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Estela de Oliveira Azevedo e Daniela de Araújo Medeiros Dias

Efeito do ômega-3 no perfil cognitivo


de crianças diagnosticadas com
transtorno do espectro autista:
uma revisão da literatura
Effect of omega-3 in the cognitive profile on children diagnosed with
autism spectrum disorders: a literature review

Resumo
Transtorno do Espectro Autista (TEA) ou autismo é o termo utilizado para caracterizar uma condição neurodesenvolvimental, que pode
causar desordens comportamentais e que normalmente se apresenta nos primeiros anos de vida do indivíduo. A literatura atual demonstra
que a ingestão adequada do ácido graxo poli-insaturado (AGPI) ômega-3 indica uma possível redução nos sintomas característicos
do TEA, sendo uma possibilidade de abordagem nutricional para esse público. Esta revisão tem como objetivo relacionar o efeito do
ômega-3 na melhora do perfil cognitivo de crianças diagnosticadas com autismo na redução dos sintomas característicos e no possível
avanço da qualidade de vida desse grupo.

Palavras-chave: Ômega-3, DHA, EPA, autismo, transtorno do espectro autista, crianças autistas, suplementação.

Abstract
Rev Bras Nutr Func; 45(80), 2019 doi: 10.32809/2176-4522.45.80.02

Autism Spectrum Disorder (ASD) or autism is the term used to characterize a neurodevelopmental condition, which can cause behav-
ioral disorders and is usually present in the first years of the individual. Current literature demonstrates that adequate ingestion of
omega-3 polyunsaturated fatty acids (PUFAs) indicates a possible reduction in the characteristic symptoms of ASD, being a possibility
of nutritional approach for that group. This review aims to relate the effect of omega-3 on improving the cognitive profile of children
diagnosed with autism, reducing the characteristic symptoms and improving the possibility of the quality of life of such group.

Keywords: Omega-3, DHA, EPA, autism, Autism Spectrum Disorder, autistic children, supplementation.

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Efeito do ômega-3 no perfil cognitivo de crianças diagnosticadas com transtorno do espectro autista: uma revisão da literatura

Introdução autismo podem ser resultados de estresse

T
oxidativo, metilação inadequada, disfunção
Transtorno do Espectro Autista (TEA) ou das mitocôndrias e distúrbios na sulfatação. De
autismo é o termo utilizado para caracterizar acordo com Marcelino7, pode haver a relação
uma condição neurodesenvolvimental que com disbiose intestinal, disfunção imunológica,
atinge o funcionamento do cérebro, causando fatores ambientais e alteração da permeabilidade
desordens comportamentais, e que normalmente da mucosa intestinal.
se apresenta nos primeiros anos de vida do A intervenção nutricional é um dos
indivíduo¹. tratamentos que auxiliam na melhora dos
O termo “autismo” foi inicialmente introduzido sintomas comportamentais no TEA, e pesquisas
na literatura médica por Eugen Bleuler (1857- científicas indicam que a ingestão adequada do
1939), em 1911, mas foi descrito apenas em ômega-3 (ω-3) está relacionada com a melhora
1943 pelo psiquiatra alemão Leo Kanner (1894- da qualidade de vida dessas pessoas. O ômega-3
1981). As crianças autistas analisadas no estudo é um conjunto de ácidos graxos poli-insaturados
de Kanner tinham como característica principal a conhecidos como ácidos graxos essenciais,
incapacidade de se relacionarem com as demais ou seja, não são produzidos pelo organismo
pessoas². e são adquiridos através da dieta. Essa classe
De acordo com o Autism Research Institute - de lipídios é importante no desenvolvimento
Instituto de Pesquisas sobre o Autismo³, durante e funcionamento ideal do sistema nervoso
muitos anos o autismo foi raro, ocorrendo em central (embriogênese e infância)8, atuando na
uma a cada 10.000 crianças. Hoje, a Organização regulação enzimática, sinalização celular, síntese
Mundial da Saúde (OMS) calcula que o autismo de eicosanoides e determinação da plasticidade
afeta uma em cada 160 crianças no mundo4, sináptica9.
e tem aumentado nas últimas décadas, o que O ômega-3 é principalmente composto pelo
pode motivado pelo aumento de critérios dos ácido docosahexaenoico (DHA) e pelo ácido
diagnósticos, dos serviços de saúde relacionados eicosapentaenoico (EPA). O DHA, quando
ao transtorno, aos fatores ambientais, entre incorporado às membranas celulares dos neurônios,
outros. auxilia na ligação dos neurotransmissores aos
Essa condição deriva de mudanças que seus devidos receptores, diminui a inflamação
ocorrem em certas áreas do cérebro, como a e inibe citocinas pró-inflamatórias. O EPA está
inflamação, o peso cerebral, a migração celular relacionado com a proteção contra o estresse
anormal e o aumento da densidade de neurônios oxidativo, ao aumentar o suprimento de oxigênio
do sistema límbico. Essas mudanças impactam e glicose para o cérebro10.
na realização de atividades, como as experiências A ingestão adequada do ômega-3 traz diversos
sensoriais e perceptivas, no comportamento benefícios, como a melhora dos distúrbios
social, na emoção e na memória5. O diagnóstico neurodegenerativos, alterações imunológicas,
do autismo é caracterizado pelas alterações diminuição de doenças crônicas¹¹, maturação da
na comunicação, nas interações sociais, nos rede cerebral, transdução de sinal¹², prevenção
comportamentos repetitivos, na dificuldade de e tratamento de doenças inflamatórias do trato
aprendizagem e na presença de interesses fixos, gastrointestinal, doenças cardiovasculares e
intensos e restritos¹. infecções¹³.
Ainda não se sabe a origem do autismo, A ingestão do ômega-3 na relação com
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mas pesquisas têm encontrado relações o TEA pode trazer resultados positivos no
neurobiológicas e genéticas6. Segundo o comportamento e na saúde geral desses indivíduos.
Autism Research Institute³, muitos casos de O ω-3 é fundamental para a maturação da rede

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cerebral; mantém a transmissão dos impulsos Biblioteca Virtual em Saúde, desenvolvidos a


nervosos nas membranas celulares, melhorando partir do Medical Subject Headings (MeSH) da
as respostas neurológicas; atua como mediador U.S. National Library of Medicine, que permite
inflamatório; melhora a estabilização do humor; o uso da terminologia comum em português e
reduz a inflamação; auxilia na sobrevivência inglês.
neuronal, na arborização dendrítica e no Foram analisados arquivos como artigos
neurodesenvolvimento¹². experimentais, livros e publicações oficiais de
Indivíduos com TEA que não fazem o uso organizações internacionais de saúde. Todos os
adequado de ômega-3 podem ter sintomas de trabalhos analisados constaram no período de
alterações de comportamentos mais elevados. 2008 a 2018. Foram selecionados trabalhos nas
Além disso, a suplementação de DHA e EPA, em línguas portuguesa, inglesa e espanhola. Para
períodos críticos de gestação e lactação, é essencial a pesquisa foram utilizados descritores como:
para a sinaptogênese e mielinização, além da ômega-3, DHA, EPA, autismo, transtorno do
maturação cortical, podendo também auxiliar espectro autista, crianças autistas, suplementação.
a reduzir o risco de déficits psicopatológicos e A pesquisa foi realizada nas bases de dados
cognitivos na idade adulta14. PubMed, SciELO, Elsevier e MedLine.
O aumento significativo da quantidade de
pessoas diagnosticadas com TEA enfatiza a Análise de dados
importância de estudos científicos acerca de
sua relação com a nutrição, visando melhorar A análise de dados foi iniciada com a leitura
os sintomas que os portadores desse transtorno dos títulos. Em seguida foi realizada a leitura dos
apresentam. resumos e, ao final, a leitura dos artigos na íntegra.
Diante do exposto, este estudo teve como Após a leitura dos títulos e resumos dos artigos
objetivo realizar uma revisão bibliográfica foram excluídos aqueles que não contemplavam
sobre o efeito do ômega-3 na melhora do perfil o tema.
cognitivo de crianças diagnosticadas com TEA, Inicialmente, foram identificados 125 artigos
na redução dos sintomas característicos e na por meio de palavras-chave, dos quais 20 foram
possível melhora da qualidade de vida desse excluídos por não estarem de acordo com o critério
grupo. de inclusão: ano de publicação entre 2008 e 2018.
Após análise do título e resumo, 28 estudos foram
Metodologia excluídos por não estarem adequados ao tema ou
por não incluírem o objeto na pesquisa. Foram
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Desenho do estudo excluídos 67 trabalhos por serem artigos de revisão


de literatura e outros documentos. Ao final, foram
O presente estudo foi realizado por meio utilizados 10 artigos para esta revisão, conforme
de uma revisão de literatura que analisou a descrito na Tabela 1.
importância do uso do ômega-3 em crianças
com TEA, mediante consulta às bases de dados Resultado e Discussão
SciELO, Elsevier, PubMed e MedLine. Na
Mediante os critérios de inclusão e exclusão
busca nos bancos de dados foram utilizadas
de artigos, foram selecionados 10 artigos para a
as terminologias cadastradas nos Descritores
presente revisão (Figura 1).
em Ciências da Saúde (DeCS) criados pela

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Efeito do ômega-3 no perfil cognitivo de crianças diagnosticadas com transtorno do espectro autista: uma revisão da literatura

Figura 1. Descrição da seleção dos artigos.


Pesquisa Geral
N = 125

Anos de Publicação: 2009 a 2018

N = 125
artigos
Somente crianças autistas

N = 77
artigos
Artigos experimentais

Resultado Final
N = 10

Foram elegíveis dez artigos de acordo com os do ômega-6, não respondeu ao tratamento com
critérios estabelecidos nesta revisão, conforme melhoras significativas durante o período do
observados na Tabela 1. Destaca-se que foi estudo (p<0,25). No entanto, após 6 meses, 47%
verificada uma heterogeneidade em relação ao do grupo suplementado mostrou redução nos
tamanho da amostra e dose/resposta de ômega-3 sintomas de déficit de atenção e na hiperatividade
em crianças com TEA. A literatura atual demonstra (p<0.08).
a suplementação de AGPI ômega-3 como uma Em um grupo de 57 crianças com TEA de 3
possibilidade de abordagem nutricional no TEA, a 8 anos de idade, Bent et al.17 realizaram um
de maneira a melhorar os sintomas. Assim, estudos estudo clínico piloto randomizado controlado
foram realizados para determinar a eficácia e e baseado na internet. O objetivo do estudo foi
os benefícios da suplementação de ômega-3, analisar o efeito da suplementação do ômega-3
contudo, os resultados são ainda inconclusivos. na diminuição da hiperatividade nesse grupo. As
Devido ao aumento do número de crianças crianças foram suplementadas com 650 mg de
diagnosticadas com TEA ao longo das décadas, a ômega-3 (1,3 g/dia), sendo 350 mg de EPA e 230
necessidade de tratamentos para esse grupo é cada mg de DHA, duas vezes ao dia. Após 3 meses
vez maior15. Na busca de encontrar alternativas de estudo, as crianças tiveram, de acordo com a
para o tratamento desse transtorno, estudos Subescala de Hiperatividade, uma maior redução
analisaram o efeito da suplementação do ômega-3 na hiperatividade (-5,3 pontos) em comparação
na melhora dos sintomas característicos desse com o grupo placebo (-2,6 pontos), mas a diferença
grupo, por ser um ácido graxo que tem como um não foi estatisticamente significativa (melhora de
dos principais efeitos atuar no desenvolvimento 1,9 pontos no grupo ômega-3). O estudo concluiu
do sistema neurológico¹¹. que é necessário um tamanho maior de amostra
Johnson et al. 16 avaliaram os efeitos do para melhor determinar a eficácia dos ácidos
ômega-3 e do ômega-6 no déficit de atenção e graxos ômega-3.
na hiperatividade em 75 crianças e adolescentes Yui et al.¹², em um estudo clínico randomizado,
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(8 a 18 anos) diagnosticadas com TEA. O estudo duplo-cego, de 16 semanas, controlado por


randomizado e controlado por placebo, seguido placebo, incluíram 13 indivíduos na faixa etária
de 3 meses com suplementação do ômega-3 e de 6 a 28 anos. O grupo suplementado recebeu

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240 mg de ARA+DHA. Para a análise dos araquidônico (AA) e 144 mg de ácido gama-
resultados da suplementação, foram examinados linolênico, 60 mg de vitamina E e 3 mg de óleo
os níveis plasmáticos de antioxidantes transferrina de tomilho). No pós-tratamento, os participantes
e superóxido dismutase, que são marcadores de mostraram melhorias significativas em todas as
transdução de sinal. A análise de variância com subescalas da Escala de Responsividade Social
medidas repetidas revelou que a dieta com essa (p<0,01) e as escalas de Síndrome de Problemas
suplementação melhorou significativamente a taxa de Atenção e Sociais do Child Behavior Checklist
de comunicação social (p<0.003) medida pelo (p<0,05). Os níveis basais dos ácidos graxos no
grupo estudado e o retraimento social (p<0.04). sangue também foram preditivos de resposta
Em relação aos níveis plasmáticos de transferrina, ao tratamento com ômega-3. Dessa forma, a
houve aumento significativo (p<0.03), e em suplementação com ácidos graxos ômega-3 foi
relação aos níveis de superóxido dismutase no bem tolerada e não causou efeitos colaterais
plasma, houve mudança entre os dois grupos graves, fornecendo auxílio no tratamento do TEA.
(p<0.08), indicando aumento na transdução de O estudo caso-controle de Ghezzo et al.20
sinal. Esse estudo demonstra uma melhoria na foi realizado com 2 grupos: grupo 1, com 21
interação social de crianças com TEA por meio crianças autistas; grupo 2, com 20 crianças em
da regulação da transdução de sinal, quando desenvolvimento. O estudo sugere que o estresse
suplementadas com ômega-3. oxidativo pode influenciar nos sintomas do TEA.
Mankad et al.18, em um estudo randomizado, Foi avaliado o painel biomarcador, analisando um
controlado por placebo, com 38 crianças pré- possível desequilíbrio do seu estado redox. Foram
escolares (2 a 5 anos de idade) diagnosticadas aferidas medidas para comparações de estresse
com TEA, avaliaram a redução dos sintomas oxidativo, composição lipídica e características
característicos do transtorno, quando suplementadas funcionais da membrana eritrocitária. Alguns
com ômega-3. Nas primeiras 12 semanas, as dos biomarcadores moleculares de estresse
crianças consumiram 1,5 g de EPA+DHA, e a dose oxidativo, como as substâncias reativas ao ácido
foi dobrada na semana 24. Não houve diferença tiobarbitúrico eritrocitário, isoprostano e hexanoil-
significativa entre os grupos no período de 0 a lisina, foram elevadas no grupo estudado.
24 semanas nos escores compostos de autismo Atividade ATPásica (p<0,0001), redução da
do Inventário Comportamental dos Transtornos fluidez da membrana eritrocitária (p<0,0123) e
Invasivos do Desenvolvimento (“PDDBI”, p=0,5). aumento dos níveis de lipoperóxidos (p<0,0021)
Utilizando a pontuação de problemas do Sistema foram vistos no estudo. Aumento de ácidos graxos
de Avaliação Comportamental para Crianças monoinsaturados (p<0,0076), diminuição do EPA
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(“BASC-2”), houve um grupo significativo por (p<0,04) e do DHA (p<0,0065) foram encontrados
interação de semanas na pontuação do problema no grupo 1 em comparação ao grupo 2. Esse estudo
de externalização (p=0,02). Não houve semana demonstra que algumas características clínicas do
estatisticamente significativa de melhora na autismo parecem estar relacionadas com alguns
linguagem (p=0,6). Este estudo não fornece a parâmetros de perfil de lipídios e na fluidez da
hipótese de que a suplementação com 1,5 g de membrana.
DHA+EPA reduz os sintomas de crianças autistas. Parellada et al.²¹, em um estudo de 8 semanas,
Em um ensaio clínico piloto aberto de Ooi et com 68 crianças e adolescentes suplementados
al. de 12 semanas, 41 crianças e adolescentes
19
com ômega-3 (962 mg/dia e 1155 mg/dia para
(idades entre 7 e 18 anos) receberam, duas vezes crianças e adolescentes, respectivamente),
por semana, 15 ml de líquido contendo 1 g/dia de investigaram se essa suplementação melhora na
ômega-3 (840 mg DHA, 192 mg EPA, 1278 mg membrana eritrocitária de ômega-6/ômega-3,
óleo de prímula puro, dos quais 66 mg de ácido no status antioxidante plasmático, associados ao

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Efeito do ômega-3 no perfil cognitivo de crianças diagnosticadas com transtorno do espectro autista: uma revisão da literatura

desenvolvimento do cérebro, e no comportamento mg de ω3 (425 mg de EPA, 110 mg de DHA, 74


de autistas. O tratamento com ômega-3 melhorou mg de outros ácidos graxos ômega-3), 198 mg
a relação da membrana ômega-6/ômega-3 de w-6 (incluindo 128 mg de GLA) e 15 mg de
dos eritrócitos (p<0,008), sem alterar o status ácidos graxos ômega-9. A dosagem variou entre
antioxidante plasmático. Houve uma melhoria 1 cápsula/dia e 4 cápsulas/dia, de acordo com o
significativa nos escores das subescalas de peso corporal da criança. Houve uma melhora
Motivação Social e Comunicação Social com um significativa na capacidade intelectual não-verbal
tamanho de efeito moderado a grande (p=0,004). no grupo de tratamento em comparação com o
Dessa forma, a suplementação ômega-3 pode ser grupo sem tratamento (p=0,009). O grupo de
estudada como um complemento para terapias tratamento teve aumentos significativamente
comportamentais em autistas. maiores em EPA, DHA, carnitina e vitaminas A,
Sheppard et al.²², em um estudo piloto de B2, B5, B6, B12, ácido fólico e coenzima Q10.
um ensaio clínico randomizado, selecionaram Os resultados positivos desse estudo sugerem que
31 crianças, entre 18 a 38 meses de idade e que uma intervenção nutricional é eficaz na melhoria
nasceram com menos de 30 semanas gestacionais do estado nutricional, do QI não verbal e de outros
com risco de TEA. Durante 3 meses as crianças sintomas na maioria dos indivíduos com TEA.
receberam 338 mg de EPA, 225 mg de DHA, 280 No estudo de Boone et al.24, foi realizado um
mg de ômega-6 total (incluindo 83 mg de GLA) ensaio clínico randomizado, duplo-cego, placebo-
e 306 mg de ômega-9 totais, como dose diária controlado de 90 dias, com 31 crianças com idades
única. Foram medidas as habilidades de linguagem entre 18 e 38 meses que nasceram com ≤ 29
no início e após a suplementação. A combinação semanas de gestação e que apresentavam sintomas
de gestos e de palavras aumentou para crianças de autismo. As crianças foram suplementadas com
no grupo de tratamento (p<0,05) em relação ω3 com o objetivo de melhorar os perfis sensoriais.
ao grupo placebo. Esses resultados sugerem a Apesar de não ser estatisticamente significativo
possível eficácia da suplementação de ômega-3 e (p=0,13), a importância do efeito para redução
de ômega-6 para o desenvolvimento da linguagem de comportamentos associados à sensibilidade
em crianças com risco de TEA. sensorial foi de médio a grande (p=0,57). Os
Adams et al.²³, em um estudo randomizado resultados fornecem suporte para maiores ensaios
controlado, com 12 meses de duração, analisaram randomizados de suplementação de ácidos graxos
a melhora na capacidade intelectual não-verbal ômega para crianças em risco de dificuldades de
de 67 crianças e adultos, entre 3 e 58 anos de processamento sensorial, especialmente aqueles
idade, com a suplementação de ômega-3 e de nascidos prematuros.
outras vitaminas. Cada cápsula continha 609

Tabela 1. Interferência da suplementação de ω-3 em crianças com transtorno do espectro autista


(2009-2018)

Autor(es) Estudo População Objetivos Resultados

Johnson et al.16 Ensaio Crianças (n=75) Avaliar a suplementação A maioria não respondeu ao tra-
randomizado Grupo 1 (n=37) do ω3/ω6 no déficit de tamento. Porém, um subgrupo de
controlado por EPA = 558 mg atenção e hiperatividade 26% respondeu com mais de 25%
placebo DHA = 174 mg (TDAH) de redução dos sintomas de TDAH
ácido gama-linoleico = 60 (p<0,04).
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mg
VIT E = 10,8 mg
Grupo 2 (n=38)
cápsulas idênticas
contendo azeite

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Estela de Oliveira Azevedo e Daniela de Araújo Medeiros Dias

Autor(es) Estudo População Objetivos Resultados

Yui et al.¹² Ensaio clínico crianças autistas (n=13) Avaliar a eficácia da O grupo 1 obteve redução
randomizado, Grupo 1 (n=7) DHA 40 mg; suplementação de ácido significativa da taxa de comunicação
duplo-cego ARA 40 mg; Astaxantina araquidônico (ARA) social (p<0,003) e do retraimento
controlado por 0,16 mg adicionado ao DHA com social (p<0,04). Em relação aos
placebo Total = 240 mg (6 cápsulas/ a melhora da interação níveis plasmáticos de transferrina,
dia) social e da diminuição houve aumento significativo
Grupo 2 (n=6) cápsulas dos comportamentos (p<0,03), e em relação aos níveis de
idênticas de azeite repetitivos entre crianças superóxido dismutase no plasma
e adultos autistas houve mudança entre os dois grupos
(p<0,08).
Ghezzo et al.20 Ensaio Crianças autistas Avaliar se o estresse Correlação significativa entre a
caso-controle (n=21) oxidativo influencia na pontuação global da Escala de
patogênese do TEA, Avaliação do Autismo Infantil e
utilizando um painel outras características clínicas, como
biomarcador integrado, a atraso cognitivo/desenvolvimento
fim de avaliar o possível (p=0,05) e hiperatividade (p=0,01).
desequilíbrio do seu
estado redox
Bent et al.17 Ensaio piloto Crianças autistas (n=57) Determinar a eficácia do Crianças suplementadas com
randomizado Grupo 1 (n=29) w3 = 1,3 ω3 para o tratamento da ômega-3 tiveram maior média
controlado g/d hiperatividade de melhora da hiperatividade em
Grupo 2 (n=28) comparação com o grupo placebo.
1,3 g de óleo de cártamo
Ooi et al.19 Ensaio piloto Crianças autistas (n=41) Avaliar a suplementação Houve melhoras significativas
aberto DHA 840 mg de ω3 associada com em todas as Subescalas de
EPA 192 mg melhoras significativas Responsividade Social (p<0,01) e as
nos sintomas e Escalas de Síndrome de Problemas
comorbidades do TEA, de Atenção e de Problemas Sociais
e a associação entre do Child Behavior Checklist (p<0,05).
alterações nos níveis
de ácidos graxos e
uma maior resposta ao
tratamento
Mankad et al.18 Ensaio Crianças (n=38) Avaliar a eficácia do Grupo com a suplementação
randomizado Grupo 1 (n=19) ω3 na redução dos com ω3 durante 3 meses não foi
controlado por DHA+EPA = 1,5 g (3,5 ml/ sintomas do autismo e estatisticamente superior ao placebo
placebo, dia de formulação líquida) avaliar esse efeito no (p = 0,5).
duplo-cego Grupo 2 (n=19) desenvolvimento da
3,5 ml de formulação linguagem no grupo
líquida de azeite refinado
e triglicerídeos de cadeia
Rev Bras Nutr Func; 45(80), 2019 doi: 10.32809/2176-4522.45.80.02

média
Parellada et al. 21 Ensaio clínico Crianças autistas (n=68) Investigar se a O tratamento com ω3 melhorou a
randomizado, Grupo 1 (n=33): suplementação de ω3 relação ω3/ω6 nas membranas dos
cruzado, (5-11 anos) EPA = 577,7 pode melhorar a relação eritrócitos (p<0.008), e houve uma
controlado por mg; DHA = 385 mg; do ω3/ω6 nas membranas melhora significativa nas pontuações
placebo (12-17 anos) EPA = 693 mg; eritrocitárias, o status das subescalas de Motivação Social e
DHA = 462 mg; Grupo 2 antioxidante plasmático Comunicação Social (p=0,004).
(n=35): Parafina líquida e e o comportamento das
vitamina E crianças autistas
Sheppard et al. 22 Ensaio clínico Crianças autistas (n=27) Avaliar o desenvolvimento Crianças suplementadas de ω6/
randomizado Grupo 1 (n=14) de linguagem em crianças ω3 por 3 meses aumentaram
EPA = 338 mg autistas durante 3 meses significativamente o uso de
DHA = 225 mg gestos e de palavras a mais do
ω6 = 280 mg que as crianças que receberam
Grupo 2 (n=13) o suplemento de óleo placebo
acrescenta a dose ω3 (p<0,05).
testada

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Efeito do ômega-3 no perfil cognitivo de crianças diagnosticadas com transtorno do espectro autista: uma revisão da literatura

Autor(es) Estudo População Objetivos Resultados

Boone et al.24 Ensaio Crianças autistas (n=31) Descrever os perfis Apesar de não ser estatisticamente
randomizado, Grupo 1 (n=15) sensoriais e analisar os significativa (p=0,13), a importância
duplo-cego, EPA = 338 mg; DHA = 225 efeitos da suplementação dessa suplementação para a redução
controlado por mg; do DHA, EPA e ácido de comportamentos associados
placebo. ω6 = 280 mg; gama-linolênico (GLA) no à sensibilidade sensorial teve de
ω9 =306 mg. processamento sensorial médio a grande efeito (p = 0,57).
Grupo 2 (n=16) de crianças autistas
ácido palmítico = 124 mg; nascidas com ≤ 29
ácido esteárico = 39 mg; semanas de gestação
ácido linoleico = 513 mg;
ALA = 225 mg;
ácido oleico = 1346 mg
Adams et al.23 Ensaio Crianças autistas (n=67) Analisar a melhora na O grupo suplemento teve melhorias
randomizado Grupo 1 (n=37) capacidade intelectual significativamente maiores do que
controlado. ω3 = 609 mg (425 mg de não verbal com o grupo placebo nos sintomas
EPA, 110 mg de DHA); ω6 = intervenção nutricional relacionados ao autismo
198 mg;
com suplementação de (p = 0,008), na hiperatividade (p =
ω9 = 15 mg
Grupo 2 (n=30): grupo ω3 em crianças autistas 0,003) e linguagem receptiva
placebo (p = 0,03).

Conclusão e redução de problemas de atenção.


Algumas limitações foram encontradas nos
Diante do exposto, este estudo teve como trabalhos descritos, como a falta de padrão na
objetivo realizar uma revisão bibliográfica sobre quantidade de ômega-3 a ser suplementada e
a relação entre o efeito do ômega-3 na melhora do o período das análises de dados dos estudos.
perfil cognitivo de crianças diagnosticadas com Também houve limitações em relação às
TEA, na redução dos sintomas característicos e pesquisas científicas experimentais no ano de
na possível melhora da qualidade de vida desse 2018, sendo necessária a inclusão de pesquisas
grupo. dentro de 10 anos atrás, sendo necessários
As famílias dessas crianças relatam estudos mais atuais.
a complexidade de tratar dos sintomas Diversos fatores determinam o quadro de
característicos do transtorno. Os estudos descritos sintomas no TEA e se relacionam principalmente
neste trabalho concluem, em sua maioria, aos aspectos patológicos e ambientais. O
uma eficácia na suplementação do ácido graxo tratamento não se limita apenas à suplementação
ômega-3 em relação à melhora nos aspectos de um determinado nutriente, e sim ao conjunto
cognitivos da criança com TEA, bem como de um trabalho multidisciplinar na área da saúde,
melhora da comunicação social, aumento do uso visando melhorar gradativamente a qualidade de
de gestos e de palavras, redução da hiperatividade vida dessas pessoas.

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