Você está na página 1de 4

Universidade Federal de Sergipe

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS


DEPARTAMENTO DE DIREITO

Luiz André Maia Guimarães Gesteira

RESENHA

MIAILLE, Michel. Introdução Crítica ao Direito. Imprensa Universitária, Editorial


Estampa, Lisboa, 2ª edição, 1994, p. 84 - 96.

1- Introdução

MIAILLE (1994), não aborda o direito como um sistema de regras, e sim como a
instância jurídica da sociedade, instancia essa que sofre demasiada influência do próprio
arranjo social no qual está inserida e, sobretudo, da instancia econômica do modo de
produção capitalista. Dessa forma, para ele, não há como compreender o direito senão de
acordo com uma abordagem fincada nas relações materiais de produção, pois as próprias
condições históricas, sobretudo no âmbito econômico, sempre influenciaram e
prosseguem a determinar o funcionamento da estrutura jurídica.
Para o autor, as discussões em torno do direito, ao contrário disso, tem sido, via de
regra, abstratas e sem preocupações científicas (MIAILLE, 1994, p.84). Seu estudo é
feito de forma acrítica trazendo tão somente respostas vagas e inverossímeis, inseridas na
lógica de um dogmatismo positivista que cerceia a possibilidade crítica que possibilitaria
ao direito libertar-se das amarras do modo de produção, ao qual a instância jurídica serve
como parte preponderante de sua estrutura.
Contrariamente a isso, Michel Miaille afirma que os teóricos do direito preferem
continuar a associá-lo sobretudo à ideia de moral e de ética, construindo uma leitura do
direito fetichizada e fetichizante, que tão somente dissimula a realidade. Para o autor,
assim como, na teoria marxista, a mercadoria assume condições outras que não as suas
reais, a norma e a pessoa jurídica assumem no direito também uma condição de fetiche,

Página | 1
fundamentadas basicamente no conceito de sanção/repressão, como se o direito disso
não passasse e como se esta sanção estivesse necessariamente atrelada à aplicação
da justiça e da igualdade.
Se na esfera econômica as relações de produção, circulação e consumo de
mercadorias são coisificadas, retirando propositadamente a análise de seu foco, ou seja, do
homem e de sua força de trabalho explorada, da qual é retirado o mais-valor. No caso do
fetichismo da norma e da pessoa jurídica, ao contrário, o que se propala é que as relações
entre pessoas são o foco do direito em sua instância jurídica. Todavia, na prática estas
relações são dependentes e subordinadas à esfera econômica, subordinam-se às relações
entre coisas, próprias do modo de produção capitalista. Estando assim conformadas por
estruturas invisíveis que lhe são determinantes.
Para Miaille (1994), o sistema jurídico capitalista se caracteriza por uma
generalização da forma abstrata da norma e da pessoa jurídica, com vistas ao fetichismo
jurídico. As relações jurídicas representam para ele ao mesmo tempo uma forma real -
pois as instituições jurídicas e todo o arcabouço jurídico são dotados de materialidade - e
uma forma imaginária, pois estão ocultas por todo um imaginário jurídico que engloba o
sujeito de direito e a norma regra imperativa.
O homem crê que é sujeito de direito em um sistema jurídico independente das
relações econômicas e acredita que a norma é fonte de valor, se estabelecendo como
um imperativo primeiro e categórico. E justamente nesse ponto se estabelece o
fetichismo, pois essa norma é tão somente produto de um tipo de relação social do qual
ela é expressão e que condiciona a instância jurídica da sociedade de forma determinante.

2 – Análise
No fragmento estudado do “Livro Introdução Crítica ao Direito” de Michel
Miaille, pudemos constatar que o autor propõe uma análise da instância jurídica da
sociedade com base nas relações materiais historicamente desenvolvidas, buscando
através da observação da realidade estabelecer suas reflexões teóricas e por conseguinte
sua crítica ao vão abstrativismo que permeia os estudos da ciência jurídica e que finda por
ocultar a lógica de conjunção do direito às diretrizes das relações sociais estabelecidas na
sociedade capitalista.

Página | 2
Identificamos que para realizar tal estudo o autor se utiliza essencialmente da teoria
marxista em um de seus conceitos historicamente mais trabalhados, qual seja, o conceito
de “fetichismo da mercadoria”. Miaille (1994) também parte de uma análise direcionada à
proeminência da estrutura econômica nas relações sociais, funcionando esta como
definidora do arcabouço jurídico institucional do Estado, teoria também intrínseca aos
escritos de Karl Marx.
Assim, se para Marx “o poder político do Estado moderno nada mais é do que um
comitê (Ausschuss) para administrar os negócios comuns de toda a classe burguesa”
(Marx; Engels, 1993, p. 68), em detrimento das necessidades da classe trabalhadora. O
arcabouço jurídico-institucional do Estado é, indubitavelmente, fator primordial à
reprodução do capital e à manutenção do status quo, ideia nitidamente apresentada por
Michel Miaille ao longo das páginas do fragmento estudado.
Ao realizar esta abordagem sobre as características da instância jurídica na
sociedade capitalista, Michel Miaille adentrou em uma linha de análise na qual o
arcabouço jurídico se enquadra perfeitamente na concepção de superestrutura do capital,
funcionando em prol da instância econômica, que é não outra senão a
infraestrutura capitalista, ambos, conceitos marxistas. Nesse sentido, MIAILLE (1994),
poderia trabalhar de forma mais explícita o conceito de superestrutura, que ficou nas
entrelinhas do fragmento estudado, fazendo pra isso uso dos escritos do italiano Antonio
Gramsci, que dedicou parte considerável de sua obra a análise da superestrutura no modo
capitalista de produção.
Para além disso, Gramsci trabalha também com o conceito de hegemonia, o qual
se aplica perfeitamente aos escritos de Miaille no fragmento supracitado, sendo a obra
daquele autor de grande valia às análises que Miaille se propôs a realizar, podendo
sem dúvida lhe dar ainda maiores subsídios à brilhante crítica que encampou. À luz
da teoria Gramsciana do Estado, poderíamos afirmar que o modo capitalista
de produção e consumo utiliza a superestrutura do Estado, inclusive a sua
própria instancia jurídica, para servir as necessidades de expansão contínua de sua
estrutura econômica.
No que se refere mais intrinsecamente à abordagem de Miaille sobre as normas e
as pessoas jurídicas, no que ele denomina de instância jurídica da sociedade, o que
percebemos é uma crítica muito bem fundamentada à forma como predomina ainda

Página | 3
no direito a abordagem positivista e dogmática perpetrada pela grande maioria dos
estudiosos da área e pelos seus aplicadores. Nesse sentido, Miaile (1994), deixa claro seu
posicionamento acadêmico em defesa do direito alternativo, tendo sido ele próprio o
fundador do Mouvement Critique du Droit, nos anos 70, movimento esse que precedeu e
influenciou o direito alternativo brasileiro.
Pelo que pudemos analisar do fragmento lido do Livro “Introdução Crítica ao
Direito”, observamos nele uma contribuição de grande importância à ciência jurídica,
uma vez que Michel Miaille nos expõem um verdadeiro insight, ao correlacionar a
partir de uma abordagem centrada e realizada no âmbito do direito, as relações
de subordinação/conjunção deste à instância econômica da reprodução capitalista,
correlacionando a própria norma e a pessoa jurídica ao fetichismo da mercadoria.
Demonstrando com isso um potencial crítico infelizmente não muito comum aos juristas
brasileiros, e para além disso dando importante subsídio à novas criticas ao
dogmatismo do direito positivista, incentivando dessa forma novas maneiras de
ver e abordar o direito enquanto ciência nas academias e também quem sabe
enquanto prática nos tribunais.

Referencial Teórico Complementar:

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Petrópolis: Vozes, 1993.

Página | 4

Você também pode gostar