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REAPROVEITAMENTO DO ÓLEO DE FRITURA NA FABRICAÇÃO DE

SABÕES: AS MENINAS DA ENGENHARIA QUÍMICA E A


CONSCIENTIZAÇÃO AMBIENTAL NAS ESCOLAS PÚBLICAS

Área temática: meio ambiente

Autores (as): Thamara Pedroso Martins e Souza1, Glauciane Tomaz de Almeida1,


Letícia Luiza Amaral Castello1, Milena do Nascimento Pereira1, Nayara Gomes de
Oliveira1, Perla Haydee da Silva2.

Coordenador (a): André Luiz Agnes Stein3

RESUMO: O descarte inadequado do óleo de cozinha pode ocasionar diversos


prejuízos e danos ambientais, como a contaminação de rios, lagos e solos, além da
obstrução de tubulações e caixas de gordura de residências, restaurantes e fábricas. Em
vista disso, o projeto visa desenvolver atividades para fabricação de sabões ecológicos
reutilizando o óleo de cozinha, com o objetivo de conscientizar alunos e comunidade
acerca da importância ambiental desse processo. Ademais, busca proporcionar a interação
consolidada entre as alunas do curso de Engenharia Química da Universidade Federal do
Mato Grosso (UFMT) – campus Várzea Grande e os estudantes/comunidade das escolas
públicas dessa localidade. As ações desse projeto foram desenvolvidas por acadêmicas
do curso com intuito de estimular maior participação feminina nas áreas de Ciências
Exatas e Tecnologias, contribuindo para uma sociedade mais igualitária e inclusiva.
Incialmente, os trabalhos foram realizados no campus da UFMT, onde foram realizados
encontros periódicos para organizar as atividades de extensão, coletas seletivas de óleo,
fabricação de três tipos distintos de sabões ecológicos e ensaios para avaliar a qualidades,
que demonstraram um produto de ótima qualidade. Considerando que as atividades ainda
estão em curso, iniciam-se agora as visitas nas escolas públicas de Várzea Grande, onde
as integrantes do projeto realizarão palestras e oficinas de confecção de sabões
ecológicos.

Palavras-chave: Óleo de cozinha, Sabões, Educação ambiental, Mulheres.

1 INTRODUÇÃO
O óleo de cozinha é um item largamente utilizado na culinária brasileira no
preparo de frituras e outros alimentos. Estima-se que no Brasil são produzidos cerca de 9
bilhões de litros por ano e aproximadamente 200 milhões de litros desse óleo usado são
descartados de forma incorreta, tendo como destino aterros, rios e lagos (ABIOVE, 2018).
O descarte inadequado do óleo de cozinha causa diversos danos ao meio ambiente. Por
exemplo, um litro de óleo despejado no esgoto pode poluir até 20.000 litros de água
(GAMBOA, 2006). Quando o óleo entra em contato com a água, por possuir menor
densidade, forma-se uma camada em sua superfície, ocasionando a eutrofização do

1
Acadêmica do curso de Engenharia química, Faculdade de Engenharia, UFMT-VG.
2
Mestra em Estudos Linguísticos, Faculdade de Engenharia, UFMT-VG. perlahaydee@gmail.com.
3
Doutor em Química, Faculdade de Engenharia, UFMT-VG. andreluizstein@hotmail.com.
manancial e a diminuição do nível de oxigênio dissolvido na água, o que compromete a
cadeia alimentar desse ambiente. A contaminação do solo também leva à
impermeabilização deste, o que colabora com a formação de enchentes e acarreta
prejuízos econômicos (GODOY, 2010). O desconhecimento também é um fator
motivador para o descarte de óleo nas pias das residências, ocasionando a obstrução de
tubulações e caixa de gordura, além de odor desagradável. No intuito de remover esse
óleo, são empregados produtos químicos de elevada toxidez, afetando todo o ecossistema
(BESEN et al., 2011).
Sendo assim, é premente a necessidade de combater o descarte impróprio
desse óleo e fomentar seu reaproveitamento. Dentre as diversas formas de reciclagem, o
emprego do óleo usado como matéria-prima para fabricação artesanal de sabões é
considerado como um processo simples e de fácil execução. A reação química envolvida
é amplamente conhecida e recebe o nome de saponificação. A reação de saponificação é
uma reação especial de hidrólise alcalina de um éster produzindo um álcool e um sal.
Quando a gordura ou óleo 1 (ésteres de ácidos graxos) reage com hidróxido de sódio
(NaOH) em meio aquoso, por exemplo, uma molécula de glicerol 2 é produzida e três
moléculas do sal de ácido carboxílico 3 (Esquema 1a). Os sabões são íons carboxilatos
de sódio ou potássio (“cabeça polar”) que possuem grandes cadeias carbônicas apolares
(R1, R2 e R3). Como resultado, são moléculas consideradas anfipáticas, ou seja,
compostos que possuem características polares a apolares em sua estrutura. Em solução
aquosa, eles se arranjam em grupos esféricos denominados micelas cuja cabeça polar
(hidrofílica) de cada íon carboxilato ficam do lado externo da esfera, e a cauda apolar,
voltada para o interior (Esquema 1b). Durante a limpeza, as gorduras incrustadas com
sujeira ficam prezas no interior dessas micelas minimizando o contato com a água e assim
arrastadas pelo sabão. Além disso, o sabão reduz a tensão superficial da água fazendo
com que ela “molhe melhor” as superfícies (BRUICE, 2010; BARBOSA et al., 1995).

Esquema 1: a) Reação de saponificação. b) Representação de gordura no interior de uma micela.


Diante do exposto, esta ação objetiva apresentar uma alternativa viável para
reciclagem do óleo através da coleta seletiva desse material para fabricação de sabões
artesanais. O projeto “Reaproveitamento do Óleo de Fritura na Fabricação de Sabões: As
Meninas da Engenharia Química e a Conscientização Ambiental nas Escolas Públicas”
tem como propósito visitar as escolas públicas do município de Várzea Grande-MT e
disseminar o conhecimento através da teoria e da prática, a favor da preservação do meio
ambiente.
Ainda outro fator inspirador para esta ação é a questão de gênero. Em anos
recentes, temos presenciado um considerável aumento no número de mulheres tendo
acesso a uma formação acadêmica e científica, atuando como docentes e pesquisadoras,
como estudantes de graduação e pós-graduação (INEP, 2013). Contudo, a participação
feminina nas ciências exatas ainda não acontece na mesma medida que a masculina
(SILVA, RIBEIRO, 2012). Nesse respeito, projetos que promovam uma maior
participação feminina nas áreas de ciências exatas e tecnologias podem contribuir para
uma sociedade mais igualitária e inclusiva.
2 METODOLOGIA
As atividades do projeto foram divididas em duas etapas, sendo a primeira
parte desenvolvida no campus da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) e a
segunda destinada a oficinas e atividades práticas nas escolas públicas.
Primeiramente, os integrantes do projeto definiram as atividades que seriam
realizadas durante todo o ano. Em reuniões periódicas, foram selecionados e discutidos
artigos literários pertinentes ao assunto, procedimentos experimentais viáveis, materiais
necessários para execução das práticas e apresentação de ideias e expectativas com
relação ao projeto. Nesse período foi desenvolvido um questionário com algumas
perguntas em relação ao óleo de cozinha e aos hábitos de reciclagem, como: “Como você
descarta o óleo de cozinha?”, “Você sabe que o óleo de cozinha pode ser reciclado?”,
“Você conhece os danos causados pelo descarte incorreto do óleo de cozinha usado? Se
sim, quais?”. Esse formulário objetiva obter informações sobre o nível de conscientização
dos alunos em relação ao descarte do óleo de cozinha e avaliar o impacto causado com o
desenvolvimento das atividades.
Ainda nesse período, foram organizadas, nas dependências da UFMT, coletas
seletivas de óleo de cozinha usado. O óleo foi recolhido em garrafas PET, em períodos e
locais divulgados por cartazes organizados pelas alunas. Com esse óleo coletado, algumas
receitas de fabricação de sabões foram testadas e adaptadas para facilitar sua aplicação
nas oficinas das escolas públicas. Além da fabricação, alguns testes de qualidade dos
produtos foram realizados, incluindo ensaios organolépticos, pH e formação de espumas.
Na segunda etapa do projeto, as atividades serão voltadas para as visitas nas
escolas públicas. Nessas ações, as acadêmicas do curso de Engenharia Química realizarão
palestras, que deverão ocorrer durante as aulas de química do terceiro ano do ensino
médio da escola. O objetivo é disseminar informações a respeito da importância da
educação ambiental, história do surgimento do sabão, prejuízos causados pelo descarte
incorreto de óleos ao meio ambiente e a importância da reciclagem. As alunas também
compartilharão suas experiências acerca do curso de Engenharia Química, áreas de
atuação e futuras perspectivas, além de discutir os possíveis obstáculos (sociais, culturais
e/ou históricos) atrelados à reduzida participação feminina nas áreas
científicas/tecnológicas. Após as ações educativas, serão desenvolvidas atividades
experimentais para fabricação dos sabões, reaproveitando o óleo de cozinha que será
coletado pelos alunos, em suas residências.
2 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os primeiros meses das atividades de extensão foram dedicadas à preparação
do material a ser usado ao longo do ano. Para a fabricação dos sabões foram selecionados
processos de fácil execução, a frio, com materiais de fácil acesso, até se chegar a métodos
adequados. Nas coletas realizadas entre os alunos de graduação, foram recolhidos
aproximadamente 20 L de óleo de cozinha usado. Esse óleo foi coado com peneira fina
para remoção de resíduos sólidos e foi utilizado na fabricação de três tipos de sabões
distintos. Todos os procedimentos foram realizados utilizando luvas, avental, óculos de
proteção e demais cuidados necessários. Em relação às quantidades dos reagentes, a
quantidade de soda, água e álcool utilizada foi calculada com base em estudos já descritos
(MERCADANTE et al., 2009).
Sabão com Essência - Ingredientes: 1 L de óleo, 150g de soda (NaOH) em escamas, 260
mL de água, 50 mL de álcool (essência opcional). Procedimento: a mistura é feita em
uma garrafa PET de 2 litros, contendo 1 litro de óleo. A soda é dissolvida em água
lentamente e adicionada em duas porções, com intervalo de cinco minutos e constante
agitação. A garrafa PET deve ser aberta caso haja muita pressão. Por fim, o álcool é
adicionado e a mistura deve ser agitada por aproximadamente 30 minutos. A pasta obtida
é deixada em repouso num recipiente por 15 dias.
Sabão de abacate - Ingredientes: 2 L de óleo, 300 g de NaOH, 400 mL de água, ½ abacate
maduro. Procedimento: a mistura é feita em um balde com agitação de uma colher de
madeira. A soda é dissolvida lentamente na água e adicionada em pequenas porções ao
óleo dentro do balde, mantendo-se a agitação constante. O abacate é batido em
liquidificador com casca e adicionado a essa mistura, que deve ser mexida por 40 minutos.
Sabão de folha do mamão - Ingredientes: 3 L de óleo, 450 g de NaOH, 500 mL de água,
5 folhas de mamão verde. Procedimento: a mistura é feita em um balde, com agitação de
uma colher de madeira. A soda é dissolvida lentamente na água e adicionada em pequenas
porções ao óleo dentro do balde, com agitação constante. A folha do mamão é batida em
liquidificador com um pouco de água, adicionada à mistura e mexida por 50 minutos.
Para agilizar o ponto cremoso ideal, a mistura pode ser agitada dentro de garrafas PET ou
com uso de batedeiras.
Os produtos foram deixados em repouso por 5 dias para alcançar o ponto de
corte, e, após 15 dias, os sabões puderam ser embalados e submetidos aos ensaios de
qualidade. Nos ensaios organolépticos, foram observados a cor, textura, odor,
consistência e presença ou não de rachaduras. Pode-se concluir que todas os sabões
fabricados apresentaram ótimas características nos quesitos avaliados, principalmente o
da folha de mamão. Os produtos apresentaram boa formação de espumas e nenhuma
irritação à pele das mãos quando utilizados.
Para medição do pH foram utilizados três métodos diferentes: fita indicadora
universal de pH, medidor de pH digital e extrato de repolho roxo. Em todos os testes, o
pH dos sabões ficou na faixa entre 9 e 10,3, confirmando um caráter básico ideal para o
produto (BRASIL, 2012). É interessante ressaltar que o extrato do repolho roxo foi eficaz
na determinação do pH, esse é um teste simples e barato que pode ser realizado facilmente
em casa ou escolas com menos recursos (GOUVEIA-MATOS, 1999).

Figura 1: Da esquerda para a direita: Reunião dos integrantes do projeto/confecção dos


sabões/sabão da folha de mamão/testes de qualidade no laboratório

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Preservar o meio ambiente é fundamental pois dele depende a sobrevivência
da humanidade. O óleo descartado de maneira incorreta pode causar diversos danos ao
nosso ecossistema e o seu reaproveitamento ajuda a diminuir esses impactos. Sendo
assim, é necessário praticar o consumo consciente, evitar o desperdício, separar o material
reciclável e aplicar métodos para sua reutilização.
Com o desenvolvimento das atividades espera-se contribuir diretamente na
conscientização da comunidade acerca dos problemas decorrentes do descarte
inadequado do óleo de cozinha e, através das práticas de reciclagem, oferecer uma
alternativa para recuperação do óleo de cozinha usado. O envolvimento de alunas na
execução desse projeto, tanto da universidade quanto das escolas públicas, emerge como
um incentivo para maior inclusão de mulheres na procura por cursos da área das ciências
exatas.
2 REFERÊNCIAS
ABIOVE, 2018. Mercado de Óleos Vegetais: conjuntura e perspectivas. Disponível em:
http://www.abiove.org.br/site/index. Acesso em 06 de agosto de 2019.
BARBOSA, A.B; SILVA, R.R. Xampus. Química Nova na Escola. n 2, p. 3-6, 1995.
BESEN, AG; Strassburg, RC. Coleta e reciclagem do óleo de cozinha residual
proveniente de frituras para a produção de biodiesel. I COLASSA– Congresso Latino
Americano de Suinocultura e Sustentabilidade Ambiental. Foz do Iguaçu /PR Unioeste
– Universidade Estadual do Oeste do Paraná, 2011.
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http://portal.anvisa.gov.br/documents/106351/107910/Guia+para+Avalia%C3%A7%C3
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BRUICE, P. Y. Química orgânica. 4.ed. v.2. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2010.
641 p.
GAMBOA, T. Do óleo de cozinha ao biodiesel. Ciência e Vida, Rio de Janeiro, ed. 066,
dez. 2006. Disponível em:
<http://www.olharvital.ufrj.br/2006/index.php?id_edicao=066&codigo=2> Acesso em
19 de julho de 2019.
GODOY, P. O. et al. Consciência limpa: reciclando o óleo de cozinha. Anuário Da
Produção de Iniciação Científica Discente. v.13, n.17, 2010.
GOUVEIA-MATOS, J. A. M. (1999). Mudança nas cores dos extratos de flores e do
repolho roxo, Química Nova na Escola, 10, 6-10.
INEP. Relatório Censo da Educação Superior 2013. Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Disponível em: <
http://download.inep.gov.br/download/superior/censo/2013/resumo_tecnico_censo_edu
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MERCADANTE, R. et al. Massa base para sabonetes. Toledo, 2009b. Disponível em:
<projetos.unioeste.br/projetos/gerart/apostilas/apostila7.pdf>. Acesso em 10 de
novembro de 18.
SILVA, F., RIBEIRO, P. A inserção das mulheres na ciência. Revista Linhas Críticas,
Brasília, v. 18, n. 35, p. 171-191, jan./abr. 2012.

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