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Economia Industrial

Material Teórico
Concentração Industrial e as Cadeias Globais de Valor

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Me. Fabio Sousa Mendonça de Castro

Revisão Textual:
Prof. Esp. Claudio Pereira do Nascimento
Concentração Industrial e
as Cadeias Globais de Valor

• Concentração Industrial e as Cadeias Globais de Valor;


• Concentração: Cartéis, Trustes e Fusões;
• Estruturas Alternativas de Mercado;
• A Internacionalização do Capital;
• As Cadeias Globais de Valor;
• A Inserção do Brasil nas Cadeias Globais de Valor.

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Discutir a tendência à concentração do poder econômico;
· Apresentar o debate sobre as Cadeias Globais de Valor, partindo da
interpretação sobre a Internacionalização do Capital.
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No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos
e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você
também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão
sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados;

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus-
são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o
contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e
de aprendizagem.
UNIDADE Concentração Industrial e as Cadeias Globais de Valor

Introdução
Bem vindo à esta unidade do curso de Economia Industrial. A partir do conheci-
mento discutido na unidade anterior, em que pudemos estudar os modelos de análise
das estruturas de mercado que se aproximam da conjuntura das relações econômi-
cas, vamos verificar como se configura a economia industrial no cenário em que o
poder econômico se estabelece nos Oligopólios.

Para isto, nesta unidade vamos entender como se dá o fenômeno da concentra-


ção industrial, identificando como emergiram as grandes empresas e como se com-
portam, e posteriormente apresentar o debate sobre as cadeias globais de valor que
regem o funcionamento da produção na economia global oligopolizada.

Concentração: Cartéis, Trustes e Fusões


O universo da produção, dos primórdios do capitalismo até a segunda metade
do século XIX, aproximava-se de uma economia concorrencial em que muitas em-
presas disputavam o mercado, dando algum sentido real para a ideia da concorrên-
cia perfeita. Todavia, com a expansão da condição de sociedade anônima, a partir
de 1860, este universo é transformado.

Nos Estados Unidos da América, na entrada do século XX, o universo da produção


já era dominado em dois terços por poucas grandes empresas. A origem dessas em-
presas gigantes esbarra no rápido crescimento interno do país, todavia, configura-se
nas chamadas fusões de empresas.

As fusões podem ser distinguidas em três fases históricas: a) incialmente de forma


horizontal, quando as empresas que se destacavam no mercado adquiriam seus con-
correntes diretos; b) após a Primeira Guerra Mundial, passa a ter o caráter vertical,
ou seja, as grandes empresas já estabelecidas passam a adquirir seus fornecedores
de insumos e as empresas que vendiam seus produtos; e c) após a reorganização do
mundo pós guerras, em meados dos anos de 1960, toma o caráter de conglomera-
do, em que empresas gigantes passam a adquirir outras empresas com as quais não
tinham nenhum tipo de relação, no intuito de formar impérios e absorver o poder
econômico e político (HUNT & SHERMAN, 1977).

Importante! Importante!

Interessante notar que a concentração se acelera sempre marcada por uma crise e perío-
dos de depressão. Nesses períodos, muitas empresas menores são atingidas pelos efei-
tos recessivos, facilitando a ação concentradora das empresas que já haviam atingido
razoável grau de concentração.

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Esta tendência à concentração se estabelece porque ao obter o poder econô-
mico, as empresas escapam dos entraves da concorrência via preço, angariando a
liberdade de determinar os preços de acordo com seus interesses. Por outro lado,
a necessidade de produção em escala favorece esta tendência à concentração, pois
só um capital acumulado é capaz de disponibilizar investimentos que gerem produ-
tos mais baratos, uma vez que absorvem a mão de obra qualificada e utilizam equi-
pamentos com tecnologia mais avançada. Este fato termina por banir as pequenas
empresas da concorrência.

Em Síntese Importante!

Ao estabelecer o trabalho especializado, em consonância com máquinas e equipamen-


tos mais produtivos, e eliminar a concorrência via preço, a grande empresa obtém o
poder econômico, suprimindo os riscos e restringindo as incertezas. Desta forma, pode
estabelecer um preço bem acima de seus custos de produção, ainda que mais barato ao
consumidor final devido à economia de escala.

Entretanto, a viabilidade para a oligopolização tem sua força propulsora no sistema de


crédito. Isto remete ao que Hilferding (apud KON, 1994) aponta como a transformação
do capital em capital financeiro. Os bancos, que anteriormente agiam como intermediá-
rios da concessão do capital depositado para capitalistas individuais, passam a buscar sua
própria acumulação de capital através da produção, promovendo uma relação intrínseca
entre o capital bancário e o capital produtivo.

Dessa forma, o capital financeiro direciona a utilização de todo capital ocioso da


economia para fins produtivos, orientados para a concentração do poder econômico.
Dada a dimensão destas empresas gigantes, sua expansão já não mais é possível com
apenas a utilização de seus excedentes. Os bancos tomam um caráter central na eco-
nomia produtiva, possibilitando acelerar a expansão da produção via direcionamento
do crédito.

Com este panorama, em que poucas empresas dominam os setores produtivos mais
dinâmicos da economia, articulados com o capital financeiro, fica evidente que a con-
corrência como outrora passa a ser extinta das relações econômicas. Trata-se agora da
briga de gigantes ou do tratado de gigantes.

A elevada concentração dos mercados resulta em uma conduta interdependente


das empresas, na determinação dos preços principalmente. Uma vez que esta inter-
dependência se direciona a acordos entre as empresas do mercado, a fim de garantir
um poder monopolista e maximizar os lucros, há a cartelização da economia ou a
prática de Trustes.

Os cartéis se estabelecem quando empresas rivais entram em acordo para


uma ação comum, a fim de garantir o poder de monopólio e compartilhar o
mercado através de uma política rígida de controle de preços. Dessa forma, as
empresas se mantêm independentes, porém comprometidas com as políticas
dispostas pelo acordo (KON, 1994).

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UNIDADE Concentração Industrial e as Cadeias Globais de Valor

Os Trustes se estabelecem quando as empresas renunciam à sua independência


econômica, a fim de garantir o controle do mercado por um grupo que estabelece
a organização da indústria, buscando eliminar os riscos da concorrência e auferir o
poder de monopólio. Assim, as empresas podem manter a sua autonomia adminis-
trativa, marcas e etc., mesmo que sua conduta no mercado esteja sob a égide de um
grupo que determina seu comportamento.

Evidentemente, essas práticas são consideradas ilegais na maioria dos países,


pois um dos principais ideais do capitalismo é a defesa da livre concorrência.
Nesse sentido, cada país determina suas políticas antitrustes, no intuito de evitar
as consequências desfavoráveis da ausência ou limitação da concorrência.

Uma vez que os oligopólios perseguem e auferem o poder econômico e político, como
Explor

esperar que as políticas antitrustes realmente impactem sobre a formação de grupos que
controlem o mercado extinguindo a concorrência?

Por outro lado, tendo em vista o pensamento da escola neoclássica, o poder de


monopólio conduz o mercado a produzir com menos eficiência, sem alocação ótima
dos recursos e com preços mais elevados. Isto pode não parecer razoável, pois ao
consumidor final, os produtos tendem a ser mais baratos à medida que a indústria
trabalhe em economia de escala.

O que de fato ocorre é que as empresas oligopolistas vendem seus produtos


muito acima de seus custos de produção e, portanto, obtêm lucros extraordi-
nários. Todavia, com a economia de escala, a produtividade destas empresas é
muito mais elevada, o que garante custos menores e maiores lucros.

A concorrência entre as empresas oligopolistas, enquanto independentes, não se


estabelece nos preços, tende a se caracterizar por uma disputa por inovação tecno-
lógica, a fim de aumentar a produtividade ou ainda criar diferenciais que rompam a
ordem produtiva e gerem novas necessidades aos consumidores.

Em Síntese Importante!

As empresas oligopolistas não disputam o mercado através dos preços, o que lhes
proporciona um excedente que pode ser utilizado para desenvolver métodos de
produção mais produtivos. Isto lhes garante redução dos custos e maiores possibi-
lidades de excedentes. Por sua vez, quando vislumbram novos mercados, apontam
para expansão, o que lhes é assegurado pelo sistema de crédito que administra o
capital acumulado na sociedade e direciona para os “cases de sucesso”, onde a acumu-
lação, não a produção, mostra-se eficiente.

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Estas características, somadas à velocidade que as transações tomaram a partir do
avanço da tecnologia da informação, apresentam um novo cenário para o universo
da produção. Nesse sentido, a corrida por inovações tecnológicas, que aumentem os
resultados das empresas, e a conquista dos mercados, através do esforço de venda (pro-
pagandas), são as marcas da concorrência.
As inovações, como veremos na próxima unidade, são a marcha do processo
produtivo. Porém, como o poder de desenvolvimento tecnológico se concentra no
interesse de poucas empresas, seu avanço se condiciona à lógica da maximização
dos lucros. Portando, antecipamos aqui, não há neutralidade no que confere o de-
senvolvimento tecnológico. Isso leva a consequências que não se aproximam da
ótima alocação dos recursos, pelo contrário, apontam para a utilização em escala
dos recursos sem consciência do desastre ambiental anunciado que se estrutura. As
recentes discussões no mundo empresarial sobre sustentabilidade se estabelecem
muito mais na aparência do que na essência.
Um exemplo desse processo destrutivo se apresenta no conceito de obsoles-
cência programada, em que, por mais que as empresas possam desenvolver pro-
dutos duráveis, que satisfaçam as necessidades de consumo das pessoas, não o
fazem a fim de manter elevadas taxas de lucro. As grandes empresas estabelecem
uma curta vida útil para seus produtos, no intuito de acelerar o ciclo de consumo.
Este comportamento pressupõe uma velocidade elevada de geração de lixo, prin-
cipalmente tecnológico, que muitas vezes não tem destino adequado.
Explor

O documentário “Obsolescência programada” apresenta esta discussão. Disponível em:


https://youtu.be/6csAt3HENkw.

Destarte, o que num mercado atomizado de concorrência perfeita não passava de


um item irrelevante, no universo dos Oligopólios passa a ser um dos centros nervosos
decisivos: o esforço de venda ou a propaganda. Não há meios naturais de acelerar o
consumo sem criar a necessidade nos consumidores, a propaganda é o meio para sua
viabilidade. Tão decisivo que, segundo Hunt e Sherman (1977), ainda nos anos de
1970, “o impacto da propaganda e gastos correlatos sobre a economia é ultrapassa-
do unicamente pelos gastos militares” (p. 94).
Nesse sistema produtivo extremamente concentrado, as empresas, além do poder
econômico e irremediavelmente político, exercem uma influência poderosa sobre o
mercado e especialmente sobre o comportamento das pessoas, muitas vezes ditando
os desejos dos consumidores através de seus diferenciais, suas marcas registradas,
embalagens, nomes e etc.
Veja que interessante, a propaganda possibilita à grande empresa, em sua gana
por auferir lucros cada vez maiores, orientada por um complexo sistema de pes-
quisa e desenvolvimento focado em bens vendáveis e de curta vida útil, criar sua
própria demanda.
Ficam as perguntas: há limites para o poder do oligopólio? Quais os futu-
ros possíveis?

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Estruturas Alternativas de Mercado


Não esperando respostas para estas perguntas, muitas iniciativas foram toma-
das para se contrapor a este poder concentrado nas mãos de poucas empresas e
centralizado em países de capitalismo mais avançado. Alguns países que na divisão
internacional do trabalho se viam exercendo funções servis aos países centrais se
rebelaram e buscaram a qualquer custo propor “revoluções”.

Estas revoluções, que não podiam seguir a cartilha do socialismo científico, alme-
jado por Karl Marx, já que não tinham avançado seu capitalismo, centralizaram no
Estado todo o poder político e econômico interno, a fim de evitar que o capital priva-
do exercesse pressão sobre a sociedade. A tese anticapitalista se constituiu na emer-
gência de resistir à miséria que restara aos países marginais do sistema econômico.

A estrutura dos mercados nos países do chamado socialismo real se configu-


rava de forma planificada, ou seja, o poder central determinava o que, quando,
onde e como produzir, tendo como horizonte uma distribuição mais justa da ri-
queza. Não havia a concorrência.

Evidentemente, sem base material, as experiências socialistas padeceram, salvas


poucas exceções que ainda resistem de maneira limitada. O aprendizado deixado for-
çou os países capitalistas a adaptarem seu modo de produção, buscando algum tipo
de inclusão para a imensa maioria de marginalizados.

Todavia, o poder de se reinventar do capitalismo avançou para além da explo-


ração da força de trabalho, passou a atingir todas as áreas da vida, incluindo-as no
sistema de produção e consumo, facilitando o controle das divergências e a submis-
são ao sistema de produção. Além disso, o capitalismo toma um caráter globalizado,
passando a ter sob seu domínio quase todo o mundo, inviabilizando uma existência
digna a países não integrados no sistema.

Neste sentido, experiências de alternativas produtivas não têm viabilidade se com-


pletamente desconectada do sistema hegemônico. Experiências de produção não
capitalista emergem dentro do capitalismo e sobrevivem na maioria das vezes à mar-
gem de seus interesses. É o caso de inúmeras cooperativas que propõem formas
alternativas de organização do trabalho, rompendo com a lógica do capital sem se
desprender do mercado.

As cooperativas são muito anteriores às revoluções socialistas e se apresen-


taram como resistência operária frente à exploração do trabalho desde século
XIX. Na Inglaterra surge a primeira organização de trabalhadores que rompe
com a lógica do Capital e concorre com este no mercado, a chamada coope-
rativa dos Pioneiros Equitativos de Rochdale. O fundamento da cooperativa se
dá na ausência de propriedade e de trabalho assalariado, sendo legitimada pela

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prática de assembleias que decidem os rumos da produção de forma democrá-
tica, através do voto.

Muitas cooperativas operam no mundo hoje de forma alternativa ao poder do


capital, evidentemente, na maioria das vezes atuando onde a lógica do lucro não tem
muito interesse. Entretanto, cabe ressaltar a mais paradigmática experiência de coo-
perativas, que rompe com muitos pressupostos da lógica do mercado e se apresenta
como um modelo de organização produtiva não capitalista: a Corporação Coopera-
tiva de Mondragón.

Mondragón é o maior complexo cooperativo do mundo, reúne cooperativas de


produção de bens e de serviços, como fábricas de bens de consumo, banco coope-
rativo, cooperativa de seguro social, escola, universidade, mercados e agências de
pesquisas tecnológicas (SINGER, 2002).

Para Singer (2002), o que torna Mondragón ainda mais notável é a manu-
tenção dos princípios do cooperativismo em toda sua cadeia produtiva. A lógica
de reprodução material se estabelece através da autogestão dos trabalhadores,
o que criou uma cultura solidária na região, dada a importância econômica das
cooperativas de Mondragón. Este fato propicia ao complexo cooperativo criar
sua própria dinâmica, um processo autônomo de acumulação, independente da
intermediação financeira capitalista.
Explor

O documentário “A experiência Mondragón” apresenta a experiência localizada no País


Basco, Espanha. Disponível em: http://dai.ly/x2ycwlv.

O economista Paul Singer foi um dos expoentes da discussão sobre cooperativas e


Economia Solidária. O conceito de economia solidária emerge como um importante de-
bate teórico que se apresenta em universidades e experiências alternativas de produção
em todo o mundo. O estímulo a este tipo de alternativa produtiva está institucionalizado
no Brasil, desde 2003, através da Secretaria Nacional de Economia Solidária, dentro do
Ministério do Trabalho, encabeçada pelo próprio Singer até 2015.
Explor

O livro “Introdução à Economia Solidária” faz uma síntese do debate.

Entretanto, salvas exceções, as experiências que se propõem a desenvolver uma


forma alternativa frente ao poder do capital são tentativas que se estruturaram, em ge-
ral, de forma marginal. Não obstante, seu entendimento é indispensável para compre-
ender o universo da produção. Isto porque, por mais hegemônico que seja o sistema
capitalista de produção, evoluído ao poder concentrado dos oligopólios, as mazelas
decorrentes de suas falhas não são sustentáveis e, portanto, como apresenta Boaventu-
ra de Sousa Santos (2002), há a emergência de uma globalização contra hegemônica.

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UNIDADE Concentração Industrial e as Cadeias Globais de Valor

A Internacionalização do Capital
Chegamos a um ponto importante: a globalização. Uma vez que há a emergência
de uma globalização contra hegemônica, segundo Boaventura (SANTOS, 2002),
cabe compreender qual a globalização hegemônica. O ponto de partida é a interna-
cionalização do capital, ou mais diretamente, a empresa multinacional.

Não há como pensar a expansão dos oligopólios sem pensar sua dimensão in-
ternacional. A princípio no intuito de oferecer seu produto nos mercados globais
e, posteriormente, a fim de absorver a força de trabalho dos países onde fora pos-
sível exercer maior pressão do capital sobre a produção ou aproximar a produção
dos mercados finais de destino com menor custo.

Ou seja, num primeiro momento, os economistas abordavam a questão da


internacionalização sob a ótica dos intercâmbios comerciais, portanto, faziam
a análise centrada no fluxo de mercadorias e de capitais. Entretanto, com o ad-
vento dos oligopólios somados ao capital financeiro, não parece suficiente esta
interpretação, tendo em vista que a divisão internacional do trabalho adquire
uma nova faceta no mundo globalizado.

As indústrias dos países desenvolvidos rompem com o intercâmbio apenas comer-


cial, destinando a outros países toda estrutura produtiva ou setores específicos, prin-
cipalmente na direção de nações em desenvolvimento ou subdesenvolvidas. Esta in-
ternacionalização da produção pressupõe que a empresa já não mais se limita a uma
fronteira, passando a ser multinacional.

Este fenômeno que toma corpo após a segunda guerra mundial chega aos anos
de 1970 como determinante da economia. O valor da produção das empresas mul-
tinacionais das principais nações desenvolvidas já se realizava em mais da metade
em filiais localizadas em outros países (KON, 1994).

Importante! Importante!

A discussão sobre a internacionalização do capital se distancia da lógica da integração


do sistema internacional e se concentra na organização das empresas multinacionais.
Ou seja, a coordenação da atividade econômica mundial sai das mãos do mercado e
passa à administração interna das empresas.

Destarte, a circulação de capital internacional se estabelece no fluxo de caixa


das empresas multinacionais, concentrado nos oligopólios, descrito pelo chamado
Investimento Externo Direto (IED) ou exportação e capitais. O montante necessário
para esta expansão cada vez mais superconcentrada se estabelece com os recursos
financeiros mobilizados mundialmente, financiados por órgãos internacionais como
o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial.

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Este movimento promove uma nova divisão internacional do trabalho, no intuito
de que a busca por lucros se estabeleça nas regiões onde há maior eficiência produ-
tiva, menores restrições trabalhistas, subsídios governamentais, custos de produção
e logística reduzidos. Não obstante, o avanço da tecnologia da informação acelera
este processo, permitindo à empresa um maior controle global da produção e da
circulação de capital.

Nesse sentido, uma vez que a empresa multinacional, para além de acessar mer-
cados regionais em outros países, torna-se global, é possível identificar uma nova
nomenclatura: Empresa Transnacional. A expansão global toma o caráter do IED
como consequência do crescimento das empresas, na busca por vantagens produ-
tivas (GONÇALVES, 2002).

Em Síntese Importante!

O processo de internacionalização da produção é o processo de concentração e


centralização do capital em escala mundial. Esse fato somado à busca incessante
por inovações tecnológicas ditam a dinâmica do sistema capitalista: a globali-
zação hegemônica.

As Cadeias Globais de Valor


A empresa transnacional transforma o comércio internacional. Cada parte do
produto ou etapa da produção é realizada onde a empresa obtiver vantagens com-
parativas. Nesse sentido, as transações internacionais são impactadas pelos bens
intermediários: “A partir de 2009, as exportações de bens intermediários excedem o
valor combinado de bens finais e de capital, representando 51% das exportações de
mercadorias” (FENDT, 2014, p.11).

Isso quer dizer que nas negociações internacionais o que está em jogo não é o pro-
duto final em si, a regra é ter retorno sobre o valor adicionado à produção mundial.
Portanto, as empresas em cada país produzem uma parte ou uma tarefa do produto
final, de acordo com, o que alguns economistas costumam chamar, na tradição de
David Ricardo, as vantagens comparativas de cada região. Assim se configuram as
chamadas Cadeias Globais de Valor, as cadeias produtivas já não têm fronteiras e o
direcionamento da produção é ditado pelo interesse das empresas transnacionais.

Importante! Importante!

Veja que interessante, no mundo em que a produção tem escala global, a disputa inter-
nacional configura-se como um comércio de valor adicionado ou um comércio de tarefas
– trade in tasks (FENDT, 2014).

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UNIDADE Concentração Industrial e as Cadeias Globais de Valor

Esta fase do capitalismo demonstra ainda mais a afirmação de que se trata de um


sistema de produção de mercadorias e não somente um sistema de comercialização
de bens. Nesse sentido, os defensores de uma integração mais intensa dos países nas
Cadeias Globais de Valor advogam que a visão de proteção à indústria nacional tende
a ser contraproducente ao crescimento. Para tanto, os países que desejam prosperar
nessa nova estrutura produtiva global devem ser cuidadosos quanto às políticas de
substituição de importações e restrições às importações, pois a pedra de toque desta
nova fase é o IED.

Nesta lógica, para atrair IED, os países em desenvolvimento devem respeitar as


regras internacionais de liberalização dos mercados. A adoção de políticas de austerida-
de, que adequem o país às demandas das empresas transnacionais, são fundamentais
para que o país esteja na rota do planejamento de longo prazo desses conglomerados.
Portanto, políticas protecionistas são negativas para a proteção do emprego neste
novo cenário.

A defesa da integração às Cadeias Globais de Valor supõe que o país em de-


senvolvimento, que se adequar às exigências do mercado, atrairá mais IED e re-
ceberá transferência de tecnologia que possibilitará maior dinâmica econômica, o
que tende a promover um crescimento sustentável de longo prazo. Nesse sentido,
a máxima se estabelece na necessidade de um marco regulatório que substitua a
lógica da comercialização de produtos por uma lógica de comercialização de pro-
cessos (FENDT, 2014).

Toda esta defesa de um mundo mais integrado estabelecido ao redor das ca-
deias produtivas parece propor o caminho a uma solução do problema do de-
senvolvimento. Entretanto, este mercado global sob a égide de grandes con-
glomerados, na realidade, estabelece um processo de pressão aos países em
desenvolvimento para que se adequem aos interesses da Empresa transnacional,
pois, caso contrário, o fluxo de capital estabelecido pelo IED tende a se direcionar
a outras regiões.

Uma vez que os países em desenvolvimento têm uma dependência externa es-
trutural, acabam sendo impedidos de promover uma política econômica autônoma,
sendo obrigados a adotar medidas austeras que reformem seus sistemas de proteção
social e evitem a fuga de capitais.

O avanço da concentração e centralização de capital absorve tanto poder, que sua influência políti-
Explor

ca se espalha pelos países onde mantêm atividade econômica, determinando que os governos
locais assumam compromissos com os interesses do lucro das empresas transnacionais.

Celso Furtado (1974) já enxergava essa equação nos anos de 1970. Sua concep-
ção de que o poder dos oligopólios numa economia global depende de um Estado
Nacional que estabeleça uma disciplina econômica que se diga de interesse geral,
mas que no fundo atinja os interesses das Empresas Transnacionais, leva-o à ideia do
mito do desenvolvimento.

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Uma vez que a grande empresa tem por fim a sua própria expansão, há a ne-
cessidade de exercer influência em diversas áreas a fim de garantir seus interesses.
Tendo em vista que a parte dinâmica da produção, desenvolvimento tecnológico, por
exemplo, se estabelece nos países centrais do capitalismo, à periferia resta cumprir a
função de oferecer mão de obra barata e um mercado interno comportado.

Nesse sentido, a conclusão de Furtado (1974) é pessimista. Para ele, a ideia


de que os povos pobres possam algum dia desfrutar do padrão de vida dos países
ricos é irrealizável, portanto, não passa de um mito. Conclui que esta ideia é de
grande utilidade ao capital, pois mobiliza os povos dos países pobres a aceitar
sacrifícios que são legitimados pela busca do desenvolvimento econômico.
“Graças a ela tem sido possível desviar as atenções da tarefa básica de iden-
tificação das necessidades fundamentais da coletividade e das possibilidades
que abre ao homem o avanço da ciência, para concentrá-las em objetivos
abstratos como são os investimentos, as exportações e o crescimento”
(FURTADO, 1974, p. 75-76).

Para concluir a discussão, recomenda-se a leitura do primeiro capítulo - Tendências es-


Explor

truturais do sistema capitalista na fase de predominância das grandes empresas - do


livro “O mito do desenvolvimento” de Celso Furtado.

A Inserção do Brasil nas


Cadeias Globais de Valor
O Brasil vivia o milagre econômico quando Celso Furtado (1974) escreveu a teo-
ria do mito do desenvolvimento. À época, preocupada apenas com o crescimento,
a política econômica brasileira acelerou a sua desigualdade e freou um processo de
desenvolvimento que se prospectara desde o Estado Novo.

Quando nos anos de 1980, com o país mergulhado na crise da dívida, a saída via
socialização das perdas foi a estratégia concebida, mal sabiam os industriais brasilei-
ros que no futuro próximo o país caminharia a passos largos rumo a uma reprimari-
zação da economia, ou nas palavras de Plínio de Arruda Sampaio Junior (2018), ao
risco de uma reversão neocolonial.

Uma vez conjeturada a estrutura dos Oligopólios numa perspectiva global,


o Brasil volta a se inserir na divisão internacional de trabalho como fornecedor
de commodities, o centro dinâmico da economia volta-se para fora novamente,
apesar do parque industrial relativamente diversificado. Isso fica evidente quan-
do se tem como referência produtiva, altamente estimulada pelos sistemas de
comunicação, de que “Agro é Pop, Agro é Tech, Agro é Tudo”.

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UNIDADE Concentração Industrial e as Cadeias Globais de Valor

O lugar do Brasil nas cadeias globais de valor é o de fornecer matéria prima


para o mundo desenvolvido, alimentos, minérios em estado bruto e energia.
Não à toa, os comentários internacionais denominam o país como a “fazenda
do mundo”. Entretanto, o problema não reside exatamente neste fato.

Exportar commodities não necessariamente é um problema. A questão é se


o pais terá condições de direcionar os resultados de um bom período de balança
comercial positiva, proveniente de matérias primas, para alavancar seu posicio-
namento nas cadeias globais de valor. Ou seja, caso os resultados gerados em
ciclos inflacionados de commodities sejam utilizados para modernizar o parque
produtivo, capacitando-o para produzir bens mais complexos, a inserção nas
cadeias globais de valor nesse sentido pode ser benévola.

Entretanto, não é o que vimos nos últimos anos. O efeito da expansão da econo-
mia chinesa tem extrema relevância nesse sentido, tanto pela oferta de bens manufa-
turados, muito mais competitivos, como pelo crescimento da demanda por commo-
dities por parte da China. Com o preço das commodities muito acima do real, países
como o Brasil perceberam ganhos de escala em aproveitar a “vocação” primária
com preços tão inflacionados. Parecendo esquecer o investimento na produção de
bens com maior valor agregado.

Segundo os defensores das Cadeias Globais de Valor, o Brasil tem vantagens com-
parativas nos setores com grande intensidade em recursos naturais. Esses setores têm
menos inserção nas cadeias produtivas, o que exige do país, tendo em vista a sua
almejada integração global, uma reforma estrutural nos setores industriais e em infra-
estrutura para atrair o interesse das empresas Transnacionais (BAUMANN, 2014).

Reformas essas que refletem a intensão de eliminar ou reduzir políticas protecio-


nistas que dão algum nível de segurança à indústria nacional e proteção ao emprego.
Estas reformas exigidas pelo mundo globalizado, no inverso de permitir uma alavan-
cagem nas cadeias globais de valor, parecem preservar a manutenção da expansão
dos setores com baixa dinâmica e intensos em recursos naturais, o que não pressu-
põem um equilíbrio para manutenção do crescimento no longo prazo.

Na contramão desse processo ocorrido na primeira década do século XXI, a rara ex-
ceção na América do Sul que podemos citar é a Bolívia. Por maior que fosse a pressão
das empresas transnacionais para explorar a vantagem comparativa do país, principal-
mente em recursos minerais, a política local não aceitou. Insistiu na necessidade de uma
inserção em etapas mais dinâmicas da cadeia produtiva, industrializando o lítio dentro do
país, por exemplo. Passado o chamado boom das commodities, a Bolívia ainda é um
dos poucos países no mundo, que em meio a crise global, mantém índices estruturados
de crescimento de longo prazo.

Reportagem BBC: Como a Bolívia se tornou o país que mais cresce na América do Sul.
Explor

Disponível em: https://goo.gl/Pbw8zv.

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Resta ao Brasil, enquanto oitava maior economia do mundo, exercer sua força
para resistir às pressões que alvejam as nações sul-americanas e integrar os países
locais a fim de prospectar maior força regional dentro das cadeias globais de valor.
Não há economia que resista a simplesmente cumprir as exigências dos interesses
por lucros das empresas transnacionais sem prospectar um desejo de desenvolvi-
mento e respeito às particularidades regionais.

Evidentemente a estrutura oligopolizada não permite que os países tenham uma


existência digna sem integração com o sistema. O Brasil já nasce na história como
um negócio, inserido na divisão internacional do trabalho como um fornecedor de
matéria prima para o mundo. Passados quase 200 anos da independência brasileira,
ainda persiste o latifúndio.

Tendo em vista que a vantagem comparativa do Brasil é a produção com alta in-
tensidade em recursos naturais, é isso que o Brasil tem a oferecer para as empresas
transnacionais e é isso que elas querem. Entretanto, é aí que precisamos reformar
para que o olhar para o país seja outro. Não vamos vislumbrar qualquer desenvolvi-
mento insistindo em oferecer ao mundo o latifúndio.

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UNIDADE Concentração Industrial e as Cadeias Globais de Valor

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

 Livros
Introdução à Economia Solidária
Paul Singer (2002).
O mito do desenvolvimento
Celso Furtado (1974) – Capítulo I: Tendências estruturais do sistema capitalista na fase
de predominância das grandes empresas (p.15-76).

 Vídeos
Obsolescência programada
https://youtu.be/6csAt3HENkw
A experiência Mondragón
http://dai.ly/x2ycwlv

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Referências
BAUMANN, Renato. O Brasil e as cadeias globais de valor. In: NEVES, L. P
(Org.). A Inserção do Brasil nas Cadeias Globais de Valor. CEBRI Dossiê
Edição Especial, v. 2, ano 13. Rio de Janeiro: CEBRI, 2014. Disponível em:
<http://ois.sebrae.com.br/wp-content/uploads/2015/01/BrasilCadeiasValor.
pdf#page=10>. Acesso em: 13/12/2017.

FENDT, Roberto. Cadeias globais de valor: uma sucinta introdução. In: NEVES,
L. P (Org.). A Inserção do Brasil nas Cadeias Globais de Valor. CEBRI Dossiê
Edição Especial, v. 2, ano 13. Rio de Janeiro: CEBRI, 2014. Disponível em:
<http://ois.sebrae.com.br/wp-content/uploads/2015/01/BrasilCadeiasValor.
pdf#page=10>. Acesso em: 13/12/2017.

FURTADO, Celso. O mito do desenvolvimento. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e


Terra, 1974.

GONÇALVES, Reinaldo. A empresa transnacional. In: KUPLER, D.; HASENCLEVER,


L. Economia industrial: fundamentos teóricos e práticos no Brasil. São Paulo : Cam-
pus, 2002.

HUNT, E. K.; SHERMAN, H. J. Uma introdução à moderna teoria microeco-


nômica. Petrópolis/RJ: Vozes, 1977.

KON, Anitta. Economia industrial. São Paulo: Nobel, 1999.

SAMPAIO JR, Plínio de A. Globalização e Reversão Neocolonial: o impasse brasi-


leiro. In: CAMPOS, Fabio (org). Introdução à formação econômica do Brasil:
herança colonial, industrialização dependente e reversão neocolonial. Marília/SP:
Lutas anticapital, 2018.

SANTOS, Boaventura de Souza. Produzir para viver: os caminhos da produção


não capitalista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

SINGER, Paul. Introdução à economia solidária. São Paulo: Perseu Abramo, 2002.

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