. A luz penetrava através das janelas amplas
iluminando o local que cheirava a madeira, óleo e turpentina. Em todos os lugares
havia pinturas. Algumas emolduradas ou esperando para serem emolduradas.
Piazza Dei Duomo, La Scala, Pusteria di Sant’Ambrogio, Brera, com sua fileira de
pequenas lojas e passantes, e os jardins da Vila Reale.
Em uma bancada, uma pilha de esboços a lápis. No cavalete, via-se
semi-acabada a pintura do seu próprio terraço, com vista para Milão.
Marco não fazia a menor idéia de que Antônia pudesse até mesmo
empunhar um pincel, quanto mais fazer quadros como aqueles.
— Olhe para estes — Stefan murmurou. Ele se aproximara da
bancada e estava examinando os esboços.
Esboços de figuras vivas feitos com traços seguros. Esboços de
pessoas entretidas com os seus afazeres. Marco conteve a respiração ao
imaginá-la ali, naquele lugar inseguro, desenhando, enquanto ele estava no
escritório protegido tratando de negócios, acreditando que mulheres de homens
ricos passavam a vida no ócio.
Stefan separou um dos esboços onde Marco viu a própria face.
Espantou-se diante da acuidade com que ela havia captado o seu
estado de ânimo naquele momento.
Encontrou inúmeros outros desenhos. Todos revelavam suas
diferentes expressões com detalhes.
Depois, algo lhe atraiu a atenção. Era uma pintura semi-acabada de
Franco e Nicola prestes a sair para a viagem de lua-de-mel. Percebia-se que
Antônia não ficara satisfeita com o resultado, já que a pintura havia sido
abandonada em um canto. Entretanto, não era a obra inacabada que lhe chamara
a atenção. Era a constatação de que, pelo tamanho, coincidia exatamente com a
pintura que ela havia embrulhado para dar de presente no aniversário de
casamento dos dois.

Projeto Romances 98
Desejo Incontrolável Michelle Reid

Apesar de não lhe haver mostrado, havia pedido sua aprovação.


Aliás, ela não lhe havia pedido aprovação para nada que estivera
fazendo naquele ateliê.
Sentiu tristeza.
—Por que ela não me disse nada? — ele murmurou quase
inaudivelmente.
Voltando-se para ele, Stefan o olhou longamente, sabedor da
resposta. Ela deveria ter sentido medo de que Marco caçoasse dela, e portanto
deixara de lhe contar.
— Não sou nenhum monstro — ele disse baixinho.

Antônia havia mudado de idéia no último instante. Não sabia por que
havia feito aquilo, mas instintivamente, lembrou-se de que deveria evitar que
Stefan esvaziasse o seu ateliê, já que não iria mais embora. Assim, pediu ao
motorista que mudasse de direção e se dirigisse para o estúdio. Entretanto, ao
chegar, percebeu que não estava mais com as chaves para entrar no prédio.
Felizmente, um dos inquilinos estava saindo naquele momento.
Ele a reconheceu e, com um sorriso, cedeu passagem para que ela
entrasse.
—A senhorita tem visitas — ele disse.
Stefan!
Ela sorriu.
—Grazie — ela respondeu, deixando que ele fechasse a porta atrás
dela.
Sua maleta não era pesada, mas ela arfava quando chegou no último
andar. A porta estava semi-aberta. Abrindo-a totalmente, ela parou para pôr a
maleta no chão, justamente no momento em que Marco dizia com um leve tom de
censura.
—O que ela acha que eu ia fazer. Rir dos trabalhos dela?
Ela ficou parada, a boca seca e os olhos arregalados. Marco estava
lá, juntamente com Stefan. Parecia que o destino continuava a determinar a sua
própria sorte.
—Bem — ela conseguiu sussurrar. — São vocês?
Ele se voltou para olhá-la. Fez-se silêncio. A tensão estava
estampada no rosto de todos. A claridade do sol fazia brilhar os cabelos escuros
e sedosos de Marco. Ele estava usando um terno cinzento combinando com
camisa um tom mais claro e gravata quase preta. Sua pele tinha um brilho

Projeto Romances 99
Desejo Incontrolável Michelle Reid

dourado, e os seus olhos, da mesma cor da gravata, brilhavam de tristeza, paixão


e orgulho ferido.
Ela sentiu vontade de chorar só em vê-lo. Queria correr para ele,
abraçá-lo tão fortemente que ele nunca mais poderia se afastar dela.
Ao invés disso, simplesmente ergueu o rosto. Era uma questão de
orgulho pessoal.
—Você devia estar em um avião! — ele exclamou.
Era a última coisa que Antônia esperava que ele dissesse.
—Não pude ir.
—Como vê, não estou rindo — ele respondeu.
—O que faço aqui é muito importante para mim — ela explicou, sem
nem saber por que.
—Posso ver que sim — ele redargüiu. — Por que você não pôde ir?
Ela estremeceu, sentiu-se a ponto de perder os sentidos, o
estômago nauseado.
—Porque você não queria — ela murmurou incerta. — Você confiou
que eu ficasse, mas eu não confiei que você...
As palavras se perderam.
—O esboço que você está segurando não está muito semelhante —
ela conseguiu acrescentar.
Ele olhou para as próprias mãos sem consciência de que estivesse
segurando alguma coisa.
—Você acha que eu sou um monstro — ele murmurou, voltando a
olhar para ela.
—Algumas vezes, sim — ela concordou.
—Vai entrar ou pretende fugir novamente?
—Oh. — Foi a vez de ela olhar para a maleta como se nao soubesse
onde estava ou o que estava fazendo. Permanecia parada junto à soleira da porta,
com a maleta no chão ao seu lado e a bolsa a tiracolo.
Antônia fez menção de se abaixar para pegar a maleta, mas Marco
se adiantou rapidamente. A maleta foi erguida, e ela foi puxada para dentro na
mesma rapidez em que a porta foi fechada.
Foi então que ela viu Stefan, apoiado em uma parede, com os braços
cruzados.
—Olá — ela murmurou, tentando se recompor.
—Olá — Stefan respondeu. — Será que você gostaria de nos contar
o que significa tudo isto? — ele perguntou diretamente.

Projeto Romances 100


Desejo Incontrolável Michelle Reid

—Ela não precisa explicar nada — Marco disse, segurando o braço


de Antônia como se temesse que ela pudesse fugir mais uma vez.
Stefan olhou desafiadoramente para Marco.
—Ela precisa explicar se é que você quer que eu me vá daqui —ele
replicou, sem se importar em demonstrar sua intenção. Marco fez uma cara de
desagrado e ficou quieto, permitindo que Stefan continuasse com a pergunta.
Ainda trêmula e tentando pôr os pensamentos em ordem, Antônia
inspirou profundamente.
—Você sabem... Eu pinto. Aliás, foi você quem me ensinou —ela
respondeu.
—Você aprendeu sozinha — ele a corrigiu secamente. — Insistindo
em colocar o seu cavalete ao lado do meu todas as vezes que eu trabalhava,
imitando cada pincelada que eu dava.
—Então, foi com você que eu aprendi — ela concluiu.
—Mas não esta espécie de pintura — ele disse com ironia. —Isso é
arte que se vende nas esquinas.
—É arte! — Marco exclamou, saindo em defesa de Antônia.
Ele estava sendo amável, pois Stefan tinha razão.
—Em lojas — ela corrigiu.— Eu vendo essas pinturas para as lojas
de Brera, que, por sua vez, revendem-nas para os turistas.
Rende um pouco de dinheiro.
—Foi por isso que você pouco usou o dinheiro que eu lhe dava —
Marco murmurou.
—E os seus trabalhos sérios? — Stefan perguntou, recusando-se a
ser posto de lado.
Ela ficou tensa. Marco também.
—Que trabalho sério? — ele perguntou.
—Você viu um exemplo na noite passada — Stefan informou sem
olhar para o rosto aflito de Antônia.
—Dio mio — Marco sussurrou, olhando-a espantado. — Quer dizer
que você pintou o seu próprio corpo nu?
—As vezes eu o odeio — ela fuzilou Stefan. Stefan não se importou,
saiu de onde estava e se encaminhou para eles.
—Pergunte a ela sobre aquele que ela mantém escondido ali —ele
sugeriu a Marco, ao se aproximar deles. Depois, parou e se inclinou para beijar o
rosto raivoso de Antônia. — Acabe com essas pinturas sem valor antes que elas
a arruínem — ele a advertiu seriamente, antes de abrir a porta e se retirar,
deixando-os a sós.

Projeto Romances 101


Desejo Incontrolável Michelle Reid

Antônia ficou tensa, ainda não se sentia pronta para o que estava
para acontecer. Tentou distraí-lo.
—Marco, precisamos conversar.
Mas, já era tarde demais.
—Agora vamos ver o que temos aqui — ele murmurou
vagarosamente. Com um alçar de mão, pegou a pintura e a levou para um cavalete.
Ela se manteve imóvel. Tinha o rosto em fogo. Afastando-se, ele se
pôs a estudar a pintura do seu próprio corpo nu, pintado com todos os detalhes
que só podiam ser conhecidos por alguém que o conhecesse muito intimamente.
Quando ele começou a rir, ela sentiu vontade de sair correndo atrás
de Stefan. Mas, a forma como ele se observava no quadro a deixou
desconcertada.
—Está tudo errado — ela exclamou. —Está fora de proporção. O
seu nariz está parecendo o de César, e o seu torso está muito longo!
—Acho que está perfeito.
Ele até poderia estar gostando, ela pensou, cheia de raiva.
—Odeio quando as pessoas olham para o que estou pintando, antes
que esteja terminado!
—Você quer dizer que odeia que eu veja esta pintura? — O humor
de Marco mudou tão rapidamente que a pegou desprevenida. Subitamente
tomado de fúria, ele perguntou: —Por quê? Por que não podia me dizer que
pintava assim? Pensei que a conhecesse, mas estive vivendo com uma completa
desconhecida! Sua mãe está dependurada na minha parede, mas você não se
importa em me dizer! O seu ex-amante nunca foi o seu ex-amante! Na realidade,
aposto que você nunca teve amante algum antes de mim. Teve?
Ela enrubesceu e sacudiu a cabeça negativamente, o que o
enfureceu ainda mais.
—O seu pai é um rato, e você tem um talento artístico que procura
me esconder! — Marco esbravejou.
—Você possui um Rembrandt! — ela retrucou na defensiva.
—Eu também tenho um Kranst! — ele respondeu. — E muitos
trabalhos de artistas totalmente desconhecidos. E por que citou o Rembrandt!
Está querendo dizer que além de ter todas as outras falhas, ainda sou um esnobe
em termos de arte?
—A sua opinião me era muito valiosa! — ela exclamou. — Por isso
achei melhor não lhe mostrar!
Naquele instante, ele a agarrou e a beijou. Não sem tempo, ela
pensou, correspondendo ao beijo como uma mulher faminta.

Projeto Romances 102


Desejo Incontrolável Michelle Reid

—Dio mio — ele murmurou de encontro aos lábios sequiosos.


—Tem idéia do que foi voltar para casa e não encontrá-la?
—Chorei durante toda a viagem para o aeroporto — ela confessou,
como se aquilo o aliviasse.
—Não faça isso de novo!
—Não farei — ela prometeu.
Beijaram-se novamente, antes que ele acrescentasse cheio de
ardor.
—Realmente, não poderá fazê-lo porque vou me garantir de que não
tentará fugir outra vez! — Levou a mão ao bolso e retirou de lá uma pequena
caixa preta de couro.
No momento em que a viu, Antônia já sabia do que se tratava.
Cheia de emoção, disse, escondendo as mãos atrás das costas.
—Não! Você não precisa fazer isso! — Tentou mesmo se afastar.
Ele a seguiu.
—De certo que preciso fazer isso.
—Não! — ela gritou, encostando-se na parede.
Marco tentou acalmá-la.
—Amore mio, isso é o que eu quero. O que ambos queremos!
Antônia continuava a sacudir a cabeça, sentia-se descontrolada.
—Eu voltei porque quis — ela repetiu. — Não é preciso isso para me
manter aqui! Uma aliança vai tornar as coisas ainda mais complicadas! Preferia...
—Está bem — ele disse suavemente. — Falei com o meu pai, e ele...
Ela ficou olhando para ele com os lábios trêmulos.
—Falou com ele sobre mim? — Parecia tão horrorizada que dava
pena. — Você não tinha o direito de incomodá-lo com esse assunto quando ele
está doente!
—Doente — Marco concordou. — Mas não incapacitado! E foi sem
qualquer desrespeito à sua doença que eu o procurei para obter a aprovação.
Mesmo assim, você acha que eu sou homem que precisa da aprovação de quem
quer que seja?
—Precisa da minha — ela respondeu. — E não estou preparada para
me colocar entre você e os seus pais. Não preciso fazer isso. Estou
perfeitamente feliz com as coisas como estão.
—Mas eu não! — ele exclamou, com uma súbita expressão de
ansiedade. — Assim, fiz uma oferta irrecusável para o meu pai. —Seus olhos
brilharam, cheios de intenção, enquanto ele erguia o estojo da aliança. — Que
seria feito deste jeito, ou através de métodos menos convencionais.

Projeto Romances 103


Desejo Incontrolável Michelle Reid

—Não existem outros métodos...


E assim dizendo, ele a beijou e sussurrou junto ao ouvido de
Antônia:
—Um Bellini ilegítimo não é aceitável. Meu pai entendeu o recado
e...
—Você está querendo dizer que ameaçou me engravidar? — ela
perguntou. Depois, sua expressão modificou-se. — Acha honestamente que eu
vou permitir que faça isso comigo?
Os olhos de Marco começaram a brilhar com uma mensagem
explícita:
—Você não tem força suficiente para me impedir.
Mas ela tinha. De um jeito ou outro, ela tinha o poder de lhe dizer
não. — Uma criança não é uma arma, Marco — ela disse desviando-se dele. — Não
acredito que queira brincar com o futuro de um ser somente para vencer uma
argumentação.
—Fala isso por experiência própria? — Marco perguntou, com uma
expressão de curiosidade.
Ela não disse nada.
—Anton Gabrielli! — ele exclamou. — Ele lhe deu um cheque polpudo.
Anton ou estava tentando pagar pela amante ou para comprar o silêncio — ele
disse com um levantar de ombros. — E como tenho certeza de que você foi
somente a minha amante, concluí que ele estava pretendendo comprar o seu
silêncio. Não sabe como fiquei feliz com a sua atitude.
Entretanto, ela estava começando a perceber como um antigo
sobrenome italiano poderia fazer a diferença entre ser aceita ou não.
—Eu não vou considerá-lo como meu pai, você sabe — ela avisou. —
Mesmo que ele declarasse publicamente ser meu pai, eu negaria. Ele não me
acompanharia pela nave da igreja somente para me tornar aceitável perante os
olhos da sociedade. E se ele me deixasse os seus milhões, eu os devolveria
imediatamente. Portanto, se isso... — ela olhou de maneira expressiva para o
estojo do anel — que você quer fazer está baseado nessas presunções, você está
perdendo tempo, Marco.
—Os bilhões irão para o filho e herdeiro dele — ele informou,
notando a expressão de surpresa nos olhos de Antônia. — Vejo que você não sabe
nada sobre ele. — Marco sorriu. — E um rapaz simpático, gosta das mulheres e
toca os negócios com prazer, tal como o pai fazia. Casado — ele acrescentou
sucintamente. — Tem dois filhos, um menino e uma menina. A esposa vive com o
sogro na propriedade da ilha de Capri, enquanto o marido se diverte por aí.

Projeto Romances 104


Desejo Incontrolável Michelle Reid

Quanto ao nome Gabrielli, você não precisa dele, já que vai adotar o nome de
Bellini, quando se casar comigo. E se você não o quer como pai, ótimo. — Ele
encolheu os ombros. — Porque meu pai se sentirá muito bem em acompanhá-la.
Além disso, apesar da opinião que você possa ter sobre os meus pais, posso lhe
dizer que são bons. O único e grande problema é que eles me amam
demasiadamente. Mas, com o tempo, pretendo fazer com que esse amor se divida
pelos novos membros da família.
—Sua mãe me odeia...
—Minha mãe — Marco a interrompeu — estava tão arrependida
quando a vi esta tarde, a ponto de querer vir comigo para se desculpar.
Felizmente — ele acrescentou, — consegui dissuadi-la. Caso contrário, ela teria
presenciado o que aconteceu. Isso diz alguma coisa? — ele perguntou baixinho.
Antônia sentiu os olhos se encherem de lágrimas de
arrependimento, e sua boca começou a tremer.
Lutando contra o desejo de beijá-la, Marco pôs o anel no bolso.
Antônia ficou olhando e ele ficou muito feliz em perceber a
expressão de desapontamento em seus olhos. Ela podia invocar todas as razões
do mundo para justificar não querer o anel, mas estava mentindo. Desejava-o
com a mesma intensidade com que o queria.
Entretanto, agora teria de esperar. Exceto se primeiro...
Ele pegou uma folha de papel marrom e um rolo de fita adesiva. Ela
estava diante da janela vendo a paisagem que se descortinava e que lhe dera
motivo para escolher aquele lugar. Ignorando-a ele pegou a pintura em que
aparecia nu, e, com a eficiência de quem sabia manusear uma tela ainda sem
moldura, embrulhou-a para ser transportada.
Voltando a cabeça, ela nem mesmo tentou protestar, dizendo
apenas:
—Ainda não está terminado.
—Você terá todo o tempo do mundo para terminá-lo quando
voltarmos ao apartamento — ele replicou. — Vamos transformar um dos quartos
de hóspede em estúdio — ele disse, enquanto terminava de passar a fita adesiva
no embrulho.
—Marco...
—Há alguma coisa que você queira levar consigo agora? — ele a
interrompeu, olhando para ela.
Apesar dos raios de sol estarem esmaecidos naquele entardecer, a
forma como incidia sobre a pele e os cabelos de Antônia, fazia-o se lembrar do
auto-retrato que ela fizera. Entretanto, a expressão dos olhos poderia ser a da

Projeto Romances 105


Desejo Incontrolável Michelle Reid

própria mãe. Era triste perceber que ela não acreditava que houvesse esperança
para eles.
—Você voltou, cara — ele a lembrou. — Mas para uma nova ordem
de coisas. E isso não pode ser evitado só porque você tem medo das mudanças
que vão acontecer.
—Poderia ser evitado, se você permitisse — ela respondeu.
Ele sacudiu a cabeça.
—Eu não quero mais voltar à forma devida que tínhamos antes!
Marco exclamou determinado.
Era óbvio que ela estava ciente da escolha a que ele estava se
referindo. Devia deixá-lo novamente ou encarar um futuro com todas as
implicações.
Mas ela havia voltado, ele pensou aliviado, e essa era a única coisa
que o impedia de prometer qualquer coisa em troca da presença dela.
Era uma sensação estranha, aquele medo de perdê-la.
—Está pronta? — ele perguntou.
Ela baixou os olhos, virou-se e se abraçou, deslizando as mãos
braços acima em uma tentativa de se preservar. Coragem? Medo?
Amor que ele sabia que ela sentia por ele? A necessidade de
acreditar que ele sentia a mesma coisa por ela?
Já era tempo de ela começar a acreditar no amor, ele pensou,
melancolicamente. Já era tempo de começar a confiar nele.
—Sim, estou pronta — ela respondeu baixinho.
Ele sentiu um alívio, mas esforçou-se para não demonstrar a
emoção.
—Então, vamos embora. — Ainda segurando o embrulho da pintura,
ele foi pegar o pouco de bagagem que ela possuía. Quando Antônia se aproximou,
Marco lhe passou a bolsa tiracolo pelo ombro. Depois, silenciosamente,
encaminhou-se para a porta.

Projeto Romances 106


Desejo Incontrolável Michelle Reid

CAPÍTULO 11

O apartamento estava muito silencioso em contraste com a viagem


de táxi pela cidade barulhenta. Um grande pacote marrom com o nome da Galeria
Romano estava apoiado em uma parede. Marco colocou a sua nova descoberta ao
lado dele. Depois, atravessou o hall em direção ao quarto levando a maleta de
Antônia.
Ela o seguiu e se sentiu estranha ao entrar em um lugar que sempre
lhe parecera seu. Entretanto, nada mudara. Tudo estava exatamente como devia
ser, a não ser pela ausência das coisas que lhe pertencia.
Marco já estava colocando a maleta no armário embutido. Havia uma
declaração implícita na forma como ele fazia aquilo, já que a maleta fora
guardada sem ser esvaziada, e ele trancara o armário, guardando depois a chave.
Agora tente fugir com a roupa do corpo, parecia estar dizendo.
Insegura quanto ao que responder, Antônia ainda estava
considerando as suas opções, quando ele veio o seu encontro. Fechou a porta do
quarto e lhe tirou a bolsa tiracolo do ombro, deixando-a simplesmente cair. Suas
ações eram tão deliberadas que a deixaram extremamente nervosa. Depois,
pegou-lhe a mão e a conduziu até a janela e acionou o botão que fez cerrar a
persiana sobre a vidraça.
O quarto ficou iluminado pela luz indireta. A sedução parecia pairar
no ar. Virando-a para ele, Marco a olhou como se houvesse esquecido de algum
detalhe do seu rosto. Suspirou.
—Por que fechou a persiana? — ela perguntou. Ele nunca se
importara em tomar tal providência antes.
—Preciso de toda a sua atenção — ele explicou. — E há a
necessidade de ficarmos separados do resto do mundo, para podermos nos
recordar de que quase perdemos tudo.
—Sinto muito — Antônia disse. — Eu...
—Nunca mais use essas palavras — ele a interrompeu. —
Especialmente em inglês. — Ele estremeceu. — Elas sempre representarão o
adeus mais frio que um homem pode receber.

Projeto Romances 107


Desejo Incontrolável Michelle Reid

Ele estava falando da mensagem que ela havia deixado no telefone.


Ela sentiu uma dor no peito ao ver a expressão de dor naqueles olhos cinza-
azulados e o beijou suave e ternamente.
A dor transformou-se em paixão.
—Si — ele sussurrou em aprovação. O beijo era definitivamente
melhor do que qualquer palavra.
Um beijo levou a outro, até que a ternura se transformou em fome,
e a fome em desejo. Desejo que fez com que as roupas fossem desnecessárias
para recordar o que ela havia posto em risco naquele dia.
Antônia sentiu-se feliz pois tinha tudo de que precisava. Marco a
tocava e a desejava como ela sempre sonhara.
As palavras não eram necessárias quando havia outros meios para
demonstrar os sentimentos. Aquele era um momento especial. O que os unia era
especial e, assim, amaram-se como se fosse a primeira vez. E com o passar
harmonioso dos dias, Antônia começou a se sentir em lua-de-mel, sem querer que
nada interrompesse aqueles momentos de união.
Quem é que queria um anel de noivado? Tampouco uma proposta de
casamento? Aquilo tudo era tão mais confortável, muito mais semelhante ao amor
verdadeiro.

Na segunda-feira, Marco voltou à sua rotina de trabalho, já mais


tranqüilo quanto a voltar e encontrá-la ali. Antônia começou a transformar um
dos quartos de hóspede em estúdio de pintura. Na terça-feira, ela se lembrou
de que as duas pinturas haviam desaparecido e anotou para perguntar a ele para
onde haviam sido levadas, mas se esqueceu completamente de perguntar quando
ele voltou naquela noite com uma carta de Anton Gabrielli. Era uma declaração
de que ela era realmente sua filha, na qual pedia desculpas por sua atitude e se
oferecia para fazer o anúncio publicamente se ela assim o desejasse.
—Você o forçou a isso? — ela perguntou a Marco.
—Eu somente o fiz ver quanto estava errado quanto ao julgamento
que fazia de você — ele replicou. — Achei que você merecia isso. O que fizer em
relação a ele agora é da sua total iniciativa.
—Quer dizer que você não querer me persuadir a convencê-lo a
fazer um reconhecimento público?
Era um desafio, e Marco o reconheceu como tal.
—Não preciso disso, cara — ele declarou calmamente. — Mas
imagino que você possa sentir a necessidade de conhecê-lo melhor algum dia.

Projeto Romances 108


Desejo Incontrolável Michelle Reid

—Não vou querer — ela disse desdenhosamente. — Fico arrepiada


só em ouvir o nome dele,
—Se é assim, desfaça-se da carta — Marco a aconselhou, — e se
esqueça dele. Ele não vai lhe causar mais problemas. Prometo.
Antônia imaginar que tipo de influência Marco tinha para ter tanta
certeza disso. Mas, nada perguntou, já que não queria interromper aquele clima
de felicidade.
Na quarta-feira, foram jantar com Franco e Nicola, que haviam
acabado de voltar da visita ao Lago Como. Nicola estava radiante, seus olhos
brilhavam de prazer por perceber claramente que o relacionamento de Marco e
Antônia havia superado as diferenças, e todos se divertiram.
Na quinta e sexta-feira, ela supervisionou o trabalho de mudança
do seu estúdio para o novo local, e por várias vezes se perguntou o que teria
acontecido com o estojo de anel que desaparecera no bolso de Marco.
Mas logo voltava a se entregar ao trabalho, estava contente,
verdadeiramente feliz. Marco a estava tornando uma parte permanente da sua
vida e a amava. Tinha certeza disso. Ou se tornando cada vez mais certa disso,
à medida que os dias passavam.
Mas ele arruinou tudo...
Aconteceu tão inesperadamente que não lhe ocorreu como estivera
vivendo naquela última semana, refugiada em um mundo de sonho até que, no
sábado, ele disse casualmente:
—Vamos a uma festa hoje à noite e precisamos sair para comprar
algo muito especial para você usar.
Uma festa, ela repetiu. Certamente encontraria pessoas e teria de
enfrentar a humilhação pública por que passara. Não poderia ir.
—Não — ela suspirou.
Levantando os olhos do jornal que lia todas as manhãs, ele observou
a palidez dela.
—Vermelho — ele murmurou. — Algo chocante em vermelho, longo
e justo. Sem costas para mostrar a sua pele maravilhosa.
—Eu não vou, Marco — ela anunciou com firmeza.
—Penteie os cabelos para cima — ele continuou como se ela não
houvesse dito nada. — Deixe que todos vejam a sua linda nuca e que saibam que
o único homem a poder beijá-la sou eu...
—Eu disse que não vou! — ela exclamou, erguendo-se.
—E vou enchê-la de diamantes — ele continuou a dizer, recusando-
se a ouvi-la. —Nas orelhas, pescoço, pulsos e mesmo no tornozelo!

Projeto Romances 109


Desejo Incontrolável Michelle Reid

—E não se esqueça de colocar um cartaz no meu pescoço onde se lê:


Minha Amante — ela retrucou.
Inclinando-se para trás na cadeira, ele sorriu, imaginando-a.
—Boca pintada de vermelho e muita máscara nos olhos. E acho que
um cravo vermelho nos cabelos daria o toque final.
Antônia nunca se sentira tão ofendida.
—Não acredito que você esteja falando assim comigo, sabendo do
que aconteceu na última vez em que estivemos em uma festa!
Marco percebeu que ela estava indignada, mas não se deteve.
Na realidade, estava plenamente consciente de que ela tinha o
direito de se sentir assim.
Mas, tinha de continuar.
—Está com vergonha de quem você é, cara? — ele indagou, cheio de
curiosidade.
Ela ergueu o rosto.
—Não — ela respondeu.
—Então tem vergonha de ser a minha mulher?
—Apenas não pretendo ser humilhada pela segunda vez.
Aquela era uma resposta que lhe permitia furtar-se a responder o
que ele havia perguntado. Marco levantou-se, e ela tentou se afastar. Ele a
manteve no mesmo lugar, segurando-a pela cintura.
—Fizemos um trato há uma semana — ele disse.
—Trato? — Ela olhou para ele, e depois desviou os olhos. —Não sei
do que está falando.
Mentirosa, ele pensou, mantendo-a subjugada.
—Você voltou para mim querendo que as coisas permanecessem
iguais. — Ele a lembrou. —Eu lhe disse que não ia ser possível.
—Mas temos sido felizes nesta última semana! — ela exclamou.
—Por que vai querer mudar algo que está indo tão bem!
—Nessa semana, fiz o seu jogo. Permiti que fingíssemos que tudo
estava bem porque você parecia precisar disso. Mas, eu não quero que as coisas
estejam apenas bem. Quero que fiquem perfeitas — ele acrescentou. — E a
perfeição tem um preço, cara. Você está preparada para pagar esse preço?
Ela simplesmente não estava gostando daquela conversa. Era um
terreno perigoso.
—E qual é o preço?

Projeto Romances 110


Desejo Incontrolável Michelle Reid

—A sua confiança — ele respondeu. — Quero que confie em mim,


para que as coisas funcionem. E falando seriamente, não vou me conformar a não
ser com a confiança total.

Antônia sabia que ele estava falando sério e estremeceu diante


daquela simples idéia.
—Tenho de confiar a ponto de fazer o que você me pedir,
começando por me vestir de vermelho? — ela perguntou, demonstrando
insegurança.
—Você fará isso? ele perguntou.
Poderia acreditar que ele não pretendia torná-la um objeto de
escárnio? Não, não podia. Mas só se pedia para uma mulher se vestir da maneira
como ele havia descrito, se houvesse uma razão oculta. E apesar de não saber do
que tratava, concordar com tudo aquilo seria demonstrar confiança.
—Sim — ela respondeu.
Ele sorriu e acrescentou:
Muito bem. Vi um vestido perfeito na Via Monte Napoleon.
Vamos sair para comprá-lo.

Não havia dúvida de que era vermelho, Antônia constatou, ao se


mirar no espelho do provador. Sentiu um frêmito de expectativa. De fato, Marco
o havia descrito perfeitamente. Longo e justo, o vestido tinha um corpete em
forma de coração, e um decote nas costas que ia até abaixo da cintura. A saia
que lhe moldava as curvas descia até os tornozelos, tendo uma abertura atrás
para permitir o andar. Não podia ser mais sexy.
Como Marco desejara, ela havia prendido os cabelos e estava
recoberta de diamantes. A pedra preciosa brilhava no colar, nos braceletes e
nos brincos. Seus sapatos de salto alto e de tiras vermelhas, ressaltavam o
adorno dos tornozelos também de diamantes como ele havia pedido. A única coisa
que ela se recusara a usar era o cravo vermelho nos cabelos.
O batom vermelho, a sombra e o delineador dos olhos muito mais
acentuados do que ela costumava usar, fizeram-na não se reconhecer ao se olhar
no espelho. Tinha uma aparência sexy e extravagante. Ela não fazia a menor idéia
do que estava por vir.
— Se eu me aproximar, você vai me atacar? — uma voz profunda
perguntou.

Projeto Romances 111


Desejo Incontrolável Michelle Reid

Ela o olhou através do espelho. Alto e elegante, bonito demais no


seu terno de noite e gravata borboleta. Ele a olhava como se a quisesse comer
viva.
— Fico imaginando quantos convites vou receber hoje à noite —ela
disse, sem fazer menção de atacá-lo.
Abraçando-a por detrás, ele passou as mãos pela cintura,
acariciando-lhe a pele nua. Ela estremeceu sem poder se conter.
—Todos podem tentar, mas ambos sabemos a quem você pertence,
não?
Sim, ela pensou e, por momentos, odiou-o por ser tão autoconfiante.
Assim ela virou-se e deslizou a mão pela sua camisa, até chegar ao pescoço e daí
à orelha. Aquele homem podia conhecê-la por inteiro, mas ela também o conhecia.
Uma leve carícia em um ponto estratégico foi suficiente para fazê-lo subir pelas
paredes.
—E você sabe a quem pertence, mi amore?
Ele agarrou-lhe os dedos e os beijou, com uma expressão de malícia,
os olhos escuros cheios de promessas. Foi quando ela viu a cor do forro do seu
paletó. De seda opaca vermelha, da cor da capa de um toureiro.
Percebeu que ele preparara alguma coisa para aquela noite.
—Aonde vamos? — ela perguntou.
—Até que enfim resolveu perguntar — ele disse, sorrindo. —Espere
e verá. É uma surpresa.
Apesar de não gostar de surpresas, Antônia conteve-se ao se
lembrar de que prometera confiar nele.
Depois que deixaram o apartamento, dirigiram-se ao
estacionamento e entraram em uma limusine com motorista. Isso significava que
Marco pretendia beber naquela noite. Não era tarde, o que constituía uma
exceção, já que em Milão, as festas somente começavam depois das dez. Só
começou a entender o porquê de terem saído tão cedo, quando chegaram ao
aeroporto de Linate. Um helicóptero os esperava.
—Diga-me para onde estamos indo? — Antônia perguntou, sem
poder se conter.
Entrando no helicóptero, ela ajeitou o vestido e se sentou. Ele se
acomodou ao lado dela e fechou a porta. Acenou para que o piloto desse a partida
e, finalmente, anunciou:
—Estamos indo para a casa dos meus pais, na Toscana.

Projeto Romances 112


Desejo Incontrolável Michelle Reid

Antônia foi pega totalmente de surpresa, e Marco percebeu que ela


empalidecera, tomada de terror. Ela permaneceu calada, sentindo-se morrer
centenas de vezes.
Instintivamente, ele sentia que devia dizer alguma coisa. Qualquer
coisa que garantisse que aquela noite ia ser boa. Mas o termo ‘boa’ não era o
suficiente para ele. Além do mais havia a lembrança tácita do compromisso da
confiança. Uma questão de orgulho, ele sabia. Apesar de a haver perdoado por
ter escondido tantas coisas dele, ele ainda não se conformara com o pouco que
ela confiara nele em questões tão importantes da vida.
Ela o havia considerado um homem superficial. Um arrogante e
esnobe que era capaz de amar uma mulher insensivelmente na cama, mas que na
verdade poderia desprezá-la pelo que ela era. Bem... Naquela noite, Antônia teria
de aprender algumas lições duras, e uma delas seria passar as próximas horas
em total ansiedade. Devia isso a ele.
Ele estava excitado. Pretendia causar um impacto não somente em
seus familiares, como também nos amigos, e na própria Antônia.
Chegaram quando já se fazia escuro. A hora perfeita para ela ver
pela primeira vez a casa dos Bellini, lindamente iluminada.
Esperando que as hélices do helicóptero parassem de girar, Marco
ajudou Antônia a descer. Ela deslizou entre seus braços quase sem peso,
insubstancial, nada além de encanto e beleza e ansiedade...
—Eu a amo — ele murmurou, beijando-lhe a testa.
Foi a primeira vez que ele disse aquilo em voz alta. Se estava
querendo provocar impacto, conseguiu. Ela sentiu os olhos umedecerem, e ele
também.
—Só queria que você tivesse certeza disso antes de entrarmos —
ele acrescentou, com a voz rouca.
Ela não disse nada, e ele lhe tomou a mão e a conduziu em direção
da casa. Atravessaram as grandes portas deixadas abertas para a circulação do
ar da noite. Os dedos de Antônia agarravam-se tão fortemente aos dele,
fazendo-o sentir que aquela bela mulher lhe pertencia para sempre.
Os primeiros que viram ao entrar foram o pai e a mãe de Marco,
que os esperavam para recebê-los na grande entrada.
Chegara a hora, ele pensou. A hora do show!

Vestida de preto, extremamente elegante, á signora Isabella Bellini


se adiantou. Antônia notou que ela estava sorrindo, um sorriso não muito
convincente. Ela sorriu em resposta.

Projeto Romances 113


Desejo Incontrolável Michelle Reid

—Bem-vinda — ela a saudou, inclinando-se para beijá-la em ambas


as faces.
Antônia agarrou-se ainda com mais força a Marco.
—Obrigada. — Antônia respondeu em inglês. Pareceu-lhe mais
apropriado. — Foi muito bom receber o seu convite para vir.
—Deveria ter sido há mais tempo — lsabella respondeu
cortesmente. — Peço desculpas pela minha rudeza e espero que possa me
perdoar. Por vezes, nós, Bellini, podemos ser muito arrogantes para a nossa
própria conveniência.
Falara de uma maneira tão graciosa e bondosa, que Antônia sentiu
os olhos se umedecerem novamente.
—Eu realmente compreendo — ela respondeu para a senhora. Talvez
pudesse ser uma mentira, mas era o que cabia dizer.
Foi naquele instante que Federico Bellini se aproximou.
—Vejo agora porque o meu filho se empenhou tanto em falar comigo!
— ele exclamou, sorrindo.
Antônia sentiu-se estremecer diante do mesmo sorriso de Marco.
Ele era tão alto quanto o filho e percebia-se que por debaixo da
sofisticação formal do traje branco e preto, o signor Bellini conhecera tempos
melhores.
Ela ia expressar sua preocupação com a saúde dele, quando ele a
interrompeu.
—Não diga isso — ele se adiantou. — Não é necessário. —Beijou-a
em ambas as faces, ergueu o rosto e sorriu. —É uma honra finalmente conhecê-
la, srta. Carson.
Depois, voltou-se para Marco.
—Esta noite é sua, Marco. Seus convidados o esperam. É melhor
começarmos já.
Marco sentiu o aperto da mão de Antônia. Aquela seria mais do que
uma apresentação formal. Os olhos de Federico brilhavam de cumplicidade.
Isabella nada demonstrava. Ela não fora contra o que estava para acontecer, mas
também não tinha certeza de que daria certo.
—Fira-a com isso, e ela não lhe perdoará jamais — ela lhe dissera
no dia anterior.
—A senhora não a conhece como eu. Confio nela. Tenho confiança
de que irá entender.
Confiança. Dio, aquela palavra estava desempenhando um papel
importante na sua vida, ele pensou, ao se aproximar da porta que levava ao salão

Projeto Romances 114


Desejo Incontrolável Michelle Reid

de recepção. Antônia seguia ao seu lado, e os pais logo atrás. Um mordomo abriu
a porta de par em par, para revelar uma imensa sala iluminada por um candelabro
suntuoso de cristal. Marco deteve-se para que Antônia pudesse se acostumar
com a grandeza do lugar e com as pessoas que os estavam esperando.
O ruído da conversação deu lugar ao silêncio. Antônia sentiu o
impacto do momento. Marco manteve-se quieto, apenas esperando que ela
percebesse o que ele havia preparado para ambos naquela noite.
Finalmente, ela os viu, dispostos em par, no seu atrevimento e
despudor. Os lábios vermelhos descerram-se em um arfar só perceptível por ele.
A surpresa a fez apertar-lhe mais a mão. Depois, ela simplesmente ficou ali, sem
quase respirar. Ele chegou a pensar se havia cometido um grande erro.
Aquilo não podia estar acontecendo, Antônia se dizia. Estava
vivendo um pesadelo. Em um minuto, todas aquelas pessoas começariam a rir,
dizendo-lhe para ir embora e nunca mais se aproximar novamente. Era assim que
os sonhos como aquele terminavam. Era a única forma de entender o que estava
se passando.
Mas aquele não era um sonho. Sabia porque sentia Marco ao seu
lado, vibrando de expectativa. Tentou engolir, mas não conseguiu. Tentou se virar
para olhar para ele, mas não pôde desviar os olhos.
Dependurados na parede da casa dos pais de Marco, para que todos
vissem, estavam dois nus pintados em óleo e enquadrados em molduras
semelhantes. Um era dela própria, esguia e sedutora. O outro era de Marco,
irreverente e arrogante em sua nudez, como ela sempre o conhecera.
Ela sentiu o coração disparar ao ver os dois representados tão
impudicamente. E, repentinamente, o vestido começou a fazer sentido, bem como
todos aqueles diamantes. Marco estava tentando dizer aos pais, amigos e demais
que amava aquela mulher que era capaz de se exibir publicamente daquela forma.
Se você não pode vencê-los, alie-se a eles, era o que ele estava
tentando lhe dizer. Mostre-lhes essas duas pinturas e os deixe pensar o que
quiserem!
— Se você pode, eu também posso — Marco murmurou ao lado dela.
Sua voz era suave, cheia de humor e desafio.
Ela conseguiu forças para fitá-lo, com urna expressão de quem
queria entender o porquê de tudo aquilo, mas, de repente, sentiu vontade de rir.
Ele percebeu e a olhou com uma expressão de cumplicidade. Aquela era a maneira
de ele procurar desfazer as diferenças que havia entre eles. Uma demonstração
de que ele descia os degraus da sua posição, ao mesmo tempo em que ela subia
ao seu encontro.

Projeto Romances 115


Desejo Incontrolável Michelle Reid

A mão que ele colocou em sua cintura a fez sentir uma excitação
cada vez maior à medida que ele a deslizava pelo corpo feminino, em uma
demonstração clara de posse.
—Ainda há mais — ele a advertiu, baixinho.
Antônia sentia as pernas bambas. Sua pulsação estava disparada, e
ela se encontrava presa de um espanto mesclado com uma deliciosa sensação de
liberdade. Passaram por entre rostos sorridentes, faces acusadoras, e faces
familiares como as de Franco e Nicola. Naquele enlevo, Antônia viu Stefan
sorrindo com uma expressão de cumplicidade, enquanto que uma mulher ao seu
lado a olhava com curiosidade. Era alta e de pele escura, tão bonita que fez com
que Antônia se detivesse por instantes para lhe dirigir um sorriso caloroso.
—Tanya — ela sussurrou o nome da mulher.
—Mais tarde — Marco lhe disse, impulsionando-a para frente.
Do outro lado do salão, finalmente pararam. Exatamente entre as
imagens deles dois. A luzes brilhavam, os diamantes cintilavam, e as pessoas
observavam quando eles se voltaram.
Prendendo a atenção de todos, ele a olhou fundo nos olhos, fazendo
com que a expectativa aflorasse corno uma energia coletiva.
—Agora — ele anunciou com a voz rouca — chegou a hora...
—Outra surpresa? — ela sussurrou, consciente de que ele estava
deliberadamente retardando o momento.
Olhou para baixo e teve de piscar várias vezes para focalizar o anel
que ele estava lentamente deslizando em seu dedo. De ouro e platina, era um
entremear intrincado de metais que formavam a base para um diamante.
Instintivamente, ela percebeu que não se tratava de um diamante qualquer, que
aquele cintilar amarelado só podia ser o de uma pedra rara.
—Que acha?
Profunda e perturbadoramente rouca, a voz de Marco provocou-lhe
ondas de excitação.
—É lindo — ela murmurou.
—Com o risco de parecer prosaico, posso dizer que me lembra o
brilho dos seus olhos — ele murmurou enlevado. — Mas, tudo tem um preço... —
acrescentou.
—Já imagino — ela disse baixinho, em uma tentativa de brincar. Mas
não conseguiu, já que estava imaginando o que ele poderia estar preparando para
ela.
—Humm — ele murmurou. — Ao receber este anel, mi amore, você
estará prometendo-me que confiará em meu amor pelo resto da minha vida.

Projeto Romances 116


Desejo Incontrolável Michelle Reid

Sem se preocupar com quem pudesse estai- olhando, ela ficou na


ponta dos pés e o beijou. Sem timidez ou preocupação, beijou-o com todo o amor
que sempre sentira.
Os flashes foram disparados, e eles foram fotografados naquele
abraço amoroso entre duas pinturas testemunhas da razão porque se beijavam
daquela maneira.

A Vila Portofino era o lugar ideal para a lua-de-mel, Marco pensou


com uma ponta de satisfação. Haviam chegado lá de helicóptero diretamente da
recepção de casamento que sua família havia realizado na Toscana. E apesar de
estar escuro lá fora, o ar estava fresco naquele balcão, tão perto do mar, onde
Marco reclinado via a noiva se aproximar.
Estava nua. Assim como ele também, não fosse pelo fino colete de
cetim que ela o havia feito vestir de novo antes que permitisse que ele a amasse.
Era como se fossem participar de uma cerimônia, já que ela mesma mantinha o
véu de tule preso aos cabelos, esvoaçando pelo rosto e ombros enquanto se movia
em sua direção. Sexy. Muito sexy.
Ele sorriu.
—Quando é que você vai tirar esse véu?
—Quando me sentir casada — ela replicou.
Ele arqueou uma sobrancelha.
—E você ainda não sente casada?
—Não — ela respondeu com um muxoxo, fazendo um beicinho
adorável. E como já haviam feito amor várias vezes desde que haviam chegado,
aquilo parecia depor um pouco contra a virilidade de Marco.
—Olha só para isto — ele a advertiu.
Ela teve a audácia de olhar para baixo. Ele riu. O que mais poderia
fazer quando estava sendo enfeitiçado por aquela tentadora que tinha só uma
coisa em mente.
Dio, ela o fazia se sentir como se fosse o único homem no mundo.
Ela estendeu o braço e começou a desabotoar lentamente o colete,
em uma fantasia erótica sempre renovada.
—Se está me olhando tão intensamente porque está pensando em
me pintar deste jeito, ouça o que lhe digo, cara, e mude de idéia —ele a advertiu.
Antônia ergueu o rosto. Já não fazia beicinho, agora era pura
sedução. Aproximando-se mais, manteve os olhos presos aos dele por um longo
momento. Beijou-o com a urgência do desejo.

Projeto Romances 117


Desejo Incontrolável Michelle Reid

Marco fechou os olhos, e sua respiração tornou-se pesada. Se


morresse naquele instante, pelo menos levaria aquela imagem com ele.
Marido e mulher, pertencendo um ao outro.
—Você não tem inibição alguma — ele a censurou.
—Eu o amo — Antônia respondeu simplesmente. — O amor não tem
inibições.
Ela estava certa. E ele se apossou daquela boca quente e vermelha,
daquela mulher que ele possuiria de todas as formas.

Fim

Projeto Romances 118

Você também pode gostar