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Teoria da Lei Penal

A EFICÁCIA ESPACIAL DA LEI PENAL

I. A designação “direito penal internacional”

DIREITO PENAL INTERNACIONAL: as disposições jurídico-penais de cada


Estado sobre o âmbito da aplicação das suas normas penais aos crimes
praticados no seu próprio território e aos cometidos num Estado
estrangeiro.

DIREITO INTERNACIONAL PENAL o conjunto das normas jurídico-penais


constantes de tratados ou convenções internacionais a que um Estado
tenha aderido.

DIREITO PENAL INTERNACIONAL PORTUGUÊS: as disposições jurídico-


penais portuguesas sobre a aplicabilidade, no espaço, da nossa lei penal,
sobre a eventual aplicabilidade, pelos tribunais portugueses, da lei penal
estrangeira e, ainda, sobre a cooperação judiciária internacional penal das
autoridades portuguesas com as estrangeiras.

II. Princípios sobre o âmbito de aplicabilidade no espaço da lei


penal portuguesa

1. O princípio fundamental da territorialidade - art. 4.º, al. a)

Razões em favor do princípio da territorialidade:

 MATERIAIS: é no território do Estado que mais se fazem sentir as


necessidades de prevenção geral positiva de pacificação social e de
reafirmação da ordem jurídico-penal e da importância dos bens
jurídicos por esta protegidos, e de prevenção geral negativa de
dissuasão dos potenciais infractores.;
 PROCESSUAIS: é no território, onde o crime foi praticado, que a
investigação e a prova do crime é mais fácil de realizar-se e são
maiores as garantias de uma decisão eficaz e justa.

LOCUS DELICTI: Estado onde o crime deve ser considerado praticado.


A ratio é a de EVITAR conflitos negativos de competência e a
consequente IMPUNIDADE do infractor.
CRITÉRIO BILATERAL ALTERNATIVO: considera o crime praticado em
Portugal quando a conduta ou o resultado cá se verifica.

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Consideram-se praticados em Portugal e, portanto, puníveis pela lei


penal portuguesa, com base no princípio da territorialidade, os crimes em
que a conduta (acção ou omissão) foi, total ou parcialmente, praticada
(quer sob a forma de autoria ou de cumplicidade) em Portugal, ou cujo
resultado (típico ou não) cá se tenha produzido (art. 7.º, n.º 1).
São também considerados cometidos em Portugal os crimes tentados
cuja acção, apesar de praticada no estrangeiro, visasse produzir o
resultado em Portugal (art. 7.º, n.º 2).

A lei penal portuguesa é aplicável a crimes cometidos “A bordo de


navios ou aeronaves portugueses”, militares ou comerciais, em águas e
espaços aéreos internacionai - art. 4.º, al. b).
Abrange os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves
portugueses (militares ou comerciais) quer se encontrem em águas ou
espaço aéreo internacionais, quer se encontrem em portos ou aeroportos
estrangeiros.
Os crimes cometidos a bordo de navio ou aeronave comercial
estrangeira, quando em águas ou espaço aéreo portugueses, ou em
portos ou aeroportos portugueses, são considerados cometidos em
território português.
A lei penal portuguesa não pode ser aplicada aos crimes praticados no
interior de navios ou aeronaves militares estrangeiras, quando se
encontrem nas águas ou espaço aéreo portugueses ou em portos ou
aeroportos portugueses.

2. Os princípios complementares ou subsidiários

Princípios que tornam a lei penal portuguesa aplicável a CRIMES


COMETIDOS NO ESTRANGEIRO.
COMPLEMETARES, na medida em que vêm acrescentar às situações
abrangidas pela eficácia absoluta do princípio da territorialidade novas
situações de crimes cometidos no estrangeiro.
SUBSIDIÁRIOS, uma vez que tais princípios só funcionam em relação a
situações que, mesmo que afectem os interesses por eles protegidos, não
ocorram em Portugal.

Quando a um determinado crime praticado no estrangeiro for


abstractamente aplicável mais que um destes princípios, a solução

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correcta é fundamentar a aplicação da lei penal portuguesa no princípio


que tem precedência na ordenação estabelecida pelo art. 5.º.

2.1. Princípio da protecção de interesses nacionais – art. 5.º, n.º 1,


al. a)

É indiferente a nacionalidade do infractor.


CRITÉRIO: natureza fundamental dos bens jurídicos a proteger. Há
quatro categorias:

 OS ALICERCES E O FUNCIONAMENTO DO ESTADO-DE-DIREITO


DEMOCRÁTICO;
 OS INTERESSES DO ESTADO NA CONFIANÇA DA CIRCULAÇÃO
FIDUCIÁRIA;
 OS INTERESSES DA INDEPENDÊNCIA E DA INTEGRIDADE NACIONAIS;
 OS INTERESSES DA SEGURANÇA DAS COMUNICAÇÕES.

Aos crimes referidos na al. a) é, em regra, SEMPRE APLICÁVEL A LEI


PENAL PORTUGUESA, quer o facto não seja considerado crime no Estado
onde foi praticado, quer, sendo considerado crime, a lex loci seja mais
favorável (art. 6.º, n.º 3).
HÁ QUE DISTINGUIR (excepções):

 Disposições que visam, directa e exclusivamente, a tutela penal de


interesses do Estado Português (NORMAS ESPACIALMENTE
AUTOLIMITADAS): a competência para o julgamento cabe aos
tribunais portugueses, a título principal (e exclusivo, quando tais
factos não constituírem crime face à lex loci), sendo, aplicada a lei
penal portuguesa;
 Disposições que, embora visem a tutela penal de interesses
portugueses, também estendem esta tutela aos interesses
estrangeiros. Dever-se-á distinguir:

o A situação em que o crime lesa, directamente, os interesses


portugueses: a competência penal internacional para o
julgamento cabe, a título principal, aos tribunais portugueses,
que aplicarão, sempre e necessariamente, a lei penal
nacional;
o A situação em que o crime lesa, directamente, interesses
estrangeiros: a competência dos tribunais portugueses é

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subsidiária e a lei aplicável (pelos tribunais portugueses) é a


que for concretamente mais favorável ao infractor (al. e), 1.ª
parte, al. f) e art. 6.º, n.º 2).

2.2. Princípio da nacionalidade activa e passiva – art. 5.º, n.º 1, al.


b)

CRITÉRIO: nacionalidade portuguesa, quer do agente quer da vítima.


ESPECIFICIDADE: implica que abrange não só a hipótese em que o facto
não é considerado crime no país onde foi praticado, mas também a
hipótese em que é considerado crime, embora com uma pena inferior à
estabelecida pela lei portuguesa (art. 6.º, n.º 3).

JUSTIFICAÇÃO E FINALIDADE: evitar a fraude à lei portuguesa.

São ainda PRESSUPOSTOS da aplicabilidade da lei penal portuguesa: (1)


a residência habitual do infractor em Portugal; (2) que este seja
encontrado em Portugal; (3) e que haja “fraude” à lei penal portuguesa.

A FRAUDE À LEI PENAL PORTUGUESA é um pressuposto implícito na al.


b).

2.3. Princípio da universalidade – art. 5.º, n.º 1, al. c)

É um princípio de protecção dos bens jurídicos considerados como


VALORES ÉTICOS COMUNS A TODA A HUMANIDADE1. É irrelevante a
nacionalidade do infractor.
São PRESSUPOSTOS da aplicação da lei penal portuguesa que (1) o
infractor seja encontrado em Portugal (é uma condição ou pressuposto de
procedibilidade) e (2) que não possa ser extraditado (abrangendo não só a
hipótese em que a extradição foi solicitada e negada, como também
aquela em que a extradição não foi pedida.
QUID IURIS SE O TPI PEDIR A PORTUGAL A EXTRADIÇÃO DE UMA
PESSOA QUE TENHA COMETIDO, EM PAÍS ESTRANGEIRO, UM DOS CRIMES
DA COMPETÊNCIA JULGADORA DESTE TRIBUNAL INTERNACIONAL?
Uma vês que A JURISDIÇÃO DO T.P.I. É SUBSIDIÁRIA DAS JURISDIÇÕES
PENAIS INTERNACIONAIS, ESTANDO EM CAUSA UM CIDADÃO
PORTUGUÊS, ele não pode ser entregue ao TPI.

1
Lei n.º 31/ 2004, de 22 de Julho (art. 5.º, n.ºs 1 e 2) e Resolução da Assembleia da República n.º
2/2002, de 20 de Dezembro (art. 2.º) – DECLARAÇÃO INTERPRETATIVA.

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TRATANDO-SE DE CIDADÃO ESTRANGEIRO, Portugal não poderá


extraditar o infractor estrangeiro (Resolução da AR e art. 33.º, n.º 5, da
CRP).

2.4. Princípio da protecção de menores – art. 5.º, n.º 1, al. d)

PRESSUPOSTOS: (1) que a vítma seja menor; (2) que o agente seja
encontrado em Portugal; (3) que não possa ser extraditado ou entregue. O
pressuposto geral e implícito exige (4) a dupla incriminação (que o facto
seja também considerado crime pela lex loci – art. 6.º, n.º 3).
CONCLUSÃO: o art. 6.º, n.º 3, não só afasta a aplicação da lei penal
estrangeira mais favorável, como também exclui a exigência geral de
dupla incriminação.

2.5. Princípio da nacionalidade activa – art. 5.º, n.º 1, al. e), 1.ª
parte

CRITÉRIO: nacionalidade portuguesa do infractor.


FUNDAMENTO: em princípio, um Estado não extradita os seus
cidadãos.

PRESSUPOSTOS: (1) que o infractor se encontre em Portugal; (2) que o


facto seja também considerado crime pela lei do país onde foi praticado; e
(3) que o crime admita extradição mas esta não possa ser concedida2.

A aplicação da lei penal portuguesa (ou da lei penal estrangeira, se


mais favorável – art. 6.º, n.º 2) não depende da formulação de um pedido
de extradição.

CONCLUSÃO FINAL: o pedido de extradição, quer estando em causa o


princípio da nacionalidade activa ou o da nacionalidade passiva, não é
pressuposto da aplicabilidade da lei penal portuguesa (se mais favorável
que a do Estado do locus delicti – art. 6.º, n.º 2).

Para a lei portuguesa poder ser aplicada a crimes cometidos no


estrangeiro, é necessário que se verifiquem os pressupostos especiais
estabelecidos no art. 5.º e que o infractor em causa não seja extraditado.
Os pressupostos da extradição estão fixados na legislação, constitucional e
ordinária, sobre a extradição e mandado de detenção europeu. Se há

2
Pressupostos da concessão da extradição no art. 33.º, n.º 3, da CRP.

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pedido e estes pressupostos se verificam, é extraditado ou entregue e,


logicamente, não será julgado em Portugal. Se não há pedido ou,
havendo-o, os respectivos pressupostos se não verificam, será julgado em
Portugal, se os pressupostos específicos da aplicação da lei penal
portuguesa a crimes cometidos no estrangeiro se verificarem.

2.6. Princípio da nacionalidade passiva - art. 5.º, n.º 1, al. e), 2.ª
parte

FINALIDADE: proteger os interesses dos portugueses relativamente a


crimes cometidos no estrangeiro, por estrangeiros contra portugueses.
CRITÉRIO: a nacionalidade estrangeira do infractor e a nacionalidade
portuguesa da vítima.
PRESSUPOSTOS: (1) que o infractor estrangeiro se encontre em
Portugal; (2) que o facto seja também punível pela lei do Estado onde foi
praticado; e (3) que o infractor não seja extraditado, seja porque nem
sequer houve pedido de extradição, ou porque, embora tenha sido
formulado tal pedido, este tenha sido indeferido.

2.7. Princípio da aplicação supletiva da lei penal portuguesa a


crimes cometidos por estrangeiros contra estrangeiros - art.
5.º, n.º 1, al. f)

O legislador português procurou EVITAR A IMPUNIDADE em situações


não abrangidas por nenhum dos anteriores princípios complementares.
PRESSUPOSTOS: (1) que o infractor seja encontrado em Portugal e (2)
que a extradição ou a entrega tenha sido requerida e recusada.

2.8. Crimes cometidos por pessoas colectivas – art. 5.º, n.º 1, al. g)

2.9. Princípio da aplicação convencional da lei penal portuguesa –


art. 5.º, n.º 2

3. Restrições à aplicação da lei penal portuguesa a crimes cometidos


no estrangeiro - art. 6.º

O art. 6.º, n.º 1, acolhe o princípio constitucional ne bis in idem (art.


29.º, n.º 5, da CRP): ninguém pode ser duplamente punido pelo mesmo
crime.

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Resulta a EXCLUSÃO DE NOVO JULGAMENTO em Portugal no caso de o


agente (português ou estrangeiro) ter sido absolvido pelo tribunal do
Estado onde foi praticado o facto e no caso de ter sido condenado e ter
cumprido a respectiva pena.

CASO EM QUE O AGENTE NÃO FOI JULGADO NO PAÍS DO LOCUS


DELICTI (ou noutro país que tenha competência jurisdicional subsidiária): o
agente poderá ser julgado em Portugal. Ser-lhe-á aplicada a lei penal
portuguesa, a não ser que a lei do locus delicti seja concretamente mais
favorável, caso em que será esta aplicada (princípio da APLICAÇÃO DA LEI
PENAL CONCRETAMENTE MAIS FAVORÁVEL – art. 6.º, n.º 2, 1.ª parte).

Só na hipótese de estarem em causa os crimes referidos nas als. a) e b)


do art. 5.º é que será SEMPRE APLICADA A LEI PENAL PORTUGUESA (art.
6.º, n.º 3).

CASO EM QUE O AGENTE, que cometeu um crime no estrangeiro, FOI


JULGADO E CONDENADO por um tribunal estrangeiro, MAS SUBTRAÍU-SE
AO CUMPRIMENTO TOTAL OU PARCIAL DA CONDENAÇÃO (art. 6.º, n.º 1,
2.ª parte). São possíveis três situações:

 SITUAÇÃO EM QUE O ESTADO, CUJO TRIBUNAL PROFERIU A


CONDENAÇÃO, NEM PEDE A EXTRADIÇÃO PARA EFEITO DE
EXECUÇÃO DA PENA no seu território, NEM PEDE AO ESTADO
PORTUGUÊS A EXECUÇÃO, EM PORTUGAL, DA PENA APLICADA
PELO TRIBUNAL ESTRANGEIRO: verificando-se os pressupostos de
algum dos princípios complementares ou subsidiários estabelecidos
no art. 5.º, será um tribunal português a julgar, novamente, o
infractor (art. 6.º, n.º 1, 2.ª parte).
É descontado na pena o tempo de privação da liberdade que o
agente já tiver sofrido no estrangeiro, ou a importância que haja
pago – PRINCÍPIO DA IMPUTAÇÃO OU DESCONTO (arts. 82.º do CP
13.º da Lei 144/99).
 SITUAÇÃO EM QUE O ESTADO, CUJO TRIBUNAL PROFERIU
SENTENÇA CONDENATÓRIA, PEDE A EXTRADIÇÃO PARA EFEITOS DO
CUMPRIMENTO, TOTAL OU PARCIAL, DA PENA NO SEU TERRITÓRIO:
se se verificarem os pressupostos da concessão da extradição, o
infractor será extraditado.
Na recusa de extradição, é instaurado procedimento penal pelos
factos que fundamentam o pedido, sendo solicitados ao Estado

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requerente os elementos necessários (arts. 32.º, n.º 5, e 31.º, n.ºs 2


e 4, da Lei 144/99, de 31 de Agosto)34;
 SITUAÇÃO EM QUE O ESTADO PEDE A PORTUGAL A EXECUÇÃO, cá,
DA SENTENÇA PENAL: a sentença penal estrangeira pode ser
executada em Portugal desde que se verifiquem as condições
estabelecidas no art. 96.º da Lei, n.º 144/99.
A FORÇA EXECUTIVA DA SENTENÇA ESTRANGEIRA DEPENDE DE
PRÉVIA REVISÃO E CONFIRMAÇÃO (arts. 6.º, n.º 2, als. a) e c), da Lei
144/99, e 235.º, do CPP).

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EXTRADIÇÃO ACTIVA: pedido formulado por um Estado a outro Estado, para que este lhe entregue
determinado cidadão, a fim de ser julgado por um seu tribunal ou de cumprir a pena em que já tenha
sido condenado no seu Estado.
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EXTRADIÇÃO PASSIVA: corre no Estado a que é feito o pedido de entrega de um determinado cidadão.
Tem duas fases: 1.ª) FASE ADMINISTRATIVA; 2.ª FASE JUDICIAL.

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