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2.1 Introdução
Com o esquema básico apresentado no Capítulo 1, já temos
condição de começar a analisar a estrutura do Sistema de Contas
Nacionais (SCN). Antes, porém, é preciso esclarecer alguns pontos
quanto à natureza e à adequabilidade desse esquema.
Como se sabe, a economia real é infinitamente mais complexa
do que aquela apresentada nos exemplos e fluxogramas anteriores.
Por exemplo, há uma quantidade quase infinita de transações que
se realizam todos os dias; além disso, existe um elemento chamado
governo, que altera expressivamente o funcionamento do sistema; e,
finalmente, a economia de um país real nunca é inteiramente
fechada, ou seja, sempre realiza transações (compras e vendas de
bens e serviços, por exemplo) com as economias de outros países.
Além desses fatores, existem ainda alguns outros que devem ser
lembrados quando se avalia a capacidade de explicação desse
esquema simplificado: os aluguéis e juros também devem ser
considerados como remuneração de fatores e, portanto, de alguma
maneira, devem ser contemplados no conceito de renda; as
empresas e famílias também podem realizar transações entre si –
como o demonstram, na Seção 1.2 (Capítulo 1), as transações de
números 1, 2 e 3 de nossa economia H, tanto na situação 1 quanto
na situação 2; as famílias não necessariamente despendem toda a
renda que recebem, dando assim origem aos movimentos
englobados nos conceitos de investimento e poupança.
Todavia, a despeito de todas essas complicações, o esquema
simplificado até agora apresentado e as ideias de identidade e fluxo
constituem a base a partir da qual é possível analisar uma economia
real em toda sua complexidade. Essa base permite a incorporação
paulatina de cada um dos elementos até agora deixados de lado.
Cabe, por fim, uma última observação concernente à relação
existente entre as considerações teóricas, ou seja, a base conceitual
que sustenta logicamente o sistema de contas nacionais, e a forma
efetiva que as contas nacionais possuem em cada país. De fato,
várias podem ser as maneiras de se apresentarem as informações
do sistema de contas nacionais sem que sejam desrespeitados os
conceitos básicos que lhes dão origem. Em função disso, o formato
concreto do sistema pode variar, e de fato varia, de país para país.
Todavia, como veremos adiante, a necessidade de estabelecer
comparações entre os diversos países tem feito com que a ONU –
organismo internacional responsável pela elaboração do System of
National Accounts (SNA) – divulgue, de tempos em tempos, um
conjunto de recomendações, que a maior parte dos países procura
seguir, a fim de tornar esse formato o mais homogêneo possível.
O SNA de 1968 (SNA 68) vigorou por um longo período e foi
substituído pelo SNA de 1993 (SNA 93). Este último sistema é bem
mais complexo que o anterior, que, como veremos, é um sistema de
apenas 4 ou 5 contas que respeita os equilíbrios interno e externo.
Como, porém, os princípios básicos do sistema não se alteram,
vamos iniciar nossa investigação teórica sobre as contas nacionais
utilizando esse sistema mais simples. Na sequência, depois de
fazermos um breve retrospecto da história do sistema de contas
nacionais no Brasil, veremos a estruturação desse sistema até 1998,
quando obedecia as diretrizes do SNA 68. No Capítulo 4, veremos o
novo sistema, já seguido pelo Brasil.
2.2 As contas nacionais no sistema SNA 68
Todo bem que, por sua natureza, é final, deve ter seu valor
considerado no cálculo do valor do produto, mas nem todo
bem cujo valor entra no cálculo do valor do produto é um bem
final por natureza.
Que bens são esses, cujo valor entra no cálculo do valor do
produto, mas que não são bens finais por natureza? Lembremo-nos,
então, que:
Débito Crédito
A produto líquido C consumo pessoal
B depreciação D variação de estoques
E formação bruta de capital fixo
Produto Bruto Despesa Bruta
Débito Crédito
a1 salários C consumo pessoal
a2 lucros D variação de
a3 aluguéis estoques
E formação bruta de
a4 juros
capital fixo
A renda ou produto nacional líquido [A =
a1 + a2 + a3 + a4]
B depreciação
Renda ou Produto Bruto Despesa Bruta
Débito Crédito
C Consumo pessoal a1 salários
F Poupança líquida a2 lucros
a3 aluguéis
a4 juros
Utilização da Renda Líquida Renda Líquida
Débito Crédito
D variação de estoques F poupança líquida
E formação bruta de capital fixo B depreciação
Investimento Bruto Poupança Bruta
Débito Crédito
G exportações de bens e I importações de bens e
serviços não fatores serviços não fatores
H renda recebida do exterior J renda enviada ao exterior
K resultado do BP em
transações correntes
Total do Débito Total do Crédito
Débito Crédito
I importações de bens e serviços G exportações de bens e
não fatores serviços não fatores
J-H renda líquida enviada [+] ou C consumo pessoal
recebida [−] do exterior D variação de estoques
a1 salários E formação bruta de capital
a2 lucros fixo
a3 aluguéis
a4 juros
A renda ou produto nacional líquido
(A = a1 + a2 + a3 + a4)
B depreciação
Oferta de Bens e Serviços Demanda por Bens e
Serviços
Débito Crédito
D variação de estoques F poupança líquida
E formação bruta de B depreciação
capital fixo K resultado do BP em transações
correntes
Investimento Bruto Total Poupança Bruta Total
Débito Crédito
L consumo do Governo P impostos diretos
M transferências Q impostos indiretos
N subsídios R outras receitas correntes
O saldo do governo em conta líquidas
corrente
Utilização da Receita Total da Receita
Débito Crédito
I importações de bens e serviços G exportações de bens e
não fatores serviços não fatores
J-H renda líquida enviada [+] ou C consumo pessoal
recebida [−] do exterior L consumo do governo
a1 salários D variação de estoques
a2 lucros E formação bruta de capital
a3 aluguéis fixo
a4 juros
A renda ou produto nacional líquido
(A = a1 + a2 + a3 + a4)
B depreciação
Q-N impostos indiretos líquidos de
subsídios
Oferta de Bens e Serviços Demanda por Bens e
Serviços
Quadro 2.10 – Conta de apropriação
Débito Crédito
C consumo pessoal a1 salários
P-M impostos diretos líquidos de transferências a2 lucros
R outras receitas correntes líquidas a3 aluguéis
F poupança privada líquida a4 juros
Utilização da Renda Líquida Renda Líquida
Débito Crédito
L consumo do Governo P impostos diretos
M transferências p.1 empresas
N subsídios p.2 famílias
O saldo do governo em conta Q impostos indiretos
corrente R outras receitas correntes
líquidas
Utilização da Receita Total da Receita
Débito Crédito
G exportações de bens e I importações de bens e
serviços não fatores serviços não fatores
H renda recebida do exterior J renda enviada ao exterior
K resultado do BP em
transações correntes
Total do Débito Total do Crédito
Quadro 2.13 – Conta de capital
Débito Crédito
D variação de estoques F poupança privada líquida
E formação bruta de B depreciação
capital fixo K resultado do BP em transações
correntes
O saldo do governo em conta
corrente
Investimento Bruto Total Poupança Bruta Total
Débito Crédito
1.1 Produto Interno Bruto a 1.4 Consumo final das famílias
custo de fatores (2.4) (2.1)
1.1.1 Remuneração dos 1.5 Consumo final das
empregados (2.4.1) administrações públicas (2.2)
1.1.2 Excedente 1.6 Formação bruta de capital
Operacional Bruto fixo (4.1)
(2.4.2)
1.7 Variação de estoques (4.2)
1.2 Tributos indiretos (2.8)
1.8 Exportações de bens e
1.3 (menos) Subsídios (2.9) serviços não fatores (3.1)
1.9 (menos) Importações de bens
e serviços não fatores (3.5)
Produto Interno Bruto a Dispêndio correspondente ao
preços de mercado (PIBpm) Produto Interno Bruto
Quadro 2.15 – Conta Renda Nacional Disponível Bruta (RDB)
Débito Crédito
2.1 Consumo final das 2.4 Produto Interno Bruto a custo de
famílias (1.4) fatores (1.1)
2.2 Consumo final das 2.4.1 Remuneração dos
administrações empregados (1.1.1)
públicas (1.5) 2.4.2 Excedente Operacional
2.3 Poupança bruta (4.3) Bruto (1.1.2)
2.5 Remuneração de Empregados
Líquida recebida do resto do
mundo (3.2 – 3.6)
2.6 Outros rendimentos líquidos
recebidos do resto do mundo (3.3
– 3.7)
2.7 Transferências unilaterais líquidas
recebidas do resto do mundo (3.4
– 3.8)
2.8 Tributos indiretos (1.2)
2.9 (menos) Subsídios (1.3)
Utilização da Renda Apropriação da Renda Nacional
Nacional Disponível Disponível Bruta (RDB)
Bruta (RDB)
Quadro 2.16 – Conta transações correntes com o resto do mundo
Débito Crédito
3.1 Exportações de bens e 3.5 Importações de bens e
serviços não fatores [1.8]* serviços não fatores (1.9)*
3.2 Remuneração de 3.6 Remuneração de
empregados recebida do empregados paga ao resto
resto do mundo (2.5 + 3.6) do mundo (3.2 − 2.5)
3.3 Outros rendimentos 3.7 Outros rendimentos pagos
recebidos do resto do mundo ao resto do mundo (3.3 −
(2.6 + 3.7) 2.6)
3.4 Transferências unilaterais 3.8 Transferências unilaterais
recebidas do resto do mundo pagas ao resto do mundo
(2.7 + 3.8) (3.4 − 2.7)
3.9 Saldo das transações
correntes com o resto do
mundo (4.4)
Recebimentos Correntes Utilização dos Recebimentos
Correntes
Débito Crédito
Débito Crédito
A Consumo final das F Tributos indiretos
administrações públicas G Tributos diretos
a.1 Salários e encargos H Outras receitas correntes
a.2 Outras compras de bens líquidas
e serviços h.1 Outras receitas correntes
B Subsídios brutas
C Transferências de h.2 [menos] Outras despesas
assistência e previdência de transferência
D Juros da dívida pública h.2.1 Transferências
interna intragovernamentais
E Poupança em conta corrente h.2.2 Transferências
intergovernamentais
h.2.1 Transferências ao
setor privado
h.2.1 Transferências ao
exterior
Utilização da Receita Total da Receita Corrente
Corrente
Resumo
Os principais pontos vistos neste capítulo foram:
1. O investimento divide-se em formação de capital fixo e
variação de estoques, visto que, em ambos os casos,
possibilita-se ou enseja-se o consumo futuro de bens e serviços.
2. Os estoques congregam os bens cujo consumo ou a absorção
futura se dá de uma única vez, enquanto o capital fixo diz
respeito aos bens que não desaparecem depois de uma única
utilização e que possibilitam a produção (e, portanto, o consumo)
ao longo de um determinado período de tempo.
3. A formação de capital fixo é normalmente resultante de um
planejamento das empresas (ou do governo), enquanto a
variação de estoques é, ao menos em parte, não planejada.
4. O desgaste do capital fixo chama-se depreciação. Para obter o
valor do produto líquido de uma economia em um determinado
período é preciso deduzir, do valor total produzido, ou seja, do
valor do produto bruto, a parcela destinada à reposição do
estoque de capital da economia, ou seja, a depreciação.
5. Os aluguéis e juros pagos às empresas não devem ser
considerados quando da mensuração do valor do produto pela
ótica da renda, uma vez que já estão implicitamente
considerados na rubrica lucros. A única exceção é o setor
financeiro. Nesse caso, deve-se considerar a diferença entre
juros pagos e juros recebidos.
6. A conta de produção mostra a identidade entre renda e
dispêndio, enquanto a conta de apropriação mostra de que
maneira as famílias alocam as rendas recebidas pela cessão de
seus fatores de produção às empresas.
7. A conta de capital mostra a identidade investimento ≡
poupança, que nada mais é do que uma forma alternativa de
representar a identidade produto ≡ renda ≡ dispêndio.
8. As transações econômicas entre os países não se reduzem à
mera compra e venda de bens e serviços; elas envolvem
também fatores de produção. Surge daí a necessidade de se
distinguir entre produto interno e produto nacional.
9. Para se obter o produto nacional de uma economia, é preciso
deduzir de seu produto interno a renda líquida enviada ao
exterior ou, se for o caso, adicionar a seu produto interno a
renda líquida recebida do exterior.
10. Na maior parte dos casos, os países mais desenvolvidos são
exportadores líquidos de capital e, portanto, recebem
liquidamente renda do exterior (o produto nacional é maior que o
produto interno), enquanto ocorre o inverso com os países
menos desenvolvidos.
11. A conta do setor externo não é nada mais do que a conta do
balanço de pagamentos em transações correntes com os
lançamentos invertidos.
12. O governo arrecada impostos diretos (que incidem sobre a
renda ou o patrimônio) e indiretos (que incidem sobre os
preços). Transferências são impostos diretos com o sinal
negativo; subsídios são impostos indiretos com o sinal negativo.
13. O produto a preços de mercado inclui o valor dos impostos
indiretos compensados dos subsídios; o produto a custo de
fatores não considera esse valor adicional.
14. A oferta global da economia em um determinado período é a
soma do produto interno bruto a preços de mercado (PIBpm) com
as importações de bens e serviços não fatores. A demanda
global, por seu lado, é a soma do PIBpm com as exportações de
bens e serviços não fatores.
15. A primeira estimativa da renda nacional no Brasil foi elaborada
pela FGV-RJ em fins dos anos 1940. Mas é só em 1956 que o
país vai dispor, pela primeira vez, de um conjunto integrado de
estatísticas que, seguindo as determinações do System of
National Accounts (SNA) da ONU de 1952, apresenta as contas
nacionais do Brasil para o período 1948-55.
16. Desde então é o Instituto Brasileiro de Economia (IBRE), mais
particularmente o Centro de Contas Nacionais da FGV-RJ, que
se encarrega da elaboração dessas estimativas. O Centro de
Contas Nacionais procurou sempre se adequar aos padrões
metodológicos e formais recomendados pelo SNA.
17. O Centro de Contas Nacionais da FGV permaneceu, até 1986,
como a instituição responsável pela elaboração e divulgação das
contas, ocasião em que tal tarefa tornou-se incumbência da
Fundação IBGE, que se encarregava então da elaboração da
matriz insumo-produto do Brasil.
18. Até 1986, o sistema de contas nacionais do Brasil tinha uma
estrutura bastante similar à de cinco contas discutida na seção
2.2. Quando o IBGE assumiu esse encargo, elaborou também
uma profunda revisão metodológica e operou substantivas
mudanças no sistema. A alteração mais significativa foi a
substituição do antigo modelo de cinco contas por um de quatro.
19. Assim, a partir de 1987, a conta do governo deixa de constar do
sistema de contas nacionais do Brasil. As atividades do governo
não aparecem destacadas em uma conta própria, mas diluem-se
nas contas restantes. Cria-se simultaneamente, mas como
instrumento à parte do sistema de contas, a conta corrente das
administrações públicas, formato esse que seguia as
determinações do SNA 68.
Referências
BECKERMAN, Wilfred. Introdução à análise da renda nacional. Rio
de Janeiro: Zahar Editores, 1979.
GUILHOTO, Joaquim J. M. Análise de insumo-produto: teoria e
fundamentos. São Paulo: FEA-USP, 2004.
SIMONSEN, Mario H.; Rubens Penha Cysne. Macroeconomia. 2ª
ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas Editora, 1996.
Na internet
Banco Central do Brasil (uma das fontes mais completas de
informações sobre a economia brasileira): http://www.bcb.gov.br
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES:
http://www.bndes.gov.br
Confederação Nacional da Indústria – CNI (indicadores mensais da
atividade produtiva e comercial das empresas e da evolução do
mercado de trabalho): http://www.cni.org.br
Dados Socioeconômicos sobre o município de São Paulo:
http://www.seade.gov.br
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-
Econômicos – DIEESE: http://www.dieese.org.br
Federação das Indústrias de São Paulo – FIESP:
http://www.fiesp.org.br
Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas – FIPE (acesso aos
Indicadores de Movimentação Econômica no Estado de São Paulo –
IMEC/SP): http://www.fipe.com
Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados – Fundação
SEADE: http://www.seade.gov.br
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (o mais
completo site de informações estatísticas sobre o Brasil):
http://www.ibge.gov.br
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA:
http://www.ipea.gov.br; http://www.ipeadata.gov.br
Ministério do Trabalho: http://www.mtb.gov.br
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